Valor Econômico
Se não for possível criar uma ampla coalizão
de diferentes em torno de pontos prioritários, alicerçada por uma aliança
eleitoral e governativa, o Brasil poderá andar muito lento nos próximos anos
A pergunta da vez é quem foram os vencedores
das eleições municipais. Alguns procuram respondê-la dizendo quem foram os
partidos vitoriosos e os grandes perdedores. Outros trilharam esse caminho
buscando os efeitos de 2024 sobre 2026, especialmente sobre o próximo Congresso
Nacional e a disputa presidencial. Todo esse debate tem relevância, mas o
processo eleitoral atual trouxe uma lição mais profunda: a forma de sair da
polarização paralisante e construir uma nova forma de fazer política passa
necessariamente pela construção estrutural de coalizões com identidade de
frente ampla.
Num país multipartidário, com grande
diversidade de identidades políticas territoriais e com forte peso do horário
eleitoral de TV e rádio, a política pragmática incentiva a construção de
coalizões eleitorais tão amplas quanto possível no plano da eleição para o
Executivo. Essa é uma lei geral óbvia do sistema político brasileiro. Porém, o
crescimento de uma polarização mais estanque, desde 2018, tem dificultado uma
política baseada em alianças nas quais a multiplicidade de posições não seja
engolida por uma única lente ideológica.
Em outras palavras, o bolsonarismo e, em menor medida, o lulismo, mesmo com todo o apelo que fez por uma frente de defesa da democracia em 2022, têm sido mais sectários e hegemonistas do que polos organizadores de posições diferentes em prol da produção de um projeto comum de país. Sem dúvida alguma, esse fenômeno é mais forte no lado bolsonarista, como mostram os diversos exemplos da eleição municipal nos quais Bolsonaro sabotou ou denunciou aliados de hoje e do passado, porque não seguiam a cartilha purista de seu radicalismo.
Tal comportamento sectário e sabotador de
Bolsonaro reduziu inclusive o impacto do forte crescimento eleitoral de muitos
de seus apadrinhados, particularmente nas capitais. Isso o tem levado a perder
eleições nas quais tinha chances reais, e nos casos em que seu aliado radical
for o vencedor, se seguir o mantra do purismo ideológico, com certeza não
conseguirá governar as grandes cidades brasileiras, todas dependentes de
coalizões amplas nas câmaras municipais.
Como se não bastasse esse erro estratégico, o
modelo bolsonarista teve mais um baque nesta eleição: estão surgindo candidatos
sob o signo da antipolítica que tendem a ser ainda mais radicais, o que vai
estilhaçar o eleitorado de direita radical, dividindo votos e favorecendo o
governismo nas eleições de 2026. Cada vez que Bolsonaro bate em Caiado ou
despreza Zema, mais terá de brigar por votos com os nomes que surgirão das
costelas do fenômeno Pablo Marçal.
No caso do PT, o fenômeno foi um pouco
diferente: na maior parte das capitais não conseguiu montar previamente frentes
amplas, seja porque seus candidatos se distanciavam das preferências medianas
do eleitorado, seja porque não foi capaz de atrair ou se juntar a mais
partidos. Quando o petismo esteve presente em grandes coligações
multipartidárias, como protagonista ou apoiador, geralmente teve resultados
mais positivos. O problema é que esse comportamento foi mais exceção do que
regra.
O lulismo ainda terá muita força em 2026, em
razão da liderança política de Lula, por conta do peso político do governo
federal e, também, em virtude da força da centro-esquerda no Nordeste no plano
da votação para governadorias e Presidência da República. É preciso, no
entanto, ressaltar que o PT encurtou sua capacidade de montar alianças amplas,
e isso vai enfraquecer paulatinamente o projeto político do partido, caso não
se abra a diálogos com posições centristas para além da distribuição de cargos
e verbas para o Centrão congressual.
A constatação da necessidade de se montar
frentes amplas deve ir além de cálculos eleitorais de ocasião. Somente por essa
via será possível construir alternativas à polarização paralisante e estanque
que hoje domina a política brasileira. Os resultados de 2024 revelam o poder de
coligações grandes, especialmente nas maiores cidades. Contudo, se observarmos
qualitativamente o que tem acontecido no pleito de 2024, será possível ver algo
mais profundo: os grandes nomes dessa disputa foram os líderes que conseguiram
combinar a grande soma de votos com a capacidade de funcionar como ímãs de
políticos e grupos sociais com posições diferentes.
O caminho da construção de uma frente ampla
mais estrutural está à disposição de quem quiser ganhar e governar o Brasil
para enfrentar os desafios do século XXI. Pelo que tem dito nos últimos anos, o
bolsonarismo não está preparado para essa tarefa, e nesta eleição seu líder
máximo e mais alguns chefetes radicais realçaram sua opção mais pelo sectarismo
do que pela expansão de apoiadores. O lulismo tem o poder político para seguir
essa trilha, mas ainda não o fez efetivamente. A ilusão poderá vir da vitória
em mais uma eleição presidencial apertada, com governabilidade difícil no
próximo quadriênio. A única saída para não cair nesta armadilha é alargar seus
horizontes de agenda e apoio político.
