Usar multidão contra a Justiça mostra que Bolsonaro não muda
O Globo
Não é tolerável numa democracia que
ex-presidente use sua força política para atacar investigação sobre golpe
Alvo de investigação da Polícia Federal sobre
tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente Jair
Bolsonaro liderou uma gigantesca manifestação na Avenida
Paulista, em São Paulo, no domingo. Quarteirões ficaram lotados com
manifestantes vestindo camisas amarelas. Caravanas de ônibus chegaram de todo o
país. Havia veículos de Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e
Pernambuco. A estratégia era evidente desde antes do ato: usar as ruas para
tentar proteger Bolsonaro da Justiça. Isso ficou explícito quando o próprio
Bolsonaro, microfone em mãos, afirmou querer “passar uma borracha no passado”.
As suspeitas sobre Bolsonaro, ministros e
apoiadores são graves. Elas devem ser investigadas a fundo e, comprovada culpa,
a punição deve ser severa. Tramar para subverter a vontade expressa pelo voto
popular é o crime mais grave numa democracia. “Passar uma borracha”, como quer
Bolsonaro, tornaria mais provável um novo plano de golpe no futuro. Seria
também um ataque intolerável à noção, basilar numa democracia, de que todos são
iguais perante a lei. Quem consegue atrair multidões para manifestações deve receber
o mesmo tratamento dado a qualquer suspeito. Não dá para aceitar esse
subterfúgio para pressionar a Justiça.
A demanda por anistia chegou ao absurdo quando Bolsonaro admitiu a existência do documento conhecido como “minuta do golpe”. “Agora, o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham santa paciência”, disse Bolsonaro. Na versão dele, o rascunho de decreto encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, instalando Estado de Defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), era inofensivo. Nada mais longe da verdade. O objetivo da minuta era mudar o resultado das eleições de 2022, vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva. De constitucional, não tinha nada. A partir da delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, a PF investiga os indícios de que o ex-presidente tenha participado da redação final do texto.
Ao mesmo tempo que representa uma manobra
para pressionar a Justiça, a manifestação da Paulista demonstra que, do ponto
de vista político, Bolsonaro mantém a liderança da parcela conservadora da
sociedade brasileira. Mesmo tendo sido declarado inelegível até 2030 por
decisão do TSE — que o condenou por abuso de poder político e uso indevido dos
meios de comunicação ao atacar, sem provas, a lisura das urnas eletrônicas —,
ele reuniu sob suas asas os principais governadores da oposição, diversos
deputados e uma multidão estimada em 185 mil pessoas. Embalado pelo discurso
que mistura pregação religiosa, loas à polícia, negacionismo eleitoral e
liberalismo econômico, Bolsonaro atraiu inúmeros insatisfeitos com o governo
Lula.
O mar de camisas amarelas na Paulista é um
alerta para Lula e os partidos de esquerda. O movimento identificado com a
direita e a ultradireita se consolidou e deverá manter força eleitoral. Isso é
uma lembrança eloquente de que a vitória de Lula foi garantida não apenas pelos
votos da esquerda, mas sobretudo pelos eleitores de centro que não queriam
Bolsonaro. Governar apenas para os petistas — como ele faz ao retroceder em
agendas superadas, caso do gigantismo das estatais — equivale a ignorar essa
realidade. Com isso, Lula certamente sofrerá consequências políticas e
eleitorais.
Tragédia ianomâmi persiste apesar das
promessas feitas por Lula
O Globo
Situação na reserva indígena continua
dramática, e mortes em 2023 aumentaram 6%
A tragédia que aflige o povo ianomâmi parece
distante de uma solução, a despeito das ações do governo Luiz Inácio Lula da
Silva. No ano passado, foram registradas 363 mortes nas aldeias, 6% a mais que
as 343 notificadas em 2022, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo
Ministério da Saúde na semana passada. O governo alega que os números
anteriores estavam subnotificados e que a presença mais intensa do Estado na
reserva permitiu melhorar os registros. Por mais que isso possa ser verdade, as
mais de três centenas de mortes — resultado de malária, desnutrição, diarreia,
pneumonia e outras mazelas — são sinal contundente do fracasso. O próprio
governo admite que ainda há subnotificação nos números.
