segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Pacote de segurança da Câmara é um equívoco grave

O Globo

Crise não será resolvida com medidas isoladas, boa parte erradas. É preciso corrigi-las ou barrá-las

No desfecho do ano legislativo, a Câmara aprovou diversos projetos para a segurança pública cujo efeito tende a ser o oposto do almejado. Entre outras iniciativas, os deputados querem atenuar punições para violência policial, enfraquecer o Estatuto do Desarmamento e prever castração química de pedófilos.

Uma das medidas mais preocupantes é o alívio para a violência policial, que guarda semelhança com a medida defendida pelo governo Jair Bolsonaro conhecida como “excludente de ilicitude”. Agora batizado Regra de Isenção da Providência Antecipada (Ripa), tem por objetivo declarado assegurar “proteção jurídica” a operações policiais e aos agentes infiltrados, invalidando “a ilicitude de certas condutas, eventualmente praticadas em função da operação”. A aplicação do dispositivo dependeria de autorização judicial prévia solicitada pelo órgão de inteligência ou segurança do agente. O secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, diz que o projeto viola garantias e direitos fundamentais. Se for a votação no Senado, deveria ser derrubado.

Nas últimas semanas, o país tem assistido a uma sucessão de abusos policiais. Em São Paulo, um estudante de medicina desarmado foi morto com um tiro à queima-roupa depois de dar um tapa no retrovisor de uma viatura. Um homem que furtara caixas de sabão, também desarmado, foi morto com tiros nas costas. Outro, parado numa blitz, foi jogado do alto de uma ponte por um PM. Em Barueri, na Grande São Paulo, PMs agrediram uma senhora de 63 anos e deram um mata-leão em seu filho. Em todos esses casos, policiais foram afastados e estão sob investigação. Diante das imagens que têm emergido e da escalada da letalidade policial em vários estados, como Bahia ou São Paulo, é impensável que agentes recebam licença para barbarizar. Operações policiais devem seguir a lei e, com base nessa mesma lei, devem ser apurados crimes ou excessos.

Deputados também aprovaram a castração química de condenados por crimes sexuais contra menores. O procedimento, segundo a proposta, deverá ser feito com inibidores de libido e aplicado paralelamente às penas de detenção ou reclusão. O projeto original previa apenas um cadastro para impedir que autores de crimes desse tipo voltassem a cometê-los. A castração foi incluída de última hora. Um projeto dessa natureza deveria ter sido amplamente discutido, e medidas extremas como a aprovada só deveriam ser adotadas com base científica sólida.

Ainda faz parte do pacote a permissão para que investigados ou condenados por determinados crimes possam comprar armas, conduta proibida pelo Estatuto do Desarmamento. Não faz sentido dar acesso a armas a quem tem pendências com a polícia ou a Justiça. Foram aprovadas também uma proposta que aumenta a pena para roubos ou furtos de cabos e outra que torna a prisão preventiva obrigatória em casos de crimes graves ou reincidência.

Os parlamentares fariam melhor se dessem prioridade à PEC da Segurança, que amplia a participação da União no combate ao crime organizado e prevê maior integração entre forças estaduais e federais. Se o pacote aprovado pela Câmara foi resposta à proposta do governo, é uma resposta ruim. Ainda que uma ou outra medida possa surtir efeito positivo, não é com decisões isoladas, muitas equivocadas, que se resolverá o grave problema da violência.

Transferência para prefeitura aponta caminho para hospitais federais do Rio

O Globo

União terá de manter repasses prometidos para evitar que haja nova crise no atendimento

As muitas mazelas dos hospitais federais do Rio são um problema que o atual governo não conseguiu resolver em dois anos de mandato. Em mais uma tentativa de interromper a deterioração de unidades outrora consideradas de excelência, o Ministério da Saúde transferiu à Prefeitura do Rio, no início de dezembro, a gestão dos hospitais Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, e do Andaraí. Se der certo, o acordo poderá indicar um caminho para superar outros impasses.

