Conflito entre STF e Congresso é sintoma de anomalia
O Globo
Emendas parlamentares precisam ser
transparentes, mas o Supremo não deve apostar em confronto
Emendas parlamentares que omitem o nome do
responsável por destinar o dinheiro são uma anomalia e devem ser condenadas.
Ferem pelo menos três princípios constitucionais: transparência, moralidade e
publicidade. Quando os órgãos de controle e a sociedade ficam no escuro, é mais
difícil identificar abusos, como repasses a políticos aliados, ou investigar
suspeitas de conflito de interesse ou corrupção. Saber quem é o parlamentar
responsável pelo destino do dinheiro é o básico. Mas não encerra a questão.
Mesmo emendas com nome e sobrenome são uma forma ineficiente de gastar dinheiro público. Seguem uma lógica paroquial. Municípios apoiados por parlamentares poderosos ganham mais que outros com necessidades maiores. Reformas em praças e festas têm prioridade sobre projetos feitos a partir de estudos técnicos. Por fim, a prerrogativa de gestão orçamentária do Executivo é erodida. Nesse quesito, o Brasil é uma aberração. Parlamentares controlam 20% dos recursos livres do Orçamento. Nos Estados Unidos, 2,4%. Na França, 0,1%.
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu que as emendas de relator feriam a Constituição, justamente por omitir
o parlamentar responsável. De lá para cá, os congressistas adotaram as emendas
de comissão, indicadas por colegiados. Usando o mesmo subterfúgio de não
revelar o nome de quem destina o dinheiro, essas emendas aumentaram de R$ 474
milhões em 2022 para R$ 15 bilhões neste ano. A falta de transparência
persiste.
No início do mês, o ministro do STF Flávio Dino determinou
em liminar o pagamento pelo Executivo de emendas de comissão e restos a pagar
de antigas emendas de relator somente quando garantida “total transparência e
rastreabilidade”. No mesmo dia, decidiu que a Controladoria-Geral da União
deveria promover, em até 90 dias, auditoria nas emendas Pix, recursos enviados
a prefeituras sem exigir projeto ou critério de acompanhamento.
Na quarta-feira, o imbróglio ganhou novo
capítulo. Novamente de forma liminar, Dino suspendeu não apenas todas as
emendas Pix, mas também as emendas individuais com finalidade definida e as de
bancada, por desobedecerem, segundo ele, a critérios técnicos de eficiência,
transparência e rastreabilidade. Suas liminares deverão ir hoje a votação em
plenário virtual. Dino está certo no mérito. Mas não significa que esteja certo
no método adotado para pressionar o Congresso.
A resposta das lideranças do Legislativo foi
imediata. A Câmara adiou a votação de destaques da reforma tributária, por
achar que Dino é aliado do Planalto. A retaliação adia a entrada em vigor de
regras essenciais para o crescimento da economia, da renda e do bem-estar.
Noutra frente, uma comissão mista rejeitou a Medida Provisória prevendo aumento
nos recursos destinados ao Judiciário. O Congresso pediu ontem a suspensão das
liminares.
Que dois Poderes da União tenham visões tão
díspares sobre as emendas parlamentares é sinal de que há algo de errado com
quem ocupa os cargos mais altos da República. Ao mesmo tempo que o Congresso
deveria fazer de tudo para que elas se adequassem à Constituição imediatamente,
não é salutar que o STF imponha decisões monocráticas em tema político tão
sensível. Os Poderes devem ser independentes, mas também harmônicos. A situação
mostra que há problemas para satisfazer a ambas as condições.
Resultado do Ideb revela política educacional
ineficaz e desigual
O Globo
Só uma meta nacional foi atingida, e apenas
três estados cumpriram objetivos no ensino médio
São decepcionantes os resultados do Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb) divulgados nesta semana pelo ministro da Educação, Camilo
Santana. No ano passado, o Brasil atingiu apenas uma das três metas
de aprendizagem estabelecidas para 2021 (os mesmos objetivos foram mantidos até
2023 devido à pandemia de Covid-19): o país obteve nota 6 no 5º ano do ensino
fundamental.
