Folha de S. Paulo (17/8/2024)
Congresso do país tem prerrogativas
excessivas e gera dispersão de recursos
A liminar do STF (Supremo
Tribunal Federal) que suspendeu o
pagamento das emendas parlamentares reacendeu o debate sobre
essa prerrogativa do Congresso.
Estamos pesquisando as instituições
orçamentárias em países da OCDE (Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em trabalho que será concluído
em alguns meses. Já temos um perfil das boas práticas e dos diferentes modelos
adotados.
O Brasil está fora do padrão. Nosso Congresso
tem prerrogativas excessivas.
Em 53% dos países da OCDE, os parlamentos não podem emendar o Orçamento. Rejeitar a proposta do Executivo equivale a um voto de desconfiança, que derruba o governo. Na Austrália e no Canadá, por exemplo, alocação orçamentária é considerada função do Executivo, cabendo ao Legislativo apenas supervisionar a gestão orçamentária.
Em países que admitem emendas, como Itália, Portugal ou Espanha,
elas não chegam a 1% das despesas discricionárias. No Brasil, esse percentual
já está em 23%.
Nesses países e em outros, a lei de orçamento
trata de outros aspectos de políticas públicas além de receitas e despesas, e
as emendas se concentram nesses aspectos regulatórios e não na alocação de
recursos.
Na Alemanha,
há intensa participação do Legislativo, prevalecendo a cultura de
responsabilidade fiscal: ministros têm que ir ao parlamento explicar os seus
projetos e, se não forem convincentes, a dotação orçamentária é cortada ou
congelada. A discussão no Parlamento se dá em torno de políticas públicas, e
não na alocação de recursos para as bases eleitorais.
No México e
em quase todos os países, as emendas que aumentam despesa, quando existem, são
negociadas com o Executivo e, normalmente, não são de execução obrigatória.
No Chile,
as emendas só podem reduzir despesas. Informalmente, parlamentares fazem
indicações ao Executivo, que pode ou não atendê-las.
Em nenhum país pesquisado existe uma cota
financeira e obrigatória de emendas, como no Brasil.
Tampouco os Poderes Executivos são obrigados
a reservar uma parte do Orçamento para que os parlamentares aloquem emendas.
Quem quiser mudar o Orçamento tem que arcar com o custo político de dizer onde
cortar ou qual imposto aumentar. Mais uma vez, o Brasil está sozinho nesta
prática.
O poder do Congresso brasileiro para alterar
a estimativa de receitas e, com isso, abrir espaço para mais despesas, também
destoa. Os países com melhores práticas adotam projeções de receita, despesa e
déficit para três a quatro anos à frente, e a definição desses limites
orçamentários ficam sob forte controle do Poder Executivo.
Nos Estados
Unidos, o Legislativo tem o poder constitucional de refazer toda a
proposta enviada pelo presidente da República. Contudo, o Congresso é dividido
em apenas dois blocos partidários, com um deles representando o Poder
Executivo. Apenas em situações em que o Executivo é francamente minoritário nas
duas casas legislativas é que a proposta orçamentária pode sair do seu
controle.
São famosas as chamadas emendas
"pork-barrel", em que legisladores dos EUA buscam financiar projetos
locais com recursos federais, em modelo muito similar às nossas emendas. Lá,
porém, não há cota financeira para atender todos os parlamentares. Ademais,
reforma recente impôs um limite máximo de 1% das despesas discricionárias para
o conjunto dessas emendas (lembrando que as nossas já estão em 23%).
O México tem um presidencialismo no qual as
regras eleitorais usualmente garantem maioria parlamentar ao Executivo. Lá, as
emendas só prosperam quando o presidente é minoritário no Congresso e precisa
de votos para aprovar sua agenda legislativa. Mesmo nesses casos, a posição do
Executivo é forte, as negociações se dão por blocos partidários, as concessões
são pequenas e as emendas individuais irrisórias.
Ao contrário de México e EUA, as nossas
regras eleitorais produzem um presidente minoritário no Congresso, onde há
grande número de partidos representados. Ademais, as campanhas políticas são
individualizadas, com cada parlamentar tendo incentivo para direcionar recursos
para seus redutos ou financiadores de campanha.
Com essas instituições, o maior poder do
Legislativo sobre o Orçamento só pode gerar dispersão de recursos, baixa
qualidade do gasto, corrupção e pressão por mais emendas. Isso não ocorre por
falta de assessoramento técnico aos parlamentares (que aliás é muito bom) ou de
acordo político para buscar emendas de maior qualidade. Os incentivos políticos
e eleitorais são muito fortes. Se não mudados, as emendas continuarão sendo de
baixa qualidade.
Se o objetivo do país for melhorar a
qualidade do gasto e aumentar a responsabilidade fiscal, temos dois caminhos.
Um seria reformar as instituições políticas eleitorais, para que se possa ter
uma participação disciplinada do Legislativo no Orçamento. O outro caminho
seria manter as regras políticas e eleitorais como estão e limitar fortemente
as emendas parlamentares.
Por outro lado, se o objetivo for evitar
turbulências políticas e institucionais, sem mexer nas regras eleitorais, a
escolha será por manter o sistema atual, com algumas melhorias marginais na
transparência. Nesta opção, teremos que nos conformar com severa restrição
financeira para a implementação das políticas públicas do Executivo e com muito
dinheiro público virando fumaça.
2 comentários:
Perfeito.
Mesmo Brasil e Alemanha sendo muito diferentes, gostei disso :
" Na Alemanha há intensa participação do Legislativo, prevalecendo a cultura de responsabilidade fiscal: ministros têm que ir ao parlamento explicar os seus projetos e, se não forem convincentes, a dotação orçamentária é cortada ou congelada. A discussão no Parlamento se dá em torno de políticas públicas, e não na alocação de recursos para as bases eleitorais. "
Realmente PERFEITO! Parabéns ao autor, e ao blog que divulgou seu trabalho. Como afirma o autor:
"O maior poder do Legislativo sobre o Orçamento só pode gerar dispersão de recursos, baixa qualidade do gasto, corrupção e pressão por mais emendas." O Anão Lira expandiu seu poder corrompendo seus atuais cúmplices com mais e mais recursos públicos à disposição das promessas eleitoreiras de cada um. Isto não é Câmara de Deputados, isto é Quadrilha de deputados!
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