Mudança na meta fiscal dificulta rota do crescimento
O Globo
Governo põe em xeque credibilidade das regras
que ele próprio criou e encarece investimento no Brasil
Logo depois de assumir, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia ficar ofendido quando questionado sobre seu comprometimento com a responsabilidade fiscal. Citava os números das administrações anteriores como garantia. No ano passado, o governo aprovou no Congresso um novo arcabouço fiscal, com o compromisso de zerar o déficit público neste ano, entregar um superávit de 0,5% no ano que vem e de 1% em 2026. Nesta semana, menos de um ano depois, as metas foram afrouxadas. A de 2025 agora é zero. Para 2026, 0,25%. A deste ano segue sendo zero, mas ninguém sabe se será mesmo mantida ou cumprida. Em resumo, o governo empurrou o problema de estabilizar a dívida pública para a próxima administração.
Contas
públicas envolvem cifras bilionárias, mas não escapam de uma
regra básica: enquanto o gasto for maior que a arrecadação, a dívida crescerá.
Pelos cálculos do Tesouro, ela chegará ao pico em 2027, em 79,7% do PIB. Poucos no
mercado concordam. As projeções giram ao redor de 86% em 2030. A escalada fica
evidente quando se lembra que, em 2022, a dívida correspondia a 71,7% do PIB.
Hoje está em 75,6%. Desde a posse de Lula, o Brasil já deve quase R$ 1,1
trilhão a mais, praticamente o triplo da alta no primeiro ano sob Jair
Bolsonaro. O descompasso com o restante do mundo é patente. No ano passado, a
média da dívida entre os emergentes foi de 68,3% do PIB.
O histórico do governo desde que assumiu não
dá margem a otimismo. A tentativa de ajustar as contas públicas se concentrou
no aumento da arrecadação, cobrando mais impostos. É preciso dar crédito ao
Congresso, solidário em várias das iniciativas, muitas justificáveis. Mas a
estratégia se exauriu. De agora em diante, dificilmente haverá apoio político
para o governo criar mais impostos ou aumentar os existentes. Diante disso, era
esperado que apresentasse um plano consistente para cortar gastos na medida necessária.
Inúmeros sinais mostram que não é a intenção
do Planalto. O último foi a decisão de antecipar um gasto extra de R$ 15,7
bilhões. Por iniciativa da Casa Civil, a Câmara promoveu a primeira alteração
nas regras do arcabouço fiscal, para liberação de recursos a que o governo
teria direito a partir de maio se a arrecadação se mantiver em alta. Embora o
Senado ainda precise votar, a aprovação é dada como certa.
O Brasil é um país com demandas sociais
imensas. Quem ocupa a Presidência tem sempre promessas a cumprir. O calendário
da política impõe medidas imediatas. Mas tudo isso não exime o governo de
buscar objetivos de bem-estar para a maioria no longo prazo. A responsabilidade
fiscal é pré-requisito para o Brasil manter taxas elevadas e sustentadas de
crescimento, com aumento de renda e emprego.
Quanto mais o Estado deve, maior a dúvida
sobre sua solvência. Assim que foi anunciada a mudança nas metas fiscais, os
juros de longo prazo subiram, afastando o objetivo de elevar a taxa de
investimento na economia (que foi de 16,5% no ano passado, ante uma necessidade
em torno de 25%). Já devíamos ter aprendido que a visão de curto prazo pode
trazer alívio imediato, para, em seguida, os problemas voltarem com força. O
país precisa aumentar os investimentos. Isso depende da confiança no governo.
Para haver queda nos juros de longo prazo, a dívida pública precisa ser
reduzida. Isso demanda coragem para cortar gastos. Esse é o caminho, não existe
mágica.