A situação se revelou mais crítica nas etapas
finais do aprendizado, pontos nevrálgicos na educação brasileira. No 9º ano do
fundamental, para o qual a meta era 5,5, o país obteve 5. No 3º ano do ensino médio,
segmento essencial para a carreira dos alunos e para o desenvolvimento do país,
o desempenho foi ainda pior: a nota ficou em 4,3, ante o objetivo de 5,2.
Calculado a cada dois anos com base nas notas
de português e matemática no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e
no número de alunos aprovados, o Ideb traz dados preocupantes. Em pelo menos
20% das cidades, os estudantes do 5º ano do ensino fundamental obtiveram notas
baixíssimas em matemática. Não conseguem somar moedas de 25 ou 50 centavos, nem
resolver questões que envolvem noções como duplo ou triplo.
Das 27 unidades da Federação, somente três
atingiram a meta do Ideb no ensino médio: Goiás, Pernambuco e Piauí. Estados
como Espírito Santo, Paraná, Ceará, Pará, Mato Grosso e São Paulo obtiveram
notas que ficaram entre as dez maiores, mas insuficientes para alcançar as
metas. Chama a atenção o desempenho do estado do Rio de Janeiro, penúltimo
colocado, com nota 3,3, à frente apenas do Rio Grande do Norte (3,2).
Há que considerar o efeito da pandemia nos
resultados. A gestão da educação durante a emergência sanitária foi desastrosa.
O Brasil foi um dos países que passaram mais tempo com as escolas fechadas. A
tentativa de sanar o problema com ensino remoto não funcionou e agravou a
desigualdade entre os alunos, uma vez que nem todos dispunham dos meios para
assistir às aulas on-line. Mas não se pode culpar apenas o coronavírus. Mesmo
antes da Covid-19, a situação não vinha bem. E estados que enfrentaram as mesmas
dificuldades em diferentes regiões conseguiram se recuperar.
Os resultados do Ideb mostram que, a despeito
da pandemia, a educação brasileira patina em patamares de cinco anos atrás, com
grandes desníveis entre os estados. Os números também revelam que é possível
transformar a realidade. O estado do Pará, último colocado no ranking do ensino
médio em 2019, ao lado de Bahia, Amapá e Rio Grande do Norte (todos com nota
3,2), saltou para o sexto lugar no Ideb em 2023, com 4,3. Existem modelos
educacionais bem-sucedidos que priorizam a formação de professores, escolas em
tempo integral, avaliações periódicas de aprendizagem, programas de reforço
escolar, critérios técnicos na gestão escolar e melhoria das condições das
escolas. O desafio do MEC é reproduzir as boas práticas no país inteiro.
Estados poderão ter aumento real de gastos e
juro zero
Valor Econômico
A permissão para aumento das despesas
estaduais levará fatalmente a novas renegociações futuras, como parece ter
virado praxe
O governo Lula acredita que os investimentos
do Estado impulsionam a economia, não importa o tamanho da dívida pública. Não
havia, assim, motivos para que se opusesse à diluição das exigências para que
Estados e municípios paguem suas dívidas, reduzindo tão mais os juros quanto
mais investimentos realizarem. O projeto de renegociação da dívida dos Estados,
Propag, é isso: em vez de tentar uma saída para os juros, mas coibindo de
alguma forma as despesas de maus pagadores, reduz o custo de suas dívidas se gastarem
mais.
No primeiro governo de Dilma Rousseff, o
ministro da Fazenda, Guido Mantega, suavizou a avaliação do Tesouro para que
Estados e municípios pudessem se endividar mais e aumentou a oferta de crédito
para eles. O governo Lula está fazendo a mesma coisa. Sem base no Congresso, em
ano eleitoral, aceita as condições estabelecidas pelos devedores para quitar
débitos. A iniciativa para reduzir a carga sobre os Estados partiu do
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que encaminhou proposta que
reduz os juros da dívida estadual virtualmente a zero - Minas Gerais, terceiro
maior devedor, dá calote há tempos, como o Rio de Janeiro, o segundo em
dívidas. O provável sucessor de Pacheco no comando do Senado, David Alcolumbre
(UB-AP), tornou o projeto ainda mais favorável aos devedores.
