terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Carlos Andreazza - Vestiu a toga e foi à missa

O Globo

Não houve festa. Não daquelas, pagas por associações de magistrados, em que o empossado canta para empresário que tem pendências no Supremo. Flávio Dino vestiu a toga e foi à missa.

Posse discreta; não livre — Deus sempre vendo — de prévia reunião VIP. Modalidade de folia petit comité. Há imagens. Daniela Lima, da GloboNews, documentou. Numa sala contígua ao plenário, ministros em rodinhas com enrolados cujo foro é o STF.

Posse discreta e concorrida, não convidado o comedimento, ausente a impessoalidade, barrada a prudência.

Estava lá, num dos bolinhos, sorridente, com o sorridente imperador do Senado Davi Alcolumbre, o ministro Juscelino Filho, deputado pelo Maranhão, cujas remessas de emendas a municípios do estado estão sob investigação. O maranhense Dino — ex-colega de ministério do investigado — é o relator. Declarar-se-á impedido?

Não serão poucos os impedimentos no horizonte, se o novo ministro afinal não for aquele que, em campanha pela cadeira, firmou o “compromisso de ser um guardião e um facilitador do diálogo entre os Poderes”. (Sendo a função — essa guarda desviada — já mui exercida no STF, a declaração também comunicava que a concorrência se acirraria.)

O cronista, folião pecador, falou em farra e se lembrou do carnaval: o presidente do Supremo malandreando na Sapucaí; passarela em que o Estado Democrático de Direito abriu alas a que anísios e outros capitães — não raro com demandas na Corte — expressassem-exibissem seus impérios. E Barroso ali, todo trabalhado no linho, soltinho e exposto. Expondo-se. Carteirada que nem a irresistibilidade do Salgueiro na avenida justificaria.

(Sugestão de enredo para a Unidos de Padre Miguel, a de Celsinho da Vila Vintém, que voltará — muitas décadas depois — ao Grupo Especial: “Salvando a democracia adoidado”.)

Da fala do presidente do STF — um de nossos salvadores — na posse de Dino, outro herói salvador:

— A vida é dura, mas é boa, porque nos dá o privilégio de servir ao país, sem nenhum outro interesse que não seja fazer um Brasil melhor e maior.

A vida boa oferece muitos privilégios, não raro ofertados por quem — à custa de vidas duras — se serve do Brasil e tem interesse em fazer do país patrimônio privado ainda melhor e maior.

(Num camarote privado, Nunes Marques — egresso dos abadás de Salvador — viu os desfiles de segunda-feira, dia em que passou o buliçoso caju da Mocidade Independente, a escola sob patronato de Rogério de Andrade, de cujo processo no Supremo o ministro é relator e cuja prisão preventiva revogara em 2022.)

Dino não irá à Sapucaí. A posse austera comunica um perfil. A questão sendo se deixará de ser agente político, a avenida indo até ele. Há respostas na forma como se comportou desde que chancelado pelo Senado, em dezembro. Em vez de uma quarentena informal, desligando-se do Ministério da Justiça e da atividade política, escolheu participar-influir na transição para Ricardo Lewandowski e ainda voltar — e apresentar projetos — ao Parlamento; de onde saiu para pegar o Supremo no dia seguinte.

Tudo indica que estreará em ação que tem seu ex-partido como parte. Questionamento sobre mudança na regra para distribuição das sobras eleitorais. O resultado podendo alterar a composição da Câmara e beneficiar o PSB. Declarar-se-á impedido?

Se o cronista gostasse de apostas e tivesse tostão para apostar, casaria que Dino, senador eterno, será — anomalia natural (o oximoro se impõe) numa Corte constitucional que se dilata sobre a República — ministro-líder do governo no Supremo. O tribunal há muito à vontade para ser (já é) o terceiro turno parlamentar. E então Dino. Uma escolha pelo — um investimento no — vício. Pós-Lewandowski, um Xandão para Lula chamar de seu.

A tese da liderança do novo ministro pela agenda do governo será testada quando o STF voltar a examinar a liminar — de, ora, Lewandowski — que enterrou a Lei das Estatais. O Planalto o tem na conta do advento decisivo para — esculhambado o desejo do legislador — assegurar a formação de maioria em prol do aparelhamento político-partidário de companhias estatais. Declarar-se-á impedido?

Registre-se, do pós-missa, a compreensão de Dino sobre a função do STF, alargamento que é produto de um tipo de dependência da virtude (já deve haver até um mercado) de salvar a democracia:

— O Supremo tem esse grande papel de controle sobre os outros Poderes.

O controle exercido pelo STF é de constitucionalidade, a partir do que determina a Constituição, daí derivando a contenção — de modo estrito — sobre outros Poderes. É uma obviedade. Sim. Que não impede nem sequer constrange — aumentada doravante a concorrência — a expansão das abordagens xandônicas.

 

Um comentário:

hisayo nanami disse...

Andreazza? (epa! epa!)

Mas tá mais pra uma espécie de Chris Flores, sempre FOFOCALIZANDO, né não?