sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Reação do mercado hoje dirá se crise de credibilidade é definitiva - César Felício

Valor Econômico

Empresários influentes veem um governo em disputa entre grupos e pensam que uma guinada é possível

O Banco Central injetou no mercado nessa quinta-feira U$ 8 bilhões, sendo U$ 5 bilhões em um único certame, no que se converteu na maior intervenção da autoridade monetária desde 1999, conforme observou o repórter Arthur Cagliari no Valor PRO.

Para se ter ideia da magnitude da intervenção, 1999 foi o ano em que o governo Fernando Henrique foi obrigado a abandonar a âncora cambial, diante de uma fuga de capitais que colocou o Brasil no rol dos colapsos dos países emergentes que provocou efeitos sistêmicos no mercado financeiro global. Houve nos anos 90 a crise do México, a da Ásia, a da Rússia e a do Brasil.

Uma ação de tal monta torna difícil ligar a queda de 2,3% da cotação do dólar nesta quinta ao avanço do pacote fiscal no Congresso.

O projeto de lei complementar que enquadra despesas de seguridade dentro do arcabouço fiscal, mas preserva a execução das emendas parlamentares passou no Senado às 20 horas. A aprovação da proposta de emenda constitucional que restringiu programas sociais, mas sem limitar os supersalários do Judiciário, foi aprovada na Câmara às 15 horas. E a do projeto de lei que altera regras para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da política de valorização do salário mínimo se deu depois das 21 horas. Praticamente toda a queda de cotações deu-se das 10 às 14 horas.

A última votação foi a mais apertada (264 a 209) e sinaliza como o governo contrariou a sua base orgânica. Somaram-se aos votos da oposição 31 parlamentares de esquerda: seis do PT, sete do PDT, 10 do Psol, seis do PSB e dois do PCdoB. A defecção foi parcialmente compensada pelos 12 votos a favor da proposta dados pelo PL do ex-presidente Jair Bolsonaro.

O ponto mais polêmico de todos, o que muda regras do BPC, não foi analisado em destaque pelo plenário por acordo de líderes. Se tal acordo não for replicado pelo Senado, onde a proposta será analisada nos próximos dias, é bastante duvidoso a sobrevivência desse item no pacote.

O impacto do dia no Congresso deverá ser observado no mercado nesta sexta. Não há novidade em votações de propostas fiscais de interesse do governo avançarem no Congresso de forma atabalhoada, com muita desidratação do texto. O que existe de singular agora é a possibilidade de um cenário de dominância fiscal ser aplicado no quadro político. Dominância fiscal é a situação em que instrumentos de política monetária, como aumentos de juros, deixam de ser eficazes para reduzir a inflação. Pelo contrário, agravam o quadro, já que a dívida pública se eleva.

A dominância fiscal aplicada ao quadro político é a situação em que expectativas negativas sobre a economia prevalecem em relação a qualquer ajuste obtido depois de um processo de negociação política.

É uma crise de credibilidade. Pacotes enviados do Executivo ao Legislativo sempre pressupõem atrasos na tramitação e modulação do texto. Mas em um quadro de perda de credibilidade extrema o mercado só muda seu “guidance” com a substituição do governo. Em linhas gerais, foi o que aconteceu depois do Brasil perder o grau de investimento em 2015, durante o governo Dilma Rousseff.

A oposição espera ansiosamente que este cenário se concretize. O governo federal, contudo, dispõe de ferramentas para deter ou retardar essa marcha, tanto no plano político quanto no econômico. Empresários influentes veem um governo em disputa entre grupos e pensam que uma guinada é possível.

 

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