O problema premente da dívida se concentra em
quatro Estados: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul
detêm 90%, ou R$ 720 bilhões, do estoque dos débitos. O governo paulista paga
suas dívidas em dia, os outros três, não. O projeto que passou no Senado foi
concebido para resolver a situação desses três Estados e facilitou as condições
dos demais, que estão pagando seus débitos em dia.
Por 70 votos a 2, o Senado aprovou a redução
do indexador da dívida, hoje de IPCA mais 4%, para apenas o IPCA, sob
determinadas circunstâncias. Os Estados poderão repassar à União ativos, como
empresas estatais, e, se forem equivalentes a 10% ou 20% do total de débitos,
os juros diminuirão 1 e 2 pontos percentuais, respectivamente. Os restantes 2%
podem ser abatidos se os Estados aportarem recursos equivalentes em um fundo de
equalização, a ser utilizado por eles mesmos ou pelos que estão com os débitos
em dia.
Caso não tenha ativos para repassar à União,
o Estado poderá dividir igualmente o abatimento de 4% de juros entre remessas
ao fundo de equalização e aumento dos investimentos em infraestrutura, educação
profissional, habitação, educação, saneamento, adaptação a mudanças climáticas,
segurança pública e transporte, exatamente as funções essenciais do poder
público.
O governo Lula não tentou evitar as
liberalidades acopladas ao projeto, e até tentou introduzir um jabuti para
reduzir o cálculo da receita corrente líquida, que indexa os gastos
obrigatórios com educação da União (15%). Os partidos aliados estranharam, a
ideia foi arquivada e os senadores petistas votassem a favor do texto ampliado
por Alcolumbre.
Alcolumbre estabeleceu nova via de
abatimento, a partir de 2029. Com a reforma tributária, a União terá de custear
um fundo de desenvolvimento regional para compensar perdas de arrecadação com
as mudanças. A conta passa de R$ 450 bilhões em 20 anos. O texto aprovado no
Senado permite que esse dinheiro possa ser usado para abater dívidas.
A consolidação das dívidas estaduais e
municipais foi um dos principais pontos do Plano Real. Os Estados perderam seus
bancos e o poder de emitir dívida, em troca de condições mais favoráveis que as
de mercado para pagamento dos débitos. Com o tempo, conseguiram mudar a seu
favor as condições de pagamento. As restrições ao aumento de pessoal e gastos
correntes nunca foram cumpridas, mesmo com receitas em queda. Em alguns casos,
como o do Rio de Janeiro, a arrecadação turbinada por royalties de petróleo serviu
para ampliar gastos permanentes, que se tornaram impagáveis quando as cotações
declinaram.
O regime de recuperação fiscal, ensaio
fracassado de resolver o endividamento de Rio, Minas e Rio Grande do Sul,
pressupunha teto de gastos pela inflação e proibição de aumento de pessoal. Foi
ignorado. O projeto aprovado pelo Senado estabeleceu um regime tão ou mais
frouxo que o novo regime fiscal do governo Lula. Em 2024, os entes federativos
poderão gastar o quanto quiserem e essas despesas servirão de base para o
exercício de 2025, corrigidas pelo IPCA mais 1%, exclusive gastos de saúde e
educação.
Interessado em mais crescimento, o presidente Lula, em busca de apoio político para a reeleição, aceita a piora das contas públicas no futuro. Em vez de negociar com três Estados inadimplentes mas sendo firme na cobrança de contrapartidas, aliviou as obrigações dos outros 24, que estavam em dia com seus pagamentos mas não poderiam ficar vendo concessões aos outros. Essas concessões todas fariam até algum sentido caso as contas da União estivessem em boa fase - não estão. O governo federal paga IPCA mais 5,5% de juros para se endividar enquanto reduzirá a zero os juros para os Estados. A permissão para aumento das despesas estaduais levará fatalmente a novas renegociações futuras, como parece ter virado praxe.
