Acordo entre Lula e Tarcísio é exemplo em país polarizado
O Globo
Recuo do presidente e parceria com o governo
paulista no túnel entre Santos e Guarujá devem ser celebrados
Representa um avanço institucional o recuo do
governo Luiz Inácio Lula da
Silva na ideia de construir sozinho o túnel que ligará as cidades de Santos e
Guarujá, no litoral paulista. A obra, que integra o novo Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC)
do governo federal e é orçada em R$ 6 bilhões, era também reivindicada pelo
governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas (Republicanos), ex-ministro no governo Jair Bolsonaro e
um dos principais antagonistas do PT na cena nacional. A conversa entre dois
adversários políticos para pôr em marcha um projeto em benefício da população é
fato tão raro nestes tempos de polarização ideológica que precisa ser
celebrada.
Na terça-feira, uma reunião entre Lula, Tarcísio e colaboradores em Brasília transcorreu de forma profissional e cordial, misturando assuntos técnicos, política e futebol. No final, ficou acertado que o túnel de 860 metros de extensão será construído em conjunto pela União, pelo estado de São Paulo e por uma parceria público-privada (PPP). Cada governo destinará R$ 2,7 bilhões à obra, e o restante será bancado com a receita de pedágio auferida pela empresa que vencer a concessão da PPP.
O projeto de construção do túnel havia
erguido uma barreira entre Lula e Tarcísio. Como mostrou
o colunista Lauro Jardim, do GLOBO, Tarcísio considerava
inaceitável que o estado ficasse fora da obra, quando o ministro de Portos e
Aeroportos, Silvio Costa Filho, é filiado ao Republicanos. O governador ameaçou
até deixar a legenda caso o impasse não fosse resolvido. O próprio Costa Filho
trabalhou para costurar o acordo com Lula.
A construção de um túnel entre Santos e
Guarujá é cogitada há pelo menos 96 anos. A ligação atual, por meio de balsa,
leva cerca de 20 minutos. Ou então é preciso dar uma volta por uma estrada de
43 quilômetros, num trajeto que pode levar uma hora. Estima-se que a travessia
pelo túnel levará menos de dois minutos. A obra beneficiará cerca de 80 mil
pessoas por dia.
Não seria razoável que esse projeto essencial
para melhorar o transporte em região tão relevante para o Brasil ficasse ao
sabor de disputas políticas ou ideológicas. O que deve nortear as decisões é o
interesse da população. A cooperação entre os governos federal e estadual será
melhor para todos, uma vez que os custos poderão ser divididos, aliviando o
caixa dos dois lados. A parceria permitirá ainda maior agilidade, pois
facilitará a integração entre os diversos órgãos envolvidos no projeto.
Não é a primeira vez que Lula e Tarcísio
deixam de lado divergências políticas em prol de interesses maiores. No ano
passado, presidente e governador atuaram juntos na resposta à catástrofe das
chuvas no Litoral Norte de São Paulo. A aproximação, mais que necessária para
facilitar o socorro às vítimas, foi celebrada por políticos de ambos os lados,
apesar da reação de estranhamento da militância nas redes sociais.
Nada deve haver de extraordinário no fato de
políticos de colorações ideológicas ou partidárias diversas se unirem para
defender os interesses da sociedade em questões cruciais. Sempre deveria ser
assim, mas infelizmente tem sido fato raro no país. Num clima de polarização, a
preocupação com o efeito na militância costuma vir em primeiro lugar, e a
população que se vire. O acordo Lula-Tarcísio deveria inspirar outras parcerias
entre adversários políticos. Seria um alento.
Maduro demonstra que não quer promover
distensão na ditadura
O Globo
Ao retirar das urnas a maior líder da
oposição, ditador venezuelano sufoca esperança de transição democrática
O ditador Nicolás
Maduro comprovou na semana passada não ter intenção de promover
nenhuma distensão na Venezuela.
O Tribunal Supremo de Justiça, que não tem independência e onde todos os juízes
foram nomeados pelo regime chavista, tornou
inelegível por 15 anos a principal líder da oposição, María Corina Machado.
