O Globo
Motoristas passarão a ter acesso aos
benefícios do INSS
Depois de mais de um ano de debate, o governo
Lula finalmente enviou ao Congresso o Projeto de Lei que regulamenta o trabalho
por aplicativos de transporte, como Uber e 99. O texto mantém o caráter
autônomo desse tipo de trabalho, estabelece um piso de remuneração equivalente
ao salário mínimo e garante ao trabalhador os direitos que advêm da
contribuição ao INSS.
Apesar das limitações, o projeto é um avanço na proteção ao trabalho e dá segurança jurídica para a atuação das empresas. Para ter a dimensão desse tipo de trabalho, apenas a Uber tem 1 milhão de motoristas cadastrados. Isso é mais que o total dos que trabalham para os dez maiores empregadores do país, como Itaú, Correios e BRF.
O projeto estabelece uma remuneração por hora
mínima equivalente ao salário mínimo vigente, descontados os custos de
manutenção do veículo. Isso significa que o valor por hora mínimo pago aos
motoristas será a soma da remuneração (R$ 8,02 por hora) e da cobertura dos
custos (R$ 24,07 por hora). Esses valores serão reajustados com o salário
mínimo nacional. Se um motorista trabalhar 22 dias por mês durante oito horas,
receberá pelo menos R$ 5.647,84.
Infelizmente, o acordo entre trabalhadores e
empresas mediado pelo governo não abrange os entregadores — categoria quase tão
numerosa quanto os motoristas, mas mais mal remunerada. Segundo o governo,
o iFood sabotou
as negociações se negando a pagar valores compatíveis com o salário mínimo
vigente (a empresa nega). O iFood tem histórico ruim de relação com
trabalhadores. Em 2022, reportagem da Agência Pública descobriu que uma empresa
contratada do iFood criou perfis falsos nas mídias sociais e contratou atores
para se infiltrar e sabotar o movimento de entregadores por melhores condições
de trabalho.
Motoristas passarão a ter acesso aos
benefícios do INSS, como auxílio-doença, auxílio-acidente, salário-maternidade
e aposentadoria. Antes, já podiam contribuir, mas a adesão era baixa (cerca de
23%). Agora, todos os motoristas terão cobertura do INSS, e o recolhimento será
distribuído. Farão uma contribuição de 7,5% sobre a remuneração efetiva
(descontados custos de manutenção), e as empresas contribuirão com outros 20%
sobre esse valor. Se o Congresso não mexer nessa distribuição quando o projeto
tramitar por lá, será um grande avanço para os trabalhadores.
O projeto cria uma nova categoria de
trabalhador, o “trabalhador autônomo por plataforma”, que terá representação
sindical. As empresas também terão representação patronal e poderão negociar
com o sindicato dos trabalhadores, firmando acordo ou convenção coletiva que
pode ampliar o patamar de proteção.
O principal ponto de disputa entre os
representantes dos trabalhadores e das empresas era se o trabalho por
plataforma constituía vínculo empregatício tal como estabelecido pela CLT. O
projeto estabelece, finalmente, que não há vínculo, o que deve sustar a
montanha de processos que tramitam na Justiça do Trabalho.
O debate não opôs apenas sindicalistas e
empresas, mas também sindicalistas e trabalhadores. As empresas alegavam que o
trabalho por plataforma não estabelecia vínculo, e os sindicalistas se
contrapunham, exigindo para os trabalhadores por plataforma todas as proteções
da CLT.
No entanto os sindicalistas encontraram forte
resistência da base de trabalhadores, que demonstravam apreço pela autonomia na
prestação de serviço por plataforma. Se a vinculação pela CLT viesse, eles
teriam de dirigir em áreas determinadas pelas empresas, fazer jornadas
estabelecidas por elas e não poderiam escolher as corridas.
Em sucessivas oportunidades, os motoristas
disseram a seus representantes que preferiam não ter todas as proteções da CLT,
mas poder trabalhar no local e horário que quisessem, com a intensidade que
quisessem, aceitando ou não as corridas. Os sindicalistas viam nessa postura
uma visão de curto prazo de quem não enxerga os próprios direitos. Os
trabalhadores lamentavam que as lideranças não enxergassem que o controle mais
estrito do trabalho, no modelo convencional, era massacrante.
A opção do Projeto de Lei por um modelo
intermediário — com autonomia do trabalho, combinado a direitos
previdenciários, salário mínimo e representação sindical — deve ser celebrada
não como vitória dos interesses do capital sobre o trabalho, mas como vitória
do ponto de vista ancorado na experiência dos trabalhadores sobre a visão mais
ideológica de seus representantes.
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