Seguir a lógica da frente ampla é constatar
que a geometria da política brasileira não pode ser entendida pela lógica dos
pontos separados, cada qual tentando firmar uma identidade exclusiva. O único
caminho geométrico para sair da polarização estanque é construir linhas como
junção dos pontos. Neste sentido, as lideranças que quiserem tirar o sistema
político da sua atual situação ensimesmada e de lentidão reformista terão que
compreender que, para parafrasear o brilhante programa de entrevistas de meu
amigo Cláudio Couto, fora da frente ampla não há salvação.
O modelo estrutural de frente ampla se
justifica como opção estratégica de longo prazo por cinco razões: para obter
maiorias eleitorais mais sólidas e diversas (1), para construir uma agenda mais
consensual com força para orientar o jogo entre os Poderes (2), para abrir um
espaço maior de diálogo em contraposição ao sectarismo da lógica polarizadora
(3), para fortalecer as instituições democráticas hoje em embate estéril e
desprotegidas dos autoritários de plantão (4), e, por fim, para facilitar a
discussão sobre a necessária renovação política do país (5).
Uma lógica de ampliação frentista, em
primeiro lugar, será essencial para se conseguir um resultado eleitoral mais
expressivo em 2026 e nas eleições seguintes, caso um grupo e/ou a junção de
linhas políticas queiram quebrar a polarização e a governabilidade truncada que
temos hoje. Há dificuldades para os partidos mais ao centro ou de
centro-direita montarem sozinhos essa frente ampla, pois sua base inicial de
votos tende a ser, no momento, baixa. Todavia, mesmo que o lulismo tenha uma
força eleitoral certamente maior, se quiser ter uma vitória mais farta, terá de
montar uma coalizão eleitoral mais ampla do que a de 2022, não só em relação ao
número de partidos, mas também no que se refere à agenda temática.
Aqui entra então um segundo motivo que
justifica a montagem de frente ampla estrutural: o país só vai avançar para
além da chantagem congressual e da pauta de assuntos que não tornam mais
efetivas as políticas publicas caso consiga definir uma agenda consensual
básica. A construção dessa lista reformista poderá reduzir os custos de
negociação congressual e evitar a postergação de mudanças institucionais
decisivas para o país.
Em terceiro lugar, é preciso ampliar o debate
e a possibilidade de acordo entre posições diferentes. Uma frente ampla mais
estrutural pode ser um dos passos importantes para enfraquecer o extremismo e a
polarização estanque. Com muito diálogo e apresentação de evidências sobre as
soluções mais adequadas, será possível definir uma pauta mais propositiva e
menos paralisante, especialmente para enfrentar grandes desafios, como o
combate às desigualdades, a questão ambiental e o desenvolvimento econômico.
O fortalecimento das instituições
democráticas do país, hoje fragilizadas pelo conflito entre os Poderes e por
grupos políticos autoritários, é um quarto ponto que pode ser mais bem
equacionado dentro de uma lógica de frente ampla. Um consenso maior em relação
às regras do jogo evitaria, por exemplo, a excrescência do projeto em
tramitação na Câmara que defende a revisão congressual de decisões do STF! Nem
o regime militar propôs isso e nenhuma democracia utiliza desse expediente
nefasto. De todo modo, para superar esse lixo institucional, somente uma frente
ampla que não fosse refém das chantagens populistas do bolsonarismo.
O ciclo virtuoso de uma frente ampla
completa-se com a discussão sobre a renovação política do Brasil pós-Lula e
pós-Bolsonaro, já preparando uma sucessão que poderá ser capaz de juntar
setores da centro-direita, centro e centro-esquerda. Será difícil fazer essa
passagem de bastão, inclusive geracional, em meio à polarização estanque, ou
com posições políticas transformadas em pontos fora das linhas, como era a
ideia da terceira via nas últimas eleições. Não é um caminho fácil nem tem
resposta pronta.
Mas, se não for possível criar uma ampla
coalizão de diferentes em torno de pontos prioritários, alicerçada por uma
aliança eleitoral e governativa, o Brasil poderá andar muito lento nos próximos
anos ou, pior, retroceder, como ocorreu no período Bolsonaro. Fica a pergunta:
quem serão os líderes a colocar esse tema na mesa?
2 comentários:
Excelente análise! Sabotagem e mentira são as especialidades de Bolsonaro! Durante a pandemia de Covid, sabotou todas as políticas federais de combate à pandemia e sabotou também quase todas as recomendações da OMS que eram seguidas no mundo todo. Ameaçou até retirar o Brasil da OMS... Por isso, o Brasil teve mais de 10% dos mortos no mundo pela Covid, enquanto nossa população não chega a 3% da população mundial. Se o Brasil tivesse um governo normal, deveria ter 3% ou no máximo 4% das mortes de Covid no mundo. Tendo um GENOCIDA mentiroso na presidência, e um GENERAL incompetente como Ministro da SAÚDE, deixamos morrer centenas de milhares de brasileiros que deveriam estar vivos até hoje.
O General incompetente como ministro foi o deputado mais bem votado no segundo colégio eleitoral do país.
A verborragia é boa, mas não resolve o problema da polícia. Abrucio contribuiria mais se reforçasse o termo Frente Democrática, a mesma que elegeu Lula não pelo Lula, mas pelas circunstâncias. A eleição de SP mostra isso.
Postar um comentário