Aparentemente, não se trata de mais uma “empurroterapia”, manobra que apenas transfere unidades que não funcionam bem a outros gestores. O acordo prevê o repasse de R$ 610 milhões para custear serviços de média e alta complexidade, além de mais R$ 150 milhões para providências imediatas nos dois hospitais. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), disse que o atual modelo de municipalização é diferente de outras transferências sem garantia de recursos.

Nas últimas décadas, idas e vindas na municipalização de hospitais federais geraram impasses, batalhas jurídicas e até uma intervenção federal na saúde do Rio em 2005. Numa das crises mais recentes, em 2018, o então prefeito Marcelo Crivella entrou na Justiça para devolver ao governo federal 24 unidades de saúde, entre hospitais, centros municipais e policlínicas transferidos em anos anteriores. À época, alegou que a União não repassara os recursos prometidos para custeio das unidades, sobrecarregando o caixa do município.

Embora sejam hospitais importantes na estrutura do SUS, Andaraí e Cardoso Fontes viraram usinas de crises. O Andaraí, referência no tratamento de queimaduras, tinha pouco mais da metade dos leitos ocupada, a emergência permanecia fechada, e obras ficaram inacabadas. Depois da transferência, a prefeitura descobriu um tomógrafo de R$ 2 milhões guardado numa caixa, perto de goteiras (o hospital tinha apenas dois, um deles quebrado). No Cardoso Fontes, conhecido pela neuropediatria, o quadro não era diferente: leitos fechados, falta de pessoal e de obras. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu as deficiências: “Se o governo federal não tem condições, que a gente procure um jeito melhor de administrar”.

Entre as metas da prefeitura para o Andaraí, estão abrir mais 146 leitos, totalizando 450; dobrar os atendimentos; contratar mais 800 funcionários; promover reformas; e concluir obras inacabadas, como o novo setor de oncologia. Para o Cardoso Fontes, o plano é abrir mais 68 leitos, somando 250; também dobrar os atendimentos; contratar 600 funcionários; e fazer reformas. A sociedade precisará acompanhar e cobrar.

Espera-se que a promessa de repasses seja cumprida para que não haja novas devoluções e contendas. E que a prefeitura aplique os recursos de forma eficiente, melhorando a gestão dos dois hospitais. Assim ganhará a população, que pena nas filas para conseguir consultas e cirurgias. Será preciso resolver também o atendimento nos hospitais federais de Bonsucesso, dos Servidores, de Ipanema e da Lagoa.

BC atenua crise, mas é hora de o governo se ajudar

Valor Econômico

Ao eludir o ajuste fiscal, o governo está em córner, na metade final do mandato. Uma das maneiras de sair dele é mostrar determinação fiscal e antecipar a busca de superávits primários

Após a projeção de levar a taxa Selic a 14,25% em março e de usar US$ 28,7 bilhões em intervenções no mercado de câmbio, o Banco Central parece ter conseguido estabilizar a cotação do dólar perto e um pouco acima dos R$ 6, depois que a crise de confiança deslanchada pela tibieza do pacote fiscal levou-o ao pico de R$ 6,26. É um equilíbrio precário, pois exigirá correções fiscais que o governo até agora não se dispôs a fazer. As turbulências mostraram que o BC ainda é o último anteparo ao aumento da inflação e à crise cambial, cuja atuação, porém, continua gravemente limitada pela política fiscal expansionista e frouxa determinada pelo Planalto. Mostram também que a confiança dos investidores no novo regime fiscal, arranhada logo em seu primeiro ano com a mudança das metas, aproxima-se de zero. O regime foi incapaz de cumprir o que prometeu, a estabilização do endividamento, que, ao contrário, disparou.

O benefício da dúvida sobre a eficácia das novas regras fiscais deixou de existir. Em dois anos, a dívida bruta subiu 7 pontos percentuais do PIB, façanha conseguida antes apenas pelos governos de Dilma Rousseff. O governo Lula encerrará seu mandato em 2026 com a relação dívida bruta/PIB perto dos 82%, um salto de dez pontos percentuais. O regime fiscal, portanto, foi até agora totalmente incapaz de estabilizar a dívida.

