O Globo
Não existe almoço grátis. Essa frase
popularizada pelo economista Milton Friedman se encaixa bem às restrições
enfrentadas nas decisões econômicas. Ocorre que, especialmente na política, o
que mais se busca é o almoço grátis, já que a fatura de erros de política
econômica muitas vezes tarda ou não fica suficientemente clara para eleitores.
Um exemplo clássico são os limites para desequilíbrios fiscais sistemáticos e o persistente aumento da dívida pública (como proporção do PIB). Cedo ou tarde surgem os efeitos colaterais, na forma de inflação e juros mais elevados, e menor crescimento. Como resultado, a trajetória da dívida acelera ainda mais, podendo levar a cenários extremos (como calotes e o descontrole inflacionário).
Não há um número mágico a partir do qual o
endividamento público torna-se perigoso. Depende da avaliação dos agentes
econômicos quanto à capacidade e ao compromisso do governo de fazer o ajuste
fiscal e reverter a alta da dívida – quanto maior a diferença entre a taxa de
juros que incide na dívida e a taxa de crescimento do país, maior o esforço
necessário. Assim, a tentação para muitos governantes é de empurrar o problema
com a barriga enquanto tentam convencer os agentes econômicos da seriedade de
seus propósitos.
Países mais arrumados institucionalmente, que
têm maior crescimento e/ou juros menores, têm maior espaço para se endividar.
Mas até entre os países ricos o problema fiscal se tornou mais agudo,
especialmente após o forte aumento de gastos na pandemia, com diferentes
respostas dos países.
Em 2020, a zona do euro (ZE) ampliou seu
déficit primário (exclui o pagamento de juros) em 6,5 pontos percentuais para
7,1% do PIB. Os EUA foram mais ousados, com alta de 8,4 pp, que fez o déficit
atingir 14% do PIB, segundo o FMI. Como resultado, o salto na dívida pública
bruta foi mais expressivo nos EUA. Não é coincidência que a inflação naquele
país acelerou primeiro.
Desde a pandemia, o esforço fiscal da ZE tem
sido maior, mesmo em meio às graves consequências do conflito Rússia-Ucrânia na
economia. O déficit primário caiu para menos de 2%, contribuindo para a queda
do endividamento.
O Conselho Europeu, que define a agenda
política do bloco, defende a consolidação fiscal. Não visa apenas reforçar a
sustentabilidade fiscal, mas também reconstruir reservas orçamentárias,
necessárias frente aos desafios futuros, como transição energética,
transformação digital e defesa.
A região sofreu mais o choque inflacionário
da guerra (a inflação ao produtor chegou a 41% ao ano em meados de 2022 ante
18% nos EUA), mas conseguiu trazer a inflação ao consumidor para 2,4% ao ano (a
meta do Banco Central Europeu é 2%), depois do pico de 10,6% em outubro de
2022. Isso com um menor sacrifício em termos de alta dos juros e com mais
chances de cortá-los em breve.
Nos EUA, depois do desmonte de políticas de
socorro da pandemia, o crescimento dos gastos segue forte, na esteira de vários
programas governamentais, e o déficit primário está em 6% do PIB. A preocupação
com o desequilíbrio fiscal está praticamente ausente no discurso do tesouro
americano. Não surpreende a inflação mais teimosa (3,5%) adiando a perspectiva
de relaxamento monetário pelo Fed.
Essas diferentes experiências deveriam ser
alertas para o governo brasileiro, que insiste em desafiar a lei da gravidade.
Já não havia efetiva expectativa de ajuste
fiscal – o anúncio do arcabouço fiscal e das metas primárias em 2023 não
chegaram a produzir melhora nas projeções fiscais dos analistas. Agora, a
sequência recente de más notícias revela a dificuldade do time econômico de
defender a disciplina fiscal, e ainda mais de trazer a necessária agenda do
controle dos gastos.
A má reação dos mercados à mudança das metas
fiscais, logo após a medida oportunista para criar mais espaço para gastar este
ano, pode revelar uma corrosão da credibilidade do time econômico. Ainda que
fatores externos sejam combustível para azedar o humor de investidores, a maior
reação aqui é importante alerta.
A mudança de percepção quanto ao compromisso
fiscal do governo é mais uma dor de cabeça para o Banco Central, especialmente
para seu futuro presidente, que lidará também com o desafio de construir sua
própria reputação.
O caminho para 2026 está sendo construído, e
o escolhido pelo governo pode parecer mais fácil, mas é mais arriscado.
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