Momento é favorável a Kamala
O Globo
Prestes a sagrar-se candidata, ela avança nas
pesquisas — mas precisa ter cuidado com populismo econômico
O discurso da vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, previsto para quinta-feira à noite será o ponto alto da Convenção Nacional Democrata iniciada ontem em Chicago. Não pelo que todos já sabem: ela aceitará ser a candidata do partido à Presidência contra Donald Trump. Isso é mera formalidade. Mas porque, desde que o presidente Joe Biden desistiu de concorrer à reeleição, Kamala injetou energia na campanha e tornou a disputa mais acirrada, minando o favoritismo de Trump. Para seus simpatizantes, o discurso alimentará esse entusiasmo. Para eleitores indecisos, o interesse é outro. A dúvida é qual é o programa de um eventual governo Harris — e como ela se distinguirá de Biden se vencer.
As últimas pesquisas têm trazido ótimas
notícias para Kamala. Ela aparece empatada com Trump na média das sondagens
nacionais, mas isso tem importância menor na eleição americana, decidida pelo
Colégio Eleitoral. Nos três estados mais críticos para a vitória, a mudança de
candidato trouxe avanço nítido para os democratas. Na média das pesquisas do
site Real Clear Politics, ela está na frente em Michigan e Wisconsin e quase
empatada com Trump na Pensilvânia. Pela conta do FiveThirty-Eight, ela lidera
nos três — e isso bastaria para lhe garantir a vitória se a eleição fosse hoje.
Os democratas também avançaram noutros quatro
estados pendulares, que pareciam destinados a ficar sob controle republicano:
Arizona, Carolina do Norte, Georgia e Nevada. Faltando mais de dois meses para
a eleição, é cedo para saber se a maré favorável a Kamala se confirmará na
urna. Mesmo assim, ela é incontestável e desafia a campanha de Trump.
O êxito de Kamala em novembro dependerá
sobretudo do que ela prometer. A herança de Biden é positiva na economia. Em
julho, o desemprego foi menor que antes da pandemia. A renda dos sem diploma
universitário foi a que mais cresceu. Os dados de consumo também são positivos.
Porém a percepção dos eleitores é outra. Devido à inflação, eles relatam estar
mais difícil fechar as contas todo mês. Em resposta, dando ouvidos à ala mais à
esquerda de seu partido, Kamala anunciou a intenção de controlar o que chamou de
“manipulação de preços” de produtos essenciais, como alimentos ou higiene.
Há, é claro, modos eficazes de a política
econômica contribuir para a queda dos preços. O principal é estimular a
competição, reduzindo tarifas de importação ou fomentando concorrentes
internos. Não se sabe ao certo se Kamala pensa nisso ou nalguma outra saída
sabidamente nociva, que interfira na liberdade econômica.
Kamala precisa tomar cuidado para não
embarcar no populismo associado às intervenções sobre o mercado — até porque
abriria um flanco à campanha de Trump, que a tem descrito como radical de
esquerda. Se, em vez disso, ela souber apresentar um programa viável que
garanta as conquistas do governo Biden e saiba olhar para as oportunidades
econômicas do futuro, tem tudo para vencer e fazer um bom governo.
Infiltração do PCC na campanha eleitoral
expõe risco para democracia
O Globo
Chefe da inteligência da PM de SP afirmou que
influência dos criminosos é maior do que ele imaginava
É preocupante a declaração do coronel Pedro
Luis de Souza Lopes, chefe do Centro de Inteligência da Polícia Militar de São
Paulo, afirmando que a influência
do crime organizado nas eleições é maior do que ele imaginava. Num
seminário promovido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Souza
Lopes disse que não é possível afirmar ao certo em quantos municípios paulistas
há infiltração do Primeiro Comando da Capital (PCC), maior
facção criminosa do estado e do país. Mas garantiu haver indícios palpáveis de
movimentação para financiar campanhas eleitorais. O PCC, disse ele, ambiciona
firmar contratos com o poder público para lavar dinheiro.