Com aumentos dessa ordem dos déficits, a inflação, que há muito relutava em se mover em direção à meta, entrou em trajetória de alta de novo. Houve choques de oferta no caminho, em especial dos alimentos, e o cenário externo, com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, fortaleceu o dólar diante de todas as moedas emergentes. A perspectiva de menos cortes de juros pelo Federal Reserve reforçou essa tendência. No entanto, a barbeiragem fiscal de apresentar um pacote junto com a isenção do IR para quem ganha até 5 mil impulsionou o dólar a um limite indesejável - maxidesvalorização de 20% no ano.

Nessa magnitude, a desvalorização piorou a alta de preços interna onde ela se manifestava com agudeza. De setembro até agora, as commodities, nas quais se incluem as agrícolas, subiram 13,2%, decorrentes do aumento em dólar de 6,5% somado à depreciação do real de 6,3% (Relatório da Inflação). Considerado o fim de 2023, as variações são enormes: 10% de alta dos preços em dólar e depreciação do real em 22%. O IPCA previsto pelo BC só voltará a cair abaixo do teto da meta (4,5%) no terceiro trimestre de 2025. E, se considerados os fortes aumentos da Selic, no segundo trimestre de 2027 o IPCA ainda será de 3,2%, perto do objetivo, mas ainda não exatamente nele.

Parte significativa da depreciação do real deve ser atribuída à força do dólar, mas predomina a influência da leniência fiscal nas posições que os investidores tomaram nos ativos brasileiros: juros futuros ultrapassando com folga 15%, dólar pulando a barreira dos R$ 6. Com exceção da primeira eleição de Lula, quando a moeda americana chegou a um pico, e da eclosão da covid-19, nunca o real esteve tão desvalorizado desde sua criação (Bernardo Guimarães, FSP, 18-12).

A disparada do dólar se nutriu da própria ação vigorosa do BC ao elevar a Selic em um ponto percentual (12,25%) e sinalizar mais duas altas iguais consecutivas, o que aumentará o diferencial de juros em relação aos EUA e poderia conter o ímpeto da moeda americana. Mas isso não aconteceu. Até outubro, a conta de juros do governo atingiu R$ 869,3 bilhões, ou 7,5% do PIB. As três altas de 1 ponto da Selic elevarão essa conta em mais R$ 150 bilhões, levando os gastos financeiros a mais de R$ 1 trilhão. A desvalorização de 1% no câmbio amplia a dívida bruta em R$ 11 bilhões, se em ambos os casos, tanto a depreciação do real quanto a taxa Selic, permanecer por um ano. E um ponto a mais de inflação, em uma dívida que de 25% a 29% é indexada ao IPCA, traz mais R$ 17,9 bilhões de débito.

Tudo somado, e com um governo que terminará o mandato sem atingir um superávit primário, que é o que permite pagar pelo menos uma fração da dívida, o endividamento ganhou impulso. Isso amplia a desconfiança, em um círculo vicioso que pode acuar um governo cujo presidente não aparenta enxergar a armadilha em que está se metendo. O governo ficou inerte durante a crise, até o BC agir em demonstração de unidade. Roberto Campos Neto, que sai da presidência do órgão, e Gabriel Galípolo, que entra, fizeram um coro afinado sobre perseverança na busca do centro da meta de 3% e da necessidade de fazer o que for preciso para chegar até lá.

A contabilidade de custos é melancólica. Evitar 1 ponto de alta na Selic proporcionaria uma economia quase tão grande quanto a que o tímido pacote fiscal aprovado pelo Congresso pretende alcançar. A mesma alta de 1 ponto corresponde a mais dinheiro que o piso da meta fiscal que se pretende atingir, R$ 30,9 bilhões em 2025. Não estão nos cálculos as privações que a inflação trará aos consumidores de renda mais baixa. Ao eludir o ajuste fiscal, o governo está em córner, na metade final do mandato. Uma das maneiras de sair dele é mostrar determinação fiscal e antecipar a busca de superávits primários. É uma missão possível e de autoajuda: a inflação costuma castigar os governos nas urnas.

