Operações policiais no Rio apontam rumo contra o crime
O Globo
Cooperação entre polícias levou a apreensão
de arsenal. Inteligência financeira desfez esquema de bicheiro
Duas operações policiais deflagradas ontem no
Rio mostraram a importância do planejamento, das investigações robustas e da
integração entre as diversas forças de segurança com o Ministério Público para
o sucesso no enfrentamento das organizações criminosas. Uma delas conseguiu
interceptar um comboio de milicianos na Avenida Brasil, levando à prisão de 15
criminosos e à apreensão do arsenal em poder dos bandidos. A outra, que teve
como alvo o bicheiro Bernardo Bello, mirou o esquema de lavagem de dinheiro do
contraventor.
A operação na Avenida Brasil aconteceu na madrugada de quinta-feira, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Graças ao trabalho de inteligência, equipes das polícias Civil, Militar e Rodoviária Federal (PRF) interceptaram um “bonde” formado por 16 milicianos em quatro carros roubados. A quadrilha participara de um confronto numa favela da região controlada pela milícia e disputada pelas facções Comando Vermelho (CV) e Amigos dos Amigos (ADA). Com o bando, foram apreendidos 12 fuzis, 58 carregadores, duas granadas, sete pistolas e mais de 1.500 projéteis — uma das armas tinha o brasão da polícia de Miami, nos Estados Unidos. Foram recolhidos também coletes à prova de bala e uniformes falsos das polícias. Seis suspeitos foram baleados nas ações.
A interceptação foi possível porque a
inteligência da Draco, da Polícia Civil, monitorou o deslocamento dos
milicianos por dois meses e repassou as informações à PRF. Favelas da Zona
Oeste têm sido alvo de uma disputa sangrenta entre milicianos e traficantes. A
guerra aterroriza a população e faz aumentar os índices de violência na
região. No momento da abordagem, os criminosos seguiam para uma comunidade
controlada pela milícia e ameaçada de invasão pelas facções.
Na mesma quinta-feira, a Polícia Civil e o
Ministério Público do Rio avançaram no combate às organizações criminosas ao
deflagar uma operação para prender Bello. Embora ele não tenha sido encontrado,
as ações tiveram êxito ao desarticular um esquema de lavagem de dinheiro.
Segundo a investigação, empresas de fachada usadas para lavar dinheiro
movimentaram R$ 159 milhões desde 2020. Na mira estão uma empresa que vende
material para churrasco, um posto de gasolina e uma confecção. Só uma delas
movimentou R$ 79 milhões em oito meses de 2021. A ação contra Bello faz parte
da investigação do assassinato do advogado Carlos Daniel Dias, em maio de 2022,
em Niterói. Bello é suspeito do crime.
O Rio, como todo o Brasil, enfrenta grave
crise de segurança pública. Comunidades são palco de uma guerra sem fim entre
organizações criminosas na disputa por território. Operações espalhafatosas —
em geral com alta letalidade — promovidas pela polícia não costumam ser
eficazes. Prova disso é que pouco tem mudado no cenário do crime ao longo dos
anos. Gastam-se montanhas de dinheiro, e os indicadores de violência mal se
movem.
As operações de quinta-feira apontam um
caminho mais eficaz no combate ao crime, e não só para o Rio. A da Avenida
Brasil mostra que inteligência e cooperação entre corporações policiais são
fundamentais. A que teve Bello como alvo substituiu o método de tiro e bomba
por investigações que miram o bolso dos criminosos e seus esquemas financeiros.
É verdade que elas exigem árduo trabalho de inteligência e planejamento, mas o
resultado fala por si só.
