Operação contra golpistas contribui para a democracia
O Globo
PF aponta vínculo entre militares de alta
patente e plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes
São extremamente graves os fatos narrados
pela Polícia Federal na investigação do plano de militares das Forças Especiais
do Exército (apelidados “kids pretos”) para matar o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, o vice Geraldo
Alckmin e o ministro do Supremo Alexandre de
Moraes, depois da vitória de Lula sobre Jair
Bolsonaro em 2022.
Foram presos pela PF quatro militares de alta patente e um policial federal. A prisão do general da reserva Mário Fernandes, secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Bolsonaro, leva as investigações à antessala da Presidência da República. Fernandes foi ministro interino e, diz a PF, imprimiu dentro do gabinete da Secretaria no Planalto um documento com o sugestivo nome Punhal Verde Amarelo, em que se tramava envenenar Lula e Alckmin.
Entre os fatos investigados, estão mensagens
enviadas por Fernandes ao então comandante do Exército, general Freire Gomes,
pedindo adesão ao plano — a tentativa foi rechaçada. Em delação premiada, o
tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou que Fernandes defendia um golpe de
Estado para mantê-lo no poder. Uma de suas funções na trama descrita pela PF
era obter adesões nas Forças
Armadas. De acordo com as investigações, Cid e outros militares se
reuniram em 12 de novembro de 2022 na casa do general Walter Braga Netto,
ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro, para tratar do
plano golpista.
A trama previa, ainda segundo a PF, o
assassinato das autoridades no dia 15 de dezembro de 2022, seguido pela
instalação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, sob o comando dos
ex-ministros Braga Netto e Augusto Heleno. Os golpistas, diz o relatório
policial, planejavam usar fuzis, pistolas, metralhadoras, lança-granadas,
lança-rojões e armamentos de guerra.
Naquele período, o país vivia momento
conturbado, com protestos contra a vitória de Lula exigindo que as Forças
Armadas assumissem o poder. “A organização criminosa investigada tinha o
objetivo de incitar parcela da população ligada à direita do espectro político
a resistir na frente das instalações militares para criar ambiente propício ao
golpe de Estado”, diz a PF. O inquérito apresenta indícios de que Fernandes era
o elo entre o núcleo palaciano e golpistas acampados diante do quartel-general
do Exército em Brasília. Felizmente, o plano não foi adiante, pois o Alto
Comando das Forças Armadas não embarcou na aventura.
Foi um avanço que as investigações tenham
chegado aonde chegaram. Agora precisam ir até o fim. É fundamental esclarecer
se Bolsonaro tinha conhecimento ou se tomou parte no golpe urdido dentro do
Palácio do Planalto. Independentemente disso, todos os militares ou civis que
tiverem conspirado contra o Estado de Direito precisam responder por seus atos.
Não pode haver exceções nem anistia para crime de tamanha gravidade. Por óbvio,
as apurações devem ser feitas com serenidade, e aos acusados deve ser garantido
amplo direito de defesa.
Sobretudo, é preciso sublinhar que a minoria
golpista não representa os militares. Ficou evidente pelo desenrolar dos fatos
que, quando confrontadas com a tentativa de golpe, as Forças Armadas seguiram a
Constituição. Tal atitude, assim como a investigação que chegou aos golpistas,
são sinais de maturidade da democracia brasileira.
Novas regras para as emendas parlamentares
são insatisfatórias
O Globo
Elas têm lacunas em transparência, prejudicam
responsabilidade fiscal e não encerram conflito institucional
O projeto aprovado no Congresso para
regulamentar emendas parlamentares é insatisfatório. Apesar de trazerem
avanços, as regras impostas continuam deixando a desejar em termos de
transparência. Entre os avanços, elas preveem a fiscalização regular do Tribunal
de Contas da União, priorizam obras de caráter estruturante para tentar reduzir
a destinação paroquial das verbas e mudam critérios para emendas enviadas ao
caixa de municípios e estados, as “emendas Pix”. A partir da sanção da lei, os
autores dessas emendas e o destino do dinheiro deverão ser identificados. Tudo
isso não bastará, porém, para garantir a transparência desejável.