Gestão de recursos faz a diferença no ensino
Folha de S. Paulo
Ideb mostra que Brasil não consegue alcançar
metas e que os estados mais ricos nem sempre usam verbas de forma eficiente
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb)
de 2023 revela que, para melhorar a aprendizagem dos alunos, uma gestão mais
eficiente dos recursos pode ter peso maior do que os montantes disponíveis para
o setor.
O Pará é exemplo notável. No ensino médio da
rede pública, foi o
estado que mais avançou, passando da penúltima posição em 2021, com
nota 3, para a 6ª em 2023, com 4,3 —o indicador vai de 0 a 10. O Piauí teve a
mesma nota, mas na edição anterior já obtivera 4.
Os dois estão à frente de unidades
federativas muito mais ricas, como São Paulo (4,2) e Rio de Janeiro (na
penúltima posição, com 3,3).
Para uma ideia da discrepância, de acordo com
o IBGE,
em 2021 o Pará ocupava a 15ª posição em PIB per
capta (R$ 29.953), e o Piauí, a 25ª (R$ 19.466). Já São Paulo (R$ 58.302)
estava na 4ª, e Rio de Janeiro (54.360), na 5ª.
Goiás (4,8) lidera o ranking no ensino médio
do sistema público, seguido por Espírito Santo e Paraná (4,7), Pernambuco (4,5)
e Ceará (4,4), enquanto o Rio Grande do Norte (3,2) está no fim da fila.
Ademais, todas as cem escolas públicas com
melhor desempenho nos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano)
estão no Nordeste —68 no Ceará,
31 em Alagoas e 1 em Pernambuco.
Em 2007, o Ceará iniciou uma reforma no
ensino fundamental pautada pela colaboração entre estado e municípios para
alfabetizar o alunado na idade certa.
Outro ponto importante foi a política que
atrela a distribuição de ao menos 10% da cota municipal do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) a melhorias nos indicadores de
aprendizagem e na diminuição de desigualdades entre os estudantes da rede.
O Ideb, realizado a cada dois anos desde
2007, não só avalia o ensino, combinando as notas do Sistema de Avaliação da
Educação Básica (Saeb) e as taxas de aprovação escolar, como propõe metas.
Em 2023, considerando as redes pública e
privada, o país só atingiu a meta dos primeiros anos do ensino fundamental, que
registrou nota 6. Mas não obteve sucesso nos anos finais dessa etapa (6º ao 9º
ano), com 5 pontos, nem no ensino médio, com 4,3 —as metas eram de 5,5 e 5,2,
respectivamente.
Comprova-se, portanto, que o Brasil enfrenta
dificuldades para alcançar na prática seus objetivos. Boas intenções não
bastam.
É preciso que o governo federal mantenha
monitoramento do ensino no país, nacionalize
as experiências regionais exitosas e incentive modelos que têm
potencial para melhorar a aprendizagem e reduzir a evasão escolar. Mas cabe
sobretudo aos estados e municípios avançar na boa gestão dos recursos do setor,
que não são poucos.
Servidores custosos
Folha de S. Paulo
Governo Lula ensaia redução de salários
iniciais, o que deveria ser aprofundado
Salários acima da média do mercado para
profissionais de qualificação semelhante não são a única distorção que torna
caro em excesso o serviço público brasileiro, especialmente em âmbito federal.
Há muito se observa também que as
remunerações iniciais nos diferentes setores do funcionalismo estão muito
próximas das do topo das carreiras. Trata-se de uma situação que favorece os
servidores, mas não a gestão do Estado.
Um recém-concursado para o cargo de analista
do Banco Central,
por exemplo, ingressaria hoje no órgão recebendo R$ 20.925 mensais —o que o
colocaria de imediato no alto da pirâmide social de um país onde a renda média
do trabalho é de R$ 3.214. Chegando ao auge da carreira, o valor sobe para R$
29.833.
De um piso já elevado para o topo dos
vencimentos, o caminho é curto —em muitos
casos pode não passar de 13 anos, como disse a ministra Esther
Dweck, da Gestão, em entrevista à Folha.