Lula enfrenta pressão de aliados com invasões
do MST e greve universitária
O Globo
Movimentos historicamente ligados ao PT
aproveitam proximidade para promover onda de reivindicações
Não bastassem a queda na popularidade e os
desafios econômicos, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva enfrenta pressão de sua própria base de apoio. Depois de ficar numa
espécie de hibernação ao longo dos quatro anos do governo Jair Bolsonaro,
o MST acaba
de deflagrar, pelo segundo ano consecutivo, sua agenda de invasões conhecida
como “Abril vermelho”. Ao mesmo tempo, professores de universidades, institutos
e centros de ensino técnico federais — outro bastião histórico do PT — aderiram
a uma greve nacional por aumentos salariais. Tanto os sem-terra quanto os
professores acreditam que a oportunidade de sucesso é maior porque Lula está no
poder.
O MST informou ter invadido na semana passada
24 propriedades, entre elas uma área de pesquisa da Embrapa, já ocupada no ano
passado. É um contrassenso prejudicar o trabalho do laboratório público, maior
responsável pelo avanço do agronegócio e da agricultura familiar. Na
segunda-feira, Lula reagiu. Lançou o programa Terra da Gente, para “ampliar e
dar celeridade ao acesso à terra”. “É uma forma nova de a gente
enfrentar um velho problema. Isso não invalida a luta pela reforma agrária, mas
queremos mostrar ao Brasil o que pudemos utilizar sem muita briga, isso sem
querer pedir para alguém deixar de brigar”, afirmou numa tentativa de
equilibrar interesses.
Ao mesmo tempo que agrada aos antigo aliados
do MST, Lula precisa do apoio da bancada ruralista no Congresso para aprovar
seus projetos. Estão previstos churrascos na Granja do Torto com produtores
rurais, viagens a estados em que o agronegócio tem peso e visitas a obras do
PAC em áreas de produção agrícola. Esses gestos têm grande importância para um
governo com dificuldades de conviver com um Congresso conservador.
A greve dos professores das instituições
federais foi deflagrada uma semana depois de a ministra da Gestão, Esther
Dweck, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terem decidido que neste ano
não haverá aumento para servidores públicos. Dweck adiantou apenas que está em
estudos reajuste de mais de 19% até 2026, quando acaba o mandato de Lula.
Os professores reivindicam aumento de 22%,
dividido em três parcelas anuais. Também fazem uma exigência clássica do
sindicalismo no setor público: a equiparação de benefícios e auxílios com os
servidores do Legislativo e do Judiciário. É na busca por equiparações entre
categorias diversas que o funcionalismo escala para níveis salariais acima do
razoável e dos praticados no setor privado.
A greve dos professores universitários ocorre
no momento em que o governo anuncia o afrouxamento de sua política fiscal, um
estímulo evidente a reivindicações de toda sorte, de olho nos novos gastos. Das
invasões de terra e da greve de docentes de instituições federais de ensino,
restam mais dificuldades para o Planalto se aproximar do agronegócio, como
deseja, prejuízos aos estudantes e à própria imagem dos professores e das
universidades, já deteriorada diante da sociedade.
Economia oscila entre o medíocre e o
arriscado
Folha de S. Paulo
Relaxamento de meta fiscal confirma recusa de
Lula em rever gastos, o que limita expansão do PIB e torna país vulnerável
O afrouxamento
precoce das metas para os resultados das contas do Tesouro Nacional não
surpreendeu ninguém. Na verdade, nem mesmo se acredita que as novas metas serão
cumpridas.
Nesse sentido, tampouco há alteração imediata
e substantiva das expectativas para o desempenho econômico do país —que,
conforme o ponto de vista, oscilam entre o estável, o medíocre e o arriscado.
Pela leitura mais favorável, o Brasil parece
a salvo de desastres no horizonte visível. Espera-se um crescimento do PIB em
torno dos 2% neste ano e nos próximos; o desemprego caiu
a níveis relativamente baixos; a inflação está
sob controle; há superávit comercial e abundantes reservas em dólar.
Tal cenário contempla um lentíssimo e
duvidoso processo de ajuste do Orçamento. O equilíbrio entre receitas e
despesas, que o governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) promete para este ano e, agora, para o próximo (em vez de
superávit), só deve ser alcançado, pelas projeções independentes, em 2028.
Já a dívida pública escalaria dos atuais e já
alarmantes 75,5% do PIB para 86,5% em 2031. Só aí, conforme as estimativas mais
consensuais hoje, começaria a cair.
Tomar essa perspectiva como aceitável
implica, em boa medida, conformar-se com a mediocridade. Se nada for feito, os
gastos elevados e o endividamento do setor público continuarão impondo
uma espécie de piso para os juros do Banco Central, hoje calculado
entre 9% e 10% ao ano.
Esse piso, por sua vez, impõe um teto para o
crescimento econômico, que tende a seguir aquém do necessário para a superação
da pobreza e da miséria.
Ademais, a calmaria pode ser menos
confortável do que aparenta, mesmo no curto prazo. Em março, o Datafolha mostrou
que se ampliou a diferença entre os que consideram que a economia piorou
(41%) e os que veem melhora (28%). Coincidência ou não, estreitou-se a
distância entre a reprovação de Lula (33%) e a aprovação (35%).
A opção petista por mais gasto e déficit
público ainda torna o país mais suscetível aos riscos da volatilidade dos
humores domésticos e internacionais. É o que se vê agora com a alta do dólar
decorrente da expectativa
de juros elevados por mais tempo dos EUA, o que dificulta a queda da
inflação e dos juros do Banco Central aqui.
Estão longe de afastados os temores de
intervenção do Planalto na gestão do BC, que terá novo comando até o início de
2025, e da Petrobras —tudo isso significaria desordem certa na economia.
São perigos a que o país está submetido em
razão da recusa em rever a expansão insustentável de despesas, por
conveniências políticas ou obsessões ideológicas.
Trump e o impensável
Folha de S. Paulo
Julgamento começa a tornar plausível que um
condenado conquiste a Casa Branca
Se um criminoso condenado for eleito
presidente dos EUA, a sede do governo deixa de ser a Casa Branca e passa a ser
o presídio onde cumpre pena? Ele poderia perdoar a si mesmo para sair da
cadeia?
Tais perguntas, que até há pouco tempo teriam
ar surrealista, começam a se tornar plausíveis diante da possibilidade de Donald Trump,
que responde a
quatro processos na Justiça, ser eleito presidente.
A única dessas ações que será certamente
concluída antes do pleito de novembro começou a ser
julgada nesta semana em Nova York.
Nela, Trump é acusado de ter cometido fraudes
contábeis ao pagar uma atriz, com a qual supostamente teve um relacionamento
sexual, para ficar calada durante a campanha de 2016 e, assim, evitar um
escândalo que afetasse sua imagem.
Remunerar o silêncio de alguém não é em
princípio crime, ainda que levante questões éticas. Mas Trump o fez por meio de
um esquema em que possivelmente infringiu leis tributárias e de financiamento
de campanha.
O problema é que nem a Constituição dos EUA
nem a legislação federal colocam grandes empecilhos à eleição de um condenado.
Outro detalhe insólito: se for sentenciado, Trump não poderá votar em si mesmo,
já que está registrado como eleitor da Flórida, estado que proíbe condenados de
votar.
Mais grave, entre as acusações contra Trump,
está a de tentar fraudar o sistema eleitoral para não ter de deixar o cargo de
presidente.
Uma emenda constitucional introduzida após a
Guerra Civil impede pessoas que tenham participado de "insurreições ou
rebeliões" de assumir cargos federais.
Mas a Suprema Corte já determinou que esse
recurso não é autoaplicável —só poderá ser acionado se o Congresso estabelecer
em lei como isso pode ser feito, o que certamente não ocorrerá até o pleito.
Se o cenário com um condenado eleito na Casa
Branca se materializar, as questões que surgirem terminarão na Suprema Corte,
que tende a favorecer o ex-presidente.
A melhor chance de os americanos se pouparem
desses constrangimentos é não reelegerem uma figura
tão extremista, divisiva e problemática como Trump.
