O Globo
Ao minimizar dificuldades no Congresso e se omitir em questões cruciais, Lula evidencia momento de crise de governabilidade
Lula tem como uma de suas características
mais essenciais o fato de, em público, nunca reconhecer que as coisas vão mal
em casa. No máximo, distribui uns puxões de orelha, reconhece um tropeço ou
outro, mas falhas estruturais em seus governos ou nos do PT, aí não.
A semana começou com o presidente tardiamente
reunindo seus líderes para colocar uma fechadura na porta arrombada do
Congresso. Escalados para relatar o tom do encontro, o ministro Alexandre
Padilha, deputados e senadores presentes trataram de minimizar as últimas
derrotas, creditando-as somente ao fato de o governo não ter maioria no
Parlamento para temas da “pauta de costumes” — uma redução grosseira do tamanho
do problema.
Mas nem bem raiou o dia seguinte, e o resultado do PIB levemente mais gordinho no primeiro trimestre já transformou a (leve) cautela da véspera em euforia, com Lula cravando nas redes sociais que os dados seriam a “prova” dos acertos do governo.
O exagero foi tão óbvio que a nota do
Ministério da Fazenda e, depois, a fala do próprio Fernando Haddad foram num
tom bem mais cauteloso, enumerando os motivos específicos que levaram o
resultado dos primeiros três meses a ser levemente maior que as estimativas,
mas alertando sobre a possibilidade concreta de a tragédia no Rio Grande do Sul
impactar o desempenho da economia nos trimestres seguintes. O óbvio.
Mas os eufemismos futebolísticos de Padilha,
sobre a dificuldade de um time se sagrar campeão sem perder nenhuma partida
(mas sem considerar a possibilidade de perder um campeonato ganho se perder
muitas em seguida, como o Botafogo em 2023), e a bateção de bumbo de Lula com o
PIB não escondem o grau de improviso e dificuldade de liderança da atuação do
governo no Legislativo — reflexo ao mesmo tempo do mau humor com Lula nas
pesquisas e da desconfiança dos agentes econômicos com o andamento da pauta deste
ano, e não mero choque ideológico em questões de costumes.
Ao reunir os mesmos de sempre para prometer
que receberá mais políticos, o presidente mostra ao mesmo tempo repertório
limitado, atuação tardia e falta de ímpeto para ir ao cerne da treta: vários
partidos ocupam endereços vistosos na Esplanada e não entregam os votos na
Câmara e no Senado. Têm, portanto, todos os bônus de ser governo e nenhum ônus.
Essa falta absoluta de coragem de arcar com
desgastes inerentes a qualquer gestão também se mostra na maneira errática como
o governo se comporta em relação aos assuntos tratados no Parlamento e gestados
na sua cozinha, seja Casa Civil ou Fazenda.
O vaivém na taxação das compras importadas de
até US$ 50 e a desistência da cobrança de imposto de herança sobre planos de
previdência privada mostram de forma bastante explícita quanto as derrotas
recentes e as pesquisas deixaram o couro de Lula e de sua administração bem
mais fino para novas fricções — naturais quando se tem de construir uma
política econômica coesa que demonstre preocupação de justiça tributária e
responsabilidade fiscal genuínas, e não apenas de ocasião.
Medidas impopulares deveriam ser bancadas
desde que houvesse coerência com o programa de campanha e com o arcabouço
fiscal enunciado por Haddad e validado pelo Congresso nos bons tempos de 2023,
quando a relação fluía melhor. Mas o próprio ministro parece ter perdido um
pouco o ímpeto de ajudar na costura com as duas Casas, uma vez que não está
clara a diretriz do Planalto.
No caso da “guerra das blusinhas”, o que se
tem hoje é o governo morrendo de vontade de que a taxação passe, mas sem
coragem de colocar a cara e arregaçar a manga para viabilizá-la. Atitudes
assim, deixando temas importantes correrem ao sabor do vento, são típicas de
governos fracos.
4 comentários:
Demétrio Magnoli, pela enésima vez, sendo monotemático em sua ânsia de atingir o presidente, seu partido e o governo.
Assim não dá !
😏😏😏
Vera Magalhães virando Demétrio,rs.
Vera é uma colunista ponderada, que em geral se concentra na política e economia do país, e emite opiniões sobre isto, sem compromisso com posições ideológicas. Vai criticar ou elogiar ou só comentar/informar de acordo com o que apura ou com base nas suas análises ou de especialistas que contate. Vera está na linha de grandes analistas.
O outro colunista citado nem é monotemático, mas se apresenta como sumidade (na verdade, sujidade) em qualquer assunto, e frequentemente aproveita algum tema pra fazer críticas (muitas vezes descabidas) com base nas suas convicções ideológicas. O sujeito está na linha do Olavo de Carvalho e outros ideólogos que COMPROMETEM seus textos pra destilarem suas ideologias capengas, tanto de Esquerda quanto de Direita.
Concordo c. Vera Magalhães.
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