A infiltração do crime organizado no Estado
já é realidade, como ficou comprovado recentemente em operação policial contra
empresas de transporte da capital paulista controladas pelo PCC. Agora, está em
curso uma operação eleitoral no estado de São Paulo, promovida pelo serviço de
inteligência da PM. Houve uma reunião do alto-comando policial com
representantes dos tribunais regionais eleitorais para criar um canal capaz de
agir a qualquer sinal de ingerência da facção criminosa nas eleições. É uma
medida necessária.
A Polícia Civil paulista deflagrou em agosto
uma operação que constatou o apoio do PCC a dois candidatos a vereador em Mogi
da Cruzes e Santo André, na Grande São Paulo. A relação de cidades visadas na
operação dá uma ideia da amplitude da investigação: ao todo houve diligências
em 15 municípios.
Souza Lopes entende que a organização
criminosa, depois de expandir o tráfico internacional de drogas, está em busca
de novas atividades para lavar dinheiro. Para o PCC, as oportunidades não se
restringem ao transporte, mas se estendem também a contratos de obras e outros
serviços públicos. Financiar campanhas é uma forma de contar com apoio para
tais iniciativas nas câmaras de vereadores.
Nada muito diferente do que há anos ocorre no
Rio, onde representantes dos milicianos ocupam espaços nas casas legislativas
para protegê-los e beneficiá-los. Recentemente, a deputada estadual Lúcia
Helena Pinto de Barros (PSD), conhecida como Lucinha, popular em território sob
o jugo de milícias, foi alvo de uma operação para investigar sua atuação em
benefício de milicianos. Documentos e celulares apreendidos com ela comprovaram
a proximidade com o crime. Lucinha também empregara em seu gabinete um PM acusado
de integrar milícia e a nora de outro. Mas nada disso bastou para cassar seu
mandato. Em fevereiro, numa votação vergonhosa, a Assembleia Legislativa do Rio
o manteve por 52 votos, 16 a mais que o necessário.
Enquanto não houver consciência do perigo que
representa a infiltração criminosa nas instituições, casos assim se repetirão.
A busca de legitimação política pelo crime organizado põe em risco o próprio
Estado de Direito e deve ser combatida com energia. Não apenas a Justiça
Eleitoral precisa estar atenta, mas principalmente os eleitores, que têm o
dever de barrá-la com a ferramenta mais poderosa numa democracia: o voto.
Kamala e Trump duelam sobre economia em
eleição apertada
Valor Econômico
Trump quer corte de impostos e mais tarifas;
Kamala, taxar ricos para gastar em programas para a classe média e
trabalhadores
A indicação de Kamala Harris para concorrer à
Presidência dos Estados Unidos, após a desistência do presidente Joe Biden,
reequilibrou a disputa entre os candidatos. Os democratas vinham perdendo
terreno em todas as frentes com Biden e agora há disputa ponto a ponto tanto
nas pesquisas gerais como nas dos seis Estados pêndulos, cuja votação varia
entre os dois partidos, ao contrário do histórico dos demais. Serão decisivos
para o resultado: Michigan, Wisconsin, Pensilvânia, Nevada, Arizona e Georgia.
O desfecho ainda é imprevisível.
Pesquisa do Financial Times aponta que a
esmagadora maioria dos americanos (80%) está preocupada com a marcha da
inflação. A economia tem sido o principal tema de campanha do republicano
Donald Trump, em especial a marcha dos preços, que atribui às políticas de
Biden e de sua vice, Kamala. A inflação está caindo, mas em um ritmo mais lento
do que gostariam os democratas para transformar em um trunfo eleitoral. Kamala
não está apresentando um programa diferente daquele que abraça como vice de
Biden, mas lançando outras ideias que seguem as linhas da atual administração,
porém com ênfase nos trabalhadores e na classe média. “Trump luta pelos
bilionários e grandes empresas, eu luto por devolver o dinheiro para os
trabalhadores e a classe média”, disse, ecoando uma bandeira tradicional da
centro-esquerda do partido.