Inquérito reforça urgência de afastar militares da política

Folha de S. Paulo

Prisão de Braga Netto mina imagem das Forças, que deveriam apoiar veto à participação de agentes em governos e eleições

A passagem do general Eduardo Pazuello pelo Ministério da Saúde parecia ser a imagem pronta e acabada para ilustrar os problemas da militarização da máquina governamental, pois o conjunto das Forças Armadas tornou-se motivo de piadas devido à incompetência atroz de um de seus membros no manejo da pandemia de Covid.

Isso mudou. Em fins de novembro, ao concluir o inquérito sobre as maquinações golpistas contra a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a Polícia Federal indiciou diversos militares, entre os quais sete oficiais-generais. Um deles, Walter Braga Nettoacabou preso preventivamente no último dia 14, acusado de tentar interferir nas investigações.

Ex-ministro do governo Jair Bolsonaro (PL) e candidato a vice na chapa derrotada de 2022, Braga Netto assumiu o lugar de destaque que Pazuello ocupou até dias atrás. Não o fez por superar a inépcia de seu colega, e sim por simbolizar um problema muito mais grave: o risco que paira sobre a política quando a caserna atravessa suas portas.

O general, como se sabe, não é qualquer um; ele é um quatro estrelas, alguém que atingiu o mais alto posto dentro do Exército —e se tornou o primeiro desse patamar hierárquico a ser detido por decisão do Judiciário, em processo conduzido por civis.

O ineditismo de sua prisão causa inegável constrangimento nas Forças Armadas, ainda que nem exista a denúncia formal a ser escrutinada em processo legal com amplo direito a defesa. Por mais que a cúpula da instituição procure distanciá-la de Braga Netto, há um limite para o uso desse argumento em relação a um militar de carreira tão longeva e de patente tão reluzente.

De resto, entre 40 indiciados pela PF até aqui, nada menos que 28 vestem farda, ou 70% do total. Para piorar, além de Braga Netto há outros quatro generais de quatro estrelas na lista.

A intentona não se materializou porque as instituições resistiram —e, em particular, porque o então comandante do Exército, general Freire Gomes, recusou-se a apoiar uma decretação de estado de sítio ou defesa. Não convém, entretanto, aceitar novos riscos para o futuro.

O país precisa, de uma vez por todas, aprovar normas constitucionais que impeçam militares da ativa em cargos de governo ou em candidaturas eleitorais.

Não se trata de panaceia —o próprio Braga Netto é reservista, condição à qual não caberiam restrições. Entretanto é importante e urgente que a legislação estabeleça uma linha divisória entre as funções das Forças Armadas, que devem servir ao país, e as de governo.

A distinção deve tanto preservar os fardados de eventuais insucessos da administração como evitar que governantes façam uso indevido do poder armado. A proteção institucional é de interesse das próprias Forças, que fariam bem em não opor resistências a propostas nesse sentido em tramitação no Congresso.

Argentina deixa a recessão, mas retomada é só um ensaio

Folha de S. Paulo

Alta do PIB e queda da pobreza apenas mitigam crise que vem do governo anterior; Milei ainda precisa realizar reformas

economia argentina emite as primeiras respostas positivas aos ajustes draconianos adotados por Javier Milei em seu primeiro ano na Casa Rosada. No terceiro trimestre, o PIB subiu 3,9% e a pobreza caiu para 38,9%, após atingir 52,9% da população de janeiro a junho.

Mas seria imprudente celebrar tais resultados como prenúncio do ciclo de crescimento robusto prometido por Milei para os próximos 30 anos, ou até mesmo como superação definitiva da crise econômica alimentada por sucessivos governos peronistas.

A recente expansão do PIB está longe de cobrir os danos causados por três trimestres consecutivos de recessão e de impulsionar com vigor o consumo doméstico.

O crescimento sustentável da atividade no país depende, sobretudo, de ganhos de produtividade ainda não esboçados pelos setores não agrícolas e de investimentos. Os níveis de pobreza, por sua vez, apenas retornaram aos patamares menos piores de 2023.

Ambos os indicadores de fato foram favorecidos pelo controle inflacionário, que não teria se materializado sem o corte drástico de Milei nos gastos públicos. Os argentinos percebem algum impacto da queda na variação de preços sobre seus ganhos reais.

Contudo o recuo das despesas nacionais levado a cabo pelo governo recaiu com peso plúmbeo sobre a população, principalmente nos estratos mais vulneráveis.

Recompor os ganhos reais das famílias, estimular a produtividade e atrair investimentos privados são missões incontornáveis para que a Argentina cresça de modo consistente. Cada uma dessas ações depende do rumo da política econômica em 2025, a ser ditado também pela ambição do governo de ampliar sua base no Congresso na eleições.

Ao que tudo indica, haverá mais contingenciamento. O mandatário ultraliberal reiterou seu objetivo de reduzir os gastos públicos de 33,5% do PIB, em 2024, para 25% no ano que vem.

Uma necessária reforma tributária está no horizonte de 2025, assim como a postergada unificação da miríade de taxas cambiais e o início do discutível processo de dolarização da economia. Boa parte desses esforços, entretanto, dependerá da costura de um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional, a quem a Argentina já deve US$ 44 bilhões.

Ademais, será preciso consolidar uma curva de crescimento com inflação cada vez mais baixa. Até agora, o maior mérito de Milei foi ter aplicado um duro ajuste fiscal sem ter sido escorraçado do poder num país notório pela influência nefasta do populismo na política econômica.

O gabinete petista da desinformação

O Estado de S. Paulo

Numa ofensiva claramente coordenada, o governo petista inventa que o País está sob ‘ataque especulativo’ dos inimigos do Brasil e de Lula, tudo para desviar a atenção de suas lambanças

Incapaz de reconhecer o real motivo da crise de confiança no Brasil e tomar providências para reduzir as incertezas com as contas públicas do País, o governo do presidente Lula da Silva recorreu a uma operação tipicamente lulopetista para explicar a escalada do dólar e as turbulências no mercado financeiro: de maneira claramente organizada, liderada de dentro do Palácio do Planalto, difundiu a “narrativa” de que tudo não passa de um ataque especulativo contra a moeda brasileira, contra o governo e contra o Brasil. Segundo tal lógica, usada por porta-vozes do governo e do Partido dos Trabalhadores (PT) como quem enfrenta inimigos do povo, os recordes sucessivos da cotação do dólar, cuja disparada só arrefeceu depois da injeção de bilhões de dólares pelo Banco Central (BC), foram resultado de uma espécie de complô malévolo em escala internacional. Os especuladores, representados pela “Faria Lima”, estariam mobilizados para arruinar Lula e, por extensão, o povo brasileiro.

A tese, evidentemente, não se sustenta – como, aliás, afirmou o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, nome indicado por Lula para suceder a Roberto Campos Neto. Galípolo demonstrou discordar da ideia de que o País está sob ataque especulativo e lembrou o óbvio: o mercado não é “algo monolítico, tem compra e venda, vencedores e perdedores”. Para ele, “ataque especulativo como algo coordenado não representa bem”. Lula e seus sabujos não pensam da mesma forma. Apesar dessa clareza solar de Galípolo, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, mais uma vez reafirmou suas teses persecutórias, seguida de nomes como o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) – que pediu à Polícia Federal para abrir um inquérito contra a “Faria Lima” –; o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA); o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE); e o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli.

Ficou indisfarçável a ideia de que a estratégia foi forjada não apenas nas hostes do partido – que, como se sabe, se impôs à equipe econômica do governo e quer mandar mais na economia do que o ministro Fernando Haddad –, e sim do Palácio do Planalto. A artimanha ficou patente quando o ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Paulo Pimenta, foi às redes sociais na quarta-feira (18/12) para difundir a tese, com a ênfase de quem denuncia um golpe de Estado. Definindo o tal “ataque especulativo” como “crime de lesa-pátria”, Pimenta afirmou que “a indústria das fake news está trabalhando mais uma vez contra o Brasil, e nós precisamos agir”, informando que o governo acionou autoridades para identificar autores de frases mentirosas atribuídas a Galípolo – e que tais frases espalhadas pelo mundo livre da internet, e não as lambanças do governo no plano fiscal, teriam produzido as oscilações no câmbio. É o estado da arte do lulopetismo.