Embora em toda democracia haja dispositivos
constitucionais para os parlamentares destinarem recursos a suas bases, as
emendas no Brasil se tornaram uma aberração pelo vulto que assumiram. Nos
últimos dez anos, cresceram quase 550% em termos reais e hoje representam cerca
de 20% das despesas livres da União, parcela sem paralelo em qualquer lugar do
mundo. Em geral, resultam em mau uso do dinheiro público, pois a lógica do
parlamentar é paroquial. Deputados e senadores com mais poder conseguem
canalizar volume maior de dinheiro a suas bases eleitorais. Perdem os locais
mais necessitados ou sem poder de pressão.
Em 2022, o Supremo Tribunal Federal (STF)
declarou inconstitucionais as “emendas do relator”, por omitirem o parlamentar
responsável pelo destino da verba — um incentivo à corrupção. Imediatamente os
congressistas encontraram outra saída para alocar recursos segundo critérios
políticos: as “emendas de comissão”, que também não identificam os
parlamentares responsáveis e saltaram de R$ 474 milhões em 2022 para R$ 15
bilhões neste ano. Pelo texto aprovado no Congresso, elas continuarão uma
caixa-preta, pois as novas regras não obrigam a identificação.
Além disso, o Parlamento deu as costas ao
compromisso de responsabilidade fiscal. Ainda que tenha imposto limites ao
crescimento das emendas, nem cogitou reduzir o total a patamares compatíveis
com o resto do mundo. Na votação do Senado, caiu o trecho que permitia ao
governo bloquear o pagamento quando a despesa aumenta. Foi mantido apenas o
poder de contingenciar, aplicável quando há queda na receita, algo mais raro.
Por fim, ao votar o projeto, o Congresso
violou itens do acordo firmado no final de agosto entre representantes de
Legislativo, Executivo e Judiciário. O encontro de quatro horas em Brasília há
exatos três meses foi um sinal de maturidade depois das duas semanas de choque
institucional que sucederam a suspensão do pagamento das emendas pelo Supremo.
É certo que nem tudo o que foi acordado foi negligenciado. Mas agora, quando
trechos do texto forem contestados no Supremo — e decerto serão —, é muito provável
que sejam barrados, por contradizerem os princípios constitucionais que
deveriam norteá-lo, transparência, moralidade e publicidade. O conflito
institucional deverá se prolongar.
Brasil consegue consensos possíveis no
comando do G20
Valor Econômico
Embora o saldo final do G20 possa ser visto
como positivo para o país, o governo Lula deve se preparar para um cenário
bastante distinto ao sediar a COP30 no ano que vem
A presidência do Brasil no G20 terminou com
um saldo positivo dentro do espaço curto de possibilidades de consenso, em um
cenário internacional conflagrado por guerras, tensões e disputas ideológicas
que impedem acordos sobre temas urgentes que deveriam ser prioridades de todos.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva obteve resultados concretos em uma das
prioridades estabelecidas, o combate à fome e à pobreza, um feito a se
comemorar, e avanços mais tímidos que as ambições expressadas em outras - a taxação
de grandes fortunas, o financiamento para combater as mudanças climáticas e a
reforma da governança global.
A declaração final divulgada na noite do
primeiro dia do evento, um feito por si só dado o histórico recente da cúpula,
foi prova da dificuldade presente nos debates ao longo dos últimos meses. Em
estratégia acertada, o Itamaraty deixou temas espinhosos para reuniões
derradeiras, impedindo que discordâncias conhecidas sobre as guerras na Ucrânia
e em Gaza, os dois pontos mais sensíveis sobre a mesa, contaminassem os debates
e travassem acordos possíveis. A nova ofensiva lançada pela Rússia contra os
ucranianos e a reação dos Estados Unidos de autorizar Kiev a contra-atacar com
mísseis americanos de longo alcance quase inviabilizaram o texto fechado pelos
negociadores.
No fim, a versão acertada previamente
prevaleceu, com a mudança de apenas duas palavras, apesar das pressões
europeias para reabertura mais ampla das discussões. Para acomodar os
interesses em jogo, evitou-se apontar explicitamente responsáveis - a Rússia
sequer é citada -, mas foram incluídos uma condenação das terríveis
consequências humanitárias dos conflitos; e apelos por um cessar-fogo em Gaza,
pela solução de dois-Estados entre Israel e Palestina e por “paz abrangente” na
Ucrânia.
A maior resistência, porém, veio da
Argentina. Empoderado pela eleição de Donald Trump, por quem foi recebido na
última semana na Flórida, Javier Milei desembarcou no Rio com aparente
disposição de dar uma vitória aos críticos do multilateralismo. Seu governo
chegou a ficar fora da lista inicial da Aliança contra a Fome e a Pobreza, mas
recuou, e ameaçou travar o documento final. Ao se ver isolado, Milei optou por
ressalvas verbais ao texto final. Ainda assim, além de dar mostra de como as
discussões internacionais serão mais complicadas com a troca de inquilino na
Casa Branca, Milei leva na bagagem importante acordo com o Brasil para
exportação de gás natural de Vaca Muerta, crucial para a recuperação da
combalida economia do país.
O grande legado deixado pela presidência
brasileira do G20 é a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, ainda que com
prazo para acabar. Com a adesão de 148 membros, entre eles 82 países e nove
instituições financeiras globais, seu objetivo é auxiliar os governos, com
compartilhamento de conhecimento e experiências de políticas bem-sucedidas de
transferência de renda, alimentação escolar e qualificação para o emprego, a
elaborarem planos para erradicar a insegurança alimentar e a pobreza até 2030.
Bases da aliança serão instaladas pelo mundo - a principal delas, de caráter
técnico, na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) já anunciou financiamento de
US$ 25 bilhões para a iniciativa.
Os avanços em outras prioridades ficaram
aquém das ambições do Planalto. A taxação dos super-ricos constou na declaração
final, o que foi visto como vitória brasileira, mas não foi assumido
compromisso de que os países cobrem mais impostos de seus milionários. O texto
destaca apenas a importância de pessoas com “patrimônio líquido ultra-alto”
serem efetivamente tributadas. Sobre a governança global, o texto recorre a
platitudes de sempre para reafirmar a disposição dos países em revigorar e
fortalecer o sistema multilateral. Não há menção a reformas em nenhum
organismo, muito menos do Conselho de Segurança da ONU, desejo de longa data de
Lula e da diplomacia brasileira.
Já no front climático, o Brasil conseguiu que
os países reconheçam a necessidade de fazer mais para cumprir as metas
previstas no Acordo de Paris e barrou uma proposta feita pelos mais ricos para
que os custos climáticos fossem divididos com os países em desenvolvimento.
O governo brasileiro conseguiu também ampliar
as discussões do G20, antes restritas, a muitos segmentos sociais e econômicos,
que contribuíram nas discussões de dezenas de temas, com propostas para todos
eles. Deu um exemplo de como as reuniões podem ser feitas, assim como esboçou
um mecanismo que servirá ao Brasil e a outros países para democratizar debates
e decisões.
Embora o saldo final do G20 possa ser visto
como positivo para o país, o governo Lula deve se preparar para um cenário
bastante distinto ao sediar a Cúpula do Clima (COP30) em Belém em 2025. A
sombra de Trump, na figura de Milei, já foi quase suficiente para travar os
consensos possíveis. Seu negacionismo climático e sua oposição ao
multilateralismo certamente serão entraves para que se consiga avançar em temas
tão caros e urgentes para o mundo.
Suspeitas graves exigem tanto rigor como
equilíbrio
Folha de S. Paulo
Para que apurações cheguem a bom termo em
suposto plano de matar Lula, Alckmin e Moraes, é preciso restabelecer
normalidade do trâmite judicial
Preocupações com atos e conspirações contra
as instituições democráticas e o Estado de Direito voltaram a aflorar desde a
semana passada, quando um homem chegou à frente da sede do Supremo Tribunal
Federal munido de
explosivos e morreu no local.
Nesta terça (19), o tema ficou mais
escandaloso com uma operação da Polícia Federal que investiga nada menos que um
plano ruminado entre militares, no final de 2022, para assassinar o então
presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
seu vice, Geraldo
Alckmin (PSB), e o ministro Alexandre de
Moraes, do Supremo
Tribunal Federal e, na época, chefe da Justiça Eleitoral.
É desnecessário apontar a gravidade de tais
acontecimentos —e do que dá às suspeitas sua verossimilhança. O fato
indiscutível é que Jair
Bolsonaro (PL) estimulou entre auxiliares e seguidores ideias
desvairadas de ruptura institucional que levaram, no exemplo mais visível, ao
ataque de uma turba fanatizada às sedes dos Poderes em 8 de janeiro do
ano passado.
O próprio ex-presidente
foi tornado inelegível pelas mentiras que espalhou, púbica e
descaradamente, sobre as urnas eletrônicas. Descobrir até que ponto avançaram
tramas golpistas no governo passado, porém, é tarefa complexa, que exige
conduta responsável e equilibrada por parte das autoridades, a começar pela
corte mais elevada do país.
Os últimos dias também trouxeram de volta
atitudes indevidas como declarações fora dos autos, não raro antecipando
julgamentos. A nova investigação da PF se soma aos casos em que Alexandre de
Moraes figura
simultaneamente como supervisor e vítima em potencial.
Outras frentes a serem esclarecidas incluem
as tratativas para a decretação de estado de defesa e de sítio antes da posse
do governo eleito, sobre as quais já depuseram ex-comandantes das Forças
Armadas, e a suposta espionagem de adversários e críticos por parte
de uma "Abin
paralela", da qual ainda se conhecem publicamente poucas
evidências.
Para que as apurações cheguem a bom termo, é
preciso que polícia e, principalmente, Justiça se comportem de modo mais
técnico e menos político. O Supremo não pode desperdiçar mais uma oportunidade
de caminhar na direção desejável.
Parece precipitada a decisão do presidente do
tribunal, ministro Luís Roberto
Barroso, de distribuir
também a Moraes a relatoria do inquérito sobre o atentado da
semana passada, por entender que há conexão com as ações do 8/1. O mais correto
teria sido seguir os trâmites ordinários até uma conclusão mais sólida.
É urgente voltar a caminhos mais ortodoxos.
Houve razões para proceder de formas incomuns, dado que, sob Bolsonaro, a
Procuradoria-Geral da República a cargo de Augusto Aras mergulhou
em inércia subalterna, fragilizando todo o sistema de defesa institucional. A
situação, espera-se, não é mais essa.
Putin faz ameaça nuclear no milésimo dia da
guerra
Folha de S. Paulo
Russo reage a provocação de Biden e coloca
sua retórica na forma de decreto que eleva os riscos de confronto entre
potências atômicas
O milésimo dia da Guerra da Ucrânia,
contabilizado nesta terça-feira (19), trouxe consigo a volta da ameaça nuclear.
Enquanto retórica, ela esteve viva nas falas de Vladimir
Putin desde que o presidente russo decidiu invadir o país
vizinho, em 24 de fevereiro de 2024.
Do discurso do dia do ataque a inúmeras
citações desde então, permeadas por atos mais concretos como exercícios
militares, o abandono do último tratado de desarmamento vigente e o
posicionamento de ogivas táticas na aliada Belarus, a sombra do átomo sempre
esteve lá.
O blefe funcionou para retardar o incremento
do grande apoio que permite a resistência de Kiev,
mas sempre foi denunciado como tal por Volodimir
Zelenski e aliados mais belicistas.
O que parecia bravata foi entronizado em
um decreto
estabelecendo a nova doutrina de emprego de armas nucleares
pelo país que mais as possui —Rússia e
EUA somam 90% do total.
Putin ampliou o
leque de situações em que pode apertar o botão atômico. Além
disso, deixou claro que um ataque convencional à Rússia por país apoiado por
potência nuclear ensejará a possibilidade de uma guerra atômica contra ambos.
Ressaltou ainda que, se o inimigo for de uma
aliança como a Otan, o conflito poderá ser generalizado. Em resumo, desenhou o
cenário atual na Ucrânia.
Se a regra anterior, de 2020, respondia a
um Donald Trump que
havia também facilitado o emprego das armas americanas, agora Putin se viu
motivado por um Joe Biden à
beira de devolver a cadeira para o antecessor republicano.
O americano autorizou a Ucrânia a utilizar os
mísseis de longo alcance dos EUA, com os quais foi equipada, para atingir alvos
distantes da fronteira. Kiev não perdeu tempo e atacou um arsenal russo a cerca
de 150 km de seu território. Foi um teste.
Ato contínuo, Putin divulgou o texto do
decreto nuclear que, de resto, ele havia prometido meses atrás como resposta ao
que chama de escalada do envolvimento ocidental no conflito.
Após meses de pressão de Kiev, Biden resolveu
pagar para ver as cartas de Putin de forma tardia, na visão de quem só aponta
bazófia do russo. Afinal de contas, é improvável que qualquer coisa mude no
rumo da guerra, ora sendo vencida pelo Kremlin.
Se é certo que não interessa a Moscou vaporizar Kiev ou Varsóvia, sob pena de desaparecer também, a materialidade dada às ameaças por Putin em resposta a Biden insere um novo e perigoso componente na já volátil conjuntura de segurança europeia.
Traidores da Pátria
O Estado de S. Paulo
Revelação de audacioso plano para matar Lula
da Silva, entre outras autoridades, mostra até onde os golpistas pretendiam
chegar com seu furor delitivo para manter Bolsonaro no poder
É de indignar todos os democratas deste país,
sejam quais forem as identidades político-ideológicas que possam distingui-los,
a revelação de que autoridades do governo de Jair Bolsonaro e militares das
Forças Especiais do Exército, além de um policial federal, teriam conspirado
para assassinar, no fim de 2022, o então presidente eleito Lula da Silva, o
vice, Geraldo Alckmin, e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre
de Moraes, que à época acumulava o cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE).
Como se sabe, na manhã de ontem a Polícia
Federal (PF) deflagrou a Operação Contragolpe, que culminou na prisão do
general reformado Mário Fernandes, ex-secretário executivo da Secretaria-Geral
da Presidência (2020) e atualmente assessor do deputado Eduardo Pazuello
(PL-RJ). Além de Fernandes, outros três militares com formação em Forças
Especiais, conhecidos no Exército como “kids pretos”, foram presos por suspeita
de elaborar o plano homicida com vistas “à abolição violenta do Estado
Democrático de Direito”: Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo
e Hélio Ferreira Lima. O quinto envolvido diretamente na trama, também preso, é
o policial federal Wladimir Matos Soares.
A tentativa de golpe de Estado urdida pelos
inconformados com a democracia, uma súcia de civis e militares, da ativa e da
reserva, todos do entorno de Bolsonaro, já era execrável por tudo o que se
sabia a respeito da sedição até agora. Por meio da desqualificação do processo
eleitoral, entre outras artimanhas, pretendia-se evitar a eleição de Lula da
Silva como presidente da República. Malfadado esse desiderato, partiu-se,
então, para o impedimento da posse. A rigor, o que a Operação Contragolpe fez
foi mostrar ao País, com impressionante riqueza de detalhes, até onde esses
golpistas pretendiam chegar com seu furor delitivo para manter Bolsonaro no
poder, em afronta à vontade popular legitimamente consagrada pelas urnas em
2022.
Chamado no ninho golpista de “Punhal Verde e
Amarelo”, como se patriota fosse, o plano dos militares liderados, do ponto de
vista operacional, pelo general Mário Fernandes, ex-comandante de Operações
Especiais do Exército (2018-2020), consistia, pasme o leitor, em envenenar
Lula, “considerando a vulnerabilidade de seu atual estado de saúde e sua
frequência a hospitais”. Alckmin, segundo consta, também seria envenenado. Já
para matar Alexandre de Moraes, os golpistas pretendiam detonar explosivos
durante uma cerimônia pública. Eis a dimensão da infâmia. Ainda segundo a PF,
ao menos uma reunião para arquitetar o triplo homicídio teria sido realizada na
residência do general Walter Braga Netto, então ministro da Defesa e candidato
a vice na chapa de Bolsonaro pela reeleição. Este jornal apurou que a PF não
tem dúvidas sobre o “envolvimento direto” de Braga Netto nessa trama mais do
que antidemocrática, macabra.
Em um ofício de 221 páginas endereçado ao
gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator do Inquérito 4.874, que
investiga no âmbito do STF a ação das chamadas “milícias digitais
antidemocráticas”, a PF detalhou como os militares sediciosos monitoraram os
passos de Lula, Alckmin e do próprio Moraes para decidir como e quando agir.
Resta claro que o País esteve muito próximo de ser tragado por uma convulsão
política e social inaudita em sua história recente. E é lícito inferir que as
consequências mais nefastas dessa extrema violência política, gravíssima por
sua mera cogitação, só não se materializaram porque o Alto Comando do Exército
não endossou a estupidez.
Mas que ninguém se deixe enganar. Se
felizmente a intentona não foi adiante, o simples fato de frutificar entre os
mais bem treinados militares do Exército esse ímpeto golpista em nada
tranquiliza a Nação. O País só estará em paz quando, um por um, todos os
traidores da Constituição, que, como dissera Ulysses Guimarães, também são
traidores da Pátria, forem julgados por seus crimes sob a égide do mesmo Estado
Democrático de Direito contra o qual se insurgiram.
A conta da política fiscal eleitoreira
O Estado de S. Paulo
Levantamento da FGV mostra que estratégia de
maquiar gastos abusivos nas eleições vinha sendo reduzida após um pico com
Dilma Rousseff. Mas, com o lulopetismo de volta, o céu é o limite
Populistas não seriam populares se não fossem
eficazes na arte de vender ilusões. Na economia, ela implica rifar o
crescimento sustentável no futuro para fabricar um bem-estar efêmero no
presente. A regra número um do manual do demagogo é mascarar a expansão de
gastos ao final do seu mandato, obrigando a sociedade a pagar a conta no
seguinte. Pesquisadores da FGV Ibre fizeram as contas para mostrar o tamanho
dessa fatura.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se
queixa, por exemplo, de despesas contratadas sem fontes de financiamento
herdadas de Jair Bolsonaro. De fato, Bolsonaro empregou estratagemas criativos
para ocultar impactos fiscais, como quando transferiu dívidas do Tesouro – os
precatórios – para administrações futuras ou declarou “estado de emergência” em
2022 para justificar gastos fora do teto. Em tese, ele entregou o governo com
um superávit primário de 0,2% do PIB; na prática, como os gastos encobertos foram
de 0,9%, legou um déficit de 0,7%.
Este retrato do momento é útil à retórica
vitimista lulopetista. Mas a trajetória do filme mostra que o lulopetismo é o
grande responsável pela disfuncionalidade fiscal cujo preço se vê, por exemplo,
nas cotações do dólar. Bolsonaro só aplicou a cartilha lulopetista, mas com
menos denodo.
A contabilidade criativa vinha sendo reduzida
nos últimos ciclos eleitorais. O déficit real de 0,7% do PIB, ao final de seu
mandato, foi de 1,2% ao final de Dilma 2/Temer e de 3,5% ao final de Dilma 1
(1,8% de déficit primário, mais 1,7% de gastos ocultos). Para piorar, o período
pré-eleitoral em Dilma 1 foi marcado por fortes intervenções no câmbio para
baixar momentaneamente os preços das importações, o que não aconteceu nem no
governo Temer nem no governo Bolsonaro – que, inclusive, inviabilizou a prática
ao aprovar a autonomia do Banco Central, que Lula detesta.
A própria Dilma só agravou a degradação
herdada de seu criador. Após a reestruturação fiscal de FHC e um período de
estabilidade no início de Lula 1, a situação fiscal se deteriorou
continuamente, de um superávit primário de 2,5% em 2005 para um déficit de 1,8%
em 2014. Entre 2015 e 2019, o déficit se manteve em 1,5%. Em 2020, houve uma
recuperação, e 2021 se encerrou com superávit de 0,6%.
Nos últimos anos houve, como diz Haddad,
aumentos de despesas obrigatórias sem fonte de financiamento, como no Bolsa
Família, Fundeb ou emendas parlamentares – todos apoiados pelo PT. Ainda assim,
o gasto primário do biênio 2021-2022, de 18,1% do PIB, foi inferior aos 19,5%
de 2019, pois o salário mínimo e os gastos com saúde e educação eram ajustados
pela variação da inflação, portanto, sem aumento real.