Com tal desenho, que se repete em graus
variados por toda a administração, o profissional não apenas é custoso em
demasia ao erário como tem pouco incentivo para se dedicar à carreira.
Não por acaso, uma das providências de
reforma administrativa mais defendidas pelos estudiosos, e apoiada por este
jornal, é a redução dos salários iniciais no serviço público. O governo
petista, embora organicamente ligado às corporações, enfim dá passos iniciais
nesse sentido.
Em acordos para a reestruturação de
carreiras, o ministério de Dweck tem incluído remunerações de entrada menores.
No exemplo deste texto, os futuros analistas do BC começarão recebendo R$
18.034 (13,8% a menos que hoje) —porém já com previsão de reajuste do valor
para R$ 20 mil em maio de 2026. Fala-se ainda em elevar a 20 anos o período do
piso ao topo.
Medidas do tipo deveriam ser mais ambiciosas, controlando também os salários mais altos, o que é difícil num governo de tantos laços com o sindicalismo. Fica demonstrado, de todo modo, que se pode avançar na reforma sem depender só de mudanças politicamente intrincadas na Constituição.
Freio de arrumação nas emendas parlamentares
O Estado de S. Paulo
Sua proliferação descontrolada degrada
políticas públicas, amplia o risco de corrupção e distorce a competição
eleitoral. Ao exigir transparência e eficiência, o STF cumpre seu papel
O Supremo Tribunal Federal (STF), por liminar
concedida pelo ministro Flávio Dino, suspendeu as emendas parlamentares
impositivas até que sejam criados parâmetros para garantir a sua “eficiência,
transparência e rastreabilidade”. A única reprimenda que se pode fazer à
decisão é que é tardia. Mas era necessária, e a reação figadal da brigada
fisiológica no Congresso só corrobora sua pertinência.
Parlamentares irritados afirmam que eles
conhecem melhor as necessidades das populações locais, e sua participação na
alocação dos recursos públicos é um instrumento democrático empregado em todo o
mundo. É uma meia-verdade, incapaz de disfarçar as perversões por trás da
dilapidação do Orçamento.
De fato, emendas existem em todo o mundo, e a
Constituição as previu justamente para que os congressistas orientassem
recursos às necessidades locais. Mas no Brasil seu volume cresceu a níveis
exorbitantes. Um levantamento do Instituto Millenium mostrou que em 29 países
da OCDE, um fórum das democracias ricas, os montantes na maioria são inferiores
a 0,01% das despesas discricionárias e só em três eles superam 2%. No Brasil a
dotação saltou de 4% em 2014 para 24% hoje.
Mais aberrante é a proliferação de
modalidades e suas distorções. Até 2015, a execução de emendas individuais e de
bancada dependia da disponibilidade de recursos. Então se estabeleceram cotas
obrigatórias. Em 2019 foram criadas as “Transferências Especiais” (“emendas
Pix” ou “cheque em branco”) que permitem repasses a Estados e municípios para
que seus governantes gastem praticamente como bem entenderem. O maior
retrocesso veio em 2020, quando a “Emenda do Relator” – que serviu aos “anões
do Orçamento”, em 1993 – foi exumada e anabolizada para permitir que o governo
distribuísse recursos a aliados sem qualquer transparência. O chamado
“orçamento secreto” logrou a proeza de violar todos os princípios
constitucionais da administração pública – legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência – e não à toa foi declarado
inconstitucional pelo STF. Ainda assim, os parlamentares, com a conivência do
governo, têm buscado formas de maquiá-lo.
Emendas parlamentares deveriam preservar a
qualidade do Orçamento, observar uma lógica coletiva e ser objeto de escrutínio
popular. Mas o desmonte dos mecanismos de distribuição transparente, técnica e
equitativa acarreta a degradação das políticas públicas, porque os recursos são
pulverizados sem planejamento; pressões fiscais, porque são drenados das
políticas setoriais dos ministérios; riscos de corrupção, porque não são
fiscalizados; e distorções da competição democrática, porque irrigam os currais
eleitorais dos parlamentares. São perversões flagrantes no caso das “emendas
Pix”, mas em maior ou menor grau valem para as outras.