Em janeiro do ano passado, um dia depois de o
Ministério da Saúde decretar emergência na reserva ianomâmi, Lula visitou a
região ao lado de oito ministros. A situação não era diferente da exibida em
reportagem do Fantástico em 2021. Crianças e mães esquálidas eram o retrato de
uma comunidade abandonada pelo poder público. Politizando a questão, Lula
acusou Jair Bolsonaro de genocídio contra o povo ianomâmi e disse que a
situação demandava “medidas mais drásticas”. Pelo visto, ficou no discurso.
É verdade que as Forças Armadas foram
envolvidas em ações emergenciais, mas, além de insuficientes, elas não tiveram
continuidade. A anunciada repressão ao garimpo ilegal fracassou. Sem medidas
permanentes, os garimpeiros expulsos da reserva não tardaram a voltar. No fim
do ano passado, o próprio governo reconheceu o problema.
Na prática, o povo ianomâmi continua
abandonado à própria sorte. Os distritos de saúde nas aldeias, quando existem,
não têm equipes médicas ou remédios suficientes para doenças evitáveis. Em
setembro passado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal
(STF), cobrou do governo um relatório detalhado sobre as medidas adotadas para
proteger os ianomâmis. A decisão foi tomada depois que associações indígenas
denunciaram aumento no garimpo ilegal.
Nos últimos dias, diante da repercussão
negativa do aumento nas mortes, o governo anunciou a construção de um hospital
indígena em Boa Vista. Trata-se, porém, de medida de longo prazo, sem efeito
num presente desalentador. Compreende-se que qualquer intervenção no território
onde vivem mais de 30 mil ianomâmis demande logística complexa. Mas o próprio
governo prometeu reagir ao abandono da gestão anterior e, até agora, pouco fez.
É uma vergonha o que acontece na reserva
ianomâmi. O governo tem obrigação de levar assistência médica às aldeias. Ao
mesmo tempo, precisa combater o garimpo ilegal, que, ao contaminar as águas dos
rios, também contribui para degradar a saúde da população. Lula deveria falar
menos e fazer mais pelo povo ianomâmi.
Ato político não deve intimidar investigação
Folha de S. Paulo
Bolsonaro comprova popularidade na Paulista,
o que não pode impedir apuração equilibrada de suposta tratativa golpista
São raros os líderes políticos capazes de
mobilizar multidões, mesmo no auge de seu prestígio. Jair Bolsonaro (PL) o fez
estando inelegível, por um ato infame de difamação do sistema eleitoral do
país, e sob investigação por golpismo.
Chama a atenção, de fato, o comparecimento
de milhares à manifestação de apoio ao ex-presidente realizada
no domingo (25), na avenida Paulista, que resultou nas desejadas e inevitáveis
imagens da aglomeração de camisas amarelas e bandeiras nacionais.
Bolsonaro conta com a adesão convicta de um
quarto dos brasileiros, não muito distante dos 30% que, segundo o Datafolha,
depositam sua plena confiança no petismo de Luiz Inácio Lula da Silva. Os
índices de identificação com os dois polos ideológicos se mantêm quase
inalterados desde as eleições de 2022 —o que é mais digno de nota no caso do
perdedor.
Reforça-se a hipótese de resiliência da
direita popular e populista que ascendeu no Brasil e no mundo, com franjas
radicais tendendo não poucas vezes à truculência e ao autoritarismo. Em
dezembro, apenas 8% dos eleitores de Bolsonaro, apeado do poder por margem
mínima de votos, diziam-se arrependidos da escolha.
Tamanho ativo eleitoral explica a presença de
autoridades relevantes no palanque da Paulista. Governadores como Tarcísio de
Freitas (Republicanos), de São Paulo, e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais,
embora distantes da pregação bolsonarista contra as instituições, são
candidatos a herdeiros do apoio ao líder carismático.
Com a mostra de força política, o
ex-mandatário pretendeu, mesmo com
retórica estrategicamente contida, intimidar a operação judicial e
policial que hoje investiga a extensão de suas ruminações golpistas no
Planalto. Nesse intento, não pode nem deve ter sucesso.