O papelão do Itamaraty lulopetista
O Estado de S. Paulo
A má-fé da diplomacia do governo Lula ficou
explícita na nota pusilânime que o Itamaraty soltou a respeito do ataque do Irã
contra Israel, na qual não condenou o agressor
Na hipótese benevolente, a nota pusilânime
por meio da qual o governo de Lula da Silva reagiu ao ataque do Irã a Israel no
fim de semana passado mostra que a política externa brasileira está entregue a
rematados ineptos. Na hipótese mais realista, considerando o alinhamento
entusiasmado do Brasil sob Lula ao movimento antiocidental liderado por
tiranias diversas, entre as quais o Irã, trata-se de mais uma prova de má-fé da
diplomacia lulopetista.
Como se sabe, o Irã atacou Israel diretamente
pela primeira vez na história, disparando mais de 300 drones e mísseis. O
ataque, frustrado pelo sistema de defesa de Israel e pelo apoio de forças
americanas, francesas, britânicas e de alguns países árabes, inaugurou um
imprevisível capítulo nos conflitos da região. Por esse motivo, vários governos
imediatamente condenaram, sem meias palavras, a agressão iraniana, e é provável
que o regime dos aiatolás sofra novas sanções.
Enquanto isso, o governo brasileiro achou que
era o caso de dizer apenas que acompanhava “com grave preocupação” os “relatos
de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel”. Mesmo para os padrões
lulopetistas, é incomum tanto cinismo condensado numa única frase. Primeiro,
tratou uma informação concreta como “relato”. Depois, chamou o ataque de
“envio”, como se fossem cartas e encomendas por correio, e não mísseis
disparados contra outro país. Por fim, nenhuma palavra de condenação ao
agressor, o Irã – ao contrário, a nota brasileira conseguiu a proeza sugerir
que foi a ação de Israel em Gaza que causou o “alastramento das hostilidades à
Cisjordânia e a outros países, como Líbano, Síria, Iêmen e, agora, Irã”. É como
se, pasme o leitor, todos esses países e territórios fossem vítimas – menos
Israel, claro.
No dia seguinte, ao tentar se justificar, o
chanceler Mauro Vieira ofendeu a inteligência alheia sugerindo que a nota havia
sido produzida quando “não tínhamos claro a extensão ou o alcance das medidas”.
Ora, no momento em que o Brasil se manifestava, as chancelarias do mundo
inteiro já conheciam perfeitamente bem a extensão e a gravidade do ataque –
inclusive o fato de que, não fossem a eficiência israelense e a ajuda de
aliados e de países árabes, um sem-número de civis teria sido atingido. Ou
seja, o Irã fez exatamente o que o governo Lula acusa tão furiosamente Israel
de fazer, a ponto de comparações hiperbólicas com o nazismo: um ataque
desproporcional e indiscriminado que poderia dizimar milhares de civis e
precipitar a região no caos. Mas isso não mereceu reparos por parte do
Itamaraty do sr. Vieira.
Quando oito oficiais da Guarda Revolucionária
do Irã foram mortos provavelmente por Israel num ataque a um anexo consular na
Síria, o Itamaraty foi rápido em condenar as mortes de “funcionários
diplomáticos”. Como se sabe, os mortos eram integrantes da guarda pretoriana
dos aiatolás responsáveis por coordenar as milícias de Teerã que praticam
terrorismo mundo afora e oprimem populações do Oriente Médio, incluindo os
palestinos de Gaza. Nem sequer a solidariedade com o povo iraniano é sincera.
Se fosse, o Brasil não teria se abstido de votar na ONU pela continuação das
investigações de violações dos direitos de mulheres, crianças e minorias pela
teocracia xiita.
É constrangedor ver um diplomata de carreira
com as credenciais de Vieira sujeitar-se a dar lustro ao tratamento
privilegiado que o presidente Lula confere a ditaduras companheiras. Como se
sabe, o Itamaraty do sr. Vieira, fiel à doutrina do chanceler de facto Celso
Amorim, tem dificuldades de condenar o Hamas como terrorista, a agressão
criminosa da Rússia contra a Ucrânia e a truculência chavista contra os
venezuelanos.
