Folha de S. Paulo
Enquanto protoditador diz falar com
passarinho, cabe a generais, e não a votos, dar a última palavra
Tempo biográfico de infância, interior
nordestino. Bastava Seo Zezinho, o barbeiro local, estender a mão para que um
passarinho, qualquer um, na rua ou no quintal, nela pousasse. Coisa bizarra,
mas ninguém falava em poderes, nem o confundia com São Francisco. Era só a
natureza de Seo Zezinho.
Mas existe segunda natureza. Nas autocracias sul-americanas é a bizarrice enganosa, manipulada pelo marketing político. Na Argentina, o presidente aconselha-se com um cachorro morto. Na Venezuela, um protoditador diz falar com um passarinho, suposta reencarnação do predecessor. Maduro, claro, autor do prodígio de vencer eleições antes do total apurado, bizarramente referendado por uma gaiola ideológica brasileira. Ideologia de asas curtas.
Lula tem conselheiro político de excelso saber, consta. Mas
a força maior do vexame os deixa inermes. Por mais que se
pretenda racional qualquer avaliação do momento sul-americano, é impossível
separar o convencional do extravagante. O realismo mágico que imanta de forma
encantatória a narrativa de um Gabriel Garcia Marques ganha vida real como
folhetim de segunda classe, não em busca de leitores, mas de eleitores. O rito
de calendário democrático, objeto tentativo da literatura especializada, é
praticado como bufonaria autocrática.
À esquerda e à direita, finge-se que não vê.
A primeira é geopolítica, ciosa da unidade subcontinental, nostálgica do tempo
em que a Venezuela se aproximou de Cuba. Foi quando trocou a antiga classe
dirigente pela "burguesia bolivariana", um empresariado mais disperso
e mais includente de generais, sob o engana-olho de "revolução
bolivariana", na verdade um slogan de golpismos anteriores. O líder era
Chávez, hoje aquela pessoinha que come alpiste mediúnico na mão de Maduro.
A direita sempre assestou canhões
contra Chávez, "suspeito" de socialismo. Leia-se um
popularismo antenado ao estado psíquico dos marginalizados que respaldou o
autoritarismo do regime, de brutal repressão a opositores e à independência dos
Poderes. A democracia dos anos 70 degringolou junto com uma corrupta economia
de cleptocratas, o desemprego virou onda imigratória, e o chavismo tornou-se
espiritismo popular. Uma extrema direita, carnavalizada como esquerda.
Agora, como antiamericanismo de gogó não mata
fome nem inspira respeito, os EUA logo proclamaram a vitória da oposição. Mas
internamente cabe a generais, e não a votos, dar a última palavra. De qualquer
forma, com mortos na plateia e milhares de prisões, o teatro burlesco da
política fechou a cortina, palmas deram lugar a pedradas. Não são novidade, mas
aumentaram de tamanho. Podem ter feito Chávez alçar
voo: afinal, passarinho que come pedra sabe o rabicho que tem.
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