PEC da Anistia é prova do fosso entre Congresso e eleitores
O Globo
Depois de descumprir lei eleitoral,
congressistas se deram perdão e mudaram legislação em causa própria
A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia pelo Senado é um sinal eloquente da falta de sintonia entre o Parlamento e os eleitores. Num segundo turno com votação folgada (54 votos favoráveis ante 16 contrários), os senadores emendaram a Constituição para promover mais uma anistia aos partidos políticos. Legislando em causa própria, perdoaram irregularidades cometidas em eleições, autorizaram as legendas a usar o Fundo Partidário para pagar multas, criaram um sistema de refinanciamento camarada para dívidas e concederam imunidade tributária aos partidos, a seus institutos e fundações. Por fim, contrariando o anseio do eleitorado, reduziram o financiamento a candidaturas de negros. A mensagem que fica para a sociedade não poderia ser pior. Caso o cidadão não obedeça à lei, tem de arcar com as consequências. Se os congressistas e seus partidos não cumprem o que eles mesmos determinaram, ora, simplesmente mudam a lei.
É lamentável que as votações nas duas Casas
tenham seguido um mesmo padrão. A PEC uniu quase todos os partidos, do PT, do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro. O
senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo, tentou negar o inegável. “É
importante esclarecer que não se trata de anistia partidária”, disse. O senador
Marcos Rogério (PL-RO), líder da oposição, afirmou ver a PEC como
“inteligente”. Apenas o Novo orientou voto contrário à proposta no Senado. Na
Câmara, o bloco PSOL-Rede também se opôs.
Outro ponto em comum entre Câmara e Senado
foi a celeridade na tramitação. A estratégia foi adotada para tentar evitar
maior desgaste perante a opinião pública. Com congressistas apressados para
regularizar a situação na Justiça a tempo de participar das eleições
municipais, o projeto foi votado na véspera do início da campanha. Como o texto
sofreu apenas alterações cosméticas no Senado, seguirá diretamente para
promulgação.
Parece inacreditável que o Congresso tenha
agido para coibir o aumento da representatividade no Parlamento justamente num
momento em que a sociedade exige o contrário. Em 2020, o Tribunal Superior
Eleitoral determinou que partidos políticos passariam a destinar a candidatos
negros uma fatia proporcional do dinheiro dos fundos Partidário e de Campanha.
A decisão foi uma opção sensata. Para assombro geral, os partidos políticos
ignoraram a regra em 2022. Os negros somaram 50% das candidaturas, mas ficaram
com apenas 30% das verbas. Com a aprovação da PEC da Anistia, deputados e
senadores deram mais tempo às legendas para sanar o passivo do último pleito e,
não satisfeitos, diminuíram para 30% a parcela destinada a candidaturas negras.
A legislatura prestes a entrar para a
História com a aprovação de uma reforma tributária esperada há três décadas é a
mesma responsável por uma emenda constitucional injusta. O episódio marca um
retrocesso para o sistema partidário e para a democracia brasileira. Como
resposta, a sociedade precisa recobrar a vigilância sobre seus representantes.
A vontade popular não pode ser ignorada, muito menos em benefício particular
dos eleitos para representá-la.
Invasão de Kursk redesenha cenário da guerra
na Ucrânia
O Globo
Tomada-relâmpago de território russo cria
pressão sobre Putin — e embaralha as cartas da pacificação
A esta altura, estrategistas políticos e
diplomáticos se debruçam sobre o ousado contragolpe da Ucrânia na Rússia. A relativa
facilidade com que tropas ucranianas invadiram e tomaram o território russo na
região de Kursk prova que a resposta ucraniana não estava no radar do Kremlin.
A questão é saber o que o presidente da Ucrânia, Volodymyr
Zelensky, fará a partir de agora e qual sua chance de sucesso.
