O Globo
A sociedade americana, a começar pela própria
imprensa, normalizou a figura de Donald Trump
No fatídico 11 de setembro de 2001, Nova York estava
de joelhos. O ataque jihadista havia reduzido a pó as Torres Gêmeas da cidade,
e certezas enraizadas haviam perdido qualquer solidez. Menos para Donald Trump.
O magnata-celebridade do ramo imobiliário passara a manhã telefonando a
emissoras de rádio e TV para se pronunciar.
— Agora o prédio mais alto da cidade é meu, o
Wall Street número 40 — gabava-se, alheio à dor, ao horror e ao luto nacional.
Neste 11 de setembro de 2024, lá estava Trump na fileira das autoridades. Para a cerimônia anual em memória dos quase 3 mil mortos no atentado, ele e seu candidato a vice, J.D. Vance, envergavam flamejantes gravatas vermelhas — a cor do Partido Republicano. Parecia normal. Chegou a receber elogios do New York Times pelo “abraço cordial” de cumprimento a Kamala Harris, sua algoz no debate presidencial ocorrido na véspera. Mas esse verniz evaporou-se rapidamente.
Foi prestar homenagem a uma unidade do Corpo
de Bombeiros que sofrera baixas horrendas em 2001, acompanhado de Laura Loomer,
uma notória conspiracionista dos supremacistas brancos. Incorporada à órbita de
Trump há pouco tempo, Loomer é incendiária mesmo para padrões extremistas.
“Islamofóbica, com orgulho”, ela inferniza as empresas Uber e
Lyft para impedir que motoristas muçulmanos atuem no serviço. Já chamou Kamala
de “prostituta usuária de drogas”, incapaz de gerar filhos biológicos “pelos
muitos abortos que danificaram seu útero”, e aderiu cedo à doideira de que o
atentado do 11 de setembro contou com colaboração do governo americano. De seu
receituário consta, também, a fantasia de que as crianças vítimas de atentados
a escolas são, na verdade, atores-mirins contratados por democratas.
Por que gastar tanto espaço com figura tão
delirante? Porque nada, nestes 50 dias finais de campanha para a Casa Branca,
deve ser considerado normal ou irrelevante. O cientista político Brian Klaas,
da University College London, cunhou a expressão “banalidade da loucura” para
definir o momento político americano. Resume assim o estado da arte da corrida
presidencial:
— É uma disputa entre dois candidatos, por
ora empatada. Um deles é um criminoso autoritário, acusado de abuso sexual e
proibido pela Justiça de Nova York de operar até uma barraca de cachorro-quente
por ter cometido fraudes fiscais de grande porte; indiciado pelo furto de
documentos secretos do governo e incitador de uma turba violenta para tentar
roubar uma eleição; no seu sombrio mundo de fantasia, imigrantes criminosos
rondam nas ruas à procura de gatos e cães para devorar. O outro candidato é uma
ex-procuradora e política convencional.
Em janeiro, um dos dois assumirá o comando do
arsenal mais destruidor da História mundial.
Assim como Hannah Arendt apontara para a
conformidade de pessoas comuns diante de atos de barbárie que se tornaram
repetitivos e rotineiros, a sociedade americana, a começar pela própria
imprensa, normalizou a figura de Trump. Uma coisa é desculpar a criança que tem
medo do escuro, outra é aceitar um mundo adulto com medo ou preguiça de ver
claro. A isso costuma-se chamar de tragédia, uma vez que a escuridão existe,
como ensinou James Baldwin, para que dela se possa sair.
É possível, mas longe de garantido, que o
declínio de Donald Trump esteja no horizonte. Aos 78 anos, ele jogou fora um
trunfo que a sorte lhe entregou de bandeja e nenhum PAC miliardário poderia
pagar: o atentado à bala de 13 de julho na Pensilvânia, de que saiu com punho
erguido, orelha ensanguentada e o grito “lute” na boca contraída. Bastaria
ater-se ao script formulado por assessores —repetir que fora alvejado para
salvar o país e que saíra do episódio disposto a reconstruir a América. Não
conseguiu nos comícios que se seguiram.
No debate também não. De início, ainda
conseguiu argumentar em tom calmo e coerente. Descarrilou quando Kamala lhe
feriu o ego: seus comícios eram tediosos e esvaziados, disse ela. A partir daí,
Trump nunca mais encontrou o rumo. Desandou a falar sobre uma Terceira Guerra
Mundial, sobre imigrantes que comiam animais de estimação roubados de
americanos, falou de hordas de criminosos soltos pelo governo da Venezuela para
infestar os Estados
Unidos, de médicos que faziam partos de bebês para depois
executá-los e outros que tais. Kamala venceu a parada ostentando desdém por
aquele ser que se esvaziava a seu lado.
Mas foi apenas um debate. A banalidade da
loucura continua de pé. No dia seguinte, antes de se enfileirar para a
cerimônia do 11 de Setembro, Trump já estava nas redes sociais seguindo o
receituário aprendido ainda jovem com o procurador macarthista Roy Cohn:
“Atacar, atacar, atacar, não admitir nada, negar tudo e declarar vitória,
sempre”. Isso valerá para o resultado das eleições. Faltam 50 dias.
4 comentários:
É impressionante a narrativa pra desacreditar o Trump Querer fazer crer que a Camila Harris é uma candidata com um péssimo histórico de vice do Biden , Ela é incompetente, abriu as fronteiras , os Estados Unidos vivem hoje um caos de imigração Uma mulher fraca politicamente mas Camila Harris hoje é marionete na mão dos poderosos
O Trump vai ganhar no final Pra desespero da mídia e do mundo Uoke
Muuuuuuu
(seguindo a relevância dos argumentos acima)
Jesus!
Só Jair Bolsonaro e Ernesto Araújo são tão fiéis a Trump quanto o primeiro anônimo a comentar aqui. O canalha tentou dar golpe de estado, seus comparsas mataram 3 pessoas no ataque ao Capitólio, mente dezenas de vezes por dia, e o papagaio não quer enxergar.
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