O Congresso reagiu à liminar cortando verbas
do Judiciário, inflamando ameaças de impeachment e protestando contra o
ativismo judicial. A invasão de competências por parte do STF é de fato um
problema crônico e cada vez mais agudo. Mas não foi o caso desta vez. A Corte
não está legislando nem interferindo nas prerrogativas do Legislativo de
ingerência sobre o Orçamento. Está só exigindo que ela obedeça às exigências
constitucionais. A resposta do Congresso, puramente retaliatória e nada
propositiva, só revela o nível de degradação a que se chegou no trato do
Orçamento.
Assim como o voto é a base da democracia, o
Orçamento é a sua culminação. É através dele que os recursos do contribuinte
são materializados em serviços para os cidadãos. A negligência dos
representantes eleitos em promover reformas tem comprometido cada vez mais as
despesas com custeio de servidores e benefícios previdenciários, enquanto a
parcela cada vez mais comprimida dos gastos discricionários é pulverizada sem
transparência. O Orçamento caminha para o pior dos dois mundos: gastos
engessados e investimentos arbitrários. Arrumar a casa é não só uma exigência
da realidade, mas da Constituição. Ao impor ao Legislativo um freio de
arrumação, a Corte nada mais fez que cumprir o seu papel de guardiã da ordem
constitucional.
O que era ruim ficou pior
O Estado de S. Paulo
Senado aprova outra generosa proposta de
renegociação de dívida dos Estados. Só quem perde é o Ministério da Fazenda,
que entregou o jogo antes mesmo de entrar em campo
Quando algo começa mal, termina mal. E assim
foi com o projeto de lei de renegociação da dívida dos Estados. O projeto
inicial era ruim, mas o texto aprovado pelos senadores nesta semana conseguiu a
proeza de ser ainda pior. Por 70 votos a 2, o Senado deu aval a uma proposta
que não resolverá o problema dos Estados, mas que dará um prejuízo certo à
União.
O erro foi de origem. Ao apresentar o
programa “Juros por Educação” em março deste ano, o governo federal criou as
condições ideais para que os Estados se refestelassem na renegociação. Frouxa
já na partida, a proposta não induzia os governadores a cortar despesas para se
enquadrar no programa, mas a investir no ensino técnico para obter condições
mais vantajosas para suas dívidas.
Ora, em qualquer proposta digna de ser
chamada de ajuste fiscal, o credor deve estimular o devedor a gastar menos, não
mais. Para piorar, em vez de estabelecer negociações de parte a parte com os
entes mais encalacrados, o governo optou por uma proposta abrangente que
abarcasse todos os Estados, mesmo os que não têm dificuldades para honrar suas
dívidas. O resultado era previsível, e o Executivo perdeu o controle da
negociação para o Senado.
Possível candidato ao governo de Minas
Gerais, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não se fez de rogado e
elaborou um texto sob medida para as necessidades de seu Estado. Mais
habilidoso, o relator, Davi Alcolumbre (União-AP), cedeu para atender todos, de
olho nas eleições para o comando do Senado no ano que vem.
As dívidas poderão ser pagas em até 30 anos
e, a depender do atendimento de critérios previstos no texto, poderão ter os
juros zerados e atualizados apenas pela inflação. Bastará que repassem ativos à
União, que invistam 60% dos recursos economizados em educação e que apliquem o
restante em habitação, transportes, saneamento, segurança ou adaptação às
mudanças climáticas.
As parcelas das dívidas poderão ser abatidas
com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que,
formalmente, ainda nem existe. Não se sabe se isso é constitucional ou se
haverá dinheiro suficiente no fundo para pagar as dívidas e compensar os
Estados pelo fim dos incentivos fiscais após a aprovação da reforma tributária
– razão pela qual o fundo foi criado. Mas isso será um problema para os
governadores do futuro, não para os atuais.
