O Estado de S. Paulo
Lula esquece Holocausto, mas insiste em genocídio para evitar armadilha e massacre em Rafah
A semana passada começou desastrosa, com a
inaceitável comparação dos ataques a Gaza com o Holocausto, mas evoluiu bem com
dois consensos importantes na reunião de chanceleres do G-20 (grupo das maiores
economias globais) e encerrou com o presidente Lula modulando o seu discurso:
deixou de lado o falatório sobre Holocausto, mas manteve a acusação de
genocídio contra Israel.
A insistência no termo genocídio tem motivo: o temor, não só do Brasil, mas do mundo, de que a próxima etapa da selvageria seja em Rafah, ao sul de Gaza, na fronteira com o Egito, para onde o regime Netanyahu empurrou milhares de famílias palestinas. Ou seja, de que Rafah se transforme numa armadilha. Como me disse um alto diplomata, “não venham chorar lágrimas de crocodilo e fazer minissérie depois, tarde demais”.
Lula está também amparado pela Corte
Internacional de Justiça de Haia. Acionada pela África do Sul, inclusive com
apoio do Brasil, para julgar Israel por violação à chamada “Convenção contra
Genocídio”, de 1948, a Corte adotou medidas cautelares contra o regime
Netanyahu, ou seja, reconheceu o risco real de genocídio contra os palestinos,
diante da passividade do mundo e da ONU.
Aliás, os dois principais consensos na
reunião de chanceleres do G-20 foram a criação de dois Estados independentes, o
de Israel e o da Palestina, e justamente a reforma da ONU. Sob a presidência do
Brasil, os chanceleres deixaram as (muitas) discordâncias em segundo plano para
focar nas convergências. Exemplo: Brasil e EUA discordam em relação à guerra de
Israel e ao uso do termo genocídio, mas concordam com a necessidade de dois
Estados. Segundo o anfitrião Mauro Vieira, essa posição foi “uma virtual unanimidade”
na reunião.
E quem haveria de discordar de que a ONU não
está funcionando? O mundo mudou e não tem sentido manter cinco potências com
direito a veto e impedindo unilateralmente resoluções de interesse da
humanidade. Com um único voto, os EUA derrubaram a proposta do Brasil para
cessar-fogo em Gaza. Como falar é uma coisa e fazer é outra, o Brasil e o mundo
sabem que EUA, Rússia, China, Reino Unido e França, os cinco membros
permanentes do Conselho de Segurança, dizem que topam, mas vão fazer tudo para
evitar a reforma.
Por isso, a próxima reunião de chanceleres do
G-20 será na sede da ONU, em Nova York, em setembro, durante a abertura da
Assembleia-Geral. Vai começar, de fato, debate sério sobre a velha e agora
inadiável atualização da governança global. Lula abriu pessimamente a semana,
mas a consistente diplomacia brasileira botou o trem nos trilhos.
2 comentários:
Muito bom! Prezada colunista: a diplomacia brasileira é autônoma e independente ou ELA SEGUE OS RUMOS DITADOS PELO PRESIDENTE?
Sei.
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