quarta-feira, 24 de julho de 2024

Zeina Latif - Diferenças há, mas menos do que se imagina

O Globo

São visões mais intervencionistas em ambos os lados. Podem até trazer dinamismo de curto prazo, mas geram menor crescimento de longo prazo

Muitos perguntam sobre o impacto do resultado das eleições nos Estados Unidos. Na gestão da economia, porém, não há por ora razões para acreditar em diferenças acentuadas.

O Executivo nos EUA não tem o mesmo poder de intervenção como no Brasil. O Estado enxuto e os marcos legais menos intervencionistas são fatores que limitam a ação do governo na economia.

É na política externa que o presidente tem maior liberdade de atuação, e aqui a principal agenda do ponto de vista econômico é a relação com a China. Há, porém, mais semelhanças do que diferenças entre os partidos.

Para ambos, a transferência forçada de tecnologia e a apropriação indevida de propriedade intelectual teriam contribuído para o controle de grande parcela da produção global de insumos essenciais pela China, criando riscos para as cadeias de suprimento e a segurança econômica dos EUA.

Com Donald Trump foi inaugurada a “guerra comercial” com a China, com adoção de barreiras ao comércio. Joe Biden estendeu e ampliou as investidas, com o aumento nas tarifas em setores estratégicos (como aço e alumínio, semicondutores, veículos elétricos, painéis solares e baterias); a imposição de limites ao investimento de empresas americanas em empresas chinesas; e a adoção de sanções variadas.

É improvável que haja recuos, seja de Trump ou de Kamala Harris. O ex-presidente defendeu o aumento de tarifas de produtos chineses (falou inicialmente em tarifa de 60% e, depois, 50%), que, por sua vez, já foram elevadas este ano por Biden (a maioria subiu para 25%, mas há itens com 50%).

O protecionismo é peça fundamental na agenda atual de ambos os partidos, ainda que com diferenças nas políticas utilizadas.

Trump dá mais foco às tarifas de importação. Ele as elevou não apenas para produtos da China, como também de outros parceiros comerciais — em parte eliminadas por Biden —, e agora defende o aumento de 10% das tarifas de forma generalizada, o que é criticado pelos democratas, que preferem ação mais localizada.

Em tempos de elevação do custo de vida, essa medida poderá enfrentar resistências. Segundo a Tax Foundation, as políticas de guerra comercial em vigor equivalem a um aumento médio anual de impostos sobre as famílias dos EUA de US$ 625. Os 10% extras adicionariam US$ 1.500, de acordo com o Center for American Progress Action Fund.

Os democratas dão mais ênfase a políticas de estímulo à economia. Uma ambiciosa (e dispendiosa) agenda de política industrial marcou a presidência de Biden, com a adoção de subsídios diretos e créditos tributários visando a setores-chaves, como a transição para economia verde e a liderança tecnológica.

Em caso de vitória de Trump, é improvável o desmonte dessa abordagem mais intervencionista; para alguns analistas, mesmo para a agenda verde.

Nas políticas sociais reside importante diferença entre os candidatos, sendo que Kamala defende a criação de mais benefícios sociais. Mas mesmo aqui Trump enfrentaria dificuldades para desmontar as políticas atuais.

Na campanha de 2016, o candidato Trump declarou que iria revogar as políticas de Obama. No entanto, é difícil reverter conquistas legislativas, e mesmo as ações executivas enfrentam obstáculos processuais. Foi assim com o Obamacare. Trump o enfraqueceu, mas não consegui eliminá-lo.

Na gestão da política fiscal, descontado o período da pandemia (2020 com Trump e 2021 com Biden), as diferenças não são tão marcantes. Trump herdou de Obama um déficit primário de 2,4% do PIB (2016) e o elevou para 3,5% em 2019. Biden entregou 5,8% em 2023, mas aprovou a lei de responsabilidade fiscal em 2023 para conter os déficits.

Por outro lado, de acordo com o Comittee for a Responsible Federal Budget, excluindo as medidas na pandemia, Trump aprovou US$ 4,8 trilhões em dívida nova, enquanto os dados até maio último somam US$ 2,2 trilhões para Biden.

Diante das restrições fiscais, agravadas pelos gastos crescentes associados ao envelhecimento da população — temas evitados por ambos —, Trump terá dificuldade para reduzir a tributação de empresas, sendo que os cortes de 2017 vão expirar em 2025, podendo haver pressão para sua renovação. E os democratas enfrentarão resistência para elevá-la.

São visões mais intervencionistas em ambos os lados. Podem até trazer dinamismo de curto prazo, mas geram menor crescimento de longo prazo.

 

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