Quando a torpeza moral se infiltra até a raiz
dos cabelos, mesmo arremedos de platitudes humanitárias são vis. Vieira disse
que “o Brasil condena sempre qualquer ato de violência” – desde que não parta
dos companheiros do tal “Sul Global”.
A tragédia das crianças pobres
O Estado de S. Paulo
Com quase metade das crianças na pobreza,
segundo o IBGE, o Brasil tem falhado no cumprimento de seus objetivos de
desenvolvimento e precisa refazer suas escolhas
Uma evidência do quanto o Brasil tem falhado
na melhoria do presente e na construção do futuro são as estatísticas
relacionadas à infância e à pobreza. Uma publicação do IBGE expõe esse duplo e
perturbador fracasso: segundo dados referentes a 2022, quase metade das
crianças brasileiras vive em situação de pobreza. São 49,9% das crianças de 0 a
5 anos e 48,5% das crianças de 6 a 14 enquadradas na linha de pobreza definida
internacionalmente, isto é, US$ 2,15 por dia. O patamar se torna ainda mais
grave quando se sabe que é na primeira infância – período que abrange os
primeiros seis anos completos de vida – que ocorrem o amadurecimento do cérebro
e o desenvolvimento da capacidade de aprendizado, conquistas reconhecidamente
prejudicadas quando se dão em situações de pobreza e vulnerabilidade.
Tais números constam do documento Criando
sinergias entre a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e o G-20,
publicado no contexto da presidência brasileira no G-20, grupo formado pelas 19
maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia. Ao reunir
estatísticas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da
Agenda 2030 – o plano global estabelecido na ONU para que tenhamos em 2030 um
mundo melhor para todos os povos e nações –, vê-se que a pobreza do Brasil afeta
mais os jovens. Zero-5, 6-14 e 15-17 são as faixas de idade com os piores
resultados entre dez grupos populacionais analisados pelo IBGE.
O problema não se resume à pobreza monetária,
mas também à chamada pobreza multidimensional, que abrange indicadores
relacionados a trabalho, educação, saúde, segurança pública, habitação,
nutrição e assistência.
Ainda que tais índices apresentem leve
melhora se comparados a 2021, e mesmo que a taxa brasileira de pobreza tenha se
reduzido de 36,7% em 2021 para 31,6% em 2022, são níveis incompatíveis com o
patamar de riquezas do Brasil e com quaisquer ambições de dignidade e
oportunidade mínimas para os brasileiros. E não estamos sozinhos: de acordo com
o Unicef, em termos globais, cerca de 50% das pessoas em situação de extrema
pobreza são crianças, apesar de representarem somente um terço da população do
planeta.
Os dados demonstram, contudo, a insuficiência
brasileira no cumprimento de seus objetivos de desenvolvimento, a começar pela
superação da pobreza. Não é de hoje que os maiores especialistas no assunto vêm
sublinhando a necessidade de aperfeiçoamento das políticas de transferência de
renda e de uma maior atenção à superação de problemas estruturais que nos
permita remover a chaga da pobreza. Estudo recente que tem entre seus autores o
economista Ricardo Paes de Barros, um dos pais do programa Bolsa Família, avaliou,
por exemplo, a qualidade do Cadastro Único, a partir do qual o governo define
quem receberá recursos de programas sociais. Desatualizado nos últimos anos, o
chamado CadÚnico faz mais de cem perguntas para as pessoas, mas a definição de
quem receberá e o quanto receberá é feita com base em apenas uma variável: a
renda declarada.
Esse e outros problemas levam à dispersão dos
recursos, que nem sempre chegam a quem mais precisa. É de Paes de Barros a
avaliação corrente sobre o mau direcionamento dos recursos, algo mais perverso
do que a própria carência de dinheiro. Mas como o documento do IBGE lembra, a
desagregação dos dados para os indicadores ODS permite captar a população em
situação de vulnerabilidade e as desigualdades, para então combatê-las por meio
de políticas públicas. E assim se olhar para um dos princípios da Agenda 2030:
não deixar ninguém para trás. É uma vergonha nacional constatar que, sim,
estamos deixando parte dos brasileiros para trás, precisamente metade de nossas
crianças – justamente a fatia da população que ajudará a pavimentar o futuro do
País.