De acordo com informações ucranianas, o
Exército de Zelensky tomou mil quilômetros quadrados de território russo. Em
mensagem postada na terça-feira, Zelensky afirmou que suas tropas controlavam
74 localidades, tratavam a população russa que se manteve na região com
humanidade e, ao informar que centenas de soldados russos estavam cercados,
disse que eles farão parte de um “fundo de trocas”.
Entre as intenções prováveis de Zelensky com
a invasão está não só a troca de prisioneiros com a Rússia, mas também a
barganha envolvendo territórios ocupados. A intenção de Kiev é voltar às
fronteiras de 1991, ano da independência da Ucrânia da União Soviética. O
objetivo é ousado, por incluir não apenas o Donbass, área ocupada pela Rússia
na guerra atual, mas também a Crimeia, em poder russo desde 2014. Em junho, o
conselheiro presidencial, Mykhailo Podolyak, mais comedido, condicionou a paz
com Moscou à devolução das áreas anexadas pela invasão russa em fevereiro de
2022.
Se depender de Kiev, estará na mesa de
negociações a região agora ocupada de Kursk, controlada por mongóis na era
medieval e onde, na Segunda Guerra Mundial, a Alemanha de Hitler sofreu uma
derrota crítica para a União Soviética numa aguerrida batalha de tanques. A
invasão ucraniana de Kursk é a maior em território russo desde aquela época. A
tomada da região, apoiada por fogo de artilharia e ataques de drones, levou
apenas seis dias.
Outro objetivo da ação ucraniana é atingir a
imagem de Vladimir
Putin, que tenta evocar sentimentos nacionalistas na população
russa. A ideia é trincar essa imagem, sinalizando que Putin, ao contrário de
proteger seu país, o colocou em risco ao invadir a Ucrânia. Zelensky quer
abalar a complacência com que a sociedade russa tem encarado a guerra. Há quem
aposte que, ao ver o risco trazido por combates perto da usina nuclear de
Zaporíjia, na Ucrânia, e ao assistir a vídeos de jovens soldados feitos
prisioneiros, a população russa reduzirá seu apoio a Putin. Qualquer que seja o
desgaste, porém, dificilmente ele trará mudança imediata.
Uma consequência prática da invasão em Kursk
poderá ser o remanejamento de tropas e poder de fogo russos de áreas ocupadas
na Ucrânia para reverter a situação na região atacada. Aliviaria a situação,
mas o impasse persistiria. Outra possibilidade é Zelensky reforçar seus
argumentos para usar sem limites os equipamentos militares recebidos do
Ocidente. Um ponto está fora de discussão: a invasão de Kursk embaralha as
cartas da pacificação e afasta a chance de cessar-fogo em algum horizonte de
tempo previsível. A guerra ganhou fôlego.
Só haverá democracia se Maduro deixar poder
Folha de S. Paulo
Lula mostra pragmatismo ao não reconhecer
resultado de eleição farsesca; Venezuela não é desagradável, é uma ditadura
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
inseriu uma dose importante de pragmatismo em sua política externa ao declarar
que não reconhece
a vitória eleitoral proclamada na Venezuela pelo ditador Nicolás Maduro,
seu aliado de longa data.
Entre as idas e vindas em seu discurso sobre
o regime de Caracas, a afirmação de quinta (15) evidencia que o petista percebe
o desgaste interno que limita a tolerância de seu governo às aventuras
autoritárias do chavismo.
"Ainda não [reconheço Maduro como
vitorioso]. Ele sabe que está devendo explicação para a sociedade brasileira e
para o mundo", disse, voltando a cobrar em seguida a divulgação das atas
das eleições
fraudadas de 28 de julho.
A declaração —mesmo que acompanhada de
hipóteses mal fundamentadas, como promover novas eleições ou formar uma
coalizão— indica que Lula se aproximou da linha profissional do Itamaraty,
em detrimento dos arroubos ideológicos de seu partido.
Não há dúvida de que a posição brasileira
engrossa consideravelmente as pressões internacionais sobre Maduro.
Intencionalmente ou não, também não deixa de ser um mea-culpa pela confiança
depositada nos compromissos do líder chavista de promover eleições justas e
transparentes.
Afinal, o Acordo de Barbados, afiançado por
Brasil e Estados
Unidos em novembro de 2023, foi rasgado ao longo do processo
eleitoral —que culminou na proclamação de uma vitória inverossímil por um órgão
subserviente.
Depois de anos de vista grossa ante as
atrocidades do arbítrio de esquerda, a inflexão do petista é bem-vinda, embora
insuficiente para sanar a corrosão da credibilidade da diplomacia
brasileira.
Será desafiador o manejo das relações
bilaterais enquanto Maduro insistir na sua farsa. A Venezuela não é um país com
o qual o Brasil possa deixar o diálogo, como se observou sob Jair Bolsonaro
(PL).
Nesta sexta (16), Lula teve de recorrer a
contorcionismos de retórica para negar, mais uma vez, que o país vizinho vive
sob uma ditadura.
O regime chavista, em suas palavras, "tem
viés autoritário" e é "muito desagradável".
Resta esperar que eufemismos do gênero
facilitem entendimentos que viabilizem o objetivo crucial para toda a região
—reconduzir pacificamente a Venezuela à ordem democrática.
Tal cenário depende necessariamente da saída
de Maduro, que por ora atua como se não mais quisesse camuflar sua tirania.
PEC abjeta
Folha de S. Paulo
Congresso avilta os brasileiros ao aprovar
emenda que expande seus privilégios
De nada adiantaram as críticas, por mais
duras e merecidas que tenham sido. Mirando-se no mau exemplo dos deputados,
os senadores
deram as costas à sociedade e aprovaram a infame PEC da Anistia, uma
proposta de emenda à Constituição que perdoa os partidos políticos por
irregularidades passadas e —pasme— futuras.
Há poucos congressistas inocentes nessa
história de patifaria e perfídia. À exceção do PSOL,
da Rede e do Novo, todas as demais agremiações deram seus votos para essa
abominação legislativa, incluindo o PT, de Luiz
Inácio Lula da Silva, e o PL, de Jair Bolsonaro.
Por se tratar de PEC, a iniciativa não
passará pela sanção presidencial, de modo que resta apenas uma formalidade
burocrática para as novas regras entrarem em vigor. E elas são tudo menos
aceitáveis.
Com a canetada, os parlamentares ampliaram a
imunidade tributária dos partidos, estabeleceram um protocolo para extinção de
sanções já aplicadas e instituíram um generoso programa de refinanciamento de
dívidas, que poderão ser quitadas, sem juros nem multas, com uso de recursos
públicos.
Dito por outras palavras, o que se aprovou
foi a redução drástica das possibilidades de responsabilização das siglas
políticas por quase toda sorte de infrações que tenham cometido, estejam
cometendo ou venham a cometer.
E isso num país em que os fundos eleitoral e
partidário distribuirão, apenas neste ano, um montante total que ultrapassa os
R$ 6 bilhões. Legisladores sérios e éticos teriam a preocupação de discutir
maneiras de aperfeiçoar a fiscalização —mas esse tipo de parlamentar,
infelizmente, parece em falta no Congresso
Nacional.
Como se a anistia já não fosse escandalosa o
suficiente, a PEC ainda descarta, na prática, qualquer punição aos partidos que
tenham descumprido, nas últimas eleições,
as normas de distribuição proporcional de verbas para candidatos brancos e
negros (pretos e pardos).
Além disso, no lugar dessa diretriz,
determinada pelo Supremo Tribunal Federal, fixou-se uma cota racial de 30% dos
recursos para candidaturas oriundas desse segmento populacional —único aspecto
da proposta que não serve apenas ao interesse das siglas.
Ressalvada a nova cota, o que resta da PEC é uma peça abjeta que aumenta os já insustentáveis privilégios da classe política.
Transparência é obrigação, não afronta
O Estado de S. Paulo
Congresso quer retaliar STF e governo por
decisão que impõe transparência às emendas, em vez de responder quem enviou o
dinheiro, como o recurso será gasto e para onde ele vai
O Supremo Tribunal Federal (STF) manteve, por
unanimidade, a decisão do ministro Flávio Dino, que suspendeu a execução de
todas as emendas parlamentares impositivas até a adoção de medidas que garantam
transparência e rastreabilidade aos recursos. Ontem, todos os 11 ministros
manifestaram apoio à posição do relator, e confirmaram a liminar concedida dois
dias antes em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de autoria do
PSOL.
O Congresso esperneou e promete retaliar o
Supremo e o governo, que, para parlamentares, estariam atuando de maneira
combinada. A Comissão Mista de Orçamento já rejeitou uma medida provisória que
garante um crédito extraordinário de R$ 1,3 bilhão ao Judiciário, e a Câmara
promete convocar ministros para explicar os gastos de suas pastas. O presidente
da Casa, Arthur Lira (PP-AL), enviou duas Propostas de Emenda à Constituição
(PECs) à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para limitar o poder da Corte.
De fato, a manutenção da decisão pelo STF
facilita bastante a vida do Ministério da Fazenda, que ganharia uma margem de
manobra de R$ 15 bilhões no Orçamento para cumprir a desafiadora meta fiscal
deste ano. Desde a campanha eleitoral, Lula da Silva não esconde o incômodo com
o tema e, nesta semana, disse que a promulgação do caráter impositivo das
emendas pelo Legislativo, em março de 2015, foi o “começo de uma loucura”.
Esse contexto, no entanto, nem de longe
invalida os argumentos que balizaram a decisão do STF. Como já dissemos muitas
vezes neste espaço, não há justificativa para manter a opacidade nas
transferências de recursos públicos, uma clara violação aos princípios
constitucionais da administração pública. É dever do STF restabelecer a ordem
constitucional.
O Congresso até tentou derrubar a decisão
antes que ela fosse a plenário, mas o presidente do STF, Luís Roberto Barroso,
rejeitou o pedido. A petição, assinada pelas Mesas Diretoras da Câmara e do
Senado e pelos partidos PL, União Brasil, PP, PSD, Republicanos, PSB, PSDB,
PDT, Solidariedade e MDB, beira o inacreditável.
“Numa única decisão monocrática, o Supremo
Tribunal Federal desconstituiu quatro emendas constitucionais, em vigor há
quase dez anos, e aprovadas por três legislaturas distintas”, afirma a peça.
Ora, nem o tempo de vigência dessas emendas nem o fato de terem obtido maioria
qualificada em diferentes legislaturas seriam razão suficiente para mantê-las.
Sobre as emendas Pix, que transferem recursos
sem destinação específica diretamente para o caixa de Estados e municípios, o
Congresso insiste que há mecanismos para garantir fiscalização, transparência e
controle social dos recursos. “Eventuais falhas na operacionalização das
rotinas de execução orçamentária”, diz a petição, devem ser resolvidas pelo
próprio Legislativo, e não pelo Executivo ou pelo Judiciário.
O Congresso não pode se dizer surpreso com a
decisão de Dino nem com o fato de ela ter sido referendada por unanimidade pelo
Supremo. Se nem mesmo uma decisão anterior do STF sobre as emendas de relator
foi suficiente para que o Legislativo proporcionasse transparência às
indicações de maneira definitiva, não será por vontade própria que isso
ocorrerá. Cobrados a identificar a autoria das emendas de comissão, Câmara e
Senado tiveram a audácia de responder que não tinham como colaborar.
Não há que falar em afronta aos Poderes. A
decisão do STF não proíbe a existência das emendas parlamentares nem questiona
o caráter impositivo dessas indicações ou o espaço que elas passaram a ocupar
no Orçamento, mas apenas cobra o restabelecimento de princípios constitucionais
na transferência de recursos públicos.
Como disse Dino em seu voto, orçamento
impositivo não é o mesmo que orçamento arbitrário. Se o Congresso, em parceria
com o governo, criar um sistema que centralize os dados de todas as emendas
parlamentares e que consiga demonstrar para onde vai o dinheiro, como ele será
gasto e quem enviou os recursos, o pagamento será liberado. Não parece ser algo
tão difícil de fazer.
O paradoxo da energia barata e da conta cara
O Estado de S. Paulo
Subsídios encarecem a luz num país com
energia abundante. Rever essa distorção cabe ao Ministério de Minas e Energia,
cujo ministro, porém, diz que não quer ser o ‘pai’ da conta cara
O ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira, disse que não pretende assumir o título de “pai” da conta de luz mais
cara do mundo. “Eu disse para o presidente Lula que, se ficar insustentável, eu
volto para casa”, afirmou, supostamente incomodado com o volume de subsídios
embutidos nas tarifas de energia.
Como diz o ditado popular, filho feio não tem
pai. É verdade que os subsídios não chegaram ao patamar em que estão
exclusivamente por obra de Silveira, que assumiu o ministério em janeiro do ano
passado. Mas, se o ministro não é o único culpado, tampouco é inocente pelo
paradoxo que fez do Brasil o país da energia barata e da conta de luz cara.
Enquanto o preço da energia nos leilões de
energia nova aumentou 61% nos últimos 11 anos, a tarifa média teve alta de nada
menos que 153%, segundo a Associação Nacional dos Consumidores de Energia
(Anace). De maneira didática, a reportagem publicada pelo Estadão explicou
que a razão desse descolamento são os subsídios embutidos na conta de luz.
Esses benefícios dobraram de tamanho nos
últimos cinco anos e atingiram a marca de R$ 40,3 bilhões em 2023. Em 2018,
essas políticas representavam 5,51% da conta de luz paga pelos consumidores,
uma fatia que cresceu ano a ano e hoje é de 13,54%. O pior é que nada no
horizonte indica que ela tenha chegado a um teto.
Os subsídios não fazem distinção de fonte,
porte ou renda. Há espaço para ajudar todos, de antigas termoelétricas a carvão
a eólicas, de solares de grande porte a painéis fotovoltaicos espalhados por
telhados de residências de bairros nobres de todo o País, de consumidores de
baixa renda a agricultores que fazem uso de irrigação em suas propriedades.
É uma verdadeira festa promovida em parceria
pelo Executivo e pelo Legislativo, mas patrocinada integralmente pelo
consumidor. Até 2014, o Tesouro Nacional ainda arcava com parte dos subsídios,
mas essa prática foi abandonada depois que o País passou a registrar déficits
primários.
O fim dos aportes do Tesouro não foi capaz de
frear o ímpeto benevolente do Congresso, que não perde a chance de anexar
jabutis a medidas provisórias e projetos de lei e ampliar ainda mais o bolo dos
subsídios. Parlamentares buscam assegurar incentivos até para viabilizar fontes
do futuro e para as quais o País tem vocação, como as eólicas offshore, cujo
texto, já aprovado pela Câmara e agora no Senado, foi considerado um
“monstrengo” por Silveira.
A dinâmica do setor elétrico favorece esse
comportamento oportunista. Quando o reajuste tarifário é anunciado, a culpa
nunca é do governo ou do Legislativo, mas da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel) – que não cria os subsídios, mas é responsável por calcular
seus custos, repassá-los às tarifas e anunciar a má notícia.
Apesar do discurso contrário aos subsídios,
Silveira, até agora, trabalhou para expandi-los ainda mais. De maneira
populista, ele pretende propor uma nova forma de rateio da conta, na qual os
grandes consumidores paguem proporcionalmente mais que os pequenos. Se isso vai
acabar de vez com a competitividade da indústria eletrointensiva, não é
problema dele.
