Transparência é base do gasto público
Correio Braziliense
Flávio Dino, do STF, acerta ao determinar uma auditoria nas emendas do Congresso liberadas desde 2020. Na avaliação do ministro, não há como saber se os recursos das emendas Pix são, de fato, aplicados naquilo que se destina
O Orçamento da União é muito importante para a sociedade, porque contém medidas que afetam diretamente nosso dia a dia. É nele que se encontram os aportes de dinheiro a programas públicos, redução ou aumento de verbas para determinados setores e a previsão de quanto deve ser gasto a cada ano pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
A elaboração do Orçamento segue regras constitucionais, denominadas princípios orçamentários, estabelecidas em 1964 — portanto, há seis décadas —, para padronizar e garantir que os recursos públicos sejam utilizados da forma mais correta. Foram criadas para garantir eficiência, racionalidade e transparência na hora de decidir a aplicação do dinheiro público. Isso evita crises orçamentárias, nas quais o governo não consiga honrar seus compromissos, como o pagamento das aposentadorias.
A Constituição Federal, a Lei 4.320/64 (Lei de Finanças Públicas), a Lei 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e as Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) obedecem a esses princípios. Graças a eles, principalmente à transparência, os cidadãos podem se organizar e controlar a execução orçamentária.
O Orçamento da União deve ser uno. Todas as receitas e despesas precisam ser apresentadas de modo integrado, de maneira a oferecer um retrato geral das finanças públicas. Trata-se, dessa forma, de um retrato geral das finanças públicas, com a estimativa das receitas e a fixação das despesas para cada exercício financeiro.
Ele garante que novas políticas sejam implementadas a cada ano de acordo com a disponibilidade de caixa e as prioridades do governo, que mudam sempre que uma delas é bem resolvida. Sem essas regras, teríamos um Orçamento abusivo, desatualizado, que não levaria em conta as necessidades da população e a situação geral da economia, sobretudo a inflação.
Com base nesses princípios constitucionais, as chamadas "emendas Pix" — emendas parlamentares impositivas cujos autores são desconhecidos — são uma anomalia orçamentária adotada pelo Congresso para substituir o antigo "Orçamento secreto", que foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) exatamente por falta de transparência. Nesse sentido, o ministro Flávio Dino, do STF, acerta ao determinar uma auditoria nas emendas do Congresso liberadas desde 2020.
Flávio Dino analisou um pedido da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) que questionou o pagamento das "emendas Pix", criadas em 2019. São valores transferidos por parlamentares diretamente para estados ou municípios, sem a necessidade de apresentação de projeto, convênio ou justificativa. De acordo com a Procuradoria Geral da República (PGR), apenas em 2023, R$ 6,7 bilhões foram destinados a essas emendas.
Na avaliação do ministro, não há como saber se os recursos são, de fato, aplicados naquilo que se destina. Por isso, decidiu que essas emendas precisam seguir os critérios de transparência e rastreamento. "Deve-se compreender que a transparência requer a ampla divulgação das contas públicas, a fim de assegurar o controle institucional e social do orçamento público", disse Flávio Dino, com toda a razão.
O Globo
Com serviço péssimo, ônibus perde espaço para
carro, piorando o já caótico e poluído trânsito das cidades
É preocupante a constatação de que o transporte coletivo no Brasil tem perdido passageiros para veículos próprios ou de aplicativos, de acordo com a Pesquisa CNT de Mobilidade da População Urbana divulgada nesta semana. As alternativas individuais representam hoje 68,3% dos deslocamentos, bem mais que os 50,2% registrados no último levantamento, de 2017. A mudança significa mais engarrafamentos, mais horas perdidas no trânsito e mais poluição. Por meio de políticas públicas, os prefeitos precisam reverter essa tendência. O levantamento comprova o péssimo serviço prestado e ressalta a necessidade de mais investimento.
Embora o ônibus ainda seja o meio de
transporte mais utilizado, a diferença em relação ao carro próprio é mínima
(30,9% ante 29,6%). No levantamento de 2017, a participação dos coletivos era
de 45,2%, ou seja, houve uma queda de 14,3 pontos percentuais. Os deslocamentos
por veículos de aplicativos representam 11,1% (em 2017, eram 1%); em motos,
10,9%; bicicletas, 6,5%; metrô, 4,2%; mototáxi, 2,6%; trens, 1,8%. Os trajetos
feitos a pé ainda se mantêm relevantes: 21,6%.
