segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Lula agarra-se à âncora do ‘jovem chamado Galípolo’ - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Depois de desgastar Haddad com a inclusão da isenção do IR, o presidente transformou o compromisso do futuro presidente do BC com a meta de inflação como alavanca para a recuperação da credibilidade fiscal do governo

Cinco dias depois de dizer que a única coisa errada que há no Brasil é a taxa de juros, na entrevista ao “Fantástico” depois de sua alta hospitalar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou o diretor de política monetária e futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, na âncora de que desesperadamente precisa para tirar o governo do atoleiro.

“Um jovem chamado Galípolo”, tratado por Lula como um “presente” para os brasileiros, foi o mesmo que comandou a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que aumentou em um ponto a taxa de juro, fixando-a em 12,25%, e sinalizou mais dois aumentos de igual monta.

A âncora-Galípolo começou a ser lançada no evento de quinta-feira em que o economista, ao lado de Roberto Campos Neto, comentou o relatório de inflação do quarto trimestre. Comentou-se ali que ele havia assumido o comando do Copom por delegação do atual presidente do BC para dar início à transição. Campos Neto vai tirar férias e será substituído por Galípolo interinamente até a posse em 1º janeiro.

Na ocasião, Galípolo tratou de se distanciar das posições tomadas por integrantes do próprio governo que atribuíram a escalada do dólar a um ataque coordenado contra o real. Do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que viu “digitais” de um ataque especulativo, ao ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, que pediu uma investigação sobre as “fake news” envolvendo o futuro presidente do BC, o governo aderiu em variados graus à tese que acabou por ser rechaçada por Galípolo nesta entrevista. “O mercado não é um bloco monolítico”, disse. “Precisa existir alguém comprando e alguém vendendo”.

Aos 42 anos, Galípolo assume, pelo menos interinamente, o papel que um dia pertenceu a Fernando Haddad, desgastado pelo próprio Lula ao ser obrigado a incluir, no pacote fiscal, a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil. Assessor econômico do presidente durante a campanha eleitoral, Galípolo assumiu uma diretoria no BC depois de passagem pela equipe de Haddad sob forte desconfiança do mercado e dedicou-se a reverter essas expectativas mostrando-se alinhado às sinalizações do colegiado na busca pela meta de inflação.

Haddad tem sua reputação preservada entre os agentes econômicos, mas não dá conta de ancorar as expectativas de que o presidente se enquadrará aos ditames fiscais de que o Brasil precisa. Depois de Galípolo na confraternização com seus ministros no Palácio do Alvorada na sexta, Lula levou-o para a biblioteca e gravou o vídeo exibido em suas redes sociais. Se, à sua equipe, havia dito que o câmbio era a única nota dissonante de um ano de boas entregas, na fala pública não deixou nenhuma margem para se mostrar alinhado às expectativas de contenção fiscal.

Mencionou a estabilidade da economia e a baixa inflação como condições para manter o poder de compra das famílias brasileiras e não descartou nem mesmo a adoção de “novas medidas” como Haddad havia feito na véspera no encontro com jornalistas e como outros ministros passaram a defender depois da escalada do câmbio como única chance para a recuperação da credibilidade.

O movimento iniciado por Lula na sexta-feira foi o de quem tomou consciência de que precisa também parecer fiscalista. Para institucionalizar sua fala ao lado do futuro presidente do BC, Lula cercou-se dos ministros da junta orçamentária - Haddad, Simone Tebet (Planejamento) e Rui Costa (Casa Civil). Lula recolocou o governo nos trilhos mas o percurso em que o manteve descarrilhado o levará a correr atrás do prejuízo. Não apenas aquele decorrente da trinca juro-câmbio-inflação como também em função do preço elevado que a Congresso cobrou de um governo desacreditado para aprovar o pacote de medidas fiscais e levar o país a entrar em 2025 sem um Orçamento aprovado.

Foi igualmente o terceiro ano de seu mandato que a ex-presidente Dilma Rousseff iniciou sem Orçamento. Em 2013 o adiamento deu-se pela disputa em torno da lei dos royalties do petróleo. Desta vez o foi pela pressão do Senado pela reforma ministerial e pela ocupação das comissões temáticas da Casa sob a futura mesa diretora. A alocação orçamentária focada na titularidade das instâncias ordenadoras de despesas e não na premência das políticas públicas é o signo da disfuncionalidade do avanço do Congresso sobre as prerrogativas do Executivo. No período, sua fatia no Orçamento passou de R$ 9 bilhões para R$ 53 bilhões.

O Legislativo não entrou em recesso apenas na expectativa do redesenho dos ordenadores de despesas mas também daquilo que sairá dos despachos dos ministros do Supremo Tribunal Federal que continuarão a trabalhar nas férias, única instância hoje capaz de por um freio nesse avanço. As últimas semanas que precederam o recesso também foram marcadas por operações policiais sobre os desvios de emendas parlamentares.

 

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