Silveira também ampliou, pela segunda vez,
por meio de medida provisória, o prazo para renovação de subsídios de usinas
eólicas e solares que jamais saíram do papel. Outra iniciativa do ministro foi
antecipar receitas que a Eletrobras teria de pagar ao longo de anos para abater
parte da conta de subsídios. Ainda que gere um alívio imediato nas contas de
luz, essa medida terá um efeito rebote no futuro – quando Silveira,
possivelmente, não estará mais no ministério para ter de arcar com as
consequências de suas ações.
Era de esperar que o ministro enviasse ao
Congresso uma proposta para dar fim a incentivos que deixaram de ser
necessários e se converteram em verdadeiros privilégios a enriquecer alguns
grupos à custa do consumidor. É algo que geraria desgastes, mas só assim a
conta de subsídios poderia cair ou, ao menos, parar de crescer. Assumir essa
liderança é papel do Ministério de Minas e Energia, mas isso exigiria de
Silveira uma responsabilidade da qual ele aparentemente não quer nem ouvir
falar.
Os ‘endowments’ e a educação
O Estado de S. Paulo
Iniciativa da PUC-Rio para financiar bolsas
de estudo é inspiradora e necessária
Nos Estados Unidos e na Inglaterra, fundos
patrimoniais, ou endowments, ajudam a ampliar o acesso a centros de
excelência no ensino como Harvard e Cambridge, democratizando o acesso à
educação. Neste sentido, é louvável a iniciativa da PUC-Rio de relançar seu
fundo patrimonial com o objetivo de financiar bolsas de estudo e projetos de
pesquisa, o que pode garantir à universidade carioca um legado de inclusão por
meio do ensino de qualidade.
A meta da PUC, de levantar R$ 500 milhões em
doações em dez anos, é ambiciosa, mas não parece impossível para uma
instituição que conta com diversos ex-ministros de Estado e empresários de
sucesso entre os ex-alunos. Inicialmente criado em 2019, mas prejudicado pela
pandemia de covid-19, o fundo patrimonial da PUC-Rio foi recém-relançado em
jantar que contou com Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e egresso
da PUC.
Há poucos meses, a viúva de um investidor
americano doou US$ 1 bilhão para a Albert Einstein College of Medicine, uma
escola de medicina de Nova York, o que permitirá que atuais e futuros alunos da
instituição estudem sem custos. Ex-professora da faculdade, Ruth L. Gottesman
fez a doação, a maior já recebida por uma escola de medicina dos EUA, para
eliminar barreiras à educação médica e atrair alunos que não têm condições de
pagar uma faculdade de medicina.
A prática de filantropia e os endowments são
bastante difundidos nos EUA e oferecem um bom norte ao Brasil, onde os mais
ricos têm acesso à universidade pública, financiada pelo governo, cujos
recursos limitados seriam mais bem empregados na promoção da educação básica.
Enquanto isso, alunos talentosos, mas de poucos recursos financeiros, enfrentam
barreiras para entrar em instituições de ponta.
O modelo nos quais membros com vínculos com
uma instituição, seja a PUC-Rio ou a escola de medicina de Nova York, doam para
perpetuar que a boa educação que receberam seja compartilhada pelas futuras
gerações é prova não apenas de que há alternativas para o financiamento do
ensino superior, como também de que há compromisso com a sociedade da parte de
quem cede os recursos.
Felizmente, a aprovação da Lei 13.800, em
2019, vem estimulando a criação de fundos patrimoniais como o da PUC-Rio, já
que deu maior segurança jurídica ao estabelecimento de fundos que recebem
doações de pessoas físicas e jurídicas destinadas a programas de interesse
público, como o financiamento à educação.