O Brasil ainda tem fresca na memória a atuação do chamado “gabinete do ódio” dos tempos bolsonaristas – quando havia uma estrutura de comunicação dentro do governo de Jair Bolsonaro destinada a difundir mentiras e atacar opositores na internet. Mas esse gabinete do ódio, malgrado muito competente em seu mister, foi apenas um aprendiz dos infames “blogs sujos”, que nos primeiros governos petistas recebiam generoso financiamento público para atacar sistematicamente os desafetos do partido. Ou seja, os petistas são a vanguarda veterana na arte de destruir reputações e inventar conspirações e estão sempre a postos para agir quando a coisa aperta, o que costuma acontecer com frequência.

Os atuais inquilinos do Palácio do Planalto, portanto, estão fazendo exatamente o que deles se esperava: contaminam o debate público com bobagens paranoicas que desviam a atenção do País do que realmente importa, difundindo teorias conspiratórias e apontando o dedo para inimigos ocultos sem resolver nenhum dos problemas reais. São métodos característicos de governos populistas e autoritários.

Uma usina de corrupção

O Estado de S; Paulo

Corrupção é só a mais aviltante das muitas formas de corrosão democrática resultantes das emendas parlamentares, cuja opacidade faz delas terreno fértil para desvio de recursos

No dia 10 passado, uma força-tarefa da Polícia Federal (PF), do Ministério Público e da Controladoria-Geral da União (CGU) deflagrou uma operação para desarticular um suposto esquema de fraudes licitatórias e desvios de recursos relacionado ao Departamento Nacional de Obras contra as Secas. Segundo a PF, a organização criminosa sob suspeita movimentou cerca de R$ 1,4 bilhão, incluindo R$ 825 milhões em contratos com órgãos públicos só em 2024. Foram cumpridos mandados de prisão preventiva e busca e apreensão em cinco Estados. As investigações apontam superfaturamento em obras para empresas e indivíduos ligados a administrações municipais. Para a surpresa de rigorosamente ninguém, os recursos são oriundos de emendas parlamentares.

As emendas, ou seja, recursos do Orçamento público manejados por parlamentares, são um instrumento legítimo empregado nas democracias e previsto na Constituição Federal com o objetivo de atender a demandas das comunidades representadas pelos congressistas. No Brasil, contudo, desde 2015 seu volume vem crescendo para níveis exorbitantes, sem paralelo no mundo, ao mesmo tempo que mecanismos de alocação técnica, transparente e equânime foram desmantelados.

Utilizadas pelos congressistas para atender à sua clientela paroquial, as emendas corroem a democracia e a coisa pública de diversas maneiras, seja distorcendo a competição eleitoral, seja pulverizando gastos sem eficiência nem isonomia. Mas, além dessa corrupção em sentido amplo, a falta de transparência e controle incentiva a corrupção em sentido estrito, de desvio de recursos públicos para enriquecimento privado.

A corrupção patrocinada com emendas não é novidade. Já em 1993, estourou o escândalo dos Anões do Orçamento, que desviavam recursos para organizações sociais fantasmas e empreiteiras. A diferença é que à época as emendas constituíam uma fração marginal do Orçamento.

Só entre 2020 e 2024 as chamadas “transferências especiais”, criadas em 2019, cresceram de R$ 600 milhões para R$ 8,2 bilhões. Apelidadas de “emendas Pix”, na prática funcionam como doações aos Estados e municípios, que podem empregá-las como bem entenderem, sem que a União tenha qualquer controle sobre a sua execução. Ou seja, um verdadeiro convite à corrupção. Operações como a da PF oferecem uma pequena brecha para vislumbrar uma estrutura que tem tudo para ser uma usina de escândalos pronta a explodir.