Kamala prometeu ampliar programas de
assistência a famílias com recém-nascidos e crianças e um bônus de US$ 25 mil
para os adquirentes da primeira moradia, além de US$ 40 bilhões ao longo do seu
mandato para construtoras fazerem esses imóveis. A meta, de 3 milhões de
imóveis ao longo de quatro anos, foi tida por analistas como decepcionante - os
EUA constroem hoje 1,5 milhão de residências por ano.
Essas promessas podem ser relevantes, mas o
discurso sobre a plataforma econômica na Carolina do Norte, realizado na
sexta-feira, acendeu um sinal de alerta indesejável para a campanha. Kamala
disse que era necessário refrear o ímpeto e o poder das empresas em reajustar
preços, disse que terá maior vigilância sobre elas e deu sinais de que pretende
coibir “preços abusivos”. Não definiu como, mas a simples menção soa como
heresia em um país onde reina um dos sistemas mais competitivos do mundo.
O discurso surpreendeu até membros de seu
próprio partido. “Não é uma política sensível”, afirmou Jason Surman,
presidente do Conselho de Economistas do governo Barack Obama. Entre os
economistas, provocou certa perplexidade. “É uma ideia horrível”, disse Kenneth
Rogoff, professor de Harvard. Para Trump, pode ter sido um prato cheio,
transformando Kamala na “comunista total” que ele diz achar que ela é.
Os empresários estão divididos. Corte de
impostos é uma música irresistível para eles, mas as tarifas e balbúrdias do
mandato de Trump não deixam boas lembranças. Kamala tem a seu favor os
programas do governo Biden: protecionismo, produção doméstica de bens de
tecnologia, como semicondutores, incentivo a tecnologias verdes, com subsídios
substanciais em todas essas áreas. Se a arrecadação de campanha é uma prova do
apoio de quem tem dinheiro, há receptividade - ela amealhou US$ 200 milhões na
primeira semana. Dinheiro não falta a Trump, que até julho coletara US$ 400
milhões.
Os planos econômicos de Trump são volúveis -
estão em sua própria cabeça e mudam com os dias de campanha. Há a ideia
predominante de novo corte de impostos para empresas e de um tarifaço não
apenas para produtos da China - tarifas elevadas a 60% -, como também dos
países amigos: 10% sobre todos e, nos últimos dias, 20%, de acordo com o
candidato. O republicano não gosta da autonomia do Federal Reserve, como já
demonstrara nas escaramuças com Jerome Powell na eleição de 2019. Ele insinuou
que quer ser consultado antes das decisões de política monetária e que pode
abreviar o mandato de Powell, que vai até 2026. Trump achou também que tem uma
solução para o alto preços das moradias e dos aluguéis no país - a expulsão em
massa dos imigrantes. Prometeu colocar para fora do país mais de um milhão de
pessoas.
O Comitê por um Orçamento Federal
Responsável, uma ONG que se dedica ao tema, fez um cálculo sobre o que as
propostas dos candidatos representariam para o elevado déficit público
americano de US$ 34 trilhões, cerca de 120% do PIB. As propostas feitas até
agora por Kamala aumentariam a dívida pública em US$ 1,7 trilhão em dez anos.
As de Trump, sempre supondo que sejam executadas, custariam US$ 7 trilhões em
dívidas.
Para além da economia, a plataforma antidemocrática de Trump o impede de ir além das pessoas que já cativa. A entrada em cena de Kamala deu um nó em sua campanha, que ainda não encontrou uma forma de melhor atacá-la, afora os xingamentos habituais. As promessas de anistia para os fanáticos que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro reforçam sua imagem de radicalismo, assim como a promessa de vingança contra investigadores que foram indicados para seus processos judiciais. Só os eleitores dirão se isso importa muito.
Ricos devem contribuir para preservar
florestas
Folha de S. Paulo
Países emergentes que não desmatarem merecem
receber apoio financeiro, conforme proposta correta de Marina Silva
Merece apoio a proposta em gestação no
governo federal de um fundo internacional chamado Florestas Tropicais para
Sempre. Seria passo decisivo para países ricos demonstrarem, com desembolsos de
recursos novos, um compromisso mais firme e equitativo com o desafio do
aquecimento global.
