quinta-feira, 28 de novembro de 2024

De golpe em golpe - Malu Gaspar

O Globo

As revelações do relatório da Polícia Federal sobre a trama golpista impressionam pela quantidade de detalhes e pela ousadia do grupo de militares que estava disposto até a matar para impedir que o resultado da eleição presidencial de 2022 fosse respeitado. Mas ninguém que tenha seguido o noticiário no Brasil desde que Jair Bolsonaro foi eleito pode alegar surpresa.

As investigações deixaram claro que os surtos golpistas de Bolsonaro já eram acompanhados por articulações no submundo militar desde 2021, quando se desenhou um plano de fuga do então presidente para o exterior, caso uma tentativa de virar a mesa não desse certo.

Foi um período conturbado. Começou com a renúncia conjunta dos três comandantes das Forças Armadas, que se recusaram a aderir ao decreto de Garantia da Lei e da Ordem ou ao Estado de Sítio desejados por Bolsonaro para acabar com o isolamento social contra a Covid-19, decretado por prefeitos e governadores e chancelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O novo comando, subserviente a Bolsonaro, decidiu não punir o general Eduardo Pazuello por ter desrespeitado o regimento militar subindo no palanque de um ato político. E não só fez que não viu o golpismo do então presidente, como o incentivou, ao boicotar o trabalho de auditoria promovido pela Comissão de Transparência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O próprio Freire Gomes, que agora aparece como herói no relatório da PF por ter ameaçado Bolsonaro de prisão caso seguisse com o plano de golpe, chegou a protelar a divulgação do relatório mostrando que nunca houve fraude nas eleições. Ainda assinou uma carta apoiando o “direito à manifestação” dos acampados nas portas dos quartéis. Quando finalmente o comandante do Exército deu um basta à conspiração, uma pletora de fardados já circulava pela Esplanada tentando evitar a posse de Lula, bolando assassinatos, sequestros e explosões de bombas.

Pode-se até aceitar a alegação de que Freire Gomes se equilibrou como pôde para impedir o golpe sem perder o controle da tropa — embora já fosse de conhecimento público que Bolsonaro, quando pressionado, recua, como fez desistindo de assinar o decreto golpista. Que Lula tenha recorrido à mesma desculpa, é mais difícil de entender.

O presidente preferiu ignorar os alertas de interlocutores da caserna e nomeou como seu comandante do Exército o general Júlio Arruda. Em condições normais, Arruda seria o candidato natural, por ser o primeiro na linha de antiguidade do generalato. Mas, como era também um kid preto, egresso das Forças Especiais, temia-se que fosse próximo demais dos golpistas para discipliná-los. E foi.

Lula só demitiu Arruda depois que ele se recusou a barrar a posse de Mauro Cid no 1º Batalhão de Ações de Comandos, em Goiânia (GO), e resistiu à entrada da Polícia Militar nos acampamentos na noite do 8 de Janeiro. Mesmo depois de superado o trauma dos ataques, o presidente e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, recorreram ao discurso da pacificação e enterraram toda e qualquer providência que pudesse melindrar os militares.

Primeiro, desidrataram a iniciativa de parlamentares petistas de reescrever o artigo 142 da Constituição, que os golpistas pretendiam usar para justificar a intervenção.

Depois, deram à Defesa a maior fatia do orçamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — R$ 52,8 bilhões. E protelaram ao máximo a reabertura da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que tinha sido prometida para os primeiros meses de mandato, mas só foi criada em julho passado.

Até outro dia, Mucio ainda se referia aos acampamentos como inofensivos. Chegou a defender alguma forma de anistia aos envolvidos em “casos leves”.

O relatório da PF demonstrou não só que os acampados eram manobrados pelos golpistas alojados no Palácio do Planalto, mas também como, no momento em que a democracia correu mais risco, ficamos à mercê da firmeza e do bom senso de comandantes sobre os quais não se tinha a menor garantia.

A única forma de impedir que uma nova ameaça à democracia ressurja ali na frente é trabalhar por mecanismos estruturais, institucionais e perenes para tirar os militares da política e circunscrevê-los aos quartéis. Vetar oficiais da ativa em cargos de comissão no governo federal ou botar carga no projeto que proíbe a candidatura desses oficiais da ativa seriam bons começos. O que não faz mais sentido é apostar na acomodação e na leniência. A história já mostrou que pode custar caro demais.

2 comentários:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pois é!

Anônimo disse...

Lula tricampeão mundial de conciliação dando bobeira, mais uma vez, com os militares...