Auditorias recentes realizadas pela CGU com pequenas amostragens de municípios beneficiados com esses repasses indicam toda sorte de irregularidades: ONGs sem capacidade para realizar os serviços contratados, obras paradas ou nem iniciadas e muitas vezes supérfluas, indícios de superfaturamento, concentração de recursos em algumas localidades enquanto outras restam completamente desatendidas, suspeitas de propinas e extorsão, incapacidade dos municípios de prestar contas e mais um longo et cetera.

Sanear este estado de coisas calamitoso exigiria mecanismos que responsabilizassem os congressistas que fizeram os repasses, ampliassem a transparência na execução orçamentária, exigissem garantias de governança por parte dos receptores e garantissem aos órgãos da União, como o Tribunal de Contas, prerrogativas de fiscalização sobre os gastos.

Após o Supremo Tribunal Federal suspender o pagamento das emendas até que atendessem a “critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade”, os chefes dos Três Poderes fizeram um acordo prevendo uma série de determinações que se orientavam para a implementação de mecanismos como esses. Para as emendas Pix, por exemplo, previram-se critérios técnicos de priorização, seleção e execução dos projetos, apresentação prévia de plano de trabalho ou prestação de contas a órgãos de fiscalização da União. Mas nada disso foi satisfatoriamente atendido na Lei Complementar aprovada pelo Congresso.

À base de chantagens e arranjos improvisados, congressistas tentam forçar a liberação das emendas, enquanto se negam a prestar informações sobre repasses passados e se esforçam por manter os futuros na penumbra. Operações como as realizadas pela CGU ou pela PF mostram a razão disso.

Uma histórica reparação moral

O Estado de S. Paulo

Resolução do CNJ dá dignidade aos familiares de mortos e desaparecidos políticos

No dia 10 de dezembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou por unanimidade uma resolução que, na prática, significa uma histórica reparação moral aos familiares de mortos e desaparecidos durante a ditadura militar. Por força dessa resolução, deverá constar como causa mortis nas certidões de óbito das vítimas do regime a seguinte mensagem: “Morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política do regime ditatorial instaurado em 1964″.

Ainda que tardia, essa medida civilizatória traz conforto para as famílias que até hoje, passados quase 40 anos desde a redemocratização do País, ainda não conhecem as circunstâncias em que seus entes queridos foram assassinados ou simplesmente desapareceram sob custódia do Estado. O mínimo que um Estado decente deve fazer diante de uma indignidade como essa é reconhecer a sua responsabilidade pelo destino fatal que muitos cidadãos tiveram única e exclusivamente por sua oposição àquele regime de exceção.

Nesse sentido, é igualmente reparadora a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de não estender ao crime de ocultação de cadáver, praticado no contexto da ditadura militar, os efeitos da Lei da Anistia. O caso concreto trata de uma denúncia oferecida em 2015 pelo Ministério Público – e não recebida pelo Poder Judiciário – contra dois tenentes-coronéis, Lício Augusto Ribeiro Maciel e Sebastião Curió Rodrigues, acusados de homicídio e ocultação de cadáver durante a Guerrilha do Araguaia.

Segundo Dino, o crime de ocultação de cadáver tem natureza permanente, vale dizer, é um delito que se prolonga no tempo até que os restos mortais das vítimas sejam encontrados. Não está, portanto, contemplado pela Lei da Anistia, haja vista que a lei só extinguiu a punibilidade, por óbvio, dos crimes cometidos até o início de sua vigência.

A Lei da Anistia é constitucional, está em vigor e representou um legítimo pacto entre diversos segmentos da sociedade, por meio de seus representantes eleitos, para que o País seguisse adiante no trilho das liberdades democráticas após os terríveis traumas causados pela ditadura. Não se trata, portanto, de exigir a responsabilização penal de ninguém, até porque muitos dos envolvidos nos crimes abarcados pela lei já morreram ou estão em idade avançada.

