O Globo
Aposta do Brasil de manter a posição de
mediador é de alto risco. Mas tem uma lógica: de não ser mais um a apontar a
fraude e tentar dialogar
Não é trivial decidir como agir em relação à crise na Venezuela. O Brasil tem procurado manter sua posição e preservar o espaço para negociação. Se o governo brasileiro fizesse uma declaração dizendo que o processo foi fraudulento e condenando Nicolás Maduro seria mais um a fazer o mesmo movimento. Porém não condenar é uma aposta de alto risco. Aposta que ele tem perdido desde que patrocinou o acordo de Barbados, desrespeitado por Maduro com atos como o de impugnar candidaturas de oposição. Se tudo der errado, como parece o mais provável, não será desonroso ter ficado na posição de tentar uma solução negociada para a crise.
Crise na Venezuela acende alerta na região,
que se prepara para nova onda migratória: Diversos
países anunciaram que vão reforçar suas fronteiras diante da expectativa de um
êxodo 2.0
Nem sempre os governos Lula acertaram
na política externa. Na verdade, os erros foram bem mais frequentes. No caso da
Venezuela houve excessivo entusiasmo com o chavismo sem ver seus evidentes
defeitos e riscos, entendendo como sendo de esquerda, o que era na verdade uma
ditadura em formação. A declaração
de Lula feita no começo do atual mandato de que a “democracia é relativa” e
que na Venezuela tinha mais eleições que no Brasil, além da deferência
excessiva com Maduro, recebeu críticas de outros governos da região.
Supremo da Venezuela declara candidato
opositor em desacato e diz que decisão sobre as eleições serão 'inapeláveis': González
Urrutia não atendeu à convocação do TSJ, considerando que, ao se apresentar,
poria em risco sua liberdade
Naquela época já era o começo da aposta de
trazer o governo venezuelano para o convívio dos outros países da América do
Sul, na expectativa de que houvesse um processo eleitoral e, depois dele, uma
transição pacífica. Não deu certo, como fracassou o acordo de Barbados. E agora
há poucas probabilidades de que dê certo, mas quando há uma perspectiva, ainda
que remota, de uma saída é melhor errar por ingenuidade do que por
precipitação.
Em relação à Nicarágua, o governo Lula não
foi tão leniente quanto com Maduro, ainda que tenha sempre falado com
saudosismo da revolução Sandinista. A revolução hoje é um quadro na parede e o
que há é o governo mais tirânico das Américas. O Brasil também tentou ser canal
de diálogo e atendeu até a um pedido do Papa Francisco para mediar a libertação
de religiosos que estavam presos no país. A ditadura havia encarcerado vários
padres e bispos e um deles ficou 500 dias na prisão. Foi bem-sucedido em parte
porque alguns religiosos foram libertados. Agora, Daniel Ortega impôs
uma humilhação ao Brasil, expulsando o embaixador brasileiro, e só restou ao
Brasil reagir da mesma forma.
Embaixadores experientes enxergam um padrão
na política externa de Lula. Ele não quer seguir os outros países e
simplesmente condenar, que é a atitude mais fácil. Prefere procurar outro
caminho e, desta vez, está ao lado do México e da Colômbia. A Venezuela está
para a Colômbia como a Argentina está para o Brasil. Portanto, o apoio de Gustavo Petro à
posição brasileira é mais importante do que a de López Obrador.
O problema é que Maduro dificilmente vai
recuar até porque o poder se organizou na Venezuela como um governo militar.
Eles estão na maioria dos ministérios, controlam o orçamento e recursos de
empresas públicas, viraram um quarto poder. Essa simbiose com os quartéis foi
parte da estratégia para Chávez e Maduro se manterem no poder.
Em 2003, fui à Venezuela em momento de um
grave conflito com a oposição que, naquela época, tentara um golpe de estado
contra Hugo Chávez. Ele reagiu com forte repressão contra opositores, contra a
imprensa e executou seu projeto de controlar as instituições, a começar pelo
Conselho Nacional Eleitoral.
Fui a Miraflores entrevistar Chávez. Cercas
de arame farpado isolavam o palácio presidencial. Depois de passar por uma
revista duríssima na guarita, eu subi a rampa com uma arma apontada contra mim.
Um soldado subia andando de costas e apontando um fuzil. Nas três horas em que
esperei para ser atendida, eu vi o tempo todo militares entrando e saindo do
gabinete presidencial. Um grupo deles ficou durante a tensa entrevista. Voltei
e disse ao meu chefe. Conheço democracia e conheço ditadura militar. Aquilo que
eu vi está deixando de ser uma democracia.
O Centro Carter, que já supervisionou 124
eleições em 43 países, disse inicialmente que a eleição não pode ser definida
como democrática. Em segundo
pronunciamento, informou que, após analisar os dados disponíveis, confirmou a
versão da oposição.
Diante de tudo isso qual é o próximo passo do
Brasil? Vai continuar apostando que alguma brecha apareça para uma saída
pacífica? Ela pode nunca aparecer.
Um comentário:
A jornalista entende do riscado.
Postar um comentário