sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

A receita para o governo sair das cordas - Andrea Jubé

Valor Econômico

É hora de Lula ouvir as vozes certas, e agir com serenidade e sabedoria para acertar mais uma vez

No almoço anual da Febraban, no dia 29 de novembro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, detalhou o pacote fiscal, tentou desfazer o mal estar com o anúncio atabalhoado da isenção do Imposto de Renda (IR) de quem ganha até R$ 5 mil, relembrou as despesas bilionárias herdadas dos outros governos, e saiu-se bem na empreitada.

No fim, perguntou se estavam todos convencidos de seus argumentos, e ouviu que sim, estavam. A dúvida era se ele era capaz de convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tudo aquilo. Ao que Haddad respondeu: “O presidente tem o seu tempo de convencimento”.

Quase um mês depois, com o dólar nas alturas e os agentes econômicos ainda atordoados com a perspectiva de ampliação da isenção do IR, o tempo de convencimento de Lula contrasta com o do mercado, o qual, por sua vez, está convencido da falta de compromisso do governo com o equilíbrio das contas públicas.

Contudo, há tempo, ainda, para o governo demonstrar o contrário e reconquistar a credibilidade junto aos agentes econômicos. Mas para isso, segundo fontes do mercado, líderes governistas e do Centrão ouvidos pela coluna nos últimos dias, alguns passos precisam ser seguidos.

Primeiro de tudo, espera-se que Haddad tenha convencido Lula a fazer uma declaração em tom conciliador, reiterando o seu compromisso com o corte de gastos e a responsabilidade fiscal. Uma fala presidencial nesse sentido é aguardada na abertura da reunião ministerial desta sexta-feira, que costuma ser transmitida pela TV pública e redes sociais do governo.

Essa eventual declaração, na avaliação de fontes do mercado e do Congresso, teria potencial para neutralizar fala anterior do presidente, na entrevista ao “Fantástico” no domingo (15), quando Lula declarou que o único problema do país eram os juros altos. Aquela manifestação recaiu como uma bomba no mercado, passando a mensagem de uma postura negacionista do presidente em relação ao problema fiscal.

O ideal para melhorar o ambiente político e econômico, segundo fontes ouvidas pela coluna, seria que Lula suspendesse as declarações sobre juros, e delegasse a missão ao vice-presidente Geraldo Alckmin. A percepção geral é de que bons eram os tempos em que cabia somente ao vice-presidente José Alencar (morto em 2011) protestar contra a taxa Selic alta, e Lula não se indispunha com o Banco Central, comandado por Henrique Meirelles nos seus mandatos anteriores.

Simultaneamente, é urgente concluir a votação das medidas de contenção de gastos, ainda que desidratadas pelo Congresso. É alta a expectativa de que o Senado analisará as três propostas, mesmo se for necessário votar a lei orçamentária de 2025 no sábado.

Somente o desfecho da votação do pacote na Câmara dos Deputados, associado à injeção recorde de dólares no mercado pelo Banco Central, na quinta-feira, já permitiu ao governo colocar o nariz para fora d’água e respirar, com a moeda americana fechando em R$ 6,12.

Outra avaliação é de que esse governo tem autoridades demais falando sobre economia, de modo que a sobreposição de vozes gera ruído e confusão. “Somente o ministro da Fazenda deveria falar sobre economia e a política fiscal”, disse uma fonte com trânsito no mercado. “E os diretores do Banco Central deveriam falar, exclusivamente, pelas atas do Copom [Comitê de Política Monetária]”, acrescentou.

Outro problema é que se cristalizou junto ao mercado e no mundo político a imagem de que o governo Lula 3 é frágil, não coeso, não tem coordenação, não tem plano de voo, os ministros batem cabeça entre si e disseminam intrigas uns contra os outros. Num exemplo recente, com o nome circulando em provável reforma ministerial, o ministro da Secretaria-Geral, Márcio Macedo, disparou que achava que não tinha “inimigos”, e agora descobriu que “tem um monte”.

Na classe política e entre agentes econômicos, o sentimento é de que Fernando Haddad “prega no deserto” em relação ao ajuste fiscal e ao esforço para organizar as contas públicas, enquanto é sabotado pelos colegas da “ala política” do governo.

Um líder do Centrão, com bom trânsito no Palácio do Planalto, disse à coluna que um dos gargalos é o excesso de interlocutores do governo. “Primeiro, você não sabe com quem falar, e depois, ouve uma coisa de um, e outra coisa de outro”, reclamou.

Para esse líder, Lula errou ao fragmentar a articulação política meses atrás, ao ceder à pressão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quando o alagoano se desentendeu com o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha. Em vez de tentar apaziguar os ânimos, Lula designou o chefe da Casa Civil, Rui Costa, para ser o interlocutor político de Lira.

Uma dessas fontes ressaltou que o governo precisa sair das cordas - a crise de confiança fiscal -, porque, fora dela, há dados solares da economia: PIB crescendo mais de 3%, menor desemprego em anos, renda média do trabalhador mais alta, e inflação passível de ser domada.

Há 50 anos, Muhammad Ali jogar-se nas cordas para dar socos e golpes contra George Foreman foi a estratégia acertada para sair das mesmas com o título de campeão do mundo. Lula gaba-se dos bons resultados da economia em seus mandatos anteriores. Pois é hora de ouvir as vozes certas, e agir com serenidade e sabedoria para acertar mais uma vez.

 

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