Há indícios graves de que um grupo de
auxiliares civis e militares tramou subverter a iminente derrota eleitoral do
chefe em 2022. No ato público, Bolsonaro desqualificou as suspeitas em
torno de uma minuta de decreto de estado de defesa. A existência de
um documento do gênero foi revelada pela Folha em janeiro do ano
passado.
Se supostas tratativas como essas avançaram a
ponto de configurar uma tentativa criminosa de abolição do Estado de Direito, é
caso a ser decidido a partir de apuração sóbria e rigorosa e o devido processo
legal, que deveria ter a Procuradoria-Geral da República como parte acusadora,
se houver elementos para tanto, e o Supremo Tribunal Federal como julgador
imparcial.
As investigações precisam prosseguir —com
equilíbrio, sim, mas sem nenhum temor.
Sete Brasil naufraga
Folha de S. Paulo
Pedido de falência alerta para iniciativas do
PT nos setores naval e petrolífero
Em recuperação judicial desde 2016, a Sete
Brasil pediu falência à Justiça, deixando pelo caminho um rastro de
dívidas, má gestão e escândalos de corrupção.
Fundada em 2010 como um consórcio de grandes
acionistas privados, fundos de pensão e a Petrobras, no auge da megalomania
petista com a descoberta do pré-sal, a empresa deveria gerenciar a compra e a
operação de sondas para exploração de novas áreas.
Contudo nem sequer chegou perto de seu plano
de fornecer 28 desses equipamentos para a petroleira. Acabou engolfada logo nos
primeiros anos por denúncias de propinas e sobrepreço.
Com os atrasos no fornecimento e o impacto da
Operação Lava Jato, a Petrobras não manteve os contratos, e apenas quatro
sondas entraram em operação, parte ínfima do projeto original.
O imbróglio gerou dívidas de R$ 18 bilhões
com bancos e investidores, além de processos contra executivos acusados de
corrupção.
Durante o processo de recuperação judicial, a
Sete Brasil tentou vender as quatro sondas para a Petrobras por cerca de R$ 1
bilhão e, assim, antecipar pagamentos aos credores —que não passariam de uma
fração do montante devido.
Agora, com o pedido de falência, essas
negociações são frustradas, e as chances de chegar a uma solução são ainda mais
remotas.
O que se observa é a agonia de um projeto que
já nasceu em meio a conflitos de interesse e vícios de governança que
contaminaram todos os entes que dele participaram, fossem privados ou públicos.
O aprendizado que deveria ficar do episódio,
assim como de outras empreitadas nos setores naval e petrolífero, é de
ceticismo. Não é fácil tirar do papel projetos complexos para setores altamente
intensivos em capital, e o governo federal já enterrou bilhões em pelo menos
três iniciativas similares.
Num momento em que Palácio do Planalto e BNDES ensaiam novas aventuras na área naval, declarando levar em conta os erros do passado, o esqueletos da Sete Brasil e de estaleiros fracassados devem servir como lembrança dos riscos que esse tipo de política ensejam para os contribuintes.
Começou o pós-Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
Em ato na Paulista, Bolsonaro se limitou a
pedir anistia, enquanto um de seus principais herdeiros, Tarcísio, já o tratava
como um retrato na parede, candidatando-se a herdar seus votos
A manifestação bolsonarista de anteontem na
Avenida Paulista serviu para evidenciar o contraste entre os objetivos de Jair
Bolsonaro e os de quem pretende herdar seu espólio eleitoral. Com um discurso
politicamente anódino, Bolsonaro parecia ter-se dado por vencido de que deverá,
mais cedo ou mais tarde, prestar contas à Justiça em razão das cada vez mais
robustas evidências de que urdiu um golpe para permanecer no poder,
restando-lhe apenas apelar por uma improvável anistia. Por outro lado, ao dizer
que “Bolsonaro não é mais um CPF, não é uma pessoa, ele representa um
movimento”, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tratou o ex-presidente,
na prática, como um retrato na parede. Sendo ele mesmo perfeitamente elegível,
ao contrário de seu padrinho político, Tarcísio claramente se apresentou como
candidato a líder desse movimento – numa disputa contra outros vários presentes
ao lado de Bolsonaro na Paulista.
