Agenda de Haddad é prioritária no Congresso
O Globo
Oito medidas para melhorar ambiente de
negócios não devem se tornar objeto de barganha política
Em recente encontro com representantes da
Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, proferiu uma obviedade que parece escapar a muitas
lideranças do Congresso. O Brasil nada pode fazer para influenciar o ritmo da
economia global ou o patamar dos juros nos Estados Unidos. “O que podemos
fazer?”, perguntou Haddad. “Melhorar nosso ambiente de negócios.” Ele tem toda
a razão.
No encontro, o ministro pediu apoio da Febraban a oito projetos que buscam corrigir distorções da economia brasileira, todos parados no Congresso. Mais da metade depende da ação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Quatro precisam ser despachados para comissões ou dependem da nomeação de relator. O quinto aguarda a criação de uma comissão especial desde 2019, quando a Câmara ainda era presidida por Rodrigo Maia.
O histórico recente de Lira e das lideranças
parlamentares na agenda econômica é positivo. O Congresso votou no ano passado
medidas de impacto profundo, como o novo marco fiscal, correções no segmento de
fundos de investimentos e a reforma tributária, uma espécie de baleia-branca
que o Congresso perseguia havia três décadas. Embora a regulamentação, prevista
para este ano, certamente tome tempo dos congressistas, não há razão para
deixar de lado os outros projetos citados por Haddad. Seria um desserviço ao país
atrasar a tramitação deles. Pior ainda se fossem usados como moeda de troca em
negociações sobre emendas parlamentares, cargos ou influência na sucessão no
Legislativo.
Os oito projetos estão, nas palavras de
Haddad, “muito amadurecidos”. Vários devem tramitar sem sobressaltos uma vez
liberados. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 281/2019 cria mecanismos para
socorrer instituições em dificuldade, como bancos, seguradoras ou entidades de
previdência privada. A proposta de legislação foi inspirada em determinações do
Financial Stability Board, entidade que monitora o sistema financeiro global.
Se aprovada, diminuirá os riscos de instabilidade, aumentando a chance de recuperar
instituições financeiras e preservar o dinheiro dos clientes.
O Projeto de Lei (PL) 3/2024 altera a Lei de
Recuperação Judicial e Falências. Na avaliação do Ministério da Fazenda, os
credores têm pouca influência, falta transparência e os processos continuam
morosos. Segundo Haddad, a aprovação deverá “melhorar a capacidade de
recuperação de crédito”, beneficiando todas as partes. O objetivo do PL
2.926/2023 é aperfeiçoar a regulamentação de instituições com autorização para
realizar atividades como manutenção de contas financeiras ou processamento de
operações para liquidações. A proposta de atualização das leis brasileiras foi
feita com base em recomendações de órgãos como o Banco de Compensações
Internacionais, o banco central dos bancos centrais.
Dados preliminares sobre o desempenho da
economia brasileira sugerem que este ano começa com um quadro mais positivo que
o previsto. A arrecadação bateu recorde, e as estimativas de crescimento têm
sido ajustadas para cima. Mesmo assim, não há motivo para complacência. O
bem-estar dos brasileiros depende de taxas mais altas de crescimento. Reformas
que melhoram o ambiente de negócios são fundamentais para o país atingir esse
objetivo. O Congresso não pode ficar parado.
Boas notícias do Censo Escolar não eliminam
desafios educacionais
O Globo
Houve aumento nas matrículas. Para melhorar
qualidade do ensino, porém, ainda é necessário fazer muito mais
O Censo Escolar divulgado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
do MEC, trouxe boas notícias. Entre elas, o crescimento nas matrículas em
creches, na pré-escola, no ensino profissionalizante e nas instituições de
tempo integral no ano passado. Depois do choque provocado na educação pela
pandemia, especialmente em 2020 e 2021, a expansão é um alento num país que
luta para melhorar seus índices educacionais.
Na pré-escola, de acordo com o Inep, o Brasil
tinha 5,3 milhões de crianças em 2023, número bem próximo à meta de 5,4 milhões
estipulada pelo último Plano Nacional de Educação (PNE). Nas creches, apesar do
aumento de matrículas, a situação ainda é insatisfatória. O país teria de abrir
mais 900 mil vagas para atingir a meta.
É louvável ainda constatar que diminuíram os
diretores de escolas escolhidos por indicação política nas redes municipais,
embora a proporção ainda seja alta (caiu de 66% em 2022 para 45% em 2023) e
ainda haja grande disparidade entre estados (São Paulo registra 32%, enquanto o
Amazonas chega a 89%). A nomeação de diretores por critérios técnicos foi um
dos pilares da revolução na educação do Ceará.
Um dos dados mais animadores do Censo é o
crescimento no ensino profissional, ponto nevrálgico da educação
brasileira. A modalidade
não apenas manteve o número de matrículas durante a pandemia, como as expandiu
em 27,5% entre 2021 e 2023. Além disso, os alunos passaram a ficar
mais tempo em sala de aula. Em 2023, as matrículas em tempo integral
representaram 20%, ante 12% há cinco anos. Educadores apontam vários motivos
para a ampliação, como empenho maior dos estados no atendimento à demanda dos
jovens e políticas de fomento. Os dados positivos, porém, ainda escondem
desafios. O ministro da Educação, Camilo
Santana, diz que a maior parte dos estudantes do ensino
profissionalizante só ingressa no curso depois do ensino médio.
O ideal seria cursar os dois ao mesmo tempo.
Apesar de todos os avanços, o governo ainda
tem muito a fazer. A reforma do ensino médio, desenhada também para incentivar
cursos profissionalizantes, continua parada no Congresso. Sob o pretexto de
aperfeiçoá-la, o governo suspendeu a implantação das mudanças aprovadas em
2017. Devido a um impasse em relação à carga horária, o projeto não anda. O
ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, prometeu que a
aprovação será prioridade do governo no Congresso. Espera-se que cumpra a
promessa.
É verdade que os problemas educacionais do
Brasil vão além das matrículas. Dizem respeito a questões como formação dos
professores, precariedade das escolas, falta de equipamentos ou tempo de
permanência em sala de aula. De nada adianta aumentar matrículas se não
melhorar a qualidade do ensino, necessária para a posição do Brasil subir nos
rankings internacionais. Mas, evidentemente, o ponto de partida é que crianças,
adolescentes e jovens estejam na escola. Por isso o resultado do Censo deve ser
celebrado.
Putin vira o jogo na Guerra da Ucrânia
Folha de S. Paulo
Sem disposição para enfrentar a Rússia,
Ocidente vive dilema com posição favorável do Kremlin neste segundo ano da
invasão
Há um ano, parecia que a invasão russa da
Ucrânia se consumaria em um desastre estratégico fatal para o regime de
Vladimir Putin.
Àquela época, ainda que fosse previsível o
prolongamento a perder de vista do conflito, Kiev estava em melhor posição na
disputa em curso no Leste Europeu.
Em um ano, havia resistido a um assalto que o
Ocidente acreditava que duraria apenas 72 horas até a queda da capital,
expulsado os russos de seu centro nervoso e retomado duas áreas importantes.
Animados pela retórica triunfalista do
presidente Volodimir Zelenski e pela sucessão de erros de Vladimir Putin, os
EUA e seus aliados passaram a fornecer mais e melhores armamentos para os
ucranianos, vencendo o temor de uma escalada nuclear do conflito.
A soberba ucraniana repetiu então a russa do
ano anterior, e seus tanques não lograram mudar a situação em solo. A propalada
contraofensiva pariu um rato, apesar de alguns ganhos —particularmente contra a
vulnerável esquadra de Putin no mar Negro.
Os russos readaptaram suas técnicas,
mobilizaram soldados e agora estão na ofensiva. Mantendo superioridade em
ataques de longo alcance, avançam em
pontos vitais do leste e do sul do país, embora também não tenham
condições de conquistar todo o território.