A redução dos deslocamentos em transporte
coletivo aconteceu em todas as classes sociais, embora tenha sido mais
significativa na C e D/E. Sobre os principais motivos que levaram passageiros a
migrar para as modalidades individuais, entrevistados apontaram principalmente
o desconforto (28,7%), a falta de flexibilidade em relação a trajetos e
horários (20,7%), o tempo de viagem (20,4%), a tarifa elevada (11,8%), a
insegurança (11,4%) e os atrasos (10,2%).
Hegemônicos em praticamente todas as cidades
brasileiras, refletindo uma mentalidade historicamente voltada ao transporte
rodoviário, os ônibus têm deixado a desejar no serviço prestado à população.
Frotas antigas, sem ar-condicionado, número insuficiente de veículos,
insegurança, falta de transparência na fixação de tarifas, desrespeito aos
horários e motoristas destreinados são alguns dos problemas que afugentam
usuários. Acrescente-se a isso a incapacidade crônica do poder público em
promover a integração das tarifas dos diferentes meios de transporte, o que
aumenta o custo dos deslocamentos — nas grandes cidades, é comum o usuário
pegar mais de uma condução.
O engenheiro de transportes Ronaldo
Balassiano, professor aposentado da Coppe/UFRJ, diz que a fuga de passageiros é
compreensível. “O serviço é muito ruim, e os aplicativos baixaram seus preços,
deram descontos”, afirma. “Mas estamos na contramão do mundo, porque as cidades
incentivam cada vez mais o transporte coletivo”.
Se usuários estão trocando os ônibus por
carros próprios ou de aplicativos é porque o serviço não atende às suas
expectativas. E isso é um problema para as grandes cidades brasileiras, às
voltas com longos congestionamentos. Em ano de eleições municipais, o tema
precisa estar no centro do debate político. O poder público precisa convencer o
cidadão a voltar para o transporte coletivo. E a única forma de fazer isso é
oferecendo opções rápidas, confortáveis, eficientes e com tarifas justas.
Governos estaduais devem combater crimes em
serviços de segurança
O Globo
Não faltam leis para punir violência e
extorsão praticadas no aquecido mercado de vigilância privada
Num país com elevados índices de violência,
é natural que haja grande demanda por serviços de segurança. Numa estimativa
conservadora, existe 1,2 milhão de vigilantes em atividade no país, mais da
metade atuando de forma ilegal. Com o controle público frágil, cresce o número
de crimes envolvendo empresas do segmento. Por isso é preciso uma reação
imediata por parte dos governos estaduais.
Não faltam leis para punições por extorsão,
agressão ou atuação de policiais ou seus laranjas em atividades privadas. O que
falta é ação. É do conhecimento público que, mesmo sendo irregular, muitos
policiais têm dois empregos. A maioria faz “bicos” para reforçar os
vencimentos. Alguns abrem empresas em nome de laranjas. Em 2022, seguranças que
agrediram dois suspeitos de tentar furtar pacotes de carne em um supermercado
da rede Unisuper, em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, eram da
Glock, registrada no nome da mulher de um policial militar.
Há também casos em que a atividade da empresa
não é aquela em que atua na verdade. Em uma operação policial realizada no
início da semana em São Paulo contra
a atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC) na Cracolândia, um dos alvos era
o ex-guarda civil metropolitano Elisson de Assis, dono da Law e Force, que
tinha entre suas atividades o “monitoramento de sistemas de segurança
eletrônica”. O que ela fazia mesmo era vender segurança para comerciantes do
centro de São Paulo e praticar extorsões.
Outro episódio que reflete os problemas dessa
atividade é o da morte de João Alberto Silveira Freitas, espancado por
seguranças de uma loja da rede de supermercados Carrefour, há três anos e meio,
em Porto Alegre. A Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de
Valores (Fenavist) atestou que a empresa contratada estava regular. Mas não os
dois seguranças que mataram Silveira Freitas. Um era PM, que fazia um bico, e o
outro estava com a documentação profissional vencida.
Em artigo publicado em 2015, Cleber Lopes,
professor de ciências sociais da Universidade Estadual de Londrina, mostra que,
na cidade de São Paulo, seguranças irregulares se envolviam, em média, em 41
ocorrências criminais por mês. Entre os seguranças regulares, a média era
menor, 12.