Outros políticos também foram afastados das urnas. A decisão da Justiça é
reveladora por desnudar o temor de Maduro. Sua impopularidade é tão grande que
ele não se sente mais à vontade para disputar as eleições presidenciais deste
ano recorrendo somente à fraude, como fez repetidas vezes no passado. Pesquisa
recente mostrou María Corina com 70% das intenções de voto, ante 9% para
Maduro.
Levou apenas três meses para ele sufocar a
esperança de saída democrática para a catástrofe econômica e social vivida
pelos venezuelanos. Em outubro, um acordo entre o regime chavista e
representantes da oposição, costurado com a ajuda da comunidade internacional,
inclusive o Brasil, prometia eleições presidenciais competitivas. O governo
americano chegou a anunciar a suspensão por seis meses de sanções impostas aos
setores de petróleo, gás e ouro. As medidas foram saudadas como positivas, por
apontar uma saída negociada para a ditadura. Agora ficou comprovado que o
herdeiro político de Hugo Chávez não pretende recuar do autoritarismo. Desde o
início do ano, a onda de perseguições, intimidações e prisões arbitrárias de
adversários políticos cresceu.
Em entrevista
ao GLOBO, María Corina, questionada sobre seu plano de luta
daqui para a frente, respondeu com uma pergunta: o que fará a comunidade
internacional? Até o momento, a reação americana foi mais enfática nas palavras
que nos atos. O governo Joe Biden criticou a decisão da Justiça, condenou as
perseguições e detenções e afirmou que reveria a política de sanções. A única
que voltou a impor proíbe transações com a estatal de mineração da Venezuela.
Extraoficialmente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva considerou os últimos acontecimentos um retrocesso, mas ainda não se
manifestou.
A ditadura chavista não é uma chaga apenas
para os venezuelanos. O regime causa dor de cabeça tanto para Biden quanto para
Lula. Para os Estados Unidos, as preocupações são a onda migratória e o mercado
internacional de petróleo. Para o Brasil, o garimpo ilegal na reserva ianomâmi,
que usa a Venezuela como base de apoio, e a crise na Guiana. Lula alcançou uma
vitória diplomática ao obter de Maduro um recuo no rumo bélico que vinha
tomando sua pretensão sobre dois terços do território guianense. Mas é preciso
não criar ilusões. São conhecidas as simpatias ideológicas de Lula e sua
proximidade do chavismo. Ele deveria tê-las aproveitado para, a exemplo do que
fez no caso da Guiana, tentar convencer Maduro a realizar eleições livres.
Se vencer, Trump tende a radicalizar
protecionismo
Valor Econômico
Ex-presidente acenou com plano de para zerar
as importações de produtos considerados essenciais vindos da China
Donald Trump é o virtual candidato
republicano à Presidência dos EUA nas eleições de novembro. Há um interesse
crescente em relação às suas propostas para a economia, mas Trump não vem
falando muito sobre seus planos econômicos para um eventual segundo mandato. Os
primeiros indícios da Trumponomics 2.0 apontam para um aprofundamento das
políticas nacionalistas do seu primeiro mandato. O nível de imprevisibilidade
das ações do governo americano deve voltar a crescer.
Trump não participou de debates durante as
prévias no Partido Republicano. Ele vem concedendo poucas entrevistas, e poucas
propostas circularam até agora. Alguns assessores têm falado (pouco também)
sobre os planos para a economia. As principais linhas de uma política econômica
de Trump parecem ser: impor novas tarifas de importação; acelerar o processo de
desconexão econômica com a China; reduzir o custo da energia, estimulando o uso
de combustíveis fósseis; e tornar permanente o corte de impostos aprovado em
2017.