Lei da Ficha Limpa demonstra eficácia para
preservar a lisura das eleições
O Globo
Entre os prefeitos eleitos em 2020, 96
perderam o mandato — 56 deles foram cassados como fichas-sujas
Dos 5.568
prefeitos eleitos em 2020, 96 perderam o mandato, segundo levantamento do GLOBO
com base em informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A
maioria deles — 56 — foi enquadrada na Lei da Ficha Limpa, criada por um
projeto de origem popular aprovado pelo Congresso em 2010. O segundo principal
motivo foi a compra de votos, responsável pelo afastamento de 15 prefeitos. Em
seguida, acusações de abuso de poder político e econômico nas campanhas, que
resultaram na perda de 12 mandatos.
Todo político condenado em segunda instância
está sujeito a ser cassado como ficha-suja. Entre as causas de condenação à
perda de mandato dos 56 prefeitos estão a rejeição de contas de governos
anteriores, condenações por improbidade administrativa, prejuízos ao Erário,
uso irregular dos meios de comunicação e penas criminais.
São Paulo reúne a maioria dos casos (21 dos
56). MDB e PSDB — com 14 prefeitos afastados em cada legenda — são os partidos
com mais cassações. Das 96, 38 ocorreram em municípios com população entre 10
mil e 50 mil habitantes e 29 naqueles que têm entre 5 mil e 10 mil. Nas cidades
com até 5 mil habitantes, 16 prefeitos foram destituídos. “Infelizmente, as
cidades menores são mais vulneráveis, porque não existe trabalho, e o maior
empregador acaba sendo a prefeitura, por meio de cargos comissionados, em que o
concurso não é necessário”, afirma Mônica Rodrigues, doutora em políticas
públicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). É a porta aberta
para relações promíscuas com favorecimento a amigos e familiares, para a
improbidade e a corrupção.
No caso de Tarcílio Secco (PL), o motivo para
a perda do mandato de prefeito de Presidente Castello Branco, município de 1,6
mil habitantes em Santa Catarina, foi a compra de votos. Secco distribuía entre
eleitores dinheiro vivo e brita para construção. Outro cassado foi Thiago
Peçanha (Republicanos), destituído da prefeitura de Itapemirim, cidade de 35
mil habitantes no Espírito Santo, depois de condenado por abuso de poder
político na sua reeleição, há quatro anos. Fez contratações irregulares na campanha
e aumentou os gastos em um programa de distribuição de novilhas para pequenos
produtores, com objetivos eleitoreiros.
Nada indica que crimes dessa natureza não se
repetirão nas eleições municipais deste ano. Há diversas formas de coação ao
eleitor, e qualquer delito nesse campo é grave, por atingir um dos pilares da
democracia — o voto. Por isso o prontuário judicial do candidato é informação
imprescindível na hora de votar. Por meio dele é possível conhecer os processos
e as condenações dos políticos. É um alento que o país disponha, na forma das
leis eleitorais e da Lei da Ficha Limpa, de instrumentos eficazes para tirar do
poder quem não deveria ter chegado a ele. Cabe à Justiça Eleitoral continuar a
cassar os pilhados em ações criminosas para preservar a lisura das eleições.
Lula não se ajuda em momento difícil
Folha de S. Paulo
Com derrotas no Congresso e queda de
popularidade, petista dá declarações desastradas e pouco apresenta em planos
Havia motivos para imaginar que Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) começaria o ano com saldo político positivo, dado que a
economia cresceu muito acima do que o previsto.
Mais importante, do ponto de vista do
cotidiano, o salário médio crescia ao ritmo de 4% ao ano em janeiro, e o número
de pessoas empregadas aumentava 2%. Os benefícios do Bolsa Família avançaram
75% desde o final do governo passado, se considerada tal despesa em relação ao
PIB.
Apesar dos preços ainda altos dos alimentos,
a inflação em geral diminuiu; baixam as taxas de juros. Mesmo minoritário, o
governo conseguiu aprovar projetos importantes no Congresso em 2023. Ainda não
há no horizonte liderança que agregue a oposição e desponte como candidatura
possível em 2026.
O reinício do ano político, porém, foi de
azedume parlamentar e derrotas. Parte deste pouco mais de um bimestre foi
tomada pela péssima
repercussão das declarações desastrosas de Lula sobre Israel.
A tentativa de obter dinheiro de impostos por
meio de medida provisória do final de 2023 foi derrotada e depende de
renegociações.
Lideranças parlamentares exigiram
emendas, cargos e demissões no ministério, a ponto de Lula intervir
para acalmar ânimos, enquanto o comando de comissões relevantes do Congresso
foi ocupado pela oposição mais radical.
Pesquisas de opinião indicam que está em
baixa a avaliação do presidente, queda notável desde meados de 2023, chegando
aos menores níveis no terceiro mandato.
É neste cenário mais conturbado que o
Planalto tentará aprovar projetos essenciais no Congresso.
É preciso regulamentar a reforma tributária e
protegê-la da desfiguração dos lobbies. Em breve, o governo terá de revelar sua
reforma do Imposto de Renda e fazer a revisão de gastos de 2024, o que pode ser
motivo de conflito interno no Executivo e com o Congresso. A depender da
decisão, há risco para as condições financeiras.
O segundo semestre quase inteiro será ocupado
por eleições municipais; em 2025 haverá disputa do comando de Câmara e Senado,
embate que já afeta os agrupamentos parlamentares.
Em vez de assistir a picuinhas de Lula com
empresas públicas e privadas, o país espera esclarecimentos sobre o que se
pretende com a vaga política industrial. Mais importante, quer saber dos planos
da chamada transição tecnológica verde. O Executivo ainda não disse ao que veio
em educação e saúde.
Se a política é como nuvem, cabe ao governo
soprar as mais sombrias. Não há tempo a perder com a fábrica de crises
gratuitas das declarações presidenciais e a inércia programática. Já se passou
mais de um quarto do mandato.
Espectro do Antropoceno
Folha de S. Paulo
Apesar do impacto da tecnologia, comitê
descarta época geológica da humanidade
O Cenozoico, idade geológica atual iniciada
há 66 milhões de anos, caracteriza-se pela dominância de mamíferos, aves e
plantas com flores. Subdivide-se em sete épocas, sendo a mais recente o
Holoceno, que começou há 11,7 mil anos com o fim da última glaciação.
Há 15 anos, discute-se a proposta de
introduzir uma nova divisão: o Antropoceno, a época do homem. Segundo o jornal
The New York Times, a conclusão provisória defendida por comitê com duas dúzias
de especialistas é a de que ainda é
prematuro abrir um novo capítulo na história da Terra.
O planeta se formou há 4,5 bilhões de anos.
Transformações portentosas deixaram marcas em suas camadas mais externas.
No Cenozoico irromperam cadeias de montanhas
como Andes, Alpes e Himalaia. Intervalos mais curtos, como as épocas,
delimitam-se com evento mais superficiais, como a retração de geleiras
continentais ao fim do Pleistoceno, época que precedeu o atual Holoceno.
Se a história da Terra pudesse ser comparada
com um calendário, os mamíferos teriam surgido em 30 de dezembro, e o Homo
sapiens só iniciaria sua caminhada às 23h36min51s do último dia do ano.
O que caracterizaria, então, o suposto
Antropoceno? A presença de microplásticos em sedimentos, por exemplo, foi
descartada por especialistas quando se constatou que tais partículas de
atividade humana podem migrar de uma camada a outra.
Ninguém duvida de que o planeta tem mudado de
modo marcante a partir de meados do século 20, Vestígios
inquestionáveis pontilham sua face: concreto, metais, cinzas de
chaminés, poeira radiativa de testes nucleares, entre outros.
A dificuldade reside em definir de maneira
inequívoca o limiar da nova época e sua marca distintiva. Especialistas
preferem qualificar a transformação imposta pela espécie humana como evento
geológico, não uma nova época.