Como dizem os pesquisadores da FGV Ibre, o
governo Bolsonaro fez uma “escolha” para acomodar a elevação das despesas, e,
se o modelo tivesse sido mantido nos quatro anos subsequentes, teria criado um
espaço fiscal de 1 ponto porcentual do PIB. Já o governo Lula “não fez escolha
nenhuma”. O salário mínimo agora é reajustado pela inflação e pelo crescimento
do PIB, enquanto as despesas com saúde e educação voltaram a ser vinculadas às
receitas.
A arrecadação aumentou, mas os gastos
aumentaram mais e 2023 voltou a registrar um déficit de 1,6%. Para piorar, o
governo elevou gastos parafiscais – como bolsas para estudantes ou empréstimos
via fundos públicos –, que não passam pelo Orçamento, mas pressionam a dívida.
Quando Bolsonaro aprovou o aumento
“temporário” do Bolsa Família em 2022, Lula ironizou: “É como se fosse um
sorvete: chupou, acabou; fica com o palito na mão. Temos que dar uma lição para
ele”.
A lição seria aprovar, como nas economias
desenvolvidas, mecanismos institucionais para garantir a robustez da política
econômica no médio prazo, como limites fiscais num horizonte de três a quatro
anos para contrabalançar o apetite imediatista dos ciclos eleitorais. É o que
se esperaria de um estadista. Mas Lula é um populista, e faz o contrário:
produz mais sorvetes, com novos sabores, empurrando para 2027 um ajuste fiscal
amargo. A sociedade continuará a pagar a conta dos populistas, se não aprender a
lição e puni-los nas urnas.
Indústria em quarto minguante
O Estado de S. Paulo
Indústria de transformação perde espaço nas
exportações e carece de uma visão mais estruturante
O perfil exportador industrial do Brasil
mudou acentuadamente em duas décadas. Em 2003, a indústria de transformação
respondia por 82,3% do total exportado, enquanto a indústria extrativa e a
agropecuária ficavam, juntas, com os restantes 17,17%. Atualmente, a relação é
de quase convergência, com 54% para o setor de transformação e 46% para os
outros dois.
Os dados, expostos por Lia Vals, pesquisadora
associada da Fundação Getulio Vargas (FGV), em entrevista ao Estadão,
demonstram a fragilidade do segmento de transformação, essencial por converter
produtos primários em bens acabados ou intermediários, muitas vezes usados pela
própria indústria.
A composição da pauta exportadora industrial
vem mudando de forma contínua ao longo dos anos e reflete, ao mesmo tempo, a
inserção crescente da agropecuária e extrativa brasileiras no comércio mundial
e o debacle do setor de transformação. Como lembrou a pesquisadora, o Brasil
estava entre os dez maiores exportadores de produtos siderúrgicos da
Organização Mundial do Comércio (OMC) nos anos 1990 e, no ano passado, havia
caído à 34.ª colocação.
Depois de anos de um crescimento vertiginoso
entre o período do pós-guerra e meados da década de 1980, a indústria de
transformação ingressou em uma sequência de quedas que suplantou o período de
prosperidade. Assim, a indústria de transformação minguou de uma participação
de 36% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1985 para algo em torno de 11% em
2023.
Não há como dissociar essa derrocada da
sistemática queda da produtividade. Diferentemente do ocorrido em países
desenvolvidos, onde o setor industrial começou a refluir quando já contavam com
renda per capita semelhante à atual, a indústria nacional foi protagonista de
um perde-perde: perdeu mercado doméstico para as importações e perdeu
participação nas exportações.
Num cenário duplamente desfavorável, a
recuperação é tarefa difícil e lenta, para ser buscada por um planejamento que
extrapole governos e se converta em um projeto de Estado. Já não basta reeditar
subsídios tributários e as velhas políticas protecionistas.
Em artigo publicado no Estadão e assinado
pelo presidente Lula da Silva e por seu vice, Geraldo Alckmin, o governo
apresentou ao País a intenção de tocar um projeto de “neoindustrialização”.
Oito meses depois, porém, lançou o “Nova Indústria Brasil”, alvo de críticas
por reativar instrumentos comprovadamente ineficientes, como o crédito
direcionado e subsidiado a setores específicos.
A política de recomposição da indústria de transformação ainda carece de uma visão mais estruturante, algo que vá além da promessa de R$ 300 bilhões em incentivos no curto prazo, visando o ano eleitoral de 2026. É preciso estender o olhar para medidas que definam as próximas décadas, com foco em investimentos em pesquisa e desenvolvimento, novas tecnologias e no aumento da produtividade e da competitividade. Só assim a indústria brasileira poderá aproveitar um mundo sob novo desenho geopolítico para reconquistar o espaço perdido.
Entre memórias e urgentes sanções
Correio Braziliense
A operação da PF ontem e a tragédia da
família Paiva andam de mãos dadas quando se olha para a história do Brasil
A Polícia Federal (PF) bateu à porta ontem
para prender quatro integrantes do Exército e um servidor da própria corporação
acusados de planejar um golpe para matar o presidente Lula (PT) e seu vice,
Geraldo Alckmin (PSB), além do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes. A estratégia, planejada por meio de grupos de WhatsApp e
articulada a partir de diferentes frentes, teve, segundo as investigações, sua
gênese na casa do general Braga Netto, candidato na chapa do PL à Presidência da
República em 2022 ao lado de Jair Bolsonaro.
Uma das ideias envolvia envenenamento das
três autoridades — portanto, sem qualquer chance de defesa. No caso do
presidente Lula, a PF informa que os quatro militares se aproveitariam da
condição de saúde do petista para envenená-lo durante consultas hospitalares de
rotina. O escândalo choca a sociedade, é uma ameaça evidente ao Estado
Democrático de Direito, mas não surpreende os livros de história.
O país segue enfrentando as feridas abertas
pelo golpe militar de 1964. Ainda que a Comissão da Verdade, extinta em 2014,
tenha prestado um serviço valoroso à democracia brasileira ao revisitar crimes
contra os direitos humanos nunca solucionados pelo Estado, a Lei da Anistia que
perdura desde 1979 escancara uma herança maldita ainda viva entre brasileiros e
brasileiras.
Diante de tal cenário, vem em hora ainda mais
essencial o sucesso do longa-metragem Ainda estou aqui, em cartaz na maioria
das salas de cinema do país. O filme, dirigido por Walter Salles, conta a
história de Eunice Paiva (Fernanda Torres), viúva do ex-deputado Rubens Paiva
(Selton Mello), sequestrado e assassinado pela ditadura militar em 1971.
A trama, mesmo exigindo compreensão sobre a
história do Brasil para seu entendimento mais completo, emociona o público ao
redor do mundo por retratar a (quase) destruição de uma família unida e feliz a
partir de um dos crimes mais conhecidos da ditadura militar brasileira. Após
anos de luta de Eunice, o Brasil só atestou a morte de Rubens Paiva pela
ditadura em 1996, a partir da Lei dos Desaparecidos Políticos, sancionada por
Fernando Henrique Cardoso no ano anterior.
A operação da PF que revelou o planejado
golpe intitulado Punhal Verde e Amarelo e a tragédia da família Paiva andam de
mãos dadas quando se olha para a história do Brasil. E o factual da semana
confia às autoridades brasileiras uma nova oportunidade de dar a esses crimes
os pesos que eles precisam ter. Notas de repúdio ou condenações via rede social
são insuficientes para conter quem tem apreço pela opressão. O mesmo vale para
declarações em microfones da imprensa ou em eventos públicos.
Ao mesmo tempo em que os livros e documentos
da ditadura deixam claro que o plano para matar o presidente da República, seu
vice e um ministro do STF tem explicações históricas, o Estado brasileiro já
mostrou, em outras oportunidades, fraqueza ao punir quem odeia a democracia. O
próprio fato de integrantes dos ataques de 8 de janeiro de 2023 terem se
candidatado neste ano, ainda que nenhum deles tenha sido eleito, prova que se
trata de uma nação quase sem memória.
Ainda estou aqui, ao dar ao cinema brasileiro a chance de uma indicação ao Oscar, acerta não só ao retratar a tragédia causada pela ditadura pela ótica da viúva Eunice — diante do contumaz esquecimento da figura da mulher na resistência —, mas também por trazer a temática tão necessária a partir do viés da perda familiar. É preciso (re)lembrar, com nós na garganta, para não repetir os erros do passado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário