Valor Econômico
Depois de desgastar Haddad com a inclusão da isenção do IR, o presidente transformou o compromisso do futuro presidente do BC com a meta de inflação como alavanca para a recuperação da credibilidade fiscal do governo
Cinco dias depois de dizer que a única coisa
errada que há no Brasil é a taxa de juros, na entrevista ao “Fantástico” depois
de sua alta hospitalar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou o
diretor de política monetária e futuro presidente do Banco Central, Gabriel
Galípolo, na âncora de que desesperadamente precisa para tirar o governo do
atoleiro.
“Um jovem chamado Galípolo”, tratado por Lula como um “presente” para os brasileiros, foi o mesmo que comandou a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) que aumentou em um ponto a taxa de juro, fixando-a em 12,25%, e sinalizou mais dois aumentos de igual monta.
A âncora-Galípolo começou a ser lançada no
evento de quinta-feira em que o economista, ao lado de Roberto Campos Neto,
comentou o relatório de inflação do quarto trimestre. Comentou-se ali que ele
havia assumido o comando do Copom por delegação do atual presidente do BC para
dar início à transição. Campos Neto vai tirar férias e será substituído por
Galípolo interinamente até a posse em 1º janeiro.
Na ocasião, Galípolo tratou de se distanciar
das posições tomadas por integrantes do próprio governo que atribuíram a
escalada do dólar a um ataque coordenado contra o real. Do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, que viu “digitais” de um ataque especulativo, ao ministro da
Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, que pediu uma investigação sobre as
“fake news” envolvendo o futuro presidente do BC, o governo aderiu em variados
graus à tese que acabou por ser rechaçada por Galípolo nesta entrevista. “O mercado
não é um bloco monolítico”, disse. “Precisa existir alguém comprando e alguém
vendendo”.
Aos 42 anos, Galípolo assume, pelo menos
interinamente, o papel que um dia pertenceu a Fernando Haddad, desgastado pelo
próprio Lula ao ser obrigado a incluir, no pacote fiscal, a isenção do Imposto
de Renda até R$ 5 mil. Assessor econômico do presidente durante a campanha
eleitoral, Galípolo assumiu uma diretoria no BC depois de passagem pela equipe
de Haddad sob forte desconfiança do mercado e dedicou-se a reverter essas
expectativas mostrando-se alinhado às sinalizações do colegiado na busca pela
meta de inflação.
Haddad tem sua reputação preservada entre os
agentes econômicos, mas não dá conta de ancorar as expectativas de que o
presidente se enquadrará aos ditames fiscais de que o Brasil precisa. Depois de
Galípolo na confraternização com seus ministros no Palácio do Alvorada na
sexta, Lula levou-o para a biblioteca e gravou o vídeo exibido em suas redes
sociais. Se, à sua equipe, havia dito que o câmbio era a única nota dissonante
de um ano de boas entregas, na fala pública não deixou nenhuma margem para se
mostrar alinhado às expectativas de contenção fiscal.
Mencionou a estabilidade da economia e a
baixa inflação como condições para manter o poder de compra das famílias
brasileiras e não descartou nem mesmo a adoção de “novas medidas” como Haddad
havia feito na véspera no encontro com jornalistas e como outros ministros
passaram a defender depois da escalada do câmbio como única chance para a
recuperação da credibilidade.
O movimento iniciado por Lula na sexta-feira
foi o de quem tomou consciência de que precisa também parecer fiscalista. Para
institucionalizar sua fala ao lado do futuro presidente do BC, Lula cercou-se
dos ministros da junta orçamentária - Haddad, Simone Tebet (Planejamento) e Rui
Costa (Casa Civil). Lula recolocou o governo nos trilhos mas o percurso em que
o manteve descarrilhado o levará a correr atrás do prejuízo. Não apenas aquele
decorrente da trinca juro-câmbio-inflação como também em função do preço
elevado que a Congresso cobrou de um governo desacreditado para aprovar o
pacote de medidas fiscais e levar o país a entrar em 2025 sem um Orçamento
aprovado.
Foi igualmente o terceiro ano de seu mandato
que a ex-presidente Dilma Rousseff iniciou sem Orçamento. Em 2013 o adiamento
deu-se pela disputa em torno da lei dos royalties do petróleo. Desta vez o foi
pela pressão do Senado pela reforma ministerial e pela ocupação das comissões
temáticas da Casa sob a futura mesa diretora. A alocação orçamentária focada na
titularidade das instâncias ordenadoras de despesas e não na premência das
políticas públicas é o signo da disfuncionalidade do avanço do Congresso sobre
as prerrogativas do Executivo. No período, sua fatia no Orçamento passou de R$
9 bilhões para R$ 53 bilhões.
O Legislativo não entrou em recesso apenas na
expectativa do redesenho dos ordenadores de despesas mas também daquilo que
sairá dos despachos dos ministros do Supremo Tribunal Federal que continuarão a
trabalhar nas férias, única instância hoje capaz de por um freio nesse avanço.
As últimas semanas que precederam o recesso também foram marcadas por operações
policiais sobre os desvios de emendas parlamentares.
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