Não é vergonha voltar atrás e buscar o que se
esqueceu, como ensina um provérbio africano. Devemos nos lembrar disso diante
dos números da pobreza, sobretudo de crianças.
A ministra oficiosa
O Estado de S. Paulo
Janja se apresenta como ‘articuladora’ de
políticas públicas e diz que Lula lhe dá ‘total autonomia’
A julgar pelo que disse em recente entrevista
à BBC, a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, decidiu autonomear-se,
certamente com a anuência do marido, como “articuladora” do governo de Lula da
Silva.
“Meu papel é de articuladora, que fala sobre
política pública”, informou Janja candidamente, numa reportagem sobre as
funções exercidas por primeiras-damas na América Latina. Além de estar convicta
de que precisa “ressignificar” o papel de primeira-dama, Janja disse mais:
“(Lula) me dá total autonomia para eu fazer o que faço”, sem hierarquia entre
ambos.
Pois fazer o que faz parece ser o grande
problema da primeira-dama e seu esforço desmedido para exercer influência
política e desempenhar papel prático no governo – tarefa para a qual não tem
mandato concedido nem pelos eleitores nem pela legislação vigente. Pelo que
Janja faz e da maneira como faz, o País corre o risco de ter uma espécie de
poder paralelo nas mãos da primeira-dama, lastreado em sua condição
singularíssima de cônjuge de Lula, borrando os limites entre o público e o
privado.
Antes fosse, portanto, uma demonstração
meramente retórica do ativismo político de Janja, ou antes se resumisse a uma
tentativa de promover o debate sobre o papel de primeira-dama, historicamente
associado a estereótipos. Não. O que Janja admitiu foi a tradução, em palavras,
do que tem materializado em atos: imiscuir-se em assuntos do governo,
interferir na ação de ministérios, direcionar escolhas de políticas públicas e
demonstrar poder, pura e simplesmente.
Seus tentáculos políticos avançam inclusive
em poder de veto em áreas como economia, defesa e comunicação. Ademais, Janja
rapidamente aprendeu a cosmologia palaciana, segundo a qual a ocupação dos
espaços físicos é também uma forma de exercício do poder: a primeira-dama é
hoje um anteparo entre o gabinete presidencial e os visitantes, incluindo
ministros que precisam despachar com o chefe.
Não se deseja aqui que Janja restrinja suas
atividades à “organização de chás de caridade”, como sublinhou na entrevista.
Nem se discute sua autonomia para exercer, na intimidade, o papel de
primeira-conselheira do presidente ou a disposição de Lula para ouvi-la em
assuntos para os quais deseja saber sua opinião. Tampouco a liberdade da
primeira-dama para debater, publicamente, temas em que supostamente inspire
conhecimento. Mas convém pedir bom senso.
Certamente há um caminho do meio entre o
papel decorativo e o excessivo ativismo. Não à toa, recentes tentativas de
definir cargos e protagonismos excessivos para primeiras-damas esbarraram em
resistência e recuos em diferentes países. Foi o caso do Chile de Irina
Karamanos, mulher do presidente Gabriel Boric, e da França de Brigitte Macron,
mulher de Emmanuel Macron.
Acreditando ter prerrogativas para tanto, Janja já representou Lula numa visita ao BNDES para debater projetos do Fundo Amazônia e atropelou o rito de conversas da equipe econômica ao fazer um pedido expresso para redução dos juros do cartão de crédito. Como Janja é em tese indemissível, porque primeira-dama não é cargo, seria bom que ao menos não competisse com os ministros formalmente nomeados e remunerados para auxiliar o presidente.
Para FMI, ainda há risco de choques
inflacionários
Valor Econômico
Investidores estão mais atentos à
sustentabilidade fiscal de médio prazo
A inflação está acima das metas dos bancos
centrais em boa parte dos países - com destaque para Estados Unidos e Europa -,
e, pior ainda, por várias medidas, os índices pararam de recuar desde janeiro.
A economia global não escapou ainda do risco de choques inflacionários, adverte
o Relatório Financeiro Global do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgado
ontem junto com o Panorama da Economia Mundial. Ainda que o cenário traçado
pelo FMI seja positivo, em geral, no curto prazo é essa advertência que está
causando uma reavaliação dos preços dos ativos pelos investidores nos mercados
financeiros. Os riscos para a economia global estão hoje equilibrados, depois
de uma longa série de relatórios que o apontavam como mais inclinados à piora
das condições econômicas. O rebalanceamento dos desequilíbrios fiscais, porém,
tende a reduzir em alguma medida o crescimento.
O FMI constata que há elevada incerteza a
respeito da trajetória dos juros, o que está agitando agora os mercados
financeiros. Uma das consequências possíveis é que os investidores reajam
atabalhoadamente ao encurtamento do diferencial de juros vigentes nas economias
desenvolvidas e emergentes. Os países emergentes tenderão a sofrer pressões
externas maiores se esse gap cair abaixo do que está sendo avaliado hoje nos
preços dos ativos, o que tenderá a ocorrer se os países ricos mantiverem taxas
de juros mais altas por mais tempo para derrubar uma inflação que resiste a
cair.
O Fundo assinala que os investidores estão
prestando mais atenção à sustentabilidade fiscal de médio prazo, e uma prova
disso é que os bônus soberanos em moedas locais dos países emergentes estão com
rendimentos no nível superior de sua variação histórica em termos nominais.
“Esses rendimentos podem continuar elevados nos próximos anos, com os
investidores exigindo compensação adicional”, isto é, prêmios de risco maiores,
para não abandonar papéis menos seguros em relação a títulos americanos.
A perspectiva é de que a política monetária
possa continuar apertada por mais tempo, e talvez seja acompanhada, depois de
muitos anos, por uma política fiscal menos pródiga. Foi o fato de seguirem
direções contrárias uma das razões para a atual resistência inflacionária. Em
bases trimestrais anualizadas, os índices de preços ao consumidor pararam de
cair desde janeiro, e, no caso dos núcleos, houve até alta. O FMI acredita que
tanto o Federal Reserve (Fed) quanto o Banco Central Europeu agirão no segundo
semestre para reduzir os juros. No primeiro caso, a taxa cairá de 5,4% para
4,6%; no segundo, de 4% para 3,3%.
O Fundo julga que o balanço de riscos para a
economia global está equilibrado. Do lado negativo existe a possibilidade de um
salto nos preços das commodities (os conflitos geopolíticos estão se
acentuando, mesmo depois dos estragos provocados pela invasão da Ucrânia pela
Rússia) e de a inflação persistir longe das metas por um tempo maior que o
previsto. Juros altos por mais tempo podem esfriar o mercado imobiliário e
trazer pressão sobre compradores já altamente endividados, causando importante
estresse financeiro, algo que já se observa no mercado de imóveis comerciais
nos Estados Unidos e outros países desenvolvidos. A claudicante recuperação da
China é outro motivo que pode diminuir a taxa de crescimento global. A cisão
entre EUA e China, com fragmentação das cadeias produtivas, joga na mesma
direção. A previsão é de que o comércio mundial, em decorrência, cresça 3% em
2024 e 3,3% no ano que vem, muito abaixo da média de 4,9% que prevaleceu nas
últimas décadas (2000-2019).
Entre as possibilidades positivas estão,
obviamente, a inflação passar a cair agora mais rapidamente do que tem feito,
com afrouxamento correspondente da política monetária, ao lado de um aumento da
produtividade pelos efeitos da Inteligência Artificial.
A economia global provou-se resistente e
conseguiu atravessar um período de juros altos sem precedentes em décadas,
evitando a recessão. O crescimento global estimado será de 3,2% em 2024 e 2025,
abaixo da média de duas décadas de 3,8%. “As perspectivas de médio prazo para o
crescimento e o comércio se mantêm como as menores em décadas, reduzindo o
ritmo de convergência para padrões mais altos de bem-estar dos países de renda
média e baixa”, registra o relatório.
A economia mais forte é a americana, que
crescerá o dobro da taxa dos países mais ricos do G7 em 2024, 2,7%, para
desacelerar a 1,9% em 2025. O FMI estima que a instância fiscal dos EUA não é
sustentável a longo prazo. O país cresce acima de sua capacidade, com um hiato
do produto positivo de 0,7%, um dos pontos que explicam a persistência da
inflação acima da meta.
O Brasil melhorou um pouco nas estimativas do
Fundo. Ele deverá crescer 2,2% em 2024 e 2,1% em 2025, em ambos os anos abaixo
da média dos países emergentes, de 4,2%. O FMI calcula que para estabilizar a
dívida pública até 2029 o país precisaria fazer ajuste equivalente a 2% do PIB.
O governo brasileiro anunciou suas metas fiscais para os próximos quatro anos e
elas estão a uma boa distância disso - o alvo é um superávit de 1% do PIB
apenas em 2028.
Menos álcool e mais saúde
Correio Braziliense
Pesquisa revela que jovens nascidos entre 1995 e 2009 — Geração Z — consome menos bebidas alcoólicas em comparação com as gerações anteriores
Se jovem é curioso, costuma quebrar normas e
gosta de exercitar a experimentação no último grau, um levantamento divulgado
esta semana derruba esse padrão. Jovens da Geração Z — que incluem pessoas
nascidas entre 1995 e 2009 — estão consumindo menos bebidas alcoólicas em
comparação com as gerações anteriores, segundo pesquisa feita pela Martech
MindMiner.
O dossiê das bebidas ouviu 3 mil pessoas de
todo o país, de diversas faixas etárias. A pesquisa revelou que 45% da Geração
Z consome álcool, enquanto os da Geração Y (nascidos entre 1982 a 1994)
representam 57%; a Geração X (nascidos entre 1965 e 1981); 67%; e os Boomers
(nascidos entre 1945 e 1964), 65%. Essa tendência de queda está relacionada
principalmente à falta de interesse (58%) e ao sabor das bebidas (35%),
contribuindo para uma mudança significativa nos padrões de comportamento.
O levantamento também mostra que 57% dos
entrevistados consomem bebidas alcoólicas. Entre as categorias mais populares,
a tradicional cerveja lidera com 44%, seguida de perto pelo vinho, com 37%;
destilados, com 36%; as prontas para consumo, com 26%; e outras opções somando
24%. Para os especialistas, o estudo mostra uma mudança de paradigmas — em que
a saúde e o bem-estar ganham destaque — e a Geração Z aparece como força
impulsora dessa transformação, consumindo menos álcool e optando por estilos de
vida mais equilibrados.
Se, de um lado, a cervejinha ainda é a
"menina dos olhos" entre as bebidas alcoólicas; por outro, uma nova
frente vem ganhando força: a cerveja sem álcool, o que demonstra uma crescente
conscientização e aceitação por parte dos consumidores. O alto índice de
familiaridade, com 82% dos entrevistados afirmando conhecer o produto, sugere
uma penetração significativa no mercado.
Além disso, 47% já experimentaram cerveja sem
álcool e a disposição desse público em pagar mais por bebidas que promovem
benefícios à saúde é revelada por 57% dos entrevistados. Vale destacar, ainda,
a associação entre cerveja sem álcool e atividade física — observada em 88% dos
conhecedores da bebida. Seria um crescimento do estilo de vida ativo e
saudável?
Está aí uma boa oportunidade para parcerias entre poder público, escolas e famílias. A organização de campanhas e eventos voltados à valorização da qualidade de vida e do bem-estar tem chance de receber grande quantidade de adesões. Podem ser ambientes propícios para se abordar questões como cuidados com o corpo, alimentação adequada, exercícios físicos e prevenção de doenças, por exemplo. Especialistas estão se dirigindo a pessoas que, segundo os números indicam, são mais abertas às recomendações para se obter uma vida saudável.
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