Estados que tiverem estatais, imóveis ou
créditos da dívida ativa também poderão repassá-los à União em troca da redução
do indexador da dívida. Operações semelhantes realizadas no passado causaram
perdas bilionárias à União, mas isso não impediu Estados como Alagoas e Piauí
de cobrarem ressarcimentos igualmente bilionários no Supremo Tribunal Federal
pela federalização e posterior privatização de suas distribuidoras de energia.
Se aderirem, Rio de Janeiro, Minas Gerais,
Goiás e Rio Grande do Sul deverão depositar o dinheiro economizado com a
repactuação no Fundo de Equalização Federativa, que repassará o dinheiro aos
Estados do Norte e Nordeste, menos endividados. Resta saber se farão o
pagamento de fato, haja vista o histórico de calotes.
Os Estados que aderirem estarão sujeitos a
algo semelhante ao arcabouço fiscal da União, mas ainda terão os últimos meses
deste ano para gastar à vontade. O teto será calculado com base nas despesas de
2024, e, embora o dispositivo estabeleça que os gastos não podem superar 70%
das receitas, não haverá o limite de crescimento real de até 2,5% que vale para
o Executivo federal.
O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos
Estados (Propag) ainda terá de ser aprovado pela Câmara, mas não se espera
resistência ao texto por parte dos deputados. Afinal, só quem perde é o
Ministério da Fazenda, que, a bem da verdade, entregou o jogo antes mesmo de
entrar em campo.
Com a proposta, o Senado conseguiu enterrar
de vez o Regime de Recuperação Fiscal, que impunha contrapartidas como
privatizações e realização de reformas aos mais endividados, e plantou a
semente da futura crise dos Estados, a quem a União terá de socorrer mais uma
vez.
O eleitor sabe o que quer
O Estado de S. Paulo
Pesquisa feita durante debate do ‘Estadão’
mostra que eleitor quer soluções, e não baixaria
Procura-se em São Paulo um prefeito com
propostas, e os postulantes ao cargo que apresentam soluções aos reais
problemas da maior cidade do País só têm a ganhar. Pode parecer óbvio, mas, em
tempos estranhos, com polarização e aventureiros à caça de cliques, os
paulistanos precisam deixar claras as aspirações que motivam suas escolhas
eleitorais, e, entre elas, não está a baixaria. Muito pelo contrário.
Pesquisa qualitativa conduzida pelo Instituto
Travessia com 15 eleitores que acompanharam em tempo real o debate promovido
pelo Estadão, em parceria com a Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) e
com o Terra, na quarta-feira, 14, mostrou que o bate-boca entre candidatos
causou repulsa. Os cidadãos, sabiamente, dispensaram o ataque, a rinha
deletéria entre esquerda e direita e os temas nacionais distantes do cotidiano
da metrópole.
O grupo continha eleitores dos seis
participantes, de acordo com a proporção das intenções de voto nas últimas
pesquisas quantitativas. Três diziam votar em Ricardo Nunes (MDB); três, em
Guilherme Boulos (PSOL); dois, em José Luiz Datena (PSDB); dois, em Pablo
Marçal (PRTB); um, em Tabata Amaral (PSB); e um, em Marina Helena (Novo). Havia
ainda três indecisos. Boa parte dos candidatos não passou nesse teste.
Enquanto houve candidatos que saíram menores
do que entraram, houve aqueles que, com bons exemplos na condução das
discussões sobre São Paulo, saíram maiores. Ao que tudo indica, fizeram a lição
de casa e atentaram para o fato de que os paulistanos, como apontam pesquisas
quantitativas, querem um candidato propositivo, independente e focado.
Isso pode explicar o desempenho, por exemplo,
de Tabata Amaral, que ganhou o apoio de outros seis eleitores do grupo ao
mencionar a meta de alfabetizar 100% das crianças até o terceiro ano, expandir
a rede de ensino integral e detalhar um programa de parcerias com empresas e
universidades para capacitar jovens. Já Ricardo Nunes, que saiu com quatro
apoiadores, causou boa impressão ao falar de iniciativas de sua gestão – ou
seja, teve o que mostrar. À esquerda e à direita, Boulos e Marçal, que aparecem
bem posicionados nas pesquisas, decepcionaram e protagonizaram cenas que
horrorizaram os eleitores.
O cientista político Renato Dorgan, CEO do
Instituto Travessia, captou os sentimentos dos eleitores. Para ele, o debate
terminou com “Nunes seguro, Tabata qualificada, Datena frustrante, Marçal
folclórico, Marina fraca e Boulos instável”.
Esse diagnóstico deve servir de alerta àqueles que se colocaram ao eleitorado para enfrentar os desafios de São Paulo pelos próximos quatro anos. E, muito além do que se viu diante das câmeras, foi da sala dos eleitores que saíram as maiores lições do debate. Fartos de diversionismo, esses cidadãos deixaram o recado de que buscam um futuro para a cidade em que nasceram ou que escolheram viver e sinalizaram que esperam o diálogo com boas propostas. Ouvi-los seria um bom exercício para candidatos que muito gritam e pouco oferecem à capital.
A emergência da Mpox
Correio Braziliense
Em 16 países africanos, já são 38.645 casos
em dois anos e meio, com quase 1.500 mortes. O número de ocorrências aumentou
em 160% este ano
Nesta semana, assistimos à declaração do
diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom
Ghebreyesus, sobre a emergência de saúde pública internacional com relação à
Mpox. A doença tem avançado nos países da África, com destaque para a República
Democrática do Congo. O comitê da entidade alertou para a detecção de uma nova
cepa, o clade lb, considerada uma variante mais perigosa em quatro regiões
africanas, onde não havia registros anteriormente.
Infecção viral, a Mpox pode se espalhar
facilmente tanto entre pessoas quanto em animais. Basta o contato próximo com
outra pessoa, como toque, beijo, relação sexual — seja a partir de fluidos
corporais, gotículas respiratórias, sejam lesões —, além de objetos pessoais
contaminados, como roupas e agulhas. Para piorar, a pessoa infectada é capaz de
transmitir o vírus do início dos sintomas até que todas as lesões na pele
cicatrizem completamente.
A preocupação das autoridades tem sentido.
Embora o surto esteja limitado à África, ele tem peculiaridades com relação às
cepas de 2022. Os níveis de contágio e mortalidade são superiores. Em 16 países
africanos, são 38.645 casos em dois anos e meio, com quase 1.500 mortes. O
número de casos aumentou em 160% este ano, comparado a 2023, e, desde o
começo de 2024, mais de 17 mil casos e 500 mortes foram reportados em 13 países
da África, de acordo com o Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças
(CDC).
No Brasil, não há motivo para pânico, pelo
menos por enquanto, garantiu a ministra da Saúde, Nísia Trindade, que trocou o
termo "alarme", de Tedros, por alerta. No país, pouco mais de 700
casos e menos de 20 mortes foram registrados, e não há registros da nova
variante. A pasta também diz estar negociando 25 mil doses de vacinas contra a
doença com a OMS.
A recuperação de um paciente com Mpox pode
durar até um mês, desde que o diagnóstico esteja correto. É que as erupções na
pele podem ser confundidas com outras doenças, a exemplo da herpes zoster e
varicela zoster, infecções bacterianas, entre outros. Em pacientes graves, são
grandes as chances de prejuízos cerebrais. Um estudo publicado na revista
científica Jama mostrou que a Mpox também pode provocar complicações
neurológicas, apesar de raras, como cefaleia, inflamação no cérebro, distúrbios
de humor, inclusive depressão e ansiedade, e dores crônicas neuropáticas.
Fato é que estudos mais avançados com relação ao vírus ainda são incipientes e não se sabe exatamente o que a doença pode fazer com o sistema nervoso central (SNC). Três imunizantes funcionam contra o vírus, mas a OMS não recomenda a vacinação massiva da população, e os medicamentos não são específicos, apenas aliviam sintomas. A última "ofensiva" da OMS é um pedido recente às farmacêuticas que fabricam esses imunizantes para que invistam maciçamente em pesquisa. Agora é aguardar, em estado de alerta.
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