A iniciativa
brasileira esteve no centro da entrevista de Marina Silva, ministra
do Meio Ambiente e
Mudança do Clima, à Folha. Segundo ela, calcula-se que o Brasil possa
receber R$ 8 bilhões anuais do fundo inovador.
Há muitas e boas razões climáticas para
preservar florestas tropicais, mesmo sem considerar a manutenção de sua
biodiversidade. Derrubadas como são no ritmo atual, essas matas densas
contribuem, dependendo do ano e da estimativa, com 10% a 20% do carbono emitido
no planeta a intensificar o efeito estufa.
Reduzir o desmatamento constitui
meio mais rápido e barato de mitigar a crise do clima do que reformar toda a
base instalada em setores ciclópicos como energia e transportes. Ademais,
florestas saudáveis retiram carbono da atmosfera, absorvendo com a fotossíntese
CO2 emitido alhures.
Já existe mecanismo para remunerar nações
detentoras de florestas tropicais, conhecido no jargão das negociações
ambientais como REDD+, mas ele focaliza a redução do desmatamento. O
Fundo Amazônia,
mantido por Noruega e outros países, faz pagamentos ao BNDES quando
recuam taxas de desflorestamento por aqui.
O Brasil fixou meta de reduzir o desmate a
zero em 2030. Caso alcance o objetivo ambicioso, a biodiversidade remanescente
na amazônia, no cerrado e
na mata
atlântica seguirá prestando benefícios à saúde do planeta, como
a mitigação da mudança
climática e a regularização de recursos hídricos.
Nada mais justo, portanto, que debater desde
já como recompensar países por tais serviços. Faz bem a ministra em liderar
essa formulação no governo federal e nas negociações internacionais sobre
clima, para que ela amadureça a tempo de ser adotada na conferência de 2025
em Belém,
a COP30.
Haverá resistências. Nações desenvolvidas
sempre regatearam o cumprimento de compromissos de prover fundos para prevenir
e arrefecer a crise do clima, em obediência ao princípio das responsabilidades
comuns, porém diferenciadas, adotado na Rio-92.
No Brasil, obstáculos a tais iniciativas
foram erguidos durante décadas por setores retrógrados do Itamaraty e
do estamento militar. Escombros
dessa paranoia ressurgiram no governo Jair Bolsonaro (PL), mas foram
soterrados de novo pelas evidências em favor da realidade da emergência
climática.
Maconha made in Brazil
Folha de S. Paulo
É preciso legalizar plantio para baixar
preços e inserir país no mercado global
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
permite a venda de remédios derivados da maconha,
importados ou nacionais, mediante prescrição médica. Mas a lei 11.343/2006, ou
Lei de Drogas,
proíbe o cultivo da planta no Brasil.
Criou-se, assim, uma distorção que o
Congresso, por conservadorismo tacanho, recusa-se a enfrentar. O Superior
Tribunal de Justiça, contudo, pretende julgar ainda neste ano a liberação
do plantio para fins medicinais e industriais.
Nesses casos, a variedade mais usada é a
Cannabis ruderalis (cânhamo), que tem baixo nível de THC, princípio ativo que
produz os efeitos alucinógenos, e é rica em CBD, substância de uso terapêutico.
As fibras do cânhamo são usadas em uma gama
variada de produtos, como tecidos, papel, cimento, plástico biodegradável e até
lataria de automóveis; seu óleo serve para tintas, cosméticos e alimentos.
No âmbito da saúde,
o CBD é prescrito para epilepsia, dor crônica, depressão, esclerose múltipla,
náusea por quimioterapia, doença de Parkinson, distúrbios do sono e outras
condições.
Como as empresas nacionais precisam importar
insumos, o que eleva custos, e os produtos estrangeiros são caros, a
judicialização aumenta com pacientes que buscam autorização para plantar de
forma individual ou coletiva.
O mercado mundial de maconha medicinal
movimentou US$ 14,9 bilhões em 2019 e, neste ano, estima-se que
chegue a cerca de US$ 43 bilhões. Dos US$ 10,8 milhões em produtos à
base da planta que a Colômbia exportou em 2023, US$ 3,4
milhões (ou 32%) foram para o Brasil.
