E a estratégia? A lei é apenas um meio
Por Revista Será?
Diante do impacto político gerado pela desastrosa invasão das favelas do Rio – Complexo do Alemão e da Penha – e da evidência do poder das facções criminosas nos territórios – a capacidade militar e logística e a produção própria de poderosos armamentos – os partidos, de direita e esquerda, se apressaram a mostrar serviço. Tinham que reagir. Como? Criando mais lei ou reformando as leis existentes. Não resolve nada, mas mostra que o governo e o Congresso estão preocupados, reagindo à crise de segurança pública do Brasil. Governo e oposição levam a disputa política para o conteúdo da legislação que possa lidar com o problema, divergindo em diferentes aspectos do projeto de lei que, supostamente, serviriam para conter a propagação do crime organizado no Brasil. Alguém já dizia: “se não quer enfrentar um problema, formule uma lei”. Não resolve e, em muitos casos ainda arrisca piorar. Como a proposta da direita e de alguns governadores, contida no primeiro relatório do PL Anti-facção apresentado pelo deputado Guilherme Derrite, enquadrando o crime organizado como terrorismo e tentando subordinar a atuação da Polícia Federal a autorizações dos governos estaduais. Todos concordam na introdução de penas mais elevadas e de maior rigor no regime prisional dos traficantes. Mas, como vão prender os chefões do crime organizado refugiados no quartel general das favelas ou nos presídios?
A PEC da Segurança, que já era uma tentativa
de resolver a situação dramática através da legislação, tramita no Congresso
sem chances de um acordo entre União e governadores, melhor dito, entre o governo
Lula e as oposições nos Estados. Se governo e oposição não se entendem nem
mesmo na formulação de uma lei, imaginem quando for discutida a estratégia para
enfrentar o crime organizado e retomar os territórios. Enquanto não se entendem
e se limitam a disputar quem tem a melhor proposta de lei, os criminosos se
organizam, aumentam o seu poder militar, enriquecem e ocupam mais territórios.
Os especialistas já indicaram o caminho para enfrentar o crime organizado e, principalmente, desestruturar o seu quartel general nas favelas: uma ação coordenada e combinada de inteligência, desidratação financeira das organizações, impedimento da entrada de armas, cerco militar e entrada nos territórios para, finalmente, implantar o poder do Estado. Depois de retomado o território e implantado o Estado, realizar investimentos urbanos e sociais para melhorar a qualidade de vida da população e impedir a volta dos criminosos. Como parece claro que o governo (e a esquerda em geral) não quer “sujar as mãos” com tema tão delicado e a direita aposta no confronto puro e simples, o debate político se desloca para o teor da legislação. Principalmente estando a um ano das eleições, ninguém quer arriscar gestos e medidas ousadas que impactem negativamente no eleitorado. E la nave vá!
Puxão de orelha da ONU é vergonhoso para o
Brasil
Por O Globo
Carta cobrando plano para falhas de
infraestrutura e segurança mostra despreparo de Belém para sediar COP30
Foi constrangedora a carta enviada ao governo
brasileiro por um alto funcionário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima, na quarta-feira, cobrando um plano imediato para lidar com as
falhas de segurança e infraestrutura durante a COP30, em Belém. Prover
segurança e infraestrutura é o mínimo que se espera dos organizadores de
discussões sobre o futuro do planeta.
Depois da crise de hospedagem que dominou o
noticiário antes da COP, é lamentável constatar problemas básicos que deveriam
ter sido previstos. Houve reclamações sobre goteiras e alagamentos de áreas da
conferência. Ora, chuvas frequentes na capital paraense são tão previsíveis
quanto o calor, e a montagem das estruturas deveria levar isso em conta.
Geraram queixas também a falta de água em banheiros e falhas nos sistemas de
refrigeração. Belém, como todos sabem, é uma cidade escaldante. Uma das imagens
mais frequentes da conferência são estrangeiros e brasileiros se abanando com
leques.
Termômetros nas alturas não são impedimento
para abrigar um megaevento. Obviamente, não é o caso de erguer instalações
suntuosas, mas é uma vergonha o Brasil ser incapaz de oferecer condições
confortáveis aos visitantes. Já fez isso várias vezes como anfitrião de grandes
eventos.
A insegurança também é inaceitável. Na
terça-feira, cerca de 150 manifestantes invadiram facilmente as instalações da
conferência, chegando à Zona Azul, onde ocorrem as negociações climáticas. O
episódio foi visto pela ONU como
“grave violação da estrutura de segurança”, levantando preocupações sobre o
cumprimento das obrigações pelo anfitrião. Entre as vulnerabilidades, estão
efetivos insuficientes, porta sem segurança e nenhuma garantia de que
autoridades federais e estaduais responderiam às invasões. Durante o protesto,
um segurança ficou ferido, e estruturas foram danificadas.
Protestos não devem ser tratados com
truculência pela polícia, mas precisam seguir regras, ou tudo vira bagunça. É
inacreditável que manifestantes consigam invadir áreas restritas da
conferência. O desleixo é ainda mais preocupante, pois Belém é ponto nevrálgico
numa região acossada por facções criminosas. O plano de segurança deveria ser
impecável. O governo chegou a decretar operação de Garantia de Lei e da Ordem
(GLO) para obter apoio das Forças Armadas. Só esqueceu o básico.
O embaixador André Corrêa do Lago, presidente
da COP30, afirmou na quinta-feira que todas as questões citadas na carta foram
“completamente sanadas”. “Tivemos problemas técnicos, e acredito que estão
sendo solucionados”, afirmou. Mas isso não apaga o vexame. Era previsível que
Belém não tinha estrutura para sediar um evento dessa magnitude. O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva insistiu em mantê-la como sede, enfatizando o
simbolismo de fazer uma COP na Amazônia. Espera-se que na reta final não haja
mais “problemas técnicos”, para que a ONU e os negociadores possam se preocupar
com questões menos comezinhas e se dedicar ao que importa: conter o aquecimento
global que ameaça a humanidade.
Emergência financeira dos Correios deve abrir
caminho à privatização
Por O Globo
Apenas captar dinheiro não basta para sanar crise da estatal. Governo teima em resistir à solução óbvia
O governo continua a tirar conclusões erradas
da crise financeira dos Correios, por isso teima em resistir à solução mais
óbvia: privatizar. O problema da empresa é estrutural. Mesmo num ano em que a
economia cresce em nível razoável e o mercado de entregas está aquecido, os
gastos dos Correios excedem em R$ 10 bilhões a receita, de acordo com números
do jornal Valor Econômico. Empresa nenhuma sobrevive com rombo anual dessa
monta.
Para fechar as contas em 2025, os Correios
correm para tomar dinheiro emprestado. A primeira tentativa de obter R$ 20
bilhões fracassou. O prazo para resposta foi curto, e os bancos que se
pronunciaram ofereceram condições que a estatal não aceitou. Ao abrir a segunda
rodada de captação, a empresa espera atrair bancos de menor porte e obter
acesso a pelo menos R$ 10 bilhões para cobrir o rombo. Se conseguir, não
demorará para o desespero voltar.
O atual plano de reestruturação prevê elevar
o faturamento em R$ 5 bilhões e promover cortes de custos dessa ordem com a
ajuda de um programa de demissão voluntária. São promessas bem-vindas.
Infelizmente não livrarão os Correios de interferências políticas e obrigações
legais que limitam a autonomia da gestão. Montado com o objetivo de agradar a
investidores e captar crédito, o plano deveria tratar de preparar a empresa
para a privatização. Um modelo sensato para isso, elaborado pelo BNDES, estava
pronto no governo Jair Bolsonaro, infelizmente a resistência ideológica petista
parou tudo assim que o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva assumiu o poder.
Cinco dos seis correios mais rentáveis no
mundo são total ou parcialmente privados. Dos 11 que registram prejuízo, apenas
um não é 100% controlado pelo governo. “Os 15 correios em nossa amostra que
operam como empresas privadas geralmente têm maior liberdade comercial do que
os cargos de propriedade do governo para otimizar custos, administrar fundos de
pensão e contrair empréstimos para investimentos de capital”, diz estudo do
inspetor-geral dos correios americanos, um organismo independente.
A vida dos gestores públicos de serviços postais não está fácil em lugar nenhum. Estruturas montadas para receber e entregar correspondências estão quase todas intactas, mas a demanda caiu com a popularização dos celulares. Quem ainda manda carta? É verdade que o segmento de entrega de pacotes cresce de forma vertiginosa, mas nessa área as estatais enfrentam competidores privados mais ágeis e tecnologicamente mais avançados. Amarradas a obrigações e restrições, empresas públicas só acumulam problemas. No caso do Brasil, há o histórico de escândalos e irregularