Valor Econômico
Detalhes da trama golpista emergiram quando os principais líderes do mundo ainda estavam reunidos no Rio de Janeiro para o último dia da cúpula do G20
Deflagrada nas primeiras horas dessa
terça-feira (19) pela Polícia Federal, a Operação Contragolpe tem a implicação
prática e imediata, que converge com os interesses do Ministério da Defesa, de
dar mais um passo na direção de separar os CPFs dos militares supostamente
envolvidos na trama golpista dos CNPJs das Forças Armadas. Mas ela tem efeitos
colaterais que não devem ser desprezados.
Não foi algo corriqueiro. A operação revelou
uma estratégia para matar em 2022 o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF). Quatro militares do Exército foram presos por
envolvimento na trama, além de um agente da própria PF.
Criou-se um constrangimento para os militares, em meio às discussões conclusivas sobre o pacote que será adotado pelo governo para controlar as despesas públicas.
Faz praticamente uma semana que o Ministério
da Defesa foi convocado para debater medidas adicionais de contenção de gastos.
Pastas da área social já haviam tratado do assunto com a equipe econômica e o
próprio presidente Lula, mas as Forças Armadas foram deixadas por último. E
diferentemente do que ocorreu com alguns ministros civis, não houve quebra de
hierarquia: nenhum oficial fez queixas ou ameaças públicas ao presidente da
República, comandante em chefe das Forças.
Militares argumentam que a atividade na
caserna tem particularidades e o seu sistema de seguridade não deve ser
considerado um regime previdenciário. Para autoridades civis, contudo, alguns
pontos dele podem ser aprimorados. Mais do que uma grande economia,
acrescentam, essas mudanças teriam um efeito “simbólico”.
Na visão de interlocutores de Lula, o esforço
fiscal deve ser feito por todos os segmentos da sociedade, e não somente pela
camada mais pobre da população. Em outras palavras, não apenas pelos eleitores
tradicionais do PT, e por esse motivo se decidiu ouvir mais uma pasta antes da
conclusão do desenho do pacote que visa a sustentabilidade do novo arcabouço
fiscal.
Além disso, as notícias sobre a operação da
PF chegaram a um qualificadíssimo público sem filtros ou atrasos.
Já era de conhecimento da comunidade
internacional o ambiente político conturbado no Brasil durante o processo
eleitoral de 2022, o que levou à realização de articulações entre
interlocutores de Lula e autoridades estrangeiras antes mesmo do pleito. Uma das
preocupações era que acontecesse um tumulto semelhante ao ocorrido em
Washington no dia 6 de janeiro de 2021: na ocasião, uma multidão invadiu a sede
do Congresso americano para tentar impedir a confirmação da vitória do
presidente Joe Biden na eleição e a derrota de Donald Trump.
Tanto que houve um rápido reconhecimento, por
parte da Casa Branca, do resultado das eleições brasileiras. Por meio de uma
nota, Biden parabenizou Lula pela vitória pouco mais de meia hora depois do
anúncio oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para dissipar qualquer
contestação do resultado, o presidente americano citou ainda o fato de as
eleições terem sido “livres, justas e críveis”. Ele não tardou a ser
acompanhado por líderes europeus e latino-americanos naquela mesma noite.
Nessa terça-feira, contudo, os estarrecedores
detalhes da trama golpista emergiram quando os principais líderes do mundo
ainda estavam reunidos no Rio de Janeiro para o último dia da cúpula do G20.
Lula tratou a questão com discrição, sem deixar que a operação ofuscasse o
evento preparado há meses pela chancelaria. Ainda assim, o noticiário sobre a
conspiração não teve como ser ignorado pela comunidade internacional.
Em outro potencial desdobramento, deve ser
mantida a pressão da oposição para que uma proposta de anistia avance no
Congresso. No entanto, os novos fatos revelados reforçam a convicção no STF de
que a ideia não tem como prosperar.
O artigo 5 da Constituição, que trata dos
direitos e deveres individuais e coletivos, estabelece que “a lei considerará
crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura,
o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos
como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os
que, podendo evitá-los, se omitirem”. O indulto dado ao ex-deputado Daniel
Silveira foi cancelado devido à interpretação de que atos atentatórios à democracia
e ao estado democrático de direito tampouco podem ser objeto de anistia.
Cresce, também, a atenção dentro do governo
em relação às indicações para o Superior Tribunal Militar (STM). Isso porque,
segundo as investigações, o arcabouço jurídico do golpe seria desenhado
justamente pela corte. O STM refuta veementemente essas afirmações.
Lula já fez uma primeira indicação, a do
general de Exército Guido Amin Naves. Ele exercia o comando militar do Sudeste,
é considerado um legalista e, se for aprovado pelo Senado, deve ocupar uma
cadeira que ficará vazia no mês que vem.
Outra vaga só abrirá em 2025. Porém, já há
movimentações no Supremo, na área jurídica do Executivo e na Defesa para a
indicação, considerada delicada e estratégica.
O ministros do STM julgam os crimes previstos
no Código Penal Militar cometidos por integrantes das Forças Armadas ou civis.
São peças importantes no processo de pacificação das instituições.
Nenhum comentário:
Postar um comentário