Folha de S. Paulo
Não foi uma violação como as de Nunes ou
Tarcísio, que ainda apoiam Bolsonaro após o 8 de janeiro, mas foi feio
Quando parecia que nada mais surpreenderia o
eleitor paulistano em 2024, Guilherme
Boulos aceitou o convite
para ser sabatinado por Pablo Marçal.
O ex-coach, cujo mindset mostrou-se insuficientemente energizado para conduzi-lo ao segundo turno, havia convidado tanto Boulos quanto seu adversário, Ricardo Nunes, para uma sabatina. Durante a live com Boulos, Marçal admitiu que não esperava que nenhum dos dois aceitasse o convite. Boulos foi.
Se você esteve em coma ao longo da última
campanha eleitoral e acordou assistindo a sabatina com Boulos e Marçal, deve
ter achado a coisa toda uma demonstração de civilidade. As perguntas de Marçal,
um candidato de direita derrotado, eram sobre temas razoáveis
—empreendedorismo, impostos, educação financeira. As respostas de Boulos, um
candidato de esquerda buscando votos no centro, foram igualmente ponderadas,
aceitando que o governo deve oferecer educação, crédito e apoio aos
trabalhadores que desejam se tornar empreendedores.
Para quem não estava em coma nos últimos
meses, entretanto, o espetáculo teve um tom desconfortável, e a própria
civilidade entre os debatedores parecia uma encenação de teatro do absurdo.
No primeiro turno, Marçal
conduziu a campanha mais suja da história de São Paulo.
Dois dias antes da eleição, divulgou
uma certidão médica falsificada mentindo que Boulos, na pandemia,
havia sido internado com overdose de cocaína.
Por isso, quando a live foi anunciada, a
resposta mais comum entre os analistas políticos foi: "Por que,
Boulos?".
Não é difícil entender. A principal
dificuldade de Boulos, e das últimas campanhas de esquerda, foi falar ao
eleitorado que Marçal capturou: os pobres que buscam se salvar da precarização
pelo empreendedorismo. O próprio Boulos havia publicado, dias antes, uma
"Carta ao Povo de São Paulo" reconhecendo que a esquerda não havia
prestado atenção suficiente nesse pessoal. Uma chance de conversar diretamente
com os eleitores de Marçal —responsáveis pela vantagem de Nunes nas pesquisas–
era difícil de recusar.
Por outro lado, ao conversar civilizadamente
com Marçal, Boulos aceitou correr o risco de normalizá-lo. O que Marçal fez no
primeiro turno de São Paulo foi vil a ponto de atrair a simpatia de gente vil
como Jair
Bolsonaro e Ricardo Salles. Marçal só não foi o candidato do coração
de Bolsonaro porque Jair não tem coração. O ideal seria, de agora em diante,
estabelecer um cordão sanitário em volta de Marçal, isolando-o de todos os
lados da política democrática.
Ao aceitar a sabatina, Boulos não apoiou
Marçal –os dois deixaram claros que continuam adversários– mas, de certa forma,
rompeu o cordão sanitário. Não foi uma violação de cordão sanitário como as de
Ricardo Nunes ou Tarcísio
de Freitas, que ainda apoiam Bolsonaro depois do 8 de janeiro. Mas foi
feio.
Valeu a pena? É cedo para dizer.
Se Boulos conseguir estabelecer pontes com o
eleitorado de Marçal este domingo, ou nos próximos anos, talvez sua
participação na sabatina seja vista como um marco na reaproximação da esquerda
com um eleitorado que havia perdido. Mas se Marçal voltar a ser uma ameaça,
Boulos pode passar a vida ouvindo que foi um dos responsáveis por ter
normalizado o bolsonarismo 2.0.
3 comentários:
" Marçal só não foi o candidato do coração de Bolsonaro porque Jair não tem coração. "
Gostei disso.
😏😏😏
Celso Rocha de Barros.
Até acho que ele tem coração, mas só bate pelos familiares e pelos torturadores.
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