Putin, rumo à sua farsesca reeleição
garantida no mês que vem, ganha confiança. Se a morte do
opositor Alexei Navalni lhe serviu para algo, foi para lembrar
que o dissenso não tem lugar na Rússia, seja lá como tenha morrido o ativista.
Enquanto isso, o Ocidente se depara com um
dilema. O fastio com a guerra é evidente: só 10% dos europeus creem no triunfo
ucraniano.
Nos EUA, maior doador individual do R$ 1,35
trilhão recebido por Kiev até aqui, ajuda adicional está parada
num Congresso de olho na disputa entre Joe Biden e Donald Trump, que
rejeita apoiar Zelenski.
A Europa aprovou um auxílio de longo prazo,
mas para custeio da economia, e a munição ucraniana está acabando. Caças e
outras armas deverão chegar, entretanto seu impacto é no mínimo incerto.
Encurralado e sem disposição para enfrentar
diretamente a Rússia, o Ocidente se pergunta se faz Kiev aceitar uma negociação
de paz que envolva perda de 20% de seu território, algo visto como rendição, ou
se aumenta a aposta contra Putin.
O argumento de que o autocrata russo não
pararia após vitória parcial é válido, embora um ataque à Otan seja tática
suicida. Tudo muda caso Trump, que despreza a aliança, estiver na Casa Branca,
o que transforma a eleição americana na chave do calendário da guerra.
Por ora, Putin domina o jogo.
Sem decolar
Folha de S. Paulo
Programa do governo Lula para baratear
passagens aéreas é desperdício de tempo
Desde seu início, o governo Luiz Inácio Lula
da Silva (PT) procura inventar ou reinventar programas de apelo popular, em
busca de marcas de impacto como as dos primeiros mandatos do presidente.
Alguns ministros lançaram-se de modo
atabalhoado a criar planos desse tipo. Um deles, imaginado faz quase um ano, é
o Voa Brasil, que enfim está para ser implementado —com escasso efeito prático.
A intenção, de mérito já muito questionável,
era aumentar a oferta de passagens aéreas a preços mais baixos, de até R$ 200,
num programa destinado a aposentados do INSS que recebem menos de dois salários
mínimos mensais (R$ 2.824) e a estudantes do ProUni.
Porém as companhias de aviação estão em crise
e querem socorro do governo, e o Tesouro Nacional não tem recursos suficientes
nem ao menos para as despesas corriqueiras. É óbvio que não haveria meios de
baratear os bilhetes sem que alguém pagasse a conta.
Não há quem a pague —e é correta a decisão de
não subsidiar viagens. O programa, assim, vai se limitar a agregar
informações sobre passagens já mais baratas em uma espécie de plataforma.
Não deixa de ser uma ajuda, embora a pasta dos Portos e Aeroportos devesse ter
mais com o que se ocupar.
Aumentar a eficiência do setor público
significa também melhorar os serviços e evitar dissipação inútil de energia na
gestão.
Relembre-se o caso do programa
fracassado e inepto do subsídio temporário para a compra de veículos,
de meados de 2023. Tempo, trabalho, recursos e credibilidade foram
desperdiçados para apenas fazer com que a sociedade bancasse, por meio de
subsídios, parte do valor dos automóveis.
Uma marca simbólica dos primeiros governos
Lula foi o acesso maior de pessoas mais pobres a viagens aéreas. Era o efeito
da alta dos rendimentos, em meio a um crescimento econômico mais veloz.
Não há subterfúgios para melhorar o nível de bem-estar material. O avanço depende do aumento do PIB, de programas bem projetados e de responsabilidade macroeconômica, com eficiência e prudência no uso de recursos públicos. O resto é fantasia e propaganda.
Rota perigosa
O Estado de S. Paulo
As recentes mudanças na cúpula da PM paulista
sugerem que, para o governo Tarcísio, a truculência policial é o melhor caminho
para proteger a população – e, de quebra, ganhar votos
Causa inquietação a decisão do governador
Tarcísio de Freitas de mudar quase toda a cúpula da Polícia Militar (PM) de São
Paulo. Conforme o anúncio dos últimos dias, de uma só vez ele exonerou o
subcomandante, coronel José Alexander de Albuquerque Freixo, e trocou mais da
metade dos coronéis da cúpula da corporação, provocando insatisfação e revolta
entre oficiais. Ressalvado o fato de que é prerrogativa do governador promover
trocas em postos-chave da administração estadual, inclusive nas polícias que estão
sob seu comando, nada indica que a mudança tenha se dado por motivos técnicos e
burocráticos ou promoções e transferências rotineiras – as chamadas
“conveniência de serviço”, como argumentaram o gabinete do governador e a
Secretaria da Segurança Pública, fazendo pouco da inteligência alheia.
É difícil dissociar as trocas da sensação de
que está em curso uma mudança, para pior, do perfil da Polícia Militar e da
própria segurança pública. Quatro coronéis promovidos fizeram carreira na Rota,
a tropa de elite da PM e um dos batalhões mais letais da instituição. Agora
cinco dos oito postos mais altos vêm da Rota, a começar pelo comandante-geral,
Cássio Araújo de Freitas, único integrante da cúpula que foi mantido. Os
coronéis que deixaram os cargos são contrários ao modo como as operações policiais
na Baixada Santista vêm ocorrendo e são partidários da expansão do uso de
câmeras nos uniformes dos policiais. Movidas por vingança depois do assassinato
de policiais, as operações já contabilizam mais de 30 mortes por intervenção
policial neste ano, número que sobe a 60 se considerado também o ano passado,
quando a Secretaria da Segurança Pública deflagrou a chamada Operação Escudo.
Trata-se da mais sangrenta ação da PM em mais de três décadas.
Assim como especialistas na área, os coronéis
enxergam nas mudanças o peso político direto do secretário Guilherme Derrite –
ele também um ex-capitão da Rota. Eis o ponto: parece evidente que as mudanças
têm motivação política. Segundo tal ótica, tanto o governador quanto seu
secretário parecem tratar a segurança pública não como um serviço público a ser
prestado com base técnica e ancorado nas melhores evidências, e sim com os
olhos de quem busca dividendos eleitorais. Convém lembrar que, antes de ser escolhido
secretário, o sr. Derrite disse ser “vergonhoso” um policial que trabalhe cinco
anos e não tenha “pelo menos” três homicídios em seu currículo. Para ele,
policiamento tem tudo a ver com justiçamento. Foi com esse tipo de pensamento
que ele se elegeu deputado federal.
A rota traçada por Tarcísio de Freitas e
Guilherme Derrite ameaça frustrar o esforço de aperfeiçoamento da PM paulista
nas últimas décadas. Depois do choque trazido pelo massacre do Carandiru, em
1992, a instituição passou a trabalhar com a preocupação de obter resultados
contra o crime com base em inteligência e evidências. Houve desvios no meio do
caminho, mas o fato é que, de lá para cá, práticas e indicadores melhoraram.
Nos últimos anos, em especial, São Paulo vinha reduzindo os índices da letalidade
policial – não só pelo uso das câmeras corporais, como também por medidas como
o investimento em armas menos letais para todas as patrulhas, a criação de
comissões de mitigação de risco e apoio psicológico aos policiais. Os efeitos
foram positivos para a população. Em 1999, por exemplo, o Estado registrava 44
homicídios por 100 mil habitantes; em 2022, esse número caiu para 8,4.
Esse esforço está em risco diante uma visão
de fácil apelo a uma população que se sente assustada, insegura e desprotegida.
O medo é uma arma poderosa e torna sedutora a estratégia do espetáculo, do
endurecimento e da difusão de uma mentalidade de aniquilação de criminosos. A
estratégia mais eficiente, que poupa vidas e respeita o Estado Democrático de
Direito, não gera tanta visibilidade e muitas vezes é confundida com leniência
com os criminosos. Há quem prefira transformar cadáveres em votos.