Trump tem falado mais sobre a “tarifa básica
universal”, uma nova sobretaxa a produtos importados pelos EUA. Ele citou uma
possível alíquota de 10%, mas isso não está definido. Como também não está
clara ainda a abrangência dessa tarifa, isto é, se ela incidiria sobre todos os
produtos importados ou apenas sobre uma parte deles. Aparentemente, México e
Canadá ficariam de fora, já que Trump negociou com esses países o USMCA,
revisão do antigo Nafta e que prevê isenção de tarifas em quase todo o comércio
na América do Norte. O Brasil dificilmente seria poupado. Trump já citou o país
como um dos que se aproveitariam do comércio com os EUA ao mesmo tempo em que
mantém tarifas altas para produtos americanos.
O objetivo declarado da tarifa seria trazer
mais produção e empregos para os EUA. Trump, que já se definiu como “tariff
man” (o homem das tarifas), tem uma visão mercantilista do comércio exterior e
vê o déficit comercial como uma pilhagem dos EUA por outros países. Além disso,
esse discurso nacionalista é apreciado por parte do operariado industrial
americano que ajudou a impulsionar Trump politicamente.
Essa sobretaxa comercial traz vários riscos.
O mais óbvio é que os países atingidos retaliem, causando uma guerra comercial
global. Além disso, a tarifa criaria nova pressão inflacionária nos EUA, num
momento em que o país luta para sair de um período de inflação elevada e tem
uma taxa de desemprego muito baixa. Vários estudos apontam que os empregos
eventualmente gerados por esse tipo de protecionismo têm um custo muito alto.
Trump também tem dado destaque a propostas
para acelerar a desconexão entre as economias dos EUA e da China. Ele quer
“eliminar completamente a dependência da China em todas as áreas críticas”.
Para isso, acenou com um plano de quatro anos para zerar as importações de
produtos considerados essenciais vindos da China, o que incluiria uma ampla
gama de itens, de químicos e farmacêuticos a eletrônicos. O prazo parece pouco
factível, mas a ideia indica a direção da política comercial americana. Além
disso, Trump afirmou que pretende adotar severas restrições aos investimentos
de empresas americanas na China e à compra de ativos americanos por chineses.
Ele deve revogar o status de “nação mais favorecida” da China, o que faria
Pequim perder uma série de vantagens no comércio com os EUA.
Uma nova guerra comercial entre EUA e China
teria ampla repercussão negativa na economia mundial e certamente azedaria
ainda mais as relações já tensas entre Washington e Pequim. O governo do
democrata Joe Biden vem adotando uma política de desconexão mais gradual,
enquanto busca retomar negociações com a China em áreas de interesse mundial.
Para Robert Lighthizer, Representante Comercial (USTR) dos EUA no primeiro
mandato de Trump, eventual retaliação comercial chinesa a novas tarifas
americanas ajudaria a acelerar o objetivo de Trump de cortar boa parte das
relações econômicas entre os dois países.
Sobre política energética, Trump tem sido
bastante claro na campanha eleitoral. “Perfurar, perfurar, perfurar” (“drill,
drill, drill”) se tornou uma espécie de bordão em seus comícios. Ele sugere que
vai revogar boa parte da política ambiental e climática de Biden e estimular
produção e uso de combustíveis fósseis, para baratear a energia nos EUA. Isso
possivelmente implicaria que ele novamente retiraria o país do Acordo de Paris.
Trump acha que mudanças climáticas são uma farsa.
A mídia americana acredita que o foco de um eventual segundo governo Trump na área fiscal seria tornar permanentes os cortes de impostos aprovados em 2017, que beneficiam principalmente as empresas e os mais ricos e que acabam em 2025. Sobre a importante relação com o Fed (o banco central americano) e a política monetária, Trump já disse que acha as taxas de juros atuais muito altas e sinalizou que poderia pressionar pela sua redução. Num comentário recente sobre os níveis recordes da Bolsa de Valores de Nova York, ele insinuou que isso se deve às políticas adotadas em seu governo, mas previu uma queda forte e disse que torce para que o “crash” ocorra ainda neste ano, no governo Biden.