Está em debate no Congresso a criação do
Estatuto da Segurança Privada. O texto em discussão veda a prestação do serviço
de forma cooperada ou autônoma e reforça o papel da Polícia Federal no controle
e fiscalização da atividade. Embora a versão final do projeto possa trazer
avanços, é um erro achar que toda e qualquer melhoria depende de sua aprovação.
Com certeza, a Law e Force não é a única empresa irregular a extorquir em São
Paulo. O mesmo acontece nas demais capitais. Governos estaduais têm todas as condições
de atacar o problema. Não apenas mandando investigar crimes, mas coibindo a
segunda jornada de policiais.
Sem entusiasmar, Nunes segue em 1º com Boulos
Folha de S. Paulo
Com avaliação modesta, prefeito leva vantagem
no 2º turno, segundo o Datafolha, o que o tornou alvo em debate televisivo
Às vésperas do início oficial da campanha por
um novo mandato, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), não chega
a entusiasmar o eleitorado da cidade.
Entre os paulistanos aptos a votar, sua
gestão é considerada ótima ou boa por 26%, ruim ou péssima por 22% e regular
por 47%, segundo a nova pesquisa do Datafolha.
Ao longo deste ano, os percentuais têm variado na margem de erro de três pontos
percentuais.
Em uma questão introduzida pelo novo
levantamento, 61% dos que pretendem votar em Nunes declaram que o farão por não
ver opção melhor, ante 37% que o apontam como o candidato ideal. Trata-se da
diferença mais desfavorável entre os principais postulantes.
Ainda assim, o prefeito se mantém na
liderança da corrida, com 23%
no cenário que contempla todos os nomes da disputa, tecnicamente
empatado com Guilherme
Boulos (PSOL),
que marca 22%.
Essa dupla encabeça as sondagens desde o ano
passado, o que não mudou com as candidaturas do apresentador José Luiz Datena
(PSDB), há pouco definida, e do neófito bolsonarista Pablo Marçal (PRTB),
ambos com 14%.
Na simulação de segundo turno, ademais, Nunes
aparece com relevante vantagem de 13 pontos percentuais, 49% a 36%, sobre
Boulos —numericamente superior à de 10 pontos apurada em julho (48% a 38%). Não
por acaso, foi o alvo
preferencial dos participantes do debate de quinta (8) na Band.
Além dos trunfos potenciais de um incumbente,
em especial o comando da máquina pública, o prefeito pode se valer no momento
de fragilidades de seus rivais.
O psolista amarga a maior rejeição entre os
concorrentes: 35% dos paulistanos afirmam que não votariam nele em nenhuma
hipótese. Datena e Marçal não ficam muito atrás, com 31% e 30% respectivamente,
enquanto Nunes tem 24%.
Tudo isso pode mudar, obviamente. É cedo para
saber, por exemplo, que peso terão na reta final da eleição os patrocinadores
nacionais dos principais candidatos —Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), no caso de Boulos, e Jair
Bolsonaro (PL), no do emedebista,
também apoiado pelo governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos).
O prefeito lidará com o risco de perder
eleitores do centro à direita para Marçal e Datena, enquanto seu maior
adversário pode buscar o voto útil da parcela mais à esquerda dos 7% que hoje
preferem Tabata Amaral (PSB).
Deve-se torcer, de todo modo, por uma
campanha centrada nos desafios da maior metrópole do país, no desempenho da
prefeitura e nas propostas dos candidatos —em vez da reprodução de uma disputa
ideológica que pouco diz respeito ao cotidiano municipal.
Escola não é caserna
Folha de S. Paulo
Governo Tarcísio precisa basear política
pública para a educação em evidências
Políticas públicas não devem ser guiadas por
ideologia, sob risco de se mostrarem ineficientes ou até nocivas. Mas o
governo Tarcísio de
Freitas (Republicanos) insiste
na direção contrária quando se trata do setor da educação.
Exemplo disso é a lei, proposta pelo Palácio
dos Bandeirantes, que institui o programa de escolas cívico-militares no estado
de São Paulo.
Criticada por especialistas, a iniciativa foi suspensa
pelo Tribunal de Justiça paulista na terça (6).
Segundo a decisão, o diploma fica interditado
até que o Supremo Tribunal Federal julgue a constitucionalidade do modelo —após
a aprovação da lei pela Assembleia Legislativa em maio, o PSOL ingressou com
uma ação no STF na
qual alega que o programa infringe a Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (LDB).
A motivação ideológica já ficou perceptível
quando Tarcísio prometeu que expandiria as escolas cívico-militares no mesmo
dia, em julho do ano passado, em que a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
anunciou que daria início ao processo de extinção do
programa federal de fomento a esse modelo, criado por Jair Bolsonaro
(PL).
Assim, o governo de São Paulo ignora
evidências em prol de uma disputa político-partidária rasteira.
Independentemente do debate sobre se o
Judiciário pode interferir nas funções do Legislativo neste caso, o fato é que
as instituições de ensino cívico-militares tendem a apresentar melhores índices
de aprendizagem não devido à disciplina da caserna, mas porque têm um rígido
processo de seleção de alunos e recebem mais verbas.
A lei paulista prevê que policiais militares
da reserva recebam um adicional que pode chegar a R$ 6.034 —valor 13% acima do
piso salarial dos professores— para cuidar da segurança escolar e desenvolver
"atividades extracurriculares de natureza cívico-militar".
Se o objetivo é incrementar indicadores,
devem-se alocar recursos em modelos respaldados pela experiência, como os
ensinos integral e técnico, capacitação de professores e avaliações de
produtividade.
Tarcísio poderia aproveitar o empecilho judicial para repensar suas prioridades na educação.
A reunião que não discutiu o Brasil
O Estado de S. Paulo
Balanço do governo e o futuro do País são
temas secundários para Lula da Silva, que reuniu seus ministros por sete horas
para falar sobre eleições municipais e rivalizar com Bolsonaro
Aos olhos do governo, o maior problema do
País hoje não é a política fiscal, que realimenta a inflação, exige taxas de
juros elevadas e contém o crescimento da economia. Não é a prevalência da fome,
que nem mesmo um orçamento de mais de R$ 170 bilhões para o Bolsa Família foi
capaz de resolver. Não é uma educação de baixa qualidade, incapaz de oferecer a
qualificação necessária para os trabalhadores conquistarem bons empregos. Não é
a enorme sensação de insegurança que a população das regiões metropolitanas
vivencia em seu dia a dia. Não é a miséria da população de rua desabrigada nos
centros das capitais.
O maior problema do País, para Lula da Silva,
são as eleições municipais. O tema, aparentemente, dominou os debates durante a
reunião ministerial da última quinta-feira, que durou mais de sete horas. É o
que se depreende das declarações dadas pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa,
após o evento.
O presidente, segundo o ministro, proibiu
seus auxiliares de subir em palanques de candidatos que critiquem o Executivo,
e cobrou deles que não deixem qualquer ataque sem resposta. Recomendou que –
ora vejam – cumpram a lei e não participem de comícios realizados em horário de
trabalho. Pediu que não agridam adversários, em especial aqueles que fazem
parte de partidos da base aliada. Bater, segundo relatos, “só da cintura para
cima”.
O balanço das ações do governo, supostamente
o motivo que ensejou a realização da reunião da equipe ministerial, ficou em
segundo plano perante outros assuntos muito mais importantes. Do contrário,
cada ministro não teria tido apenas 5 minutos para falar sobre as questões de
sua pasta, com tolerância de até 15 segundos, sinalizada por meio de um sutil
apito.
Conceder mais tempo a cada um deles não seria
de grande valia. Nada que os ministros pudessem falar seria capaz de alterar a
percepção distorcida do presidente sobre o triunfo de seu governo. Para Lula da
Silva, tudo vai muito bem, obrigado, tanto que ele descartou a possibilidade de
realizar uma reforma ministerial nos próximos meses para substituir quem não
tenha feito um bom trabalho ou traga mais ônus que bônus ao governo. “Em time
que está ganhando a gente não mexe”, disse.
Prioritário mesmo, para Lula da Silva, era
relatar à equipe que vai devolver o relógio de ouro da marca Cartier que ganhou
durante seu primeiro mandato. Tal decisão não expressa convicção sobre o que é
certo ou errado, mas visa apenas a diferenciá-lo de Jair Bolsonaro – que, a
exemplo de Lula da Silva, só pensa em eleger aliados para o comando dos
municípios, mas não tem pudor de se apropriar de patrimônio que deveria ser
público para seu proveito pessoal.