A hora da resiliência na Ucrânia
O Estado de S. Paulo
Após os temores do primeiro ano e as
esperanças do segundo, a perspectiva é de uma guerra prolongada. Mas uma
verdade permanece: a vitória de Putin será a derrota do mundo livre
Em 24 de fevereiro de 2022, o inimaginável
aconteceu: quase 80 anos após a 2.ª Guerra, a guerra voltou à Europa com a
invasão da Ucrânia pela Rússia. Hoje, exatos dois anos depois, a falta de uma
perspectiva de grandes viradas de um lado ou de outro reduz as ansiedades. Mas
a falta de um fim à vista reduz as esperanças.
Um ano atrás, a Rússia estava em posição
ofensiva. Mas havia grandes preparativos, impaciência e expectativas em uma
contraofensiva. As “pombas” vislumbravam uma janela de oportunidades: se os
ucranianos empurrassem as linhas russas, Kiev poderia forçar Moscou a abdicar
de seus objetivos maximalistas e entrar com mão forte em negociações de paz. Os
“falcões” sonhavam em restabelecer as fronteiras anteriores à atual invasão e
eventualmente as fronteiras anteriores à invasão russa da Crimeia, em 2014. E sonhavam
até com a queda de Putin.
Mas a contraofensiva malogrou. As linhas
estão engessadas. No Ocidente, disputas domésticas disfarçadas de doutrinas
geopolíticas frustram o apoio à Ucrânia. A Europa aprovou um pacote de 50
bilhões de euros e está aumentando seus gastos em defesa, mas a hesitação em
admitir que o dividendo da paz acabou traz dúvidas sobre se esse caminho será
trilhado com a velocidade e a determinação necessárias. Nos EUA, um pacote de
US$ 60 bilhões aprovado no Senado segue incerto na Câmara. Falta aos aliados da
Ucrânia uma teoria da vitória adaptada à nova situação.
Mas o contraste entre o ceticismo de hoje e o
otimismo de um ano atrás não deve ser exagerado. Basta pensar em dois anos
atrás. Havia temor e mesmo pânico ante o risco de uma conflagração regional e
mesmo de uma terceira guerra – possivelmente nuclear. Putin chegou às portas de
Kiev e de sua meta: decapitar o governo ucraniano e instalar um regime
fantoche. Essa meta foi frustrada e inviabilizada definitivamente. O mito do
poderoso Exército russo herdado da União Soviética desmoronou. Não há o risco
de a Ucrânia se tornar um satélite russo. Nem Moscou tem a capacidade militar
de impor esse domínio nem os ucranianos o tolerarão. A questão é se a Ucrânia
completará sua jornada rumo ao fortalecimento de sua nacionalidade, a
consolidação de sua democracia e seu alinhamento com o Ocidente ou se sua
frágil democracia se degenerará em um Estado autoritário e corrupto. Isso já
seria uma vitória de Putin, ao menos no campo dos valores.
No campo de batalha, não há perspectiva de
triunfo de um lado ou de outro. Mas isso não autoriza a complacência por parte
dos aliados. Sem uma teoria da vitória coerente e convincente, aumentará a
pressão sobre a Ucrânia para ceder seus territórios, assinar um tratado de paz
e pôr um fim à guerra. Mas isso não seria um fim. Só um intervalo antes da
próxima agressão de Putin.
Outra alternativa é um congelamento de facto
do conflito, com a luta contida no palco atual, mas prolongando-se
indefinidamente. Uma alternativa intermediária seria o armistício, com um fim
das hostilidades, mas sem uma definição política formal, como é entre a Coreia
do Sul e a do Norte até hoje.
Em todo caso, o objetivo num futuro próximo
deveria ser criar um espaço defensivo estratégico para que a Ucrânia possa
reconstruir sua economia. Apesar do impasse por terra, o país recuperou seu
canal de escoamento no Mar Negro. Mesmo que a inclusão na Otan seja inviável em
meio ao conflito, é possível acelerar o passo rumo à integração na União
Europeia, incentivando as instituições democráticas no país. Nada disso será
possível se a Ucrânia não receber as armas de que precisa para resistir à
Rússia neste ano. Com treinamento, defesas aéreas, artilharia e drones, a
Ucrânia poderia, no futuro, voltar a empurrar as linhas russas longe o
suficiente para iniciar negociações numa situação favorável.