Num país de dimensões continentais, com clima
favorável e expertise no agronegócio como o nosso, é um contrassenso ficar fora
desse mercado e aprofundar desigualdades, ao submeter pacientes a preços
elevados, burocracia e contendas judiciais.
Há dois projetos de lei parados, um na Câmara e outro no Senado, que visam legalizar e regular a plantação para esses fins. Seria bom que os parlamentares se pautassem pela lógica para liberar, com normas e fiscalização, toda a cadeia produtiva da maconha medicinal e industrial no país.
A chance do Senado
O Estado de S. Paulo
Câmara perdeu a oportunidade de regulamentar
a reforma tributária com o cuidado que o texto merecia. Que o Senado não cometa
o mesmo erro e corrija as inconsistências do texto
O relator da reforma tributária no Senado,
Eduardo Braga (MDB-AM), pediu ao governo que retire o pedido de urgência do
texto para não trancar a pauta de votações da Casa durante todo o semestre. O
Senado quer apreciar a proposta somente após as eleições municipais, uma vez
que boa parte dos senadores deve se envolver nas disputas regionais. Braga não
vê problemas se o texto for votado apenas no primeiro trimestre do ano que vem,
mas o governo ainda não decidiu se acatará ou não a solicitação.
O Senado, ao contrário da Câmara, não tem
pressa para discutir o tema. Esse tempo adicional pode ser positivo se os
senadores decidirem encarar os problemas do texto, algo que os deputados
preferiram ignorar. E há muito a ser enfrentado, como Braga demonstrou em
entrevista ao Estadão, a começar pelo teto de 26,5% que os parlamentares
impuseram à alíquota padrão.
Como disse Braga, da forma como a trava foi
elaborada, a conta simplesmente não fecha. Não basta impor um teto e
desconsiderar todas as exceções que foram agregadas ao texto final. A
comparação feita pelo senador é útil para entender o que os deputados pretendiam,
ao estabelecer uma alíquota máxima, e o que eles efetivamente fizeram.
“Você imagina o seguinte: pega um
reservatório de água, ele transborda e você coloca uma tampa em cima. O que vai
acontecer? Ou para de botar água ou transborda. Mas o que fizeram foi isto:
encheram o tanque e meteram uma tampa”, explicou Braga.
Essas inconsistências, por óbvio, geram
incoerências, como no caso do Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do
pecado”. O tributo deveria ser algo a desestimular o consumo de itens que geram
externalidades negativas à saúde ou ao meio ambiente. Tudo indica, no entanto,
que terá caráter arrecadatório. Setores mais bem posicionados politicamente, no
entanto, conseguiram se livrar da taxação.
Enquanto refrigerantes foram sobretaxados,
alimentos ultraprocessados ficaram fora do alcance do imposto. Não havia
justificativa para sobretaxar os carros elétricos com o Imposto Seletivo, a não
ser a necessidade de manter a competitividade dos carros com motores a
combustão, que representam a maioria dos veículos produzidos no País. Já os
caminhões ficaram livres da taxação, independentemente do combustível
utilizado, assim como as armas.
“Eu acho que a gente não pode, no intuito de
fazer a coisa certa, fazer da forma errada. Se tem um bem que eu quero taxar
porque é importado, vamos ter coragem de criar um imposto de importação sobre
esse bem. E não disfarçar o imposto de importação com o Seletivo”, afirmou o
senador. “Era tudo que todo mundo sempre disse que não podia fazer com o
Seletivo… Virar arrecadatório.”
Lamentavelmente, o maior dos problemas da
reforma – a isenção dos itens da cesta básica – deve passar incólume pelo
Senado. Para Braga, a inclusão das carnes na cesta deve gerar desequilíbrios,
mas ele julga não haver espaço para retirá-las. O senador, inclusive, acusou a
bancada ruralista de quebrar o acordo feito no Legislativo, no qual as
proteínas teriam desconto de 60% na alíquota cheia.
Lideranças da Câmara, como esperado, não
gostaram de saber que o Senado pretende levar todo o semestre para apreciar o
texto. Em tese, a preocupação dos deputados é que os senadores cedam ao lobby
de setores econômicos e acatem mudanças que acabem por elevar a alíquota padrão
que eles julgam ter travado, ainda que o limite estabelecido no texto seja tão
inócuo quanto o antigo teto de gastos. Mas, se o texto voltar para a Câmara
apenas no ano que vem, a votação final pode se dar num ambiente completamente
diferente, sem o comando de Arthur Lira (PP-AL).
A Câmara perdeu a oportunidade de
regulamentar a reforma tributária com o cuidado que o texto merecia. Sem
tramitar pelas comissões temáticas e sem um relator, o texto tramitou às
pressas e foi aprovado a toque de caixa, também por pressão do governo. Espera-se
que os senadores não cometam o mesmo erro e que aprovem um texto que dê fim
definitivo ao manicômio tributário que se tornou uma marca do País.
Reforma administrativa de fachada
O Estado de S. Paulo
Ministra Esther Dweck publica portaria com
diretrizes frouxas para reestruturação de carreiras, sem engajar governo Lula
em reforma administrativa para melhorar serviços públicos
O governo Lula da Silva editou uma portaria
com diretrizes gerais e critérios para a elaboração de propostas de criação,
racionalização e de reestruturação de planos, cargos e carreiras no serviço
público federal para colocar em marcha o que seria, digamos assim, uma reforma
administrativa silenciosa. Infelizmente, mais parece promessa do que
determinação.
A portaria foi publicada no Diário Oficial da
União (DOU) na quarta-feira, 14, e traz entre seus objetivos a proposta de
alongar o tempo para chegar ao topo de uma carreira e reduzir o salário inicial
dos servidores. Nela destacam-se, ainda, dispositivos para melhorar a
eficiência do serviço público, com a avaliação de desempenho individual e
coletivo, desenvolvimento de atividades complexas e engajamento e
comprometimento com o trabalho.
São todas, obviamente, medidas muito
bem-vindas, necessárias e, se levadas a cabo, promissoras. O cidadão que
sustenta o Estado brasileiro merece receber como contrapartida a prestação de
serviços públicos de qualidade.
Mas, a depender do texto assinado pela
ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, sobram
razões para duvidar de que essas diretrizes e esses critérios serão seriamente
considerados pelos órgãos vinculados ao Executivo federal. Isso porque as
regras se limitam a novos pedidos de reestruturação, mantendo inalterado o
esquizofrênico modelo atual, que soma hoje 43 planos de cargos e carreiras, 120
carreiras e mais de 2 mil cargos distintos.
E tamanho ceticismo decorre, sobretudo, das
palavras criteriosamente selecionadas para a construção da portaria. Há tantas
ponderações que a ministra Esther Dweck só faltou pedir desculpas por baixá-la.
Um exemplo disso é o fato de que o servidor
cumprirá o “período mínimo de, preferencialmente, vinte anos para o alcance do
padrão final da carreira”. Ora, em bom português, significa dizer que tendem a
ser mínimas as chances de os novos pedidos de reestruturação seguirem essa
previsão, haja vista que não há a obrigação de cumpri-la. Seria ingênuo crer
que parte dos servidores federais muito bem organizados em entidades sindicais
com forte poder de lobby concordará em postergar a chegada ao topo da carreira.
Ainda de acordo com a portaria, o passar dos
anos não pode ser o “critério único” para evoluir na carreira e ganhar aumento.
O chamado “cumprimento de interstício temporal” pode ser combinado com outros
cinco critérios previstos na portaria. Mas, ora vejam, não há o estabelecimento
de uma combinação de parâmetros para a progressão na carreira, o que pode levar
ao mínimo esforço possível para a ascensão, com o critério do tempo e mais um
outro apenas.
Tudo isso só reforça a histórica resistência
lulopetista à modernização do Estado. O governo Lula da Silva, ao que tudo
indica, tenta mesmo é ganhar tempo diante da pressão do presidente da Câmara,
Arthur Lira (PP-AL), de ressuscitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC
32) da reforma administrativa discutida na gestão Jair Bolsonaro. Nos moldes em
que o texto foi formatado, seria melhor esquecê-lo de vez. Ademais, a maior
parte das atualizações imperativas para o setor público dispensa uma PEC.