Incógnitas de 2024
Folha de S. Paulo
Prudência fiscal será crucial para queda dos
juros, confiança e avanço do PIB
O Banco Central baixou
sua taxa de juros, a Selic, de 11,75% para 11,25% ao ano. Era o
previsto, assim como não houve surpresa no texto levemente otimista sobre a
decisão. Permanece, porém, a incerteza a respeito da redução das taxas nos
países centrais, em especial nos EUA, o que tem relevância para a evolução no
Brasil.
A grande incógnita, com implicações decisivas
para a política doméstica, é a dimensão da desaceleração econômica esperada
neste ano de eleições municipais —e como ela será superada.
Nos cálculos do BC, o IPCA cairá a 3,5% neste
2024 e 3,2% em 2025, quase na meta oficial de 3%. Tais resultados, dignos de
celebração, seriam obtidos em consonância com um crescimento esperado do
Produto Interno Bruto de 1,7% neste ano, abaixo da
expectativa do Ministério da Fazenda (2,2%).
Em qualquer hipótese, trata-se de uma freada
em relação aos dois últimos anos, quando o avanço ficou em torno de 3%. Mais do
que isso, há incerteza quanto às possibilidades de a Selic cair abaixo do
patamar de 9% anuais.
Tal panorama, ao que se noticia, gera
inquietação em Brasília, dados os índices pouco confortáveis de popularidade de
Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O risco é que a ansiedade leve a decisões
imprudentes na gestão da economia.
Ressalve-se que os resultados do PIB e do
mercado de trabalho têm superado as expectativas, como mostram números do IBGE
—o desemprego caiu de 7,9% para 7,4% ao longo do ano passado, considerando o
último trimestre do ano.
A massa salarial ainda crescia a 4,5% ao ano,
em dezembro; o rendimento médio efetivo do trabalho subiu 2,6%, também em
termos reais; o número de ocupados aumentou 1,6% em um ano. O trabalho e a
ampliação dos benefícios sociais sustentaram a alta do consumo das famílias.
Ainda que a renda de benefícios sociais vá
crescer apenas fração pequena do verificado em 2023, não há sinais de retração
no emprego. Com endividamento e juros menores, o crédito às famílias deve ter
impacto maior. Já a agropecuária não deve colaborar para o aumento do PIB deste
ano, nem a queda da inflação contribuirá tanto para elevar a renda real.
Será fundamental, nesse contexto, a evolução
dos investimentos privados, que diminuíram de modo alarmante no ano passado.
Igualmente, o país
depende de que se confirme a redução dos juros e a solidez da atividade nos
EUA.
O perigo maior está na definição da política
de controle dos gastos do Orçamento federal. Uma estratégia prudente vai
contribuir para a queda de juros no mercado, a consolidação da confiança
empresarial e o aumento do PIB.
Educação a sério
Folha de S. Paulo
Conferência sobre rumos do ensino desperdiça
tempo com bandeiras demagógicas
A recém-concluída Conferência Nacional de
Educação (Conae) foi convocada para debater rumos e metas do problemático
ensino brasileiro nos próximos anos. O evento, infelizmente, começou
sob ataques sensacionalistas de parlamentares conservadores —e
terminou com bandeiras demagógicas.
O texto final da Conae, constituída por 64
entidades ligadas ao setor, deve contribuir para a formulação do Plano Nacional
de Educação, que ainda será redigido pelo MEC e enviado para votação no
Congresso Nacional, onde pode sofrer mais alterações.
A conferência mostrou uma indisfarçável
motivação revanchista, entretanto, ao defender o fim da reforma do ensino
médio, aprovada em 2017, durante a gestão de Michel Temer (MDB).
As mudanças tiveram início em 2022 e de fato
apresentaram problemas de implementação. Entretanto ainda é imperativo o
objetivo de conter a evasão escolar por meio do ensino mais focado nos
interesses dos alunos.
Obstáculos podem e devem ser contornados com
gestão eficiente de recursos e reformulação do currículo —esta já consta
do projeto de
lei do governo entregue ao Congresso no final de 2023, em processo
de debate com os estados.
O documento da Conae mantém, ainda, uma meta
farsesca que já faz parte do PNE hoje em vigor, de 2014 —a elevação do gasto
público em educação a 10% do Produto Interno Bruto, algo como o dobro do
patamar atual.
