O Globo
Para Freud, a política era a continuação da
guerra em outros termos. Mesmo considerando inevitável a guerra, Freud diz que
ela é “a mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida no
processo de civilização."
Num momento em que o mundo vive em permanente
tensão, convivendo com duas guerras – a da Rússia contra a Ucrânia e a de
Israel contra o Hamas e agora contra o Irã -, nada mais pertinente do que o
lançamento do livro “Guerra e política em Psicanálise”, do psicanalista Joel
Birman pela Civilização Brasileira.
Birman, que há pelo menos 20 anos tem como um
de seus temas psicanálise e guerra, objeto central de um encontro internacional
do Rio em 2003, analisa no livro o percurso histórico de Freud no estudo da
guerra. A famosa troca de mensagens entre Freud e Einstein em 1932 sobre a
possibilidade de evitar guerras entre as nações pode ser analisada como pano de
fundo de uma discussão acadêmica sobre o tema que vigora até hoje.
Albert Einstein fez em carta a Sigmund Freud, o pai da psicanálise, uma pergunta: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra¿” Nessa carta, escrita sob o desígnio da Liga das Nações, Einstein sugeria a instituição de um organismo internacional, mediante acordo entre as nações, que intermediasse conflitos que viessem a surgir. Seria a semente da Organização das Nações Unidas (ONU), que viria a ser criada.
Freud, que não se entusiasmou com a
discussão, que classificou de ”enfadonha e estéril”, respondeu com uma análise
sobre a impossibilidade de evitar a polarização entre as pulsões de vida e
morte, inerentes à constituição humana. Era a teoria “dos instintos”, segundo a
qual os instintos humanos seriam de dois tipos: os eróticos, que tendem a se
preservar e unir e os destrutivos, que tendem a destruir e matar.
Segundo Freud, para que a prevenção das
guerras e o projeto de Paz Eterna fossem possíveis, seria necessário que os
homens submetessem suas pulsões à “ditadura da razão”, o que seria uma utopia.
Freud interpelou Einstein de maneira direta: “Por que nos revoltamos tanto
contra a guerra, você e eu, e tantos outros, por que não a aceitamos como tal,
entre as numerosas necessidades possíveis da vida¿”
Segundo ele, a guerra “é praticamente
inevitável”, de acordo com a natureza do homem. Joel Birman lembra que Freud
acreditava decisivamente na possibilidade da Paz Eterna no início de seu
percurso teórico. No entanto, após a eclosão da Primeira Guerra Mundial,
modificou radicalmente seu entendimento sobre a guerra e suas intrincadas
relações com a paz e a política. Apesar de ser um pacifista, assim como
Einstein, no ensaio “Por que a guerra¿” publicado depois da troca de cartas,
chegou à conclusão de que a guerra é inevitável.
Impressionou-o especialmente a crueldade da
Primeira Guerra. O cenário bélico parecia inverossímil após cem anos de paz
duradoura na Europa, como o banho de sangue era promovido pelas maiores
potências europeias, como França, Inglaterra e Alemanha, a vanguarda da
civilidade ocidental. A tese de Freud sobre o “interdito de matar” perdia assim
consistência, pois valia apenas para os tempos de paz.
Os mesmos Estados davam “autorização para
matar” em tempos de guerra, demonstrando que não correspondia à verdade a tese
prevalente à época de que as nações europeias eram superiores às sociedades
primeiras. Ao contrário, estas seriam superiores às europeias porque
respeitavam os mortos e tinham regras na condução da guerra, que não eram
seguidas na guerra mundial desencadeada pelos estados europeus.
Concluindo seu percurso teórico, Freud
criticou a filosofia de guerra de Clausewitz, segundo quem a guerra era a
continuação da política em outros termos. Para Freud, a política era a
continuação da guerra em outros termos. Mesmo considerando inevitável a guerra,
Freud diz que ela é “a mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi
incutida no processo de civilização. E, por esse motivo, não podemos evitar de
nos rebelar contra ela”.
2 comentários:
A psicanálise precisa ser revista sob a ótica do espiritismo,urgentemente!
Amancio é um padengo que a guerra também deixou peladão. Espiritismo tem ótica? Larga mão de ser ridículo, ô pá! MAM
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