Folha de S. Paulo
Mas, ao fim, avançou a discussão construtiva
sobre a política industrial
Em sua réplica ao meu artigo que contesta
suas alegações sobre a atuação do BNDES, meu colega
Marcos Mendes expôs sua visão dos "fatos". Após usar termos como
"neonarrativa" e "granaduto", Mendes ressentiu-se de os
"adjetivos" se voltarem contra ele.
Contudo, em vez de argumentos, repetiu-se o alarmismo prenhe de distorções (ou paranoia). Afirmou que o banco faz "empréstimos a países desprovidos de capacidade de pagamento", quando se sabe que o financiamento à exportação de serviços não beneficia países, mas, sim, as empresas brasileiras e que —como ocorre em 90 países— conta com fundo garantidor de exportações (que não usa recursos do contribuinte).
Há precedentes nessa prática do autor. Em seu
artigo "Neonarrativa",
suprimiu (deliberadamente?) a palavra "talvez" (perhaps) da citação do livro de
Mark Koyama e Jared Rubin, os quais sugerem que o desenvolvimento sul-coreano
se dera "talvez apesar do pesado papel do Estado", impondo aos
autores uma falsa convicção. Parafraseando Cazuza: mentiras sinceras lhe interessam?
Quando contestado, o colunista desloca o
foco. Ao ter refutada
sua comparação da atuação do banco entre 2008 e 2014 ao Plano
Marshall, alegou se tratar de "questão lateral". Fez o mesmo com
minha crítica à sua leitura do estudo do CMAP (Conselho de Monitoramento e
Avaliação de Políticas Públicas): mudou o foco de (sugestionada) corrupção do
BNDES para sua eficácia e destacou trechos selecionados do artigo de Barboza et al (2023) para confundir o leitor. Cito
apenas três.
Primeiro, 70% dos efeitos mapeados pelos 48
estudos analisados atestam efeitos positivos da atuação do banco, o que nega a
alegação de que pesquisas "estão longe de apontar sucesso". De fato,
não se encontrou efeito positivo sobre a produtividade. Todavia, é inadequado
rechaçar a atuação do banco com base nesse critério, uma vez que "os
instrumentos do BNDES não tinham, em sua concepção, foco explícito no desafio
do aumento da produtividade" (Barboza et al 2023, p. 659).
Segundo, o suposto "efeito
temporário" sobre o emprego foi encontrado por um único estudo —ou seja,
nada representativo— que investiga os efeitos da construção de hidrelétricas
(muitas delas apoiadas pelo BNDES) no nível dos municípios. Ao contrário, há
ampla evidência de impactos positivos do BNDES sobre o emprego —talvez a
variável de interesse com mais consenso—, mas também sobre investimentos,
exportações, atividade local e agregada e redução do desmatamento.
Terceiro, os desembolsos do BNDES adicionam
investimentos que não ocorreriam na ausência do apoio do banco. Tais efeitos
aparecem apenas em avaliações cujas bases de dados consideram, principalmente,
micro, pequenas e médias empresas (MPME), mais representativas do universo de
firmas brasileiras e do número de operações do BNDES. Com efeito, ampliar a
representatividade das MPME em termos do volume dos desembolsos parece um bom
caminho.
Como sua missão é "viabilizar soluções
financeiras que agreguem investimentos para o desenvolvimento sustentável da
nação brasileira", o BNDES vem combinando crédito a taxas de mercado (TLP)
com taxas direcionadas. Na atual iniciativa, o uso de eventuais subsídios
implícitos —na formatação de ecossistemas produtivos repletos de externalidades
e incertezas—, além de ser justificado pela literatura acadêmica, tem limites
estabelecidos por lei.
Em vez de reconhecer o avanço na
transparência das medidas recentes, Mendes vaticina que essas políticas
crescerão e se arraigarão. Julgar uma política que ainda não foi efetivada
aquece o debate, mas não o ilumina.
Ao final, Mendes pareceu se render a uma
discussão construtiva sobre as condições de sucesso de uma política industrial.
Fico satisfeito por ter ajudado. A fila andou.
*Professor de economia da Unifesp e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP
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