Não foi uma reunião para rever escolhas ou
realinhar estratégias que favoreçam o País. A essa altura, já se sabe que não
há, nunca houve nem haverá um projeto de Brasil no governo petista. Em 2022, o
único objetivo era vencer Bolsonaro. Agora, o que importa é obter o melhor
resultado possível nas disputas municipais em outubro, com o cuidado de não
causar constrangimentos que possam reverberar nas eleições para o comando da
Câmara e do Senado, no início do ano que vem, e, assim, pavimentar o caminho
para a reeleição de Lula da Silva em 2026.
Aliados certamente vão comparar a reunião
ministerial desta semana com aquelas que Bolsonaro liderava, que mais se
assemelhavam a um show de horrores. Manter o decoro, no entanto, é pouco para
um país que precisa adotar medidas duras para que possa oferecer alguma
perspectiva para seus cidadãos.
Impressiona, embora não surpreenda, que as
eleições sejam o único horizonte a guiar as ações do presidente. Há muito a ser
feito, mas Lula da Silva não parece preocupado com o País. Seu plano é manter
tudo como está, pois “o time está ganhando”. Quando tem “ideias”, servem
somente para reeditar os erros que já foram cometidos pelos governos petistas
no passado e apostar todas as suas fichas em manter a polarização que marcou a
campanha de 2022 na tentativa de se perpetuar no poder.
Lamentavelmente, o futuro do País não estava
na pauta da reunião ministerial, embora esse fosse o único tema que deveria
estar.
Debate indigente
O Estado de S. Paulo
Primeiro encontro entre candidatos a prefeito
de SP foi um circo de horrores. O que se viu foi um desrespeito aos paulistanos
e uma mostra de pouco-caso com os reais problemas da cidade
O primeiro debate entre os candidatos à
Prefeitura de São Paulo, realizado na noite de quinta-feira passada pela TV
Bandeirantes, foi um circo de horrores. Nem parecia que o que está em jogo é o
governo da maior cidade do Brasil, a quinta maior cidade do mundo, uma potência
política, econômica, social e cultural que supera com folga muitos países.
Os resilientes que conseguiram assistir
àquelas quase 3 horas de vale-tudo foram submetidos a uma interminável sessão
de desrespeito e pouco-caso com os reais problemas que afligem os paulistanos.
Não houve um entre os cinco contendores – Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos
(PSOL), Pablo Marçal (PRTB), Tábata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB) –
que não tenha, em maior ou menor grau, privilegiado questões que nada têm a ver
com as prementes necessidades da metrópole em detrimento de suas eventuais propostas
de governo.
A bem da verdade, há que reconhecer que a
lamentável participação de Marçal, um desqualificado que se orgulha de sê-lo,
prejudicou muito a fluidez do debate. Comportando-se como um franco-atirador
extremamente agressivo, o tal “coach” pareceu o tempo todo mais interessado em
atacar todos os adversários nos termos mais baixos – com a finalidade óbvia de
produzir material chocante para suas redes sociais – do que em apresentar
planos para administrar a cidade de São Paulo – presumindo-se, é claro, que os tenha.
Mas o candidato do nanico PRTB não foi o
único responsável pela indigência do debate. Até Tábata Amaral, supostamente a
candidata mais ponderada no estúdio, deu sua cota de contribuição à
mediocridade do que se viu ao mencionar um boletim de ocorrência por violência
doméstica registrado contra Ricardo Nunes há mais de uma década.
Guilherme Boulos, por sua vez, não conseguiu
se desvencilhar da ligação atávica que manteve com o MTST e as invasões de
propriedade que o grupo promove, além de sua notória proximidade com Lula da
Silva, a ponto de emular até os trejeitos do petista.
Já o recém-aninhado tucano José Luiz Datena
representou o mesmo personagem que há anos é conhecido pelos que acompanham
seus popularescos programas na TV. Datena demonstrou sua notória indignação
contra os políticos em geral e contra a própria política, além de abusar dos
ataques pessoais e da ironia. Como os outros, não foi capaz de apresentar algo
remotamente parecido com um plano de governo – talvez porque, como ele mesmo já
declarou, a Prefeitura de São Paulo não lhe interesse, mas sim a disputa por
uma vaga no Senado em 2026.
O alvo principal de todos, contudo, foi o
prefeito Ricardo Nunes, como não haveria de deixar de ser. O prefeito passou
praticamente o debate inteiro se defendendo das duras críticas que recebeu,
permeadas por acusações de incompetência administrativa e de um suposto
favorecimento de amigos e familiares na assinatura de contratos pouco
transparentes com a Prefeitura na casa dos milhões de reais.