Crucial agora é resgatar o moral das
populações da Ucrânia e de seus aliados. Para isso, mesmo sob uma montanha de
incertezas, seus líderes têm ao alcance da mão uma verdade cristalina e
adamantina: uma vitória de Putin não seria uma mera derrota da Ucrânia, mas de
todo o mundo livre. Seja lá como se desdobre a guerra, essa clareza moral não
será obscurecida. Mas essa luz será inútil se não for convertida em energia.
‘Voa Brasil’ no chão
O Estado de S. Paulo
No setor aéreo, o melhor que o governo tem a
fazer é deixar as empresas se ajustarem por conta própria
Ao que tudo indica, o programa Voa Brasil,
por meio do qual o governo pretendia incentivar a venda de passagens de até R$
200, não vai decolar. Sem recursos para bancar mais uma estripulia, o Executivo
deve resignar-se a lançar uma plataforma que agregará os bilhetes aéreos mais
baratos disponíveis aos consumidores.
Ainda que já existam aos montes serviços
semelhantes na internet, é preciso reconhecer que o estrago foi contido. Diante
de um déficit fiscal de R$ 249,1 bilhões no ano passado, segundo o Banco
Central (BC), não é plausível que um país que nem sequer conseguiu
universalizar o saneamento básico consiga justificar um aporte bilionário para
baratear passagens aéreas.
Se o programa felizmente não saiu do chão,
não foi por falta de vontade. A primeira vez que a ideia circulou publicamente
foi em março, quando o então ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França,
revelou a intenção de oferecer passagens baratas a aposentados, estudantes de
baixa renda e servidores.
À época, França levou reprimenda indireta do
presidente Lula da Silva, que cobrou de seus ministros que discutissem suas
“genialidades” dentro do governo antes de torná-las públicas. O programa,
porém, jamais foi engavetado e, ao contrário, acabou encampado pelo atual
ministro da pasta, Silvio Costa Filho.
Sem subsídios, as três principais companhias
aéreas se comprometeram, no fim do ano passado, a vender 25 milhões de
passagens com preços entre R$ 699 e R$ 799 – valores que, não por acaso, já
correspondiam ao preço médio dos bilhetes, segundo a Agência Nacional de
Aviação Civil (Anac). Agora, novamente sem subsídios, a ideia é ofertar 5
milhões de passagens de até R$ 200 em períodos de ociosidade – uma nova
roupagem para as promoções que as empresas já faziam.
Se não teve qualquer efeito prático na
precificação dos bilhetes aéreos, o voluntarismo do governo abriu espaço para
que as companhias se sentissem à vontade para apresentar velhas e novas
demandas, como a redução do custo do combustível e linhas de crédito baratas
garantidas pelo governo.
De fato, as aéreas, no Brasil e no mundo,
enfrentam dificuldades inerentes a um setor que opera com custos elevados e
margens reduzidas, precisa de alta ocupação e requer um nível de eficiência
operacional e financeira exemplar para se manter de pé.
Quem sobreviveu à queda brutal da demanda por
viagens durante a pandemia de covid-19 o fez por meio de empréstimos onerosos
que ainda comprometem seus resultados. Eis o motivo do aumento dos preços das
passagens, de 47,24% em 2023, segundo o IBGE – e não o custo do querosene de
aviação, que caiu 41% desde o ano passado, segundo a Petrobras.
Porém, ainda que estejam caras, as passagens aéreas não estão encalhando, o que sugere um equilíbrio entre oferta e demanda. A taxa de ocupação, relação entre os bilhetes pagos e os assentos disponíveis nos voos domésticos, atingiu 83,6% em janeiro, segundo a Anac, bem próxima dos níveis pré-pandemia. Mais uma razão a reforçar que o melhor que o governo tem a fazer é deixar as empresas se ajustarem por conta própria.