São urgentes, porém, muitos ajustes
legislativos, tais como as normas gerais para concursos públicos, aprovadas
corretamente pelo Senado, a limitação dos supersalários e a discussão séria
sobre projetos de lei com poder para reconfigurar as carreiras, a começar não
por reestruturá-las apenas como pretende a portaria, mas por diminuir essa
quantidade exorbitante de mais de uma centena delas.
Com tantos desafios ainda a serem superados,
a portaria de Esther Dweck só reforça a falta de engajamento do governo Lula da
Silva na discussão da melhoria efetiva dos serviços públicos prestados à
população e a defesa de interesses corporativos. Empolgam mesmo a ministra o
anúncio de realização de concursos e a contratação de servidores, que, segundo
ela, serão mais 21 mil até 2026. Pelas prioridades do governo e pelo teor da
portaria, trata-se de uma reforma administrativa de fachada.
As fragilidades do ensino
O Estado de S. Paulo
Resultado do Ideb mostra que o País estagnou
na Educação. São Paulo anda para trás
Mais do que apontar uma incômoda estagnação
na qualidade de ensino e confirmar fragilidades na aprendizagem de Português e
Matemática, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023
revelou o tombo de São Paulo, o Estado mais rico do País, na corrida
educacional. Repetido a cada dois anos, o Ideb é elaborado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), vinculado ao Ministério da
Educação (MEC), e tem como principal objetivo apurar a qualidade da Educação
para aproximar o Brasil do nível médio de aproveitamento dos países que
integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Das metas estabelecidas para as avaliações
dos três níveis de ensino – Fundamental I e II e Ensino Médio – apenas uma foi
atingida, relativa aos primeiros anos do ensino fundamental, com nota 6,
exatamente o limite mínimo estabelecido, em uma escala de zero a 10; as outras
duas ficaram aquém do objetivo. Considerando apenas as escolas da rede pública,
também nessa etapa o resultado (5,7) foi inferior ao esperado. Vale ressaltar
que as metas foram fixadas para o ano de 2021 e mantidas para 2023 por causa
das distorções que o prolongado período de suspensão das aulas presenciais
durante a pandemia produziu na qualidade de ensino.
O Estado de São Paulo, o mais rico da
Federação, tem o dever de ter uma educação à altura dessa potência, mas
registrou piora nos três níveis de ensino, desde os primeiros anos do ensino
básico, de responsabilidade das prefeituras, até o ensino médio, que cabe ao
governo estadual. Ainda que as oscilações tenham sido suaves, foram suficientes
para atestar o tombo do ensino no Estado em todos os rankings, na comparação
com 2019.
A rede paulista de escolas não ficou nem
entre as dez melhores das capitais; na lista das 20 cidades brasileiras com
maiores notas no Ideb ao fim do ensino fundamental, não há nenhuma de São
Paulo. O resultado medíocre não chega a surpreender. A avaliação do Saresp,
divulgada há alguns meses, apenas com a rede estadual de ensino, já demonstrava
que o desempenho dos estudantes piorou em 2023. O ponto positivo é que, apesar
de os dados gerais ainda estarem aquém do necessário, o Ideb mostrou que a
queda dos índices não é um fenômeno generalizado.
A superintendente da organização Itaú Social,
Patrícia Mota Guedes, fez uma análise certeira ao identificar na qualidade das
políticas públicas, mais do que mesmo no volume de capital investido, o sucesso
ou o fracasso educacional. Mais do que isso, enfatizou como políticas contínuas
bem desenvolvidas podem fazer a diferença na formação estudantil. “Estados com
continuidade de políticas públicas, mesmo com mudanças de governo, como Ceará,
Paraná e Goiás, têm mostrado bons resultados”, disse a especialista ao jornal
Valor.
Não há como atribuir os resultados de 2023
especificamente a um ou outro governo. O avanço educacional depende de um
somatório de contribuições num terreno que obrigatoriamente tem de estar acima
de questões político-partidárias.
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