sábado, 10 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Transparência é base do gasto público

Correio Braziliense

Flávio Dino, do STF, acerta ao determinar uma auditoria nas emendas do Congresso liberadas desde 2020. Na avaliação do ministro, não há como saber se os recursos das emendas Pix são, de fato, aplicados naquilo que se destina

O Orçamento da União é muito importante para a sociedade, porque contém medidas que afetam diretamente nosso dia a dia. É nele que se encontram os aportes de dinheiro a programas públicos, redução ou aumento de verbas para determinados setores e a previsão de quanto deve ser gasto a cada ano pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

A elaboração do Orçamento segue regras constitucionais, denominadas princípios orçamentários, estabelecidas em 1964 — portanto, há seis décadas —, para padronizar e garantir que os recursos públicos sejam utilizados da forma mais correta. Foram criadas para garantir eficiência, racionalidade e transparência na hora de decidir a aplicação do dinheiro público. Isso evita crises orçamentárias, nas quais o governo não consiga honrar seus compromissos, como o pagamento das aposentadorias.

A Constituição Federal, a Lei 4.320/64 (Lei de Finanças Públicas), a Lei 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e as Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs) obedecem a esses princípios. Graças a eles, principalmente à transparência, os cidadãos podem se organizar e controlar a execução orçamentária. 

O Orçamento da União deve ser uno. Todas as receitas e despesas precisam ser apresentadas de modo integrado, de maneira a oferecer um retrato geral das finanças públicas. Trata-se, dessa forma, de um retrato geral das finanças públicas, com a estimativa das receitas e a fixação das despesas para cada exercício financeiro. 

Ele garante que novas políticas sejam implementadas a cada ano de acordo com a disponibilidade de caixa e as prioridades do governo, que mudam sempre que uma delas é bem resolvida. Sem essas regras, teríamos um Orçamento abusivo, desatualizado, que não levaria em conta as necessidades da população e a situação geral da economia, sobretudo a inflação.

Com base nesses princípios constitucionais, as chamadas "emendas Pix" — emendas parlamentares impositivas cujos autores são desconhecidos — são uma anomalia orçamentária adotada pelo Congresso para substituir o antigo "Orçamento secreto", que foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) exatamente por falta de transparência. Nesse sentido, o ministro Flávio Dino, do STF, acerta ao determinar uma auditoria nas emendas do Congresso liberadas desde 2020. 

Flávio Dino analisou um pedido da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) que questionou o pagamento das "emendas Pix", criadas em 2019. São valores transferidos por parlamentares diretamente para estados ou municípios, sem a necessidade de apresentação de projeto, convênio ou justificativa. De acordo com a Procuradoria Geral da República (PGR), apenas em 2023, R$ 6,7 bilhões foram destinados a essas emendas.

Na avaliação do ministro, não há como saber se os recursos são, de fato, aplicados naquilo que se destina. Por isso, decidiu que essas emendas precisam seguir os critérios de transparência e rastreamento. "Deve-se compreender que a transparência requer a ampla divulgação das contas públicas, a fim de assegurar o controle institucional e social do orçamento público", disse Flávio Dino, com toda a razão. 

É vital reverter o êxodo registrado no transporte coletivo

O Globo

Com serviço péssimo, ônibus perde espaço para carro, piorando o já caótico e poluído trânsito das cidades

É preocupante a constatação de que o transporte coletivo no Brasil tem perdido passageiros para veículos próprios ou de aplicativos, de acordo com a Pesquisa CNT de Mobilidade da População Urbana divulgada nesta semana. As alternativas individuais representam hoje 68,3% dos deslocamentos, bem mais que os 50,2% registrados no último levantamento, de 2017. A mudança significa mais engarrafamentos, mais horas perdidas no trânsito e mais poluição. Por meio de políticas públicas, os prefeitos precisam reverter essa tendência. O levantamento comprova o péssimo serviço prestado e ressalta a necessidade de mais investimento.

Embora o ônibus ainda seja o meio de transporte mais utilizado, a diferença em relação ao carro próprio é mínima (30,9% ante 29,6%). No levantamento de 2017, a participação dos coletivos era de 45,2%, ou seja, houve uma queda de 14,3 pontos percentuais. Os deslocamentos por veículos de aplicativos representam 11,1% (em 2017, eram 1%); em motos, 10,9%; bicicletas, 6,5%; metrô, 4,2%; mototáxi, 2,6%; trens, 1,8%. Os trajetos feitos a pé ainda se mantêm relevantes: 21,6%.

A redução dos deslocamentos em transporte coletivo aconteceu em todas as classes sociais, embora tenha sido mais significativa na C e D/E. Sobre os principais motivos que levaram passageiros a migrar para as modalidades individuais, entrevistados apontaram principalmente o desconforto (28,7%), a falta de flexibilidade em relação a trajetos e horários (20,7%), o tempo de viagem (20,4%), a tarifa elevada (11,8%), a insegurança (11,4%) e os atrasos (10,2%).

Hegemônicos em praticamente todas as cidades brasileiras, refletindo uma mentalidade historicamente voltada ao transporte rodoviário, os ônibus têm deixado a desejar no serviço prestado à população. Frotas antigas, sem ar-condicionado, número insuficiente de veículos, insegurança, falta de transparência na fixação de tarifas, desrespeito aos horários e motoristas destreinados são alguns dos problemas que afugentam usuários. Acrescente-se a isso a incapacidade crônica do poder público em promover a integração das tarifas dos diferentes meios de transporte, o que aumenta o custo dos deslocamentos — nas grandes cidades, é comum o usuário pegar mais de uma condução.

O engenheiro de transportes Ronaldo Balassiano, professor aposentado da Coppe/UFRJ, diz que a fuga de passageiros é compreensível. “O serviço é muito ruim, e os aplicativos baixaram seus preços, deram descontos”, afirma. “Mas estamos na contramão do mundo, porque as cidades incentivam cada vez mais o transporte coletivo”.

Se usuários estão trocando os ônibus por carros próprios ou de aplicativos é porque o serviço não atende às suas expectativas. E isso é um problema para as grandes cidades brasileiras, às voltas com longos congestionamentos. Em ano de eleições municipais, o tema precisa estar no centro do debate político. O poder público precisa convencer o cidadão a voltar para o transporte coletivo. E a única forma de fazer isso é oferecendo opções rápidas, confortáveis, eficientes e com tarifas justas.

Governos estaduais devem combater crimes em serviços de segurança

O Globo

Não faltam leis para punir violência e extorsão praticadas no aquecido mercado de vigilância privada

Num país com elevados índices de violência, é natural que haja grande demanda por serviços de segurança. Numa estimativa conservadora, existe 1,2 milhão de vigilantes em atividade no país, mais da metade atuando de forma ilegal. Com o controle público frágil, cresce o número de crimes envolvendo empresas do segmento. Por isso é preciso uma reação imediata por parte dos governos estaduais.

Não faltam leis para punições por extorsão, agressão ou atuação de policiais ou seus laranjas em atividades privadas. O que falta é ação. É do conhecimento público que, mesmo sendo irregular, muitos policiais têm dois empregos. A maioria faz “bicos” para reforçar os vencimentos. Alguns abrem empresas em nome de laranjas. Em 2022, seguranças que agrediram dois suspeitos de tentar furtar pacotes de carne em um supermercado da rede Unisuper, em Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, eram da Glock, registrada no nome da mulher de um policial militar.

Há também casos em que a atividade da empresa não é aquela em que atua na verdade. Em uma operação policial realizada no início da semana em São Paulo contra a atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC) na Cracolândia, um dos alvos era o ex-guarda civil metropolitano Elisson de Assis, dono da Law e Force, que tinha entre suas atividades o “monitoramento de sistemas de segurança eletrônica”. O que ela fazia mesmo era vender segurança para comerciantes do centro de São Paulo e praticar extorsões.

Outro episódio que reflete os problemas dessa atividade é o da morte de João Alberto Silveira Freitas, espancado por seguranças de uma loja da rede de supermercados Carrefour, há três anos e meio, em Porto Alegre. A Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist) atestou que a empresa contratada estava regular. Mas não os dois seguranças que mataram Silveira Freitas. Um era PM, que fazia um bico, e o outro estava com a documentação profissional vencida.

Em artigo publicado em 2015, Cleber Lopes, professor de ciências sociais da Universidade Estadual de Londrina, mostra que, na cidade de São Paulo, seguranças irregulares se envolviam, em média, em 41 ocorrências criminais por mês. Entre os seguranças regulares, a média era menor, 12.

Está em debate no Congresso a criação do Estatuto da Segurança Privada. O texto em discussão veda a prestação do serviço de forma cooperada ou autônoma e reforça o papel da Polícia Federal no controle e fiscalização da atividade. Embora a versão final do projeto possa trazer avanços, é um erro achar que toda e qualquer melhoria depende de sua aprovação. Com certeza, a Law e Force não é a única empresa irregular a extorquir em São Paulo. O mesmo acontece nas demais capitais. Governos estaduais têm todas as condições de atacar o problema. Não apenas mandando investigar crimes, mas coibindo a segunda jornada de policiais.

Sem entusiasmar, Nunes segue em 1º com Boulos

Folha de S. Paulo

Com avaliação modesta, prefeito leva vantagem no 2º turno, segundo o Datafolha, o que o tornou alvo em debate televisivo

Às vésperas do início oficial da campanha por um novo mandato, o prefeito de São PauloRicardo Nunes (MDB), não chega a entusiasmar o eleitorado da cidade.

Entre os paulistanos aptos a votar, sua gestão é considerada ótima ou boa por 26%, ruim ou péssima por 22% e regular por 47%, segundo a nova pesquisa do Datafolha. Ao longo deste ano, os percentuais têm variado na margem de erro de três pontos percentuais.

Em uma questão introduzida pelo novo levantamento, 61% dos que pretendem votar em Nunes declaram que o farão por não ver opção melhor, ante 37% que o apontam como o candidato ideal. Trata-se da diferença mais desfavorável entre os principais postulantes.

Ainda assim, o prefeito se mantém na liderança da corrida, com 23% no cenário que contempla todos os nomes da disputa, tecnicamente empatado com Guilherme Boulos (PSOL), que marca 22%.

Essa dupla encabeça as sondagens desde o ano passado, o que não mudou com as candidaturas do apresentador José Luiz Datena (PSDB), há pouco definida, e do neófito bolsonarista Pablo Marçal (PRTB), ambos com 14%.

Na simulação de segundo turno, ademais, Nunes aparece com relevante vantagem de 13 pontos percentuais, 49% a 36%, sobre Boulos —numericamente superior à de 10 pontos apurada em julho (48% a 38%). Não por acaso, foi o alvo preferencial dos participantes do debate de quinta (8) na Band.

Além dos trunfos potenciais de um incumbente, em especial o comando da máquina pública, o prefeito pode se valer no momento de fragilidades de seus rivais.

O psolista amarga a maior rejeição entre os concorrentes: 35% dos paulistanos afirmam que não votariam nele em nenhuma hipótese. Datena e Marçal não ficam muito atrás, com 31% e 30% respectivamente, enquanto Nunes tem 24%.

Tudo isso pode mudar, obviamente. É cedo para saber, por exemplo, que peso terão na reta final da eleição os patrocinadores nacionais dos principais candidatos —Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no caso de Boulos, e Jair Bolsonaro (PL), no do emedebista, também apoiado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O prefeito lidará com o risco de perder eleitores do centro à direita para Marçal e Datena, enquanto seu maior adversário pode buscar o voto útil da parcela mais à esquerda dos 7% que hoje preferem Tabata Amaral (PSB).

Deve-se torcer, de todo modo, por uma campanha centrada nos desafios da maior metrópole do país, no desempenho da prefeitura e nas propostas dos candidatos —em vez da reprodução de uma disputa ideológica que pouco diz respeito ao cotidiano municipal.

Escola não é caserna

Folha de S. Paulo

Governo Tarcísio precisa basear política pública para a educação em evidências

Políticas públicas não devem ser guiadas por ideologia, sob risco de se mostrarem ineficientes ou até nocivas. Mas o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) insiste na direção contrária quando se trata do setor da educação.

Exemplo disso é a lei, proposta pelo Palácio dos Bandeirantes, que institui o programa de escolas cívico-militares no estado de São Paulo. Criticada por especialistas, a iniciativa foi suspensa pelo Tribunal de Justiça paulista na terça (6).

Segundo a decisão, o diploma fica interditado até que o Supremo Tribunal Federal julgue a constitucionalidade do modelo —após a aprovação da lei pela Assembleia Legislativa em maio, o PSOL ingressou com uma ação no STF na qual alega que o programa infringe a Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

A motivação ideológica já ficou perceptível quando Tarcísio prometeu que expandiria as escolas cívico-militares no mesmo dia, em julho do ano passado, em que a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou que daria início ao processo de extinção do programa federal de fomento a esse modelo, criado por Jair Bolsonaro (PL).

Assim, o governo de São Paulo ignora evidências em prol de uma disputa político-partidária rasteira.

Independentemente do debate sobre se o Judiciário pode interferir nas funções do Legislativo neste caso, o fato é que as instituições de ensino cívico-militares tendem a apresentar melhores índices de aprendizagem não devido à disciplina da caserna, mas porque têm um rígido processo de seleção de alunos e recebem mais verbas.

A lei paulista prevê que policiais militares da reserva recebam um adicional que pode chegar a R$ 6.034 —valor 13% acima do piso salarial dos professores— para cuidar da segurança escolar e desenvolver "atividades extracurriculares de natureza cívico-militar".

Se o objetivo é incrementar indicadores, devem-se alocar recursos em modelos respaldados pela experiência, como os ensinos integral e técnico, capacitação de professores e avaliações de produtividade.

Tarcísio poderia aproveitar o empecilho judicial para repensar suas prioridades na educação.

A reunião que não discutiu o Brasil

O Estado de S. Paulo

Balanço do governo e o futuro do País são temas secundários para Lula da Silva, que reuniu seus ministros por sete horas para falar sobre eleições municipais e rivalizar com Bolsonaro

Aos olhos do governo, o maior problema do País hoje não é a política fiscal, que realimenta a inflação, exige taxas de juros elevadas e contém o crescimento da economia. Não é a prevalência da fome, que nem mesmo um orçamento de mais de R$ 170 bilhões para o Bolsa Família foi capaz de resolver. Não é uma educação de baixa qualidade, incapaz de oferecer a qualificação necessária para os trabalhadores conquistarem bons empregos. Não é a enorme sensação de insegurança que a população das regiões metropolitanas vivencia em seu dia a dia. Não é a miséria da população de rua desabrigada nos centros das capitais.

O maior problema do País, para Lula da Silva, são as eleições municipais. O tema, aparentemente, dominou os debates durante a reunião ministerial da última quinta-feira, que durou mais de sete horas. É o que se depreende das declarações dadas pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, após o evento.

O presidente, segundo o ministro, proibiu seus auxiliares de subir em palanques de candidatos que critiquem o Executivo, e cobrou deles que não deixem qualquer ataque sem resposta. Recomendou que – ora vejam – cumpram a lei e não participem de comícios realizados em horário de trabalho. Pediu que não agridam adversários, em especial aqueles que fazem parte de partidos da base aliada. Bater, segundo relatos, “só da cintura para cima”.

O balanço das ações do governo, supostamente o motivo que ensejou a realização da reunião da equipe ministerial, ficou em segundo plano perante outros assuntos muito mais importantes. Do contrário, cada ministro não teria tido apenas 5 minutos para falar sobre as questões de sua pasta, com tolerância de até 15 segundos, sinalizada por meio de um sutil apito.

Conceder mais tempo a cada um deles não seria de grande valia. Nada que os ministros pudessem falar seria capaz de alterar a percepção distorcida do presidente sobre o triunfo de seu governo. Para Lula da Silva, tudo vai muito bem, obrigado, tanto que ele descartou a possibilidade de realizar uma reforma ministerial nos próximos meses para substituir quem não tenha feito um bom trabalho ou traga mais ônus que bônus ao governo. “Em time que está ganhando a gente não mexe”, disse.

Prioritário mesmo, para Lula da Silva, era relatar à equipe que vai devolver o relógio de ouro da marca Cartier que ganhou durante seu primeiro mandato. Tal decisão não expressa convicção sobre o que é certo ou errado, mas visa apenas a diferenciá-lo de Jair Bolsonaro – que, a exemplo de Lula da Silva, só pensa em eleger aliados para o comando dos municípios, mas não tem pudor de se apropriar de patrimônio que deveria ser público para seu proveito pessoal.

Não foi uma reunião para rever escolhas ou realinhar estratégias que favoreçam o País. A essa altura, já se sabe que não há, nunca houve nem haverá um projeto de Brasil no governo petista. Em 2022, o único objetivo era vencer Bolsonaro. Agora, o que importa é obter o melhor resultado possível nas disputas municipais em outubro, com o cuidado de não causar constrangimentos que possam reverberar nas eleições para o comando da Câmara e do Senado, no início do ano que vem, e, assim, pavimentar o caminho para a reeleição de Lula da Silva em 2026.

Aliados certamente vão comparar a reunião ministerial desta semana com aquelas que Bolsonaro liderava, que mais se assemelhavam a um show de horrores. Manter o decoro, no entanto, é pouco para um país que precisa adotar medidas duras para que possa oferecer alguma perspectiva para seus cidadãos.

Impressiona, embora não surpreenda, que as eleições sejam o único horizonte a guiar as ações do presidente. Há muito a ser feito, mas Lula da Silva não parece preocupado com o País. Seu plano é manter tudo como está, pois “o time está ganhando”. Quando tem “ideias”, servem somente para reeditar os erros que já foram cometidos pelos governos petistas no passado e apostar todas as suas fichas em manter a polarização que marcou a campanha de 2022 na tentativa de se perpetuar no poder.

Lamentavelmente, o futuro do País não estava na pauta da reunião ministerial, embora esse fosse o único tema que deveria estar.

Debate indigente

O Estado de S. Paulo

Primeiro encontro entre candidatos a prefeito de SP foi um circo de horrores. O que se viu foi um desrespeito aos paulistanos e uma mostra de pouco-caso com os reais problemas da cidade

O primeiro debate entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo, realizado na noite de quinta-feira passada pela TV Bandeirantes, foi um circo de horrores. Nem parecia que o que está em jogo é o governo da maior cidade do Brasil, a quinta maior cidade do mundo, uma potência política, econômica, social e cultural que supera com folga muitos países.

Os resilientes que conseguiram assistir àquelas quase 3 horas de vale-tudo foram submetidos a uma interminável sessão de desrespeito e pouco-caso com os reais problemas que afligem os paulistanos. Não houve um entre os cinco contendores – Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Pablo Marçal (PRTB), Tábata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PSDB) – que não tenha, em maior ou menor grau, privilegiado questões que nada têm a ver com as prementes necessidades da metrópole em detrimento de suas eventuais propostas de governo.

A bem da verdade, há que reconhecer que a lamentável participação de Marçal, um desqualificado que se orgulha de sê-lo, prejudicou muito a fluidez do debate. Comportando-se como um franco-atirador extremamente agressivo, o tal “coach” pareceu o tempo todo mais interessado em atacar todos os adversários nos termos mais baixos – com a finalidade óbvia de produzir material chocante para suas redes sociais – do que em apresentar planos para administrar a cidade de São Paulo – presumindo-se, é claro, que os tenha.

Mas o candidato do nanico PRTB não foi o único responsável pela indigência do debate. Até Tábata Amaral, supostamente a candidata mais ponderada no estúdio, deu sua cota de contribuição à mediocridade do que se viu ao mencionar um boletim de ocorrência por violência doméstica registrado contra Ricardo Nunes há mais de uma década.

Guilherme Boulos, por sua vez, não conseguiu se desvencilhar da ligação atávica que manteve com o MTST e as invasões de propriedade que o grupo promove, além de sua notória proximidade com Lula da Silva, a ponto de emular até os trejeitos do petista.

Já o recém-aninhado tucano José Luiz Datena representou o mesmo personagem que há anos é conhecido pelos que acompanham seus popularescos programas na TV. Datena demonstrou sua notória indignação contra os políticos em geral e contra a própria política, além de abusar dos ataques pessoais e da ironia. Como os outros, não foi capaz de apresentar algo remotamente parecido com um plano de governo – talvez porque, como ele mesmo já declarou, a Prefeitura de São Paulo não lhe interesse, mas sim a disputa por uma vaga no Senado em 2026.

O alvo principal de todos, contudo, foi o prefeito Ricardo Nunes, como não haveria de deixar de ser. O prefeito passou praticamente o debate inteiro se defendendo das duras críticas que recebeu, permeadas por acusações de incompetência administrativa e de um suposto favorecimento de amigos e familiares na assinatura de contratos pouco transparentes com a Prefeitura na casa dos milhões de reais.

