Valor Econômico
Salvo uma reviravolta, somente a arca de Noé impediria a derrota do PT em São Paulo e Porto Alegre
Gênesis, 6, versículo 17: “Eis que vou trazer
águas sobre a terra, o Dilúvio, para destruir debaixo do céu toda criatura que
tem fôlego de vida”, anunciou Deus a Noé, em uma das passagens mais trágicas do
Antigo Testamento.
É exagero comparar o desastre ao dilúvio bíblico, mas a cheia do Guaíba que deixou Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e cidades da região metropolitana submersas, gerou cenas de filmes de terror: moradores e animais domésticos refugiados nos telhados, esperando socorro por dias a fio. De fato, foi uma catástrofe sem precedentes: superou as inundações de 1941, quando o nível das águas chegou a 4,76 metros. Desta vez, ultrapassou os 5 metros.
Estimam-se 2,3 milhões de pessoas afetadas em
todo o Estado, cerca de 160 mil em Porto Alegre, sendo 11 mil distribuídos em
abrigos. Será preciso reconstruir redes de esgoto e águas pluviais, diques de
proteção, comportas, estruturas de bombeamento de água.
Diante da calamidade, o governo federal
despejou bilhões em recursos para socorrer o Estado, considerado um feudo do
bolsonarismo: mais de R$ 18 bilhões em créditos extraordinários, auxílio
reconstrução de R$ 5,1 mil para cada família desabrigada, linha de crédito para
empresários de R$ 15 bilhões do BNDES.
Nada disso bastou para convencer o eleitor
gaúcho a dar um voto de confiança à deputada petista Maria do Rosário,
adversária do prefeito Sebastião Melo (MDB), que deve se reeleger no dia 27.
O maior susto que o eleitor impôs ao
emedebista foi impedi-lo, por pouco, de vencer no primeiro turno: ele alcançou
49,72% dos votos - por menos de 0,3 ponto percentual Melo não liquidou
rapidamente a fatura.
Em outro desastre climático - menos trágico
do que o de Porto Alegre, mas também em níveis alarmantes - os moradores de São
Paulo foram submetidos nos últimos dias ao segundo grave apagão de energia do
ano. Desta vez, mais de 2,6 milhões de residências, lojas e escritórios ficaram
até cinco dias sem fornecimento de energia, sem explicações razoáveis da
concessionária Enel, da prefeitura, do governo estadual e da Agência Nacional
de Energia Elétrica (Aneel).
Mas a expectativa no comitê de campanha do
deputado federal Guilherme Boulos (Psol) de que o efeito das tempestades
influenciasse o eleitor frustrou-se com o resultado das mais recentes pesquisas
Quaest e Datafolha. Realizadas após a pane de energia, indicaram vantagem de
mais dez pontos percentuais do prefeito Ricardo Nunes (MDB) sobre o adversário,
que carrega a pecha de radical, e tem o apoio do PT e do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
Após as tempestades com ventos de mais de 100
km/h, que promoveram o caos, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) prevê
mais chuvas fortes para São Paulo, embora os piores cenários envolvam outras
cidades, como Taubaté e Sorocaba. Para a capital, a previsão é de chuvas com
raios e trovoadas, mas ventos sem a potência dos que derrubaram árvores no fim
de semana.
É difícil comparar uma metrópole do porte de
São Paulo com Porto Alegre, mas os cenários eleitorais de ambas convergem em
alguns aspectos, que ajudam a explicar a recalcitrância do eleitor. Em ambos os
casos, as campanhas dos prefeitos que buscam a reeleição são impulsionadas
pelas máquinas públicas. Nunes tem a força da máquina da prefeitura e do
governo estadual, que tem o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) como
influente cabo eleitoral - mais do que o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Nas duas capitais, os postulantes do MDB
concorrem coligados com forças do Centrão, como PL, PP e Republicanos, campeões
de emendas parlamentares, inclusive do orçamento secreto, e que lhes
proporcionaram os maiores tempos de televisão.
Um fator inegável, todavia, é a força do
antipetismo nesta eleição, somada à aversão do eleitor ao candidato associado
ao radicalismo. Boulos adotou um figurino moderado, inspirado no “Lula Paz e
Amor” de 2002, mas não convenceu. Maria do Rosário despejou críticas à gestão
Melo, principalmente em razão da calamidade provocada pelas enchentes, mas
também não convenceu. Salvo uma reviravolta, somente a arca de Noé impediria a
derrota do PT em São Paulo e Porto Alegre.
Cuiabá
Em contrapartida, Cuiabá, no Mato Grosso, é
dos exemplos mais ilustrativos de derrota das máquinas públicas municipal e
estadual. Um resultado ainda mais inusitado porque o autor da proeza é um
deputado estadual do PT, o médico Lúdio Cabral, que chegou ao segundo turno em
um reduto ultraconservador.
O adversário do petista é o deputado Abílio
Brunini (PL), conhecido pelo radicalismo e alinhamento incondicional a
Bolsonaro. Cabral, entretanto, teve apoio da máquina federal - sua candidata a
vice é a jornalista Rafaela Fávaro (PSD), filha do ministro da Agricultura,
Carlos Fávaro.
Segundo pesquisa Quaest divulgada na
quarta-feira (16), eles estão em empate técnico: Brunini tem 44% das intenções
de voto para o segundo turno, e Cabral aparece com 41%.
Vários fatores beneficiaram Cabral. O
candidato apoiado pelo governador Mauro Mendes (União), que ficou em terceiro
lugar, manteve-se neutro. E segundo Felipe Nunes, diretor da Quaest, a eleição
não se nacionalizou. O candidato do PT desponta como “moderado” diante do
radicalismo de Brunini. Mas uma ida de Lula a Cuiabá não é desejável, para não
polarizar a disputa na reta final.
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