Não se trata de negar que a humanidade esteja alterando de modo intenso o planeta, como a mudança do clima está a evidenciar. Permanece a relutância, contudo, em emprestar a seu impacto uma demarcação definitiva.
A natureza perdulária de Lula
O Estado de S. Paulo
Confiante na alta da arrecadação – e
convenientemente esquecido do aumento do déficit –, Lula quer gastar mais. Mas,
fiel ao receituário petista, não se compromete em gastar bem
O governo não está satisfeito com o limite de
gastos estabelecido pelo próprio governo. Menos de um ano após pactuá-lo com o
Congresso, o presidente Lula da Silva quer nova licença para gastar. “A
arrecadação está aumentando além daquilo que muita gente esperava”, disse Lula
no lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Seleções. “Lógico
que nós temos um limite de gastos, que, quando a gente tiver mais dinheiro, a
gente vai ter que discutir com a Câmara e o Senado esse limite de gastos.”
De fato, em janeiro a arrecadação subiu 6,6%,
chegando a R$ 280,3 bilhões, o valor mais alto em quase 30 anos. No entanto, o
déficit primário também bateu seus recordes, e no ano passado chegou a R$ 230
bilhões, o equivalente a 2,1% do PIB. De resto, essa alta na arrecadação tem
seus próprios limites. O Orçamento de 2024 peca por excesso de otimismo,
superestimando as receitas e subestimando as despesas.
A maior parte da arrecadação prometida
depende de novas regras de tributação dos benefícios fiscais concedidos aos
Estados e de acordos de empresas com a Receita. Mas essas promessas estão longe
de estar garantidas. O governo fala em tributar os “super-ricos”, mas essas
receitas, também longe de garantidas, respondem por cerca de 12% do que o
governo diz precisar.
O acerto de contas das empresas com a
Receita, se sair, gerará um novo influxo de receita. Mas ela é provisória e os
gastos já contratados (especialmente na PEC da Transição do fim de 2022), que
agora Lula quer expandir, são recorrentes.
É a velha receita petista. O importante é
gastar para estimular a economia. Conforme essa fantasia, as pessoas compram
mais, as empresas investem mais e um tanto de déficit fiscal não faz mal a
ninguém. Afinal, no adágio imortal de Dilma Rousseff, “gasto é vida”. Se o
desajuste fiscal gera riscos e incertezas e pressiona a inflação e os juros,
basta escoriar o Banco Central.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
continua a correr atrás de novas receitas, mas não tem autorização do chefe
para cortar despesas com medidas como contingenciamentos e empoçamentos. O
plano de revisão de gastos do Ministério do Planejamento segue em ponto morto.
Ao mesmo tempo, a contabilidade vai ficando
cada vez mais criativa. Gastos com os investimentos estatais no PAC e as
despesas da bolsa para alunos de baixa renda do ensino médio ou com o seguro
rural foram excluídos da meta. Flerta-se com a ideia de classificar a ajuda
financeira a Estados e municípios como “crédito extraordinário”, quando de
extraordinário ela não tem nada. É só o padrão ordinário no Brasil. Basta o
poder público ter alguma folga fiscal para contratar novos aumentos de salários
e aposentadorias do serviço público, enquanto os investimentos em saneamento,
escolas ou estradas se contraem.
Isso sem falar da parte do próprio Congresso,
cujas emendas parlamentares, por exemplo, não param de crescer.
“Sem conseguir cumprir o que prometeu, e
vulnerável à pressão por mais gastos e menos receitas, qual será a reação do
governo nos próximos meses?”, perguntavam-se os economistas Marcos Lisboa e
Marcos Mendes em um artigo de setembro de 2023 no Brazil Journal, cujo título
responde a sua própria pergunta: Gastar, gastar, gastar.À época, os autores
concluíam com outras questões sobre o governo: “Jogará a toalha, mudando a meta
fiscal e assumindo que estamos em um regime fiscal inconsistente? Será que a
equipe econômica terá capacidade para recobrar o controle da política fiscal?
Irá apoiar autuações indiscriminadas das empresas privadas por parte da Receita
para obter um resultado primário imediato, mesmo que insustentável a longo
prazo? Ou vai sucumbir e avançar na contabilidade criativa?”. À luz da retórica
perdulária de Lula, são perguntas que se provam cada vez mais retóricas. A
resposta é “sim” a todas, exceto uma: a equipe econômica – se ainda lhe restar
alguma vontade após ser tantas vezes desmoralizada pelo Planalto – dificilmente
terá capacidade para recobrar o controle da política fiscal.
Educação não é caso de polícia
O Estado de S. Paulo
Projeto de Tarcísio que implementa escolas
cívico-militares mostra que, para o governo paulista, parece mais importante
intimidar os alunos com policiais do que estimulá-los a ler e pensar
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, enviou à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) um
projeto de lei que cria o Programa Escola Cívico-Militar. Caso seja aprovado
pelos deputados – o que deve acontecer, pois o governo conta com uma folgada
base de apoio na Alesp –, algumas escolas da rede estadual, a depender do
resultado de consultas públicas, poderão ser geridas em conjunto, pasme o
leitor, pelas Secretarias da Educação e da Segurança Pública – como se educação
fosse caso de polícia.
As escolas cívico-militares padecem de um
vício de origem: a educação pública deve ser civil. É inquestionável que há
centros educacionais de excelência sob administração militar, particularmente
no ensino técnico-científico. Aí estão, por exemplo, o Instituto Militar de
Engenharia (IME) e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Igualmente, é
reconhecida a qualidade dos colégios mantidos pelo Exército, pela Marinha e
pela Aeronáutica. Mas seus objetivos e públicos são muito distintos. Numa
República democrática, políticas voltadas à educação básica têm de estar a
cargo, fundamentalmente, de gestores e professores civis.
Em segundo lugar, o governo estadual parte de
erros crassos de diagnóstico para justificar a implementação das escolas
cívico-militares em São Paulo. Na apresentação do projeto, o Poder Executivo
sustenta que o objetivo do programa é “complementar as ações pedagógicas e
compartilhar com os estudantes valores como civismo, dedicação, excelência,
honestidade e respeito”. Ora, tais valores, evidentemente, não são exclusivos
dos militares. Ademais, deveria ser ocioso enfatizar que não foram poucos os
militares, inclusive os de alta patente, que violentaram esses mesmíssimos
valores ao aderirem ao golpismo bolsonarista, e não foram poucos os defensores
da suposta “disciplina” das escolas civico-militares que ajudaram a depredar os
prédios dos Três Poderes em Brasília no infame 8 de Janeiro. Naquelas cenas
degradantes, havia tudo, menos “civismo” e “respeito”.
Falta aos governos, em geral, e ao governo
paulista, em particular, a capacidade de traçar um diagnóstico preciso sobre os
reais problemas na educação pública, em particular na educação básica. Não se
trata de um problema disciplinar nem muito menos político-ideológico. Qualquer
projeto voltado à melhoria da educação básica no País tem de passar,
necessariamente, pela formação dos professores, pela valorização material dos
docentes e, não menos importante, pela reavaliação permanente dos modelos
pedagógicos. O salto de qualidade de que a educação básica tanto carece no
Brasil não será dado se distribuindo pequenas fardas para crianças, tampouco
enchendo as escolas de policiais militares aposentados à guisa de prover
segurança e disciplina.
Ao que tudo indica, o projeto de lei enviado
por Tarcísio à Alesp é mais do que um agrado aos bolsonaristas de São Paulo. O
governador paulista parece mover suas peças no tabuleiro político justamente
pelos flancos que têm sido abertos pelo governo do presidente Lula da Silva –
notadamente nas áreas de Segurança Pública e Educação. Se essa movimentação se
presta a qualificar Tarcísio para desafiar Lula nas urnas já em 2026 ou se o
governador está apenas construindo suas marcas na política paulista para apresentá-las
ao País mais tarde, em momento oportuno, só o tempo vai dizer.
Seja como for, as ações do governador de São
Paulo nessas duas áreas não têm sido as mais adequadas. Sua concepção de
segurança pública, sustentada por uma política de enfrentamento a supostos
criminosos que tem deixado um rastro de sangue pelo Estado, desfaz um trabalho
de décadas na construção de uma polícia mais bem preparada, apta a atuar dentro
das regras do Estado Democrático de Direito. E na área de Educação, entrou para
a antologia das ideias estapafúrdias o projeto que eliminava os livros didáticos
nas salas de aula e sua substituição por slides em PowerPoint. O projeto
felizmente foi abandonado, em razão da previsível reação negativa da sociedade,
mas bastou para dar a dimensão da desinteligência em uma área tão importante
para São Paulo e para o País. Para o atual governo paulista, parece mais
importante intimidar os alunos com policiais disciplinadores do que
estimulá-los a ler e pensar.
A fúria eleitoral de Biden
O Estado de S. Paulo
Democrata faz de sua prestação de contas à
nação um raivoso discurso de campanha contra Trump
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden,
fez da tribuna do Capitólio o palanque para cimentar sua disputa à reeleição.
Seu discurso sobre o Estado da União, na noite de quinta-feira, fugiu dos
protocolos tradicionais. Em uma fala vários decibéis acima de seu tom natural,
o líder democrata proferiu uma peça raivosa contra a candidatura de seu
antecessor, Donald Trump, e fustigou a bancada republicana no Congresso. Se foi
capaz de expressar energia política suficiente para chacoalhar correligionários
céticos de sua vitória eleitoral, o tempo dirá. Neste momento, porém, sua opção
por apresentar um “Estado de Biden”, em vez do esperado Estado da União,
acentua a disfuncionalidade da política do país ao liquidar de vez com a margem
quase inexistente de diálogo entre os dois partidos.
Biden perdeu a oportunidade de apresentar-se
como estadista cioso do retorno da democracia americana aos trilhos da
concertação entre os dois polos políticos. Apenas em raros instantes chamou,
timidamente, os republicanos a conversar com o governo democrata sobre temas de
consenso impossível, como a política de imigração. Em outros, respondeu com
indisfarçável irritação às vaias e provocações de parlamentares da oposição. Um
Biden mais energético, assertivo e rancoroso, completamente desconhecido da classe
política e dos cidadãos, surgiu durante um dos eventos oficiais que mais atraem
a audiência do público americano a cada ano – mas como candidato, e não como
chefe de Estado e de governo.
Desde os tempos de Thomas Jefferson, no fim
do século 18, o discurso anual do presidente americano assinala os feitos de
sua administração e os projetos e objetivos para o restante do ano. Biden até
cumpriu parte dessa premissa. Porém, escancarou seu interesse maior de remarcar
a diferença de sua gestão com a de Trump e de ressaltar os riscos para o país e
para a democracia caso o adversário volte ao poder.
Ao insistir no viés eleitoral, Biden trouxe
Trump ao último Estado da União de seu mandato presidencial. Mencionou 13 vezes
o republicano, sempre como “meu antecessor”. A ironia não passou despercebida.
Mas, ao digladiar-se com a oposição no Congresso — hoje totalmente a serviço de
Trump – e anunciar o envio de pautas controversas, como a descriminalização do
aborto, o democrata assumiu riscos consideráveis para o que resta de sua gestão
na Casa Branca. O embate entre “nós contra eles”, máxima republicana agora
fixada também pelo presidente e pré-candidato democrata, dobra a aposta na
falta de conciliação.
Como Biden afirmou, corretamente, os EUA vivem um “momento sem precedentes” de sua história, no qual a “liberdade e a democracia estão, ao mesmo tempo, sob ataque em casa e no exterior”. A política americana, como ressaltou, precisa abandonar ideias velhas de “ódio, raiva, revanche, vingança” e “ter visão sobre o futuro que a América pode e deve alcançar”. Se assim realmente pensa, faltou a Biden a sensatez de reescrever seu discurso antes de proferi-lo.
Câmara rumo à polarização
Correio Braziliense
Espera-se que os novos comandantes da
comissão tenham maturidade à frente dos colegiados a quer foram designados
As comissões permanentes da Câmara dos
Deputados têm duas obrigações básicas: zelar pelas políticas públicas e
produzir uma legislação consistente tecnicamente, para que atendam ao bem-comum
e não sejam consideradas inconstitucionais. A Comissão de Constituição e
Justiça, em especial, tem essa missão ainda mais destacada, porque cabe a ela
escoimar ou embargar projetos que possam afrontar a Constituição de 1988.
Entretanto, nem sempre é o que acontece.
Para se ter uma dimensão da importância das
comissões, no ano passado foram aprovadas em caráter conclusivo, ou seja, sem
passar pelo plenário, 1645 projetos de leis, de um total de 2462 projetos
aprovados, sendo apenas 284 rejeitados. Em contrapartida, no plenário da
Câmara, foram aprovadas 213 propostas, sendo 21 o número de rejeitadas, depois
de 1011 horas de debates.
As comissões da Câmara realizaram 3.218 horas
de debates, sendo as de Saúde (219 horas), Educação (190 horas), Segurança
Pública e Combate ao Crime Organizado (185 horas), Legislação Participativa
(149 horas) e Constituição e Justiça 147 horas) as mais ativas. Isso explica a
movimentação de milhares de pessoas na Câmara dos Deputados, mesmo quando não
há votação em plenário. Muita coisa se resolve no âmbito das comissões e alguns
parlamentares, que quase não se manifestam no plenário, dedicam-se intensamente
a elas, bem como os lobbies econômicos mais poderosos.
Não é trivial que dois jovens deputados do
PL, eleitos na aba do chapéu do presidente Jair Bolsonaro, saltem das
narrativas em redes sociais para o comando de duas das mais importantes
comissões da Câmara, sem desmerecer a legitimidade que têm, por terem sido os
mais votados em seus estados: catarinense Caroline de Toni (PL-SC) dirigirá os
trabalhos da poderosa Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ);
e o mineiro Níkolas Ferreira (PL-MG) comandará a Comissão de Educação. Nenhum
dos dois está entre os mais preparados tecnicamente, porém, mas se destacam
pelo radicalismo, combatividade e o fato de estarem entre os que mais votam
contra o governo Lula.
Ambos adotaram na campanha eleitoral e no
exercício do mandato a narrativa da antipolítica. Ascenderam aos cargos com
base na regra da proporcionalidade de distribuição das comissões entre as
bancadas, na qual o PL ocupa espaços que lhe cabem pelo número de deputados.
Mas, sobretudo, por “dedazos” do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e do
ex-presidente Jair Bolsonaro, que confirmam o velho jargão político de que
“jabuti não sobe em árvore, ou foi enchente ou mão de gente.”
A ascensão dos novos expoentes do
bolsonarismo tornam ainda mais desafiador o cenário para a articulação política
do governo na Câmara. É certo que a polarização, tão marcante nas duas últimas
eleições presidenciais, ganhará novo fôlego nos debates que ocorrerão nesses
colegiados. A divergência frontal entre oposição e governo, muitas vezes mais
por razões ideológicas do que técnicas, pode comprometer o avanço de políticas
públicas relevantes para o país – e não apenas para o governo. Cite-se como
exemplo, o Plano Nacional de Educação, que estabelece as metas do ensino para
os próximos dez anos.
Espera-se que os novos comandantes da
comissão, tão marcados pela juventude, tenham maturidade à frente dos
colegiados a quer foram designados pelos colegas parlamentares.
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