Em suma, em vez de um diálogo construtivo em torno das soluções para os verdadeiros problemas de São Paulo, em especial nas áreas de zeladoria urbana, saúde, educação fundamental e transporte, o que se viu nesse primeiro debate entre os candidatos à Prefeitura da capital paulista foi uma rinha marcada por ataques pessoais, insultos e insinuações baixas que nada acrescentam ao processo eleitoral – ao contrário, o abastardam.

São Paulo é uma megalópole com mais de 12 milhões de habitantes. É o principal centro financeiro do Brasil, uma usina de oportunidades que atrai gente não apenas de outros Estados do País, como do mundo inteiro. Naturalmente, isso impõe desafios nada triviais à governança da cidade naquelas áreas fundamentais. No entanto, as soluções para cada um desses desafios ficaram relegadas ao segundo plano no debate, que, bem mais assemelhado a um ringue, só não foi pior porque, por mais acaloradas que tenham sido algumas intervenções, não se partiu para as vias de fato. Era só o que faltava.

Que nos próximos debates os candidatos se mostrem dignos do cargo que postulam e do voto dos paulistanos.

Populismo olímpico

O Estado de S. Paulo

Isentar de Imposto de Renda premiações de campeões olímpicos em nada contribui com o esporte

À medida que os brasileiros foram conquistando medalhas em Paris, a oposição passou a inundar as redes sociais com publicações ironizando os impostos pagos pelos atletas. Atentos aos memes, e não à promoção do esporte, parlamentares deram caráter de urgência a um projeto que isenta as premiações dos campeões olímpicos na França. O governo Lula, então, provando que quando a ideia é ruim há harmonia entre os Poderes, apressou-se a assinar uma medida provisória (MP) isentando os campeões nos Jogos franceses de recolherem Imposto de Renda sobre suas premiações em dinheiro.

Convenientemente, a MP vale a partir de 24 de julho, data de início dos Jogos, permitindo que se pegue carona na popularidade dos atletas laureados em Paris. Além disso, o governo abriu precedente para o surgimento de emendas como a que estende a isenção a todos os campeões olímpicos da história, o que só atesta que não há limites para o populismo fiscal no País.

A MP, cujo uso se justifica apenas em situações de relevância e urgência, se presta somente a atender a uma demanda manifestada nas redes sociais, que em nada beneficia o fomento dos esportes. Não há nenhuma surpresa nisso: Lula, cujo único esporte que interessa é o futebol que joga com os amigos no Alvorada, demonstrou seu verdadeiro compromisso nessa área ao demitir a ex-atleta Ana Moser do Ministério do Esporte para acomodar um aliado do Centrão, André Fufuca.

Isentar a premiação da extraordinária Rebeca Andrade, que superou inúmeras adversidades antes de se tornar uma das maiores campeãs olímpicas do Brasil, não fará com que surjam novos talentos como ela. Esses novos talentos só vão surgir se houver investimento suficiente para que meninas como Rebeca não tenham que, como ela em seu início, caminhar horas a fio para conseguirem treinar, porque não têm dinheiro sequer para a condução.

Vale lembrar ainda que, para que cada Rebeca ou Bia Souza surja, é preciso que milhares de crianças tenham acesso a ginásios e tatames, com oportunidades e condições dignas de desenvolverem-se e afastarem-se da pobreza. Não é com isenção de impostos sobre premiações que se chegará a esse objetivo.

A isenção por si também é reveladora de um vício brasileiro, o de premiar quem já tem benefícios. Atletas que não conseguem chegar às Olimpíadas, muito provavelmente porque não tiveram condições para tal, seguirão sem o necessário estímulo que poderia transformar suas vidas.

Valer-se de façanhas esportivas para tirar proveito político não é novidade na história do Brasil. Paulo Maluf, quando prefeito de São Paulo, comprou automóveis Fusca com dinheiro público para presentear os tricampeões de futebol da Copa de 70, num episódio tão célebre quanto infame.

A MP que isenta os medalhistas de Imposto de Renda é apenas a mais recente evidência de que, quando se trata do desenvolvimento do esporte, o Brasil é, há muitos ciclos, campeão do oportunismo.

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