Valor Econômico
Os índices internacionais de avaliação
comparativa indicam que é ela, hoje, a mais importante da América Latina
No dia 25 de janeiro, dia do aniversário da
capital paulista, ocorreu o 90º aniversário da Universidade de São Paulo.
Escrevo sobre a efeméride não só como observador do processo histórico e dos
protagonismos criativos que lhe deram origem. Mas também como beneficiário de
sua criação e do espírito que a motivou.
Seu fundador, o jornalista Júlio de Mesquita
Filho, começou a inventar a USP na cadeia, preso político em consequência de
sua participação na Revolução Constitucionalista de 1932. Da cadeia mandou
pedir que a esposa lhe levasse dois livros de sociologia da educação, do
sociólogo francês Émile Durkheim.
A Universidade foi a resposta política mais
sólida à derrota de São Paulo pelo Exército e pelo governo provisório de
Getúlio Vargas. São Paulo, traído, perdeu nas armas, mas venceu no saber e na
cultura através da USP e de seus desdobramentos. Como a Fundação de Amparo à
Pesquisa - a Fapesp, a Unesp e a Unicamp.
A criação da USP foi, deliberadamente, um ato social e politicamente revolucionário, no sentido de criar uma instituição científica e de educação que desse origem a gerações de brasileiros libertos da persistente cultura autoritária da escravidão e da dominação pessoal dos régulos de província, sem contar dos ímpetos e surtos autoritários das forças armadas.
O governo de São Paulo enviou à Europa o
professor Teodoro Ramos, da Escola Politécnica, matemático e positivista, para
recrutar e contratar os professores da chamada “Missão Francesa”, que
constituiriam o corpo docente da sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.
Seria ela o núcleo de formação de professores
e cientistas nos vários campos de conhecimento, para modernizar a formação dos
profissionais das faculdades já existentes, que a ela seriam agregadas. A
Faculdade de Filosofia destinava-se a ser a alma da universidade que nascia.
Recomendou-lhe Mesquita: nada de clericais. Nem de fascistas ou nazistas.
Haveria exceção para profissionais das exatas.
Num discurso de formatura na Faculdade de
Filosofia, explicou: “A USP deve ser uma Universidade pública, laica e
gratuita”. Uma Universidade para todos. Uma Universidade que recrute
inteligências e vocações onde quer que estejam, sem discriminação de classe, de
identidade e de origem.
Uma Universidade que criasse uma elite
cultural, profissional e científica que permitisse ao país dar o salto
necessário e decisivo para o mundo moderno. E para fora do círculo vicioso do
autoritarismo latifundista e patriarcal, fora da insidiosa permanência da
cultura de dominação gestada na escravidão. Uma Universidade para arrombar os
cadeados das senzalas que permaneciam disfarçadas na sociedade brasileira, em
todos os seus recantos, aprisionando de modo invisível o povo brasileiro.
Uma Universidade que fizesse da sociedade
brasileira uma sociedade democrática, de pessoas cultas, capazes, livres,
desalienadas e criativas e não uma sociedade de parasitas e mandões e sua
contrapartida na sujeição carneiril de consciências e vontades.
A USP tem sido o meio da revolução
permanente, crítica e insurgente, inconformada com o atraso, a ignorância e a
injustiça. Centrada na ciência, criativa de conhecimento em todas as áreas.
Criada em 1934, pouco mais de meio século após o fim da escravidão, em curto
período deu saltos que grandes universidades dos países ricos levaram séculos
para dar. Os índices internacionais de avaliação comparativa indicam que é ela,
hoje, a mais importante da América Latina.
A USP tem 97 mil estudantes, matriculados em
42 unidades, em 333 cursos de graduação e em 264 de pós-graduação (13.912
alunos em mestrado e 15.518 em doutorado). É responsável por 22% da pesquisa
científica brasileira. Trabalhos de seus cientistas têm mais de 6,3 milhões de
citações nos índices internacionais especializados. Além disso, mais de 2,3
milhões de pessoas tiveram acesso, em 2022, a atividades culturais públicas da
USP, como os museus e os concertos.
Seus mais de 5 mil professores têm como
requisito mínimo o doutorado (4 anos de graduação, 2 anos de mestrado e 3 anos
de doutorado). Só nessa condição podem fazer o concurso público de várias e
sucessivas provas, examinados por bancas de 5 examinadores.
A revolução por ela representada tem
incomodado os patronos da ignorância, do autoritarismo e da barbárie. Ataques
contra ela têm sido frequentes, oriundos de diferentes fontes de hostilidade. A
ditadura de 1964-1985 perseguiu professores e alunos, submeteu grandes nomes da
nossa intelligentsia a interrogatórios e humilhações. Muitos professores foram
cassados e desligados da Universidade.
No entanto, a USP continua desvendando
mistérios e ensinando a fazê-lo.
*José de Souza Martins é sociólogo. Professor
Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar,
da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador
Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. É autor de, entre
outros livros, “Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista” (Editora
Unesp, São Paulo, 2023).
Um comentário:
É bem isto! Parabéns ao colunista, e ao blog que divulga seu trabalho!
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