sexta-feira, 19 de julho de 2024

Vinicius Torres Freire - 'Taxadd' e as mentiras sobre impostos

Folha de S. Paulo

Campanha contra Fernando Haddad frauda ou não compreende estatísticas e tributos

Em junho, explodiu uma revolta contra outra tentativa de Fernando Haddad de aumentar impostos, ainda que não mexesse em alíquotas —foi a história do PIS/Cofins. Desde então, se tornou mais intensa a campanha contra "Taxadd", na qual há mentiras ou distorções sobre os números mais elementares.

Para começar, por triste ignorância, má-fé ou as duas coisas, compara-se a carga tributária bruta do GOVERNO GERAL de vários anos. "Governo geral" quer dizer governo central (federal), governos estaduais e governos municipais.

Seja lá o que se queira dizer sobre a carga de Lula 3 ou do presidente X, o governo federal não é responsável direto pela tributação estadual ou municipal.

Pela estimativa da Secretaria do Tesouro Nacional, a carga tributária bruta foi o equivalente a 32,44% do PIB em 2023. A carga federal foi de 21,99% do PIB. A estadual, de 8,12% do PIB. A municipal, 2,32%. Desde 2010, a carga tributária flutua em torno de 32,3%. O último grande aumento ocorreu nos anos FHC (1995-2002), aliás por feia necessidade.

Note-se ainda que o governo federal não fica com tudo o que arrecada. Por obrigação legal, repassa parte da receita a estados e municípios (em média uns 18% da arrecadação total, na última década), fora as transferências voluntárias.

A carga tributária geral CAIU de 2022 para 2023 (embora a dos municípios tenha aumentado ligeiramente). Carga tributária é apenas uma fração: quanto dinheiro obteve-se com receitas tributárias como proporção do produto da economia (PIB) em um ano. Não tem a ver necessariamente com nível de alíquotas ou criação de impostos.

Em geral, sem aumento de alíquotas ou criação de impostos, a receita tende a crescer um pouco mais do que o PIB em anos em que a economia está acima do potencial, menos quando está abaixo. No longo prazo, receita e PIB crescem no mesmo ritmo.

A receita pode crescer mais porque um setor econômico mais pagador de impostos cresceu mais. Ou, como no caso do Brasil recente, os preços do petróleo foram maiores. A arrecadação de um governo também pode estar sujeita a normas e alíquotas de tributos definidas em administração anterior. O governo não tem controle preciso sobre o tamanho da carga, mesmo se bem livre para aumentar impostos.

Sim, Haddad diz desde 2023 que pretende aumentar a receita do governo federal —a conta do valor da receita é ligeiramente diferente do cálculo da carga tributária, por motivo que não vem ao caso para esta discussão. Por falar nisso, o cálculo oficial da carga é feito pela Receita Federal (ainda não há dados para 2023). A tendência das várias contas é a mesma.

Sem aumento de receita, contenção de despesa e reorganização geral do Orçamento não haverá equilíbrio nas contas públicas.

A receita líquida do governo federal foi de 17,5% do PIB em 2023. A de 2022, 18,4% de 2022; a de 2019, de 18,2%. Receita líquida: arrecadação federal menos transferências obrigatórias para estados e municípios.

Lula 3 aumentou impostos, com anuência do Congresso. Sobre fundos de investimentos de ricos. Diminuiu isenções tributárias de empresas. Etc. Não foi o bastante para que a arrecadação federal aumentasse, como proporção do PIB, o que depende, como se disse, do ritmo de atividade econômica e de cada setor, de preços relevantes, do andamento do mercado formal e informal de trabalho, de mudanças de comportamento de contribuintes etc.

Se Lula 3 têm um bom plano de impostos ou de gastos é motivo para debate. Mas essa campanha é politicagem baixa, muita vez de quem quer passar a conta dos impostos para outrem, mais pobre e sem poder.

É o que se vê também na reforma dos impostos sobre consumo e o que vai se ver em qualquer reforma tributária deste nosso sistema injusto e ineficiente.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente! Como bem afirma o colunista: "Desde 2010, a carga tributária flutua em torno de 32,3%. O último grande aumento ocorreu nos anos FHC (1995-2002)." FHC iniciou seu governo com menos de 25% de carga tributária e terminou com bem mais que 30%. Lula, Dilma e Bolsonaro realmente mantiveram a carga quase estável, depois dos TREMENDOS AUMENTOS durante os governos FHC. Os que idolatram o plano Real gostam de esquecer/ignorar isto.

ADEMAR AMANCIO disse...

Verdade.