O Estado de S. Paulo
Se as eleições trouxeram ao poder uma
coligação democrática, por que nossa política externa não reflete esse conjunto
de forças, mas trabalha com o ranço ideológico do passado?
Para começar, é preciso reconhecer que o
governo Lula rompeu o isolamento que Jair Bolsonaro trouxe para o Brasil. Antes
mesmo da posse, Lula da Silva foi a Sharm el-Sheik, no Egito, e afirmou que o
Brasil estava de volta, inclusive, e principalmente, assumindo seus
compromissos com a preservação do planeta.
Foi um excelente começo, porque não só rompia o isolamento, como também definia o tema no qual o Brasil seria um interlocutor de peso no diálogo internacional.
Mas a política externa brasileira tem outros
fundamentos, como a defesa da paz, a contribuição para a solução de conflitos
entre os países. Sair do isolamento significava também aplicar uma visão
política que marca essa vocação brasileira, sobretudo na área do mundo em que
sua influência é maior.
Todas as tentativas conciliatórias foram
problemáticas. A primeira delas, guerra da Rússia contra a Ucrânia, foi marcada
por declarações de Lula que repercutiram mal. A primeira delas buscava uma
equivalência entre o invasor e sua vítima, responsabilizando também a Ucrânia.
A segunda criticava a ajuda ocidental aos ucranianos. Jornais franceses
chegaram a afirmar que Lula era adversário do Ocidente. Como não distinguem o
presidente da política nacional, tem-se a impressão de que o Brasil também
abandonou o Ocidente, o que não corresponde a um processo real e internamente
amadurecido.
No outro grande conflito que envolve o
Oriente Médio, o Brasil, na minha opinião, tomou o rumo certo condenando o
atentado terrorista do Hamas e, depois, criticando a resposta desmedida de
Israel. Mais uma vez aí, uma frase de Lula, comparando o sofrimento em Gaza com
o produzido por Adolf Hitler, acabou saindo do tom.
Mas é na sua área de influência, na América
Latina, que a diplomacia presidencial brasileira cultiva seus grandes
problemas. Lula convidou Nicolás Maduro, deu-lhe tratamento especial e disse
que precisava refinar sua narrativa para que a democracia venezuelana fosse
reconhecida.
O processo que levou às eleições do 28 de
julho teve uma participação decisiva do Brasil, sobretudo nos Acordos de
Barbados. O País, entretanto, ao contrário dos EUA e da Europa, não soube ou
não quis perceber que Maduro caminhava para rasgar os termos do acordo. Ele não
só proibiu a candidatura de María Corina Machado, como também vinha prendendo
sistematicamente os opositores, na base de um caso a cada três dias.
O Brasil enviou um emissário a Caracas, no
dia das eleições. No mesmo dia em que Celso Amorim desembarcava, três
expresidentes latino-americanos eram proibidos de entrar na Venezuela, assim
como alguns parlamentares estrangeiros eram expulsos.
O Brasil silenciou. Amorim foi uma discreta
testemunha do processo eleitoral. Tão discreto que não protestou contra a
proibição que o conselho eleitoral impôs aos fiscais oposicionistas, impedindo
que acompanhassem a apuração. Logo em seguida, começou a ampla repressão contra
o povo venezuelano.
Diante disso, o Brasil pediu que Maduro
mostrasse as atas eleitorais. Até hoje não obteve resposta, e provavelmente não
a receberá.
O resultado de todo esse desenho brasileiro
para a Venezuela será a prisão e morte de muitos, a continuidade de Maduro e
uma nova onda migratória com consequências no Brasil, na Colômbia, no Chile e
provavelmente até na campanha presidencial norte-americana.
Como se não bastasse tudo isso, o Brasil
ainda viu seu embaixador expulso na Nicarágua. Nesse caso específico, o País
fazia o que suas diretrizes pacificadoras recomendam: intervinha contra a forte
repressão aos católicos.
Discretamente, o Brasil expulsou também a
embaixadora da Nicarágua. Mas não quis falar abertamente do absurdo que se
tornou o governo de Daniel Ortega, não o denuncia em nome da liberdade e dos
direitos humanos.
Esse é o tema central que poderia firmar
nossa liderança. No entanto, tanto na Venezuela como na Nicarágua, há timidez
em afirmar princípios que deveriam ser a base da influência brasileira, fora do
campo especificamente ambiental.
Existe algo que possa unificar todos os
equívocos? É possível destacar um ponto que trava o avanço do Brasil para
realizar suas potencialidades?
O problema central é a diplomacia feita com
as posições do presidente. Ela decola de um campo ideologicamente minado e vai
produzir novos equívocos.
Infelizmente, o Congresso é omisso.
Discute-se pouco política externa no Brasil. Mas é fundamental que se afirme no
País a tese de que nossas posições nesse campo precisam ser construídas em
consenso. Um presidente não pode apenas expressar a visão de seu partido.
É hora de colocar as coisas no lugar. Se as
eleições realmente trouxeram ao poder uma coligação democrática, por que nossa
política externa não reflete com nitidez esse conjunto de forças, mas trabalha
com o ranço ideológico do passado?
Avançamos ao romper o isolamento em que
Bolsonaro colocou o Brasil. Mas pouco adianta apenas voltar ao convívio
internacional, se não utilizamos, além da questão ambiental, outros valores que
são fundamentos de nossa política externa. De nada adianta o Brasil voltar com
um viés de cumplicidade com Vladimir Putin, Maduro, Ortega e outras figuras que
apenas mancham a imagem do País.
3 comentários:
Falando em Lula :
" Eu acho que a Venezuela vive um regime muito desagradável. Não acho que é ditadura, é diferente de uma ditadura. É um governo com viés autoritário, mas não é uma ditadura como a gente conhece tantos nesse mundo. "
😏😏😏
Conselheiro Acácio com a palavra, alimentada por mediocre hipocrisia …
É isso aí.
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