O Globo
Notícias fraudulentas atrapalham equipes de
resgate, desestimulam entrega de donativos e incitam revolta contra quem tenta
salvar vidas no RS
Enquanto milhares de brasileiros morriam
diariamente na pandemia, a máquina da desinformação atuava para desacreditar as
vacinas e sabotar as medidas sanitárias. Seria muito otimismo esperar algo
diferente na tragédia que abate o Rio Grande do Sul.
A catástrofe climática veio acompanhada de
uma enxurrada de fake news. Na tragédia, as notícias fraudulentas fazem mais do
que emporcalhar o debate público. Atrapalham as equipes de resgate,
desestimulam a entrega de donativos, incitam a revolta contra quem tenta salvar
vidas.
No domingo passado, um coach mentiu que o governo gaúcho estaria barrando caminhões de doação e impedindo a distribuição de quentinhas a desabrigados. “É ano político, a mídia não vai mostrar direito o que tá acontecendo, entendeu? Por causa dos políticos”, disse, com ar de indignação.
Era tudo mentira, mas o vídeo viralizou nas
redes. Seu protagonista tem quase 10 milhões de seguidores no Instagram e quer
ser candidato a prefeito de São Paulo. Enriqueceu com a venda de cursos em que
promete ensinar os outros a ganhar dinheiro fácil na internet.
Os exemplos de má-fé se sucedem. Um médico
que já teve o registro suspenso inventou que a Anvisa teria proibido a
distribuição gratuita de medicamentos. Um ex-participante de reality show
alegou que a polícia estaria bloqueando a passagem de barcos de resgate.
Perfis apócrifos divulgaram um vídeo que
descreve a catástrofe como uma “calamidade planejada” e um “evento climático
artificial”. O motivo alegado: “promover agendas ocultas” e “controlar as
massas” em benefício da “elite global”.
Oportunistas aproveitam a tragédia para
faturar. Ao disseminar o pânico, desgastam adversários políticos e monetizam
cliques e compartilhamentos. Sem regulação, as grandes plataformas permitem que
os algoritmos continuem a serviço das fake news. As mentiras correm como
lebres, os desmentidos caminham a passos de tartaruga.
A imprensa e as agências de checagem tentam
esclarecer o público, mas também são alvo de campanhas de ódio. Seu efeito mais
visível são os ataques a jornalistas, que viraram rotina na cobertura da
enchente.
O desastre gaúcho evidencia a urgência de
medidas para frear a indústria da desinformação. Isso exige mecanismos ágeis
para remover conteúdo fraudulento e punir quem lucra com a mentira deliberada.
A liberdade de expressão, sagrada em qualquer democracia, não pode mais servir
de pretexto para proteger o extremismo e encobrir a prática de crimes.
Nos últimos dias, o governo federal e o
governo gaúcho acionaram suas polícias para tentar conter o chorume das redes.
A iniciativa é compreensível, mas deve ser fiscalizada para que não haja
excessos ou censura ao direito de crítica.
Se é difícil parar as mudanças climáticas,
não parece impossível estabelecer regras claras para responsabilizar as big
techs e enfrentar o negócio milionário das notícias falsas. Já estamos
atrasados: outras tragédias virão.
2 comentários:
Excelente e muito verdadeiro! A quantidade de mentiras divulgadas pelas redes bolsonaristas é impressionante, não há respeito ao trabalho exaustivo dos agentes públicos na catástrofe do RS. Os canalhas esquecem dos dias em que Bolsonaro PASSEAVA de jetski em SC enquanto as enchentes matavam dezenas de brasileiros na Bahia.
É tudo muito triste.
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