Se os termos da convocação para o ato já não
escondiam o propósito de Bolsonaro, o discurso do ex-presidente em cima de um
trio elétrico reforçou sua intenção de explorar o público presente na Paulista
para afrontar, a um só tempo, a História, a Polícia Federal e o Supremo
Tribunal Federal a fim de escapar da cadeia. “Nós já anistiamos no passado quem
fez barbaridades no Brasil”, disse Bolsonaro, referindo-se à anistia que
pavimentou o caminho para a redemocratização do País. “O que eu busco é a
pacificação. É, por parte do Parlamento, uma anistia para aqueles pobres
coitados presos em Brasília”, completou, tratando como “pobres coitados” a
malta ensandecida que vandalizou física e moralmente as instituições
democráticas no 8 de Janeiro.
Por óbvio, Bolsonaro não dá a mínima para as
agruras no cárcere experimentadas por cada um daqueles homens e mulheres,
jovens e idosos, que, em seu nome, passearam naquele dia infame pelos tipos
penais previstos na Lei 14.197/2021, que trata da defesa do Estado Democrático
de Direito. Como sempre, Bolsonaro está preocupado apenas com seu destino – no
máximo, com os de seus familiares e aliados próximos. Nesse sentido, é bastante
sintomático que Bolsonaro tenha agradecido a seus apoiadores por terem proporcionado
“uma fotografia para o mundo, uma imagem para o Brasil e para o mundo do que é
a garra do povo brasileiro”. Era só com isso que Bolsonaro estava preocupado.
A política que faltou no discurso de
Bolsonaro sobrou no de Tarcísio de Freitas. O governador paulista, único a quem
foi dada a palavra entre os governadores presentes na manifestação – Romeu Zema
(MG), Ronaldo Caiado (GO) e Jorginho Mello (SC) –, fez um breve inventário de
algumas das alegadas realizações da gestão Bolsonaro. Logo em seguida, destacou
que os milhares de manifestantes reunidos na Avenida Paulista lá estavam para
“celebrar o verde e amarelo, o amor ao nosso país e o Estado Democrático de Direito”,
sendo fundamental “entender os seus desafios”.
O poder de mobilização de Bolsonaro é
incontestável, como mostra a multidão reunida na Paulista. Mas, enquanto o
ex-presidente se limita a vociferar contra o “comunismo” em cima de um carro de
som e a se dizer “perseguido”, Tarcísio e outros já estão com os olhos no
futuro e seus “desafios”.
Essa direita se une por Bolsonaro hoje na
exata medida da necessidade de preservar para si o potencial eleitoral do
“mito” – mas é bom lembrar que o governador paulista, tão agradecido a seu
padrinho, é o mesmo que não se sentiu constrangido em estabelecer um diálogo
construtivo com o presidente Lula da Silva, demonizado pelos extremistas de
camisa da seleção brasileira, e em apoiar a reforma tributária à revelia do
ex-presidente. Ou seja, os prováveis herdeiros de Bolsonaro, ao mesmo tempo que
compreendem as demandas – muitas das quais legítimas – dos que foram à
Paulista, oferecem a superação do radicalismo bolsonarista, não só para ampliar
o eleitorado fora da extrema direita, mas, sobretudo, para deixar claro seu
caráter democrático – essencial para a pacificação que Bolsonaro só quer da
boca para fora.
O impacto da inteligência artificial no
trabalho
O Estado de S. Paulo
Estudo do FMI conclui que, ao expor 40% dos
empregos do mundo a seus efeitos, a IA elevará o fosso entre ricos e pobres;
educação e proteção social são os únicos antídotos
O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima
que 40% dos empregos no mundo estarão expostos aos efeitos da inteligência
artificial (AI). O cálculo impressiona porque não haverá remédio para parte
desses postos de trabalho: vai desaparecer. Mas, como adverte o estudo IA
Generativa: A Inteligência Artificial e o Futuro do Trabalho, no qual o dado
está inserido, o cenário tende a ainda ser mais doloroso. Ao dizimar atividades
laborais e até setores econômicos inteiros, essa revolução tecnológica elevará
as tensões sociais em diversas nações e aprofundará o fosso entre os países
mais ricos e os mais pobres.
Para o Fundo, esse efeito da IA somente será
mitigado com mais e melhores políticas públicas sociais, de distribuição de
renda e de educação. “Para todas as economias, redes de segurança social e de
treinamento para os trabalhadores mais suscetíveis à inteligência artificial
são cruciais para assegurar a inclusão”, afirma o estudo, realizado com base em
análises do mercado de trabalho, do sistema produtivo e do potencial de
absorção dessa tecnologia em 174 países.
A recomendação do FMI vale, sobretudo, para
as economias emergentes, como o Brasil e a Índia, e as menos desenvolvidas,
entre as quais as africanas e as centro-americanas. Em comum, esse conjunto de
nações traz históricos níveis de desigualdade social e, salvo exceções,
minguados recursos e/ou vontade política para adotar programas públicos de
proteção aos mais vulneráveis. Não se antevê melhora substancial em suas
condições fiscais para mitigar os danos da revolução laboral provocada pela IA
– que, certamente, os alcançará. Tensões sociais, segundo o Fundo, estão no
radar.
É certo que a inteligência artificial, como
destaca o FMI, seguirá um cronograma de absorção mais lento nessa parcela do
mundo. Com a ampla massa de empregos de baixa qualificação e o alto grau de
informalidade no mercado laboral, os efeitos da IA nesses países serão
moderados, se comparados com o mundo desenvolvido. As economias emergentes
estarão alinhadas à média global de 40% de empregos afetados, segundo o Fundo.
Nas menos desenvolvidas, não passará de 26%. O menor impacto, porém, está muito
longe de ser uma bênção. Esses mesmos países tardarão a usufruir das vantagens
da tecnologia inovadora: o choque de produtividade, o aumento de renda do
trabalho e o crescimento econômico.
Nas economias avançadas, onde modelos de
inteligência artificial não raro são patenteados, os efeitos negativos já
começam a ser observados no mercado de trabalho. Nos cálculos do FMI, 60% dos
empregos serão afetados, dos quais a metade deve desaparecer. Os sobreviventes
tenderão a ser profissionais com educação superior nas funções com
complementaridade com a IA. Haverá, obviamente, filas de demitidos sem a mínima
condição de empregabilidade, como costuma acontecer sempre que há avanços
tecnológicos. Portanto, o risco de tensões sociais tampouco estará afastado no
mundo desenvolvido.
Considerado pelos pesquisadores do FMI como
caso intermediário entre economias ricas e pobres, o Brasil está sujeito a ver
41% de seus empregos afetados pela IA, em linha com a média mundial.
Para o Fundo, a tábua de salvação para 43,7%
dos trabalhadores brasileiros estará na educação superior – um diferencial que
lhes permitirá buscar postos de trabalho nos quais a IA seja complementar. A
alternativa de correr para setores menos afetados implicará perda salarial. O
remédio receitado pela instituição financeira ao País não foge à regra geral:
investimento em educação e no reforço dos programas sociais.
A transformação prevista no mercado de
trabalho, por força da IA, não tem precedentes, na avaliação do Fundo. Se as
máquinas a vapor, a divisão fordiana da produção e a informática deixaram
multidões de excluídos e acentuaram as diferenças entre nações industrializadas
e pobres, o que está por vir mostrase mais profundo. A consolidação de um mundo
bem mais desigual já está nas contas do FMI. É preciso ouvir a instituição
financeira o quanto antes: há antídotos, e eles estão nos investimentos em
educação e em segurança social.
Lula precisa se desculpar
O Estado de S. Paulo
Presidente da República deve esse gesto aos
judeus e aos humanistas ofendidos por suas declarações
Já se passou mais de uma semana da ofensiva
declaração do presidente Lula da Silva comparando os horrores vistos na Faixa
de Gaza ao Holocausto. É um tempo evidentemente curto demais para a História e
breve o suficiente para o esquecimento do erro e sua substituição por outra
crise. Por sua gravidade, no entanto, nem a repugnante declaração foi esquecida
nem a História deverá preservar o presidente do julgamento moral por ter
ultrapassado a fronteira do antissemitismo e do desconhecimento dos fatos.
Nos últimos dias, Lula tentou redirecionar
sua fala para a defesa de que o governo de Israel pratica genocídio em Gaza.
Seu principal assessor internacional, o ex-chanceler Celso Amorim, também pôs o
dedo em riste para o governo israelense e assim respondeu à cobrança para que o
seu chefe peça desculpas a Israel por ter equiparado as ações em Gaza aos
métodos de Hitler: “Vai ficar pedindo. (...) Não sei se ele (Binyamin
Netanyahu, primeiro-ministro de Israel) faz isso por demagogia interna ou por
qualquer outra razão, mas, certamente, se ele está esperando isso, não vai
receber”.
Acostumado a enxergar o mundo segundo os
estreitos limites de seu umbigo, e com a convicção de que é moralmente superior
por se considerar a encarnação do “povo”, Lula pode achar que as reações
críticas a ele se restringem a extremistas, direitistas, conspiradores,
imperialistas do Norte e elites do Sul. Não. A lista de atingidos é muito mais
extensa: o presidente ofendeu não só os judeus e não só a memória dos
assassinados nas câmaras de gás, mas todos os cidadãos de consciência justa e
humanista.
Se é verdade que a barulhenta reação da
diplomacia israelense colocou limites políticos a um eventual recuo do
presidente brasileiro, também é verdade que Lula, Amorim, os bajuladores de
praxe e a militância mais empedernida não perceberam o óbvio: é o momento de
separar as sandices do governo israelense dos seus cidadãos e de todos os
judeus que se ofenderam com a comparação. A contrição será o único modo de
atenuar os efeitos de sua absurda declaração, mostrar que está genuinamente
interessado na paz e se desculpar por uma comparação que, na prática,
desmereceu o sofrimento de milhões de judeus, seus descendentes e todas as
pessoas solidárias mundo afora. Ao fazê-lo, Lula dará ainda mais peso às suas
críticas, legítimas, à truculência israelense em Gaza.
Além da ofensa que espalhou, as brasas
sopradas pelo presidente moldam um ambiente no qual floresce o oportunismo de
extremistas – em Israel e no Brasil. Lá, a canelada diplomática do Brasil
ajudou Netanyahu a galvanizar apoio interno contra os que criticam a guerra.
Aqui, estimulou factoides como um pedido de impeachment de Lula e vitaminou
ânimos bolsonaristas, algo providencial para o fortalecimento da manifestação
do último domingo, em São Paulo, em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Lula pode até se recusar a se retratar
perante o governo israelense, dada a grosseria com que foi tratado, mas ainda
precisa pedir desculpas ao povo judeu. A um só tempo, Lula demonstraria
grandeza e esvaziaria a crise. Mas a soberba parece falar mais alto.
Recuperação judicial ainda reflete sequelas
da pandemia
Valor Econômico
Consultorias especializadas relatam maior procura pelas renegociações com credores e estimam alta nos pedidos de recuperação judicial para 2024, após recorde no ano passado
O pedido de recuperação judicial da Gol nos
Estados Unidos, apelando ao mecanismo de proteção da legislação americana sob o
Chapter 11, no fim de janeiro, acendeu um sinal de alerta no mercado. Apesar da
redução dos juros, há empresas em dificuldades. O crescimento econômico ainda é
insuficiente para dar tração aos negócios. Entre os setores com problemas estão
o varejo, a construção civil e a agropecuária, que deve enfrentar clima mais
adverso e produção menor neste ano.
Algumas empresas não superaram os problemas
surgidos na pandemia, quando conseguiram sobreviver com a ajuda dos bancos,
incentivados a renegociar as dívidas e a repassar linhas de crédito especiais
de apoio. As empresas se endividaram com taxas baixas entre 2020 e 2021,
acabaram enfrentando a forte elevação dos juros em 2022, redução da oferta de
crédito e a queda da geração de caixa. Muitos contratos estão vencendo entre
agora e 2025. Levantamento do Centro de Estudos de Mercado de Capitais
(Cemec-Fipe) constatou que o índice de inadimplência de pessoas jurídicas se
manteve em alta, em 3,58% em novembro do ano passado, mais que o dobro do 1,45%
visto no fim de 2020.
Os juros começaram a recuar no ano passado,
embora ainda estejam em níveis muito altos em termos reais, quando se descontam
as previsões para a inflação nos próximos 12 meses. Além disso, o impacto da
queda das taxas na vida das empresas demora. A consultoria RK Partners calcula
que, na média, os juros do crédito para capital de giro já caíram três pontos
percentuais de janeiro de 2023 para o mês passado, de 30,3% para 27,3% ao ano.
A consultoria estima que a queda das taxas leva de 18 a 24 meses para ter efeito
nas contas das empresas, o que sustenta a sua previsão de que o ano de 2024
ainda vai ser ruim (Valor, 15/2).
Além de o dinheiro custar caro, a oferta de
crédito cresceu a um ritmo mais fraco no ano passado. Depois de ter subido
14,5% em 2022, aumentou praticamente metade em 2023, 7,9%, para R$ 5,8
trilhões. As operações com as empresas se expandiram menos, 4,5%, em comparação
com 10,1% no ano anterior. O crédito ampliado, calculado pelo Banco Central
incluindo operações de mercado de capitais, teve expansão de 4,3%, sendo 15%
registrados pelos títulos privados de dívida e 28,6% pelos papéis
securitizados. A perspectiva é de ligeira melhora na oferta de crédito neste
ano. Mas nada expressivo. O mercado financeiro projeta repetir a dose com
aumento de 8%, e o próprio Banco Central prevê apenas um pouco mais, 8,8%.
Com o caixa apertado pelos compromissos
financeiros, as empresas buscam localizar um comprador ou sócio, renegociar as
dívidas com credores ou até pedir recuperação judicial. Arrumar alguém que
injete recursos é uma alternativa difícil. Há mais de dois anos não há uma
oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na bolsa brasileira.
Havia a expectativa de que essas operações
fossem retomadas já neste início de ano. No entanto, as dúvidas em relação à
política monetária americana adiaram um pouco mais esses negócios. Cresce o
sentimento de que o juro só vai cair no segundo semestre nos Estados Unidos. Há
espaço para as emissões de títulos de renda fixa, embora essa não seja uma
alternativa para empresas de todo porte. Embora o desempenho do PIB seja
razoável, o ritmo ainda deixa a desejar e é insuficiente para reanimar uma
parte das empresas.
Nesse quadro, consultorias especializadas em
reestruturação de dívidas relatam maior procura pelas renegociações com
credores, processos que vinham sendo postergados na expectativa de se abrir
espaço para negociar ou captar recursos no mercado. Relatório da TCP Partners,
que acompanha 60 setores, projeta crescimento de 6% nos pedidos de recuperação
judicial neste ano em relação a 2023, quando houve um aumento recorde. Segundo
dados da Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial subiram 68,7% no ano
passado e somaram 1.405, o maior valor desde 2020. Entre eles, 135 foram de
grandes companhias, e o restante, de pequenas e médias empresas. A maior
quantidade de pedidos veio dos setores de cultivo de cana-de-açúcar,
laticínios, construção de rodovias e de ferrovias (Valor 5/2).
No fim de 2023, nada menos do que 4.045
empresas estavam em processo de reestruturação, conforme o Monitor RGF de
Recuperação Judicial, desenvolvido pela consultoria RGF & Associados. O
problema de muitas delas é o endividamento elevado constituído a partir da
pandemia. O caso da Gol é ilustrativo. O impacto da pandemia no setor de
aviação foi dos mais relevantes. Hoje, duas a cada mil empresas em atividade
estão em recuperação judicial, estima a consultoria.
Para alguns especialistas, porém, o problema é maior. Segundo a RK Partners, do universo de 21 milhões de empresas existentes no país, quase 7 milhões têm ao menos uma dívida vencida. Muitas não vão pagar o débito e terão que renegociar. Elas vão tentar evitar ao máximo apelar para a recuperação judicial, porque o processo é longo e tem um custo elevado. De 128 reestruturações realizadas pela consultoria, só pouco mais de 20% foram recuperações judiciais.
Estupro exige ações rigorosas
Correio Braziliense
A falta de educação, traduzida em
desrespeito, somada ao machismo e à depreciação da mulher, está entre as
motivações do estupro, além dos distúrbios psicossoais. Os homens não admitem
que "não é não"
O ex-jogador de futebol Daniel Alves foi
condenado a 4 anos e meio de prisão e a mais 5 de liberdade assistida pela
Justiça da Espanha, pelo estupro de uma mulher. Diferentemente do Brasil, o
julgamento do atleta foi por uma bancada de três juízes da Corte espanhola. De
acordo com a legislação daquele país europeu, as penas variam de 4 a 12 anos de
privação de liberdade para o agressor. No Brasil, réu é julgado por um um juiz,
mas a punição é um pouco mais rigorosa, variando de 6 a 10 anos, e de 10 a 30
anos — dependendo dos danos causados à vítima: de 8 a 15 anos, podendo ser a
aumentada no caso de lesão grave, entre 10 e 20 anos, e, em caso de morte, até
a 30 anos.
Em 2020, o ex-jogador Robinho foi condenado
pela Justiça italiana a 9 anos de prisão por participação em um estupro
coletivo de uma jovem ibanesa. Evadiu-se rapidamente para o Brasil, onde, até
hoje, o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) não aconteceu — há
possibilidade de que ocorra neste ano. Mas diante das brechas na legislação, os
defensores conseguem postergar a decisão judicial, sobretudo quando o réu tem
fama e dinheiro.
Em recente entrevista ao jornalista Vicente
Nunes, correspondente dos Diários Associados em Lisboa, a ex-modelo Luiza
Brunet, hoje empresária e engajada no movimento feminista, condenou os atos de
violência sexual dos atletas brasileiros: "Os jogadores de futebol têm de
se educar, não estuprar".
A falta de educação, traduzida em
desrespeito, somada ao machismo e à depreciação da mulher, está entre as
motivações do estupro, além dos distúrbios psicossoais. Os homens não admitem
que "não é não". A avalanche de casos de violência sexual coloca o
Brasil entre os países mais violentos em relação às mulheres, às crianças e aos
adolescentes.
Em 2023, o país ocupava a 11ª posição no
ranking mundial de violência sexual contra às mulheres, com 34 mil vítimas no
primeiro semestre — aumento de 14,9% em relação a igual período de 2022 —
segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Em 2022, foram
registrados 73.024 casos de estupro registrados, sendo que as
vítimas menores de 14 anos (meninas e meninosm, enfermos ou com deficiência
mental) chegaram a 56.820.
No grupo de vulneráveis, 40.659 tinham 13
anos ou menos (61,4%) dos casos. Os meninos também são violentados e eles
somaram 14% dos casos, sendo que 43,4% tinham entre 5 e 9 anos. Um segmento
social que não sabe dizer "não" e, boa parte, sequer tem compreensão
da violência a que está sendo submetida. Por mais absurdos que os números
pareçam, os pesquisadores alertam que eles não retratam a realidade, pois há
uma subnotificação, principalmente quando o abusador tem parentesco com a
vítima.
Diante de um quadro tão perverso, com danos
físicos e psicossociais gravíssimos e muitos irreversíveis, o Senado Federal
aprovou emenda à Constituição que torna o estupro crime imprescristível. Mas só
o agravamento das punições não muda o cenário. Educar e orientar crianças e
jovens para que saibam reconhecer um gesto de assédio é essencial para que
possam se defender e alertar pais, responsáveis, professores.
Desde o ano passado, o governo federal voltou
a inserir na grade escolar a orientação técnica sobre educação em sexualidade,
para que as potenciais vítimas saibam se defender. A gravidade do tema impõe
não só ações penais, mas mecanismos mais seguros de proteção às crianças, aos
jovens e às mulheres, sem desprezar as punições severas aos agressores. Mas
também cabe às famílias não proteger os estupradores — sejam eles da família,
sejam do círculo de amigos. Estupro exige um combate sem tréguas.
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