Em suma, em vez de um diálogo construtivo em
torno das soluções para os verdadeiros problemas de São Paulo, em especial nas
áreas de zeladoria urbana, saúde, educação fundamental e transporte, o que se
viu nesse primeiro debate entre os candidatos à Prefeitura da capital paulista
foi uma rinha marcada por ataques pessoais, insultos e insinuações baixas que
nada acrescentam ao processo eleitoral – ao contrário, o abastardam.
São Paulo é uma megalópole com mais de 12
milhões de habitantes. É o principal centro financeiro do Brasil, uma usina de
oportunidades que atrai gente não apenas de outros Estados do País, como do
mundo inteiro. Naturalmente, isso impõe desafios nada triviais à governança da
cidade naquelas áreas fundamentais. No entanto, as soluções para cada um desses
desafios ficaram relegadas ao segundo plano no debate, que, bem mais
assemelhado a um ringue, só não foi pior porque, por mais acaloradas que tenham
sido algumas intervenções, não se partiu para as vias de fato. Era só o que
faltava.
Que nos próximos debates os candidatos se
mostrem dignos do cargo que postulam e do voto dos paulistanos.
Populismo olímpico
O Estado de S. Paulo
Isentar de Imposto de Renda premiações de
campeões olímpicos em nada contribui com o esporte
À medida que os brasileiros foram
conquistando medalhas em Paris, a oposição passou a inundar as redes sociais
com publicações ironizando os impostos pagos pelos atletas. Atentos aos memes,
e não à promoção do esporte, parlamentares deram caráter de urgência a um
projeto que isenta as premiações dos campeões olímpicos na França. O governo
Lula, então, provando que quando a ideia é ruim há harmonia entre os Poderes,
apressou-se a assinar uma medida provisória (MP) isentando os campeões nos
Jogos franceses de recolherem Imposto de Renda sobre suas premiações em
dinheiro.
Convenientemente, a MP vale a partir de 24 de
julho, data de início dos Jogos, permitindo que se pegue carona na popularidade
dos atletas laureados em Paris. Além disso, o governo abriu precedente para o
surgimento de emendas como a que estende a isenção a todos os campeões
olímpicos da história, o que só atesta que não há limites para o populismo
fiscal no País.
A MP, cujo uso se justifica apenas em
situações de relevância e urgência, se presta somente a atender a uma demanda
manifestada nas redes sociais, que em nada beneficia o fomento dos esportes.
Não há nenhuma surpresa nisso: Lula, cujo único esporte que interessa é o
futebol que joga com os amigos no Alvorada, demonstrou seu verdadeiro
compromisso nessa área ao demitir a ex-atleta Ana Moser do Ministério do
Esporte para acomodar um aliado do Centrão, André Fufuca.
Isentar a premiação da extraordinária Rebeca
Andrade, que superou inúmeras adversidades antes de se tornar uma das maiores
campeãs olímpicas do Brasil, não fará com que surjam novos talentos como ela.
Esses novos talentos só vão surgir se houver investimento suficiente para que
meninas como Rebeca não tenham que, como ela em seu início, caminhar horas a
fio para conseguirem treinar, porque não têm dinheiro sequer para a condução.
Vale lembrar ainda que, para que cada Rebeca
ou Bia Souza surja, é preciso que milhares de crianças tenham acesso a ginásios
e tatames, com oportunidades e condições dignas de desenvolverem-se e
afastarem-se da pobreza. Não é com isenção de impostos sobre premiações que se
chegará a esse objetivo.
A isenção por si também é reveladora de um
vício brasileiro, o de premiar quem já tem benefícios. Atletas que não
conseguem chegar às Olimpíadas, muito provavelmente porque não tiveram
condições para tal, seguirão sem o necessário estímulo que poderia transformar
suas vidas.
Valer-se de façanhas esportivas para tirar
proveito político não é novidade na história do Brasil. Paulo Maluf, quando
prefeito de São Paulo, comprou automóveis Fusca com dinheiro público para
presentear os tricampeões de futebol da Copa de 70, num episódio tão célebre
quanto infame.
A MP que isenta os medalhistas de Imposto de Renda é apenas a mais recente evidência de que, quando se trata do desenvolvimento do esporte, o Brasil é, há muitos ciclos, campeão do oportunismo.
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