Além de recursos financeiros, também é
possível doar ativos como imóveis, tal qual o antropólogo Stelio Marras, que
destinou um edifício avaliado em R$ 25 milhões para o Fundo Patrimonial da USP,
sua universidade de formação. A doação deve ser usada para custear bolsas de
permanência para alunos de baixa renda.
Embora tenham muito a evoluir, tornando-se mais atrativos para mais doadores, os fundos patrimoniais brasileiros são um bom caminho para uma educação de qualidade mais inclusiva no País. Que as iniciativas já lançadas sirvam de inspiração para o surgimento de novos e mais endowments no Brasil.
PEC da Anistia fere a representatividade
Correio Braziliense
A partir de agora, os partidos serão
obrigados a aplicar um total de 30% dos fundos eleitoral e partidário e ficam
perdoados do descumprimento da cota nas eleições passadas
Na última eleição municipal, em 2020, o
Brasil ainda não havia promulgado a Convenção Interamericana contra o Racismo,
a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. No entanto, em 10
de janeiro de 2022, por meio do Decreto nº 10.932/2022, o Estado brasileiro
ratificou esse acordo internacional para a erradicação do racismo e a promoção
da igualdade racial. Em 2024, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Flávio Dino, na ocasião da ADI 7654, reforçou que a convenção, incorporada ao
ordenamento interno na forma do § 3° do art. 5° da Constituição Federal de
1988, impõe que o Estado brasileiro adote políticas de promoção da igualdade de
oportunidades para pessoas ou grupos sujeitos ao racismo, à discriminação
racial e a formas correlatas de intolerância.
São medidas de caráter educacional, medidas
trabalhistas ou sociais, ou outras necessárias para assegurar o exercício dos
direitos e liberdades fundamentais das pessoas, conforme art. 6º do Decreto
10.932/2022. No âmbito federal, a Lei nº 12.990/2014 (lei de cotas raciais nos
concursos públicos) visa à promoção da igualdade de oportunidades à população
negra no acesso ao serviço público federal. Em 2017, por unanimidade, o
plenário do STF declarou a constitucionalidade da lei.
Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
indicam que, para as eleições municipais deste ano, 53% dos candidatos se
declararam pardos ou pretos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), pardos e pretos formam a população negra e representam
55,5% da população do país. Brancos são 46% do total, enquanto 0,5% se declara
indígena e 0,4%, amarelo. Não há informação sobre a cor/raça de 0,7% dos
registros.
Essa maioria de candidatos negros é resultado
direto da política de cotas para financiamento eleitoral. Nada mais justo,
considerando os princípios da democracia representativa. Assim como se espera
que os candidatos nas eleições municipais de 2024 acatem o desafio de propor
políticas que visem proporcionar tratamento equitativo e garantir igualdade de
oportunidades para todas as pessoas ou grupos sujeitos ao racismo e outras
formas de discriminação e intolerância.
Por tudo isso, é um retrocesso a aprovação
pelo Congresso, nesta semana, da chamada PEC da Anistia. A proposta de emenda
constitucional perdoa dívidas de partidos e tira verba de candidatos negros. O
texto, cujas regras valerão nas eleições de outubro próximo, reduz a parcela
obrigatória de recursos em candidaturas de pretos e pardos. Até as últimas
eleições, essa cota tinha que obedecer à proporção de candidatos pretos e
pardos lançados pelo partido em todo o país, sem um limite. Em 2022, por
exemplo, eles somaram mais da metade das candidaturas.
A partir de agora, os partidos serão
obrigados a aplicar um total de 30% dos fundos eleitoral e partidário e ficam
perdoados do descumprimento da cota nas eleições passadas. O pretexto são as
populações do Brasil Meridional, predominantemente branco. É uma decisão,
porém, que aprofunda as diferenças em um Brasil significativamente negro e se
choca com iniciativas, inclusive de proporções internacionais, que têm sido
adotadas para combater a desigualdade racial de forma mais estruturada.
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