Virar a página do Holocausto
Correio Braziliense
Apesar de sua declaração infeliz, não se deve
perder de vista de que a posição de Lula coincide com a de todas as
chancelarias do G 20 quanto à necessidade de acabar com a guerra e criar o
Estado da Palestina
A volta ao leito principal da política
externa do governo Lula passa pelas negociações do G20, que se iniciaram nesta
semana sob a presidência do Brasil. Porta-voz do encontro, o chanceler Mauro
Vieira reiterou que as nossas prioridades no G20 são articular uma campanha
mundial contra a fome e a miséria, enfrentar a emergência climática e promover
a transição para a energia limpa, e restabelecer a capacidade de governança
global dos organismos multilaterais, sobretudo do Conselho de Segurança da
Organização das Nações Unidas (ONU), que está paralisado.
Antes do encontro, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva teve uma conversa de quase duas horas com o secretário de Estado
dos Estados Unidos, Antony Blinken, na qual as divergências entre o Brasil e os
Estados Unidos sobre Israel ficaram do seu verdadeiro tamanho, ante a robusta
convergência de posições sobre a necessidade de conquistar a paz em Gaza e
viabilizar a solução de dois estados, com a independência da Palestina.
Ontem, na Argentina, onde a polêmica
declaração de Lula não é um assunto da mídia, Blinken declarou que qualquer
expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia seria inconsistente com o
direito internacional: "Tem sido uma política de longa data dos EUA, tanto
sob administrações republicanas como democratas, que novos colonatos são
inconsistentes para alcançar uma paz duradoura", advertiu. "Eles
também são inconsistentes com o direito internacional. Nossa administração
mantém firme oposição à expansão dos assentamentos. E, na nossa opinião, isto
apenas enfraquece – e não fortalece – a segurança de Israel", disse o
secretário de Defesa dos EUA em entrevista coletiva em Buenos Aires.
É verdade, o governo Lula ensaia uma mudança
de estratégia na política externa que tangencia a perspectiva de uma ordem
"pós ocidental", o que seria um realinhamento ao Sul Global em
contraposição aos Estados Unidos e as potências ocidentais. O chanceler Mauro
Vieira negou a intenção de o Brasil se colocar no cenário internacional como
uma espécie de "mediador universal", mas deixou claro que o governo
brasileiro não deixará de se posicionar em relação aos conflitos. É aí que mora
o perigo.
Se esse posicionamento for em busca da paz e
defesa da democracia, estaremos no rumo certo. Entretanto, certas declarações e
omissões do presidente Lula levam a questionamentos sobre a sua verdadeira
posição quanto, por exemplo, a Venezuela e Nicarágua, à guerra da Ucrânia e ao
Hamas, em Gaza.
No momento, porém, o mais importante é
preciso circunscrever o conflito com o governo de Israel em razão da tese de
genocídio em Gaza, que passou a ser adotada por Lula, com grande repercussão
favorável no mundo árabe e na esquerda. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu
aproveitou-se dessa posição para escalar a crise e descontextualizar o debate
sobre o cessar-fogo imediato, a ajuda humanitária, a necessidade de uma paz
duradoura e solução de dois estados, ou seja, Israel e Palestina, com
fronteiras seguras e definitivas.
Apesar de sua declaração infeliz, não se deve perder de vista de que a posição de Lula coincide com a de todas as chancelarias do G 20 quanto à necessidade de acabar com a guerra e criar o Estado da Palestina, ao contrário da de Netanyahu, que defende a guerra sem tréguas e implacável e não aceita a solução de dois estados. O problema é outro, a volta da política externa brasileira ao eixo do multilateralismo, do pragmatismo e defesa dos interesses objetivos do Brasil, como um país emergente do Ocidente, o que exige que se relacione bem tanto com todos os estados. Tanto com os Estados Unidos quanto com a China, com a Rússia e Ucrânia, com a Autoridade Palestina e Israel, mesmo que relações atuais entre os dois governos sejam péssimas.
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