Ainda que por vias distintas, mas tendo destinos próximos, as decisões do CNJ e do ministro Dino, esta ainda pendente de julgamento por seus pares no STF, prestam-se a dar dignidade e conforto aos familiares de mortos e desaparecidos, um anseio manifestado originalmente pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso quando, em 1995, sancionou a Lei n.º 9.140, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas durante a ditadura.

O luto permeia a vida de todos desde tempos imemoriais. A ninguém, sob quaisquer razões, o Estado deve negar o direito de reafirmar sua condição humana, honrar a memória dos seus e reconstruir sua vida a partir de uma ausência.

Desafios da educação 5.0

Correio Braziliense

O país precisa decidir sua posição na formação dos estudantes que serão os próximos profissionais do mercado. A formação contínua dos educadores e o investimento em estrutura são demandas primordiais

O ano letivo se encerrou e os estudantes só querem pensar em férias. Mas, para os educadores e os gestores do ensino no Brasil, os desafios são tantos que nunca é tempo de descanso. Diante das desigualdades e das necessidades de avanço, o país precisa constantemente estar à mesa avaliando alternativas em busca de atingir as metas de melhorias.

Para se igualar à atual fase de modelo de educação 5.0, já vivenciada em  várias nações, as escolas brasileiras têm muito a desenvolver. Nas salas de aulas, ainda é distante o objetivo da integração entre tecnologia, inovação e humanização de uma forma que priorize as habilidades e competências essenciais nos dias vigentes. Formar cidadãos capazes de resolver problemas, apresentar respostas e colaborar em atividades diversificadas não é tarefa simples na realidade nacional.

As características da educação 5.0 transformam as instituições educacionais seguindo as demandas impostas pela sociedade. A tecnologia, a participação ativa do aluno e o ensino socioemocional são fundamentos essenciais nos conteúdos que apostam nesse método. Porém, exigem investimentos amplos em pessoal, estrutura e equipamentos, o que não se percebe da maneira ideal na rede pública no Brasil.

Os autores acadêmicos caracterizam a educação 4.0 a partir do uso intensivo da tecnologia, com a aplicação das ferramentas digitais em seus processos pedagógicos e de gestão. Agora, a classificação aplicada quer tirar o estudante da posição de agente passivo para colocá-lo no centro do exercício da aprendizagem. Além disso, devido à alta disseminação de informações disponíveis na internet, o foco conteudista perde espaço. A proposta que vale neste momento é trabalhar o aprendizado despertando o pensamento crítico em   crianças, jovens e adolescentes.

A abordagem mais humanizada e centrada no aluno, combinada à utilização das ofertas digitais, se coloca como a melhor alternativa para possibilitar o desenvolvimento das potencialidades de cada um que está diante do professor. Esse agente, portanto, precisa estar preparado para dar o suporte adequado do ponto de vista ético e do conhecimento operacional das tecnologias avançadas, como inteligência artificial (IA), internet das coisas e algoritmos. Pelo país, no entanto, a falta de capacitação dos docentes é uma questão histórica que segue sem solução.

Outra constatação que compromete a educação 5.0 e que é apontada no Censo Escolar 2023 diz respeito à presença da internet. Segundo o levantamento, o percentual de escolas públicas de ensino fundamental com acesso à rede era de 88,5%. No entanto, apenas 62,1% utilizavam o recurso nos processos de aprendizagem. Resultado: milhares de alunos do ciclo inicial ficaram privados do contato com a internet dentro da sala de aula.

O país precisa decidir sua posição na formação dos estudantes que serão os próximos profissionais do mercado. A formação contínua dos educadores e o investimento em estrutura são demandas primordiais. Os professores têm inúmeras opções pedagógicas e estratégicas para ensinar as disciplinas com a ajuda da tecnologia, podendo monitorar melhor a jornada educacional e o engajamento dos alunos. Os discentes, por sua vez, podem descobrir um universo de alternativas, potencializando autonomia, criatividade e pensamento crítico. Mas, para isso, o Brasil precisa cumprir seu papel e garantir as condições adequadas às instituições educacionais.

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