O dispêndio brasileiro, diga-se, é compatível
com o padrão global, seja entre países desenvolvidos, seja entre emergentes.
Se tal propósito fosse sério, deveria ser
explicitado de onde sairiam tais recursos, que somam algo como R$ 500 bilhões
anuais. Seriam retirados de outros setores? Ou haveria um brutal aumento de
impostos? Quanto União, estados e municípios deveram alocar?
Dados evidenciam que a educação brasileira
precisa antes de gestão do que de mais verbas. Os gastos por aluno têm
crescido, em razão da queda da proporção de jovens e crianças na educação, mas
os progressos têm sido lentos.
Metas mais palpáveis do PNE de 2014 ficaram pelo caminho. Em vez de 50% das crianças até 3 anos nas creches, há 37,8%; em vez de 25% dos alunos no ensino integral, são 14,4% no ensino fundamental e 20,4% no médio. É sinal de que o plano precisa ou ser mais realista ou mais levado a sério.
Prerrogativa é uma coisa, blindagem, outra
O Estado de S. Paulo
Está em curso no Congresso movimentação para, a pretexto de defender as prerrogativas parlamentares, blindar deputados e senadores que eventualmente se vejam às voltas com a polícia
O líder da oposição no Senado, Rogério
Marinho (PLRN), apresentou ao presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), um
conjunto de propostas que teriam o alegado objetivo de “reafirmar as
prerrogativas do Parlamento” a fim de “resguardá-lo e reequilibrar o processo
democrático”. Até o momento, não são conhecidos os detalhes dessas propostas.
Porém, com o pouco que já se sabe, a começar pela motivação dos proponentes,
não se pode condenar quem veja má-fé na movimentação política liderada pelo
senador potiguar. Tudo indica que se trata de uma tentativa de blindagem de
parlamentares que eventualmente se vejam às voltas com investigações policiais.
Ademais, se o processo democrático está desequilibrado no País, como argumentou
Marinho, decerto não é em desfavor do Poder Legislativo.
Essas propostas – que não se confundem com a
PEC que limita as decisões individuais de ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF), medida republicana aprovada recentemente pelo Senado – serviriam como
“resposta” do Congresso às operações da Polícia Federal e às decisões do STF
que possam ser interpretadas pelos próprios parlamentares, ora vejam, como
violações de suas prerrogativas. Uma PEC de autoria do deputado Rodrigo
Valadares (União-SE), com o fito de impedir o cumprimento de decisões judiciais
contra parlamentares sem a anuência das Mesas Diretoras de ambas as Casas
Legislativas, nada menos, ilustra bem o espírito que anima essa turma.
Para justificar as propostas, Rogério Marinho
disse que “não se entende uma democracia em que a inviolabilidade do mandato
dos parlamentares e suas respectivas atuações estejam em risco”. O senador
fazia referências às recentes operações da PF para cumprir mandados de busca e
apreensão nos gabinetes e em endereços ligados aos deputados bolsonaristas
Carlos Jordy (PL-RJ) e Alexandre Ramagem (PLRJ). Convém pôr ordem nessa bagunça
retórica.
As operações policiais em questão não
violaram mandato algum. A PF agiu autorizada pelo STF, ouvida a
Procuradoria-Geral da República, porque sobre Jordy e Ramagem recaem suspeitas
de crimes muito graves, sobejamente conhecidos. Ou seja, a investigação de suas
condutas fora da Câmara dos Deputados em nada tisnam o livre exercício do
mandato parlamentar. Basta dizer que o ministro Alexandre de Moraes negou um
pedido da PF para que Ramagem fosse afastado do exercício do mandato.
Vale relembrar que as imunidades e
prerrogativas parlamentares são garantias constitucionais conferidas a
deputados e senadores a fim de assegurar o livre exercício do mandato, pedra
fundamental da democracia representativa. Estão amparadas pelo princípio de que
os legisladores devem desfrutar de certas liberdades e proteções legais para
desempenhar com total independência suas funções de representação política,
fiscalização dos atos do Poder Executivo e a função legiferante propriamente
dita. Portanto, quando a Constituição impede que parlamentares sejam
responsabilizados civil ou penalmente por suas opiniões, palavras e votos,
salvo em flagrante de crime inafiançável, está-se tratando de instrumentos de
defesa do mandato, e não da pessoa do parlamentar.
Da mesma forma, o foro por prerrogativa de
função não se presta a outra coisa senão à defesa do mandato, evitando que
deputados e senadores, entre outras autoridades, sejam impedidos de exercer o
múnus público por terem de responder a ações judiciais nos mais remotos rincões
do País. Nesse sentido, é curioso que uma das medidas defendidas pelo senador
Rogério Marinho seja justamente uma PEC para acabar com o chamado foro
privilegiado, o que autoriza a suspeita de que interessa aos parlamentares
responder por seus atos na primeira instância, tanto para ter à disposição um
leque virtualmente infinito de recursos como para exercer pressão sobre
magistrados em âmbito local.
Todo cuidado é pouco quando se trata de
preservar o mandato parlamentar. Disso depende a higidez da democracia
representativa. Mas uma coisa é a defesa das prerrogativas parlamentares. Outra
é o espírito de corpo, pura e simplesmente.
Chamado à responsabilidade
O Estado de S. Paulo
A dura cobrança sobre o que as big techs
fazem para garantir segurança online mostra que não há justificativa para
ausência de regulação e responsabilização das plataformas digitais
Os CEOs das grandes plataformas digitais
foram chamados nesta semana a se explicar diante de uma plateia de indignados
congressistas norte-americanos e parentes de vítimas de abuso infantil cometido
no ambiente virtual. Os ecos da audiência no Senado dos EUA podem e devem ser
sentidos em todo o mundo, inclusive no Brasil, não só na questão da violência e
da exploração sexual infantil, como em outros temas igualmente sensíveis do
mundo digital, como a desinformação e a disseminação de discursos de ódio. Não se
trata de criminalizar as redes sociais, e sim de reafirmar a inquestionável
necessidade de regulação das plataformas digitais.
A audiência tratou dos perigos das redes
sociais para crianças e adolescentes, com a presença de vários parentes de
vítimas. Um congressista criticou as companhias por não protegerem os menores
de idade. Outro disse a Zuckerberg que ele tinha “sangue nas mãos”. Horas antes
de os representantes das empresas testemunharem, congressistas divulgaram
documentos internos da Meta, proprietária do Instagram, Facebook e WhatsApp,
que mostram como ela rejeitou pedidos para aumentar os recursos que, em tese,
assegurariam maior segurança infantil online. Esses documentos foram citados
num processo no qual a Meta é acusada de viciar jovens usuários em seus
aplicativos e contradizem as declarações anteriores dos executivos da empresa.
Na audiência, os executivos pediram desculpas aos parentes das vítimas
presentes – mas desculpas, obviamente, não bastam.
O fato é que a soma de abusos – da violência
infantil à monetização do ódio e da desinformação – tem dado a impressão de que
o mundo digital, a título de ser um território livre, se converteu numa terra
sem lei. Inimigos da democracia usam as redes sociais para espalhar
desinformação e desmoralizar as instituições, e as plataformas digitais lucram
com o tráfego artificialmente estimulado pela disseminação de mensagens
violentas que geram engajamento. Nos dois casos, o dilema é o mesmo: a
necessidade de criar mecanismos mais claros de fiscalização e responsabilização
das empresas pelo conteúdo de terceiros publicado em suas plataformas, sem que
isso atente contra o exercício pleno da liberdade de expressão.
Eis por que é fundamental a retomada, pelo
Congresso Nacional, das discussões sobre o projeto de lei que trata da
regulação das plataformas digitais, aquele equivocadamente batizado de PL das
Fake News. Ainda que as grandes empresas de tecnologia tenham trabalhado
arduamente contra o projeto – em alguns casos usando métodos e estratégias
“impactantes e questionáveis”, com indícios de abuso de poder econômico e
publicidade enganosa, como informou um relatório da Polícia Federal divulgado
nesta semana –, o País não pode seguir com uma legislação incompatível com a
realidade do mundo digital. Isso vale tanto para a proteção diante de crimes do
mundo real quanto para a adoção de novos padrões de direitos autorais.
Tal exigência não pode ser confundida com
cerceamento da liberdade de expressão. Corrigidas algumas tentações do
estatismo entre porta-vozes do governo, a linha de corte da regulação é a
correção de distorções e o que a Constituição define como crime no mundo real.
Isso já é exercido em casos de manifestações nazistas, de pedofilia e até no
uso de imagens de pessoas nuas, para citar alguns exemplos. O fundamental agora
é trazer as chamadas big techs à responsabilidade e conter-lhes a prepotência.
Parece inadmissível seguir ouvindo-as que não podem ser responsabilizadas pelo
conteúdo de terceiros – um salvo-conduto para quem propaga atos ilícitos e tem
sua atividade econômica baseada justamente na divulgação de conteúdo de
terceiros.
Não há atividade empresarial e econômica
libertária em tal grau que justifique a ausência de regulação e
responsabilização. Pedidos de desculpas, neste caso, só servem para expiar a
culpa ou conter danos de imagem das empresas e seus dirigentes.
Sem pressa para reduzir os juros
O Estado de S. Paulo
Até os novos membros do Banco Central
indicados pelo governo votaram pela cautela com a Selic
O Banco Central (BC) reduziu a taxa básica de
juros em mais 0,5 ponto porcentual nesta semana, para 11,25% ao ano. Assim como
a decisão, o comunicado divulgado pela autoridade monetária não trouxe
surpresas ao mercado, que já esperava uma queda no mesmo ritmo que vem sendo
adotado desde agosto. O BC também já sinalizou que os próximos cortes, nas
reuniões marcadas para março e maio, também devem ser de 0,5 ponto porcentual.
Talvez a única novidade tenha sido a presença
dos dois novos diretores indicados pelo presidente Lula da Silva. Paulo
Picchetti e Rodrigo Teixeira participaram da reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom) pela primeira vez. Porém, mesmo com quatro de seus nove
membros indicados pelo petista, o colegiado votou de forma unânime pela redução
de 0,5 ponto. A repetição de alguns trechos de comunicados anteriores trouxe
ainda mais tranquilidade sobre a rota previamente sinalizada pelo BC.
Os riscos monitorados também permanecem
praticamente os mesmos. Nas economias desenvolvidas, as pressões inflacionárias
ainda não foram completamente debeladas, enquanto os conflitos internacionais
continuam a assustar. Para o BC brasileiro, esse cenário “segue exigindo
cautela por parte dos países emergentes”.
O Federal Reserve (banco central dos EUA)
manteve as taxas de juros norte-americanas no intervalo entre 5,25% e 5,5% – o
maior das últimas duas décadas – e deixou claro que o aperto monetário continua
até que haja confiança de que a inflação voltará à meta de 2%. No Reino Unido,
pela mesma razão, o Bank of England (BoE) segurou os juros em 5,25%.
Internamente, o Copom avalia que o processo
desinflacionário continua, porém mais lento. No cenário de referência, as
expectativas para o IPCA estavam em 3,5% para este ano e em 3,2% para 2025,
compatíveis, segundo o BC, com a estratégia de convergência para o redor da
meta no horizonte relevante, mas ainda acima do objetivo definido para os dois
períodos, de 3%.
Nada indica, portanto, que o Banco Central
pretenda acelerar o ritmo de queda dos juros para 0,75 ponto porcentual, como o
governo e parte dos analistas financeiros gostariam. “O Comitê reforça a
necessidade de perseverar com uma política monetária contracionista até que se
consolide não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das
expectativas em torno de suas metas”, reforçou a autoridade monetária.
Mesmo os riscos fiscais não mereceram muito
destaque, mas o cenário pode mudar depois de março, quando o governo deve
anunciar uma decisão sobre a meta de déficit zero. Como tem feito há meses, o
BC reafirmou a importância da “firme persecução” das metas fiscais.
Taxas de juros mais baixas dependem, necessariamente, de uma política fiscal bem mais austera que a atual. Hoje, as apostas majoritárias do mercado para a Selic estão em 9% para o fim deste ano e em 8,5% para 2025, segundo a última edição do Boletim Focus. Ou seja, se a meta for mantida, esse nível de juros está praticamente garantido – o que não deixa de ser um estímulo para a equipe econômica não perder o foco.
Pais sem apoio para cuidar dos seus bebês
Correio Braziliense
Embora o direito seja reconhecido, não é um benefício custeado pela Previdência Social. O tempo de afastamento é de cinco dias, um dos menores do mundo. Na Coreia do Sul, são 13 meses e, no Japão, seis meses e meio
Desde sua criação, em 1988, as leis que regem
a licença-paternidade andam a passos lentos se comparadas a outros países. A
verdade é que o Brasil se equipara aos países com o menor período de
licença-paternidade do mundo. São 115 países que a concedem, sendo que em 102
ela é remunerada. Na Coreia do Sul, o período da licença é de 52 semanas para
pai e mãe, o que corresponde a 13 meses. No Japão, 26 semanas (seis meses e
meio).
Embora seja um direito garantido
constitucionalmente ao trabalhador há mais de três décadas, é triste perceber
que muito pouco se avançou nesse quesito. Diferentemente da
licença-maternidade, que é arrolada no artigo 21 da Constituição vigente como
um benefício o suportado pela Previdência Social, a licença-paternidade é um
direito, mas não um benefício, tornando-se portanto um ônus do empregador, que
tem o dever de remunerar o colaborador.
Outra questão que diz muito a que veio esse
direito é o tempo de afastamento do pai. O período acordado é de cinco dias,
que pode ser ampliado por meio de negociação coletiva entre os sindicatos
patronal e dos empregados das diferentes categorias, ou ainda por política da
própria empresa constante do regulamento interno. Ou seja, o que não se torna
um pacto geral vira exceção.
Fato é que os ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF), por maioria, reconheceram recentemente que há uma lacuna por
parte do Congresso Nacional na regulamentação desse direito. Por isso, até hoje
a licença-paternidade é um direito exercido com base na regra transitória da
Constituição, que diz expressamente que ela precisa ser disciplinada em lei, o
que ainda não foi feito. Além disso, como o próprio nome indica, é regra
transitória, temporária e também não reflete os novos papéis desempenhados por homens
e mulheres nas últimas décadas.
Pesquisas recentes demonstram que homens e
mulheres são igualmente preparados para o cuidado e que a presença ativa do pai
contribui para maior desenvolvimento cognitivo das crianças, além de melhorar o
desempenho escolar e diminuir as taxas de delinquência. De acordo com o
sociólogo Michael Kimmel, quando homens compartilham de forma igualitária as
tarefas domésticas, eles diminuem o uso de medicamentos, bebem menos, fumam
menos e vão mais ao médico para questões de prevenção. Interessante, não?
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de
Lei nº 1.974/2021, que preconiza uma licença parental de 180 dias para cada
pessoa de referência da criança, limitada ao máximo de duas, substituindo as
licenças maternidade e paternidade, eliminando-se a diferenciação da licença a
partir do binômio homem-mulher. Mais recentemente, inclusive, foi criado o
Projeto de Lei 3.773/2023, que trata do salário parentalidade, permitindo a
permuta entre pais dos períodos de licença-paternidade e de
licença-maternidade.
Cabe ao Congresso Nacional a criação de uma lei no prazo de 18 meses que possibilite a concessão da licença-paternidade sem que haja reflexos negativos aos empregadores e aos trabalhadores e, claro, às famílias. Se o prazo não for cumprido, aí sim o STF entra na jogada e será o responsável por fixar os parâmetros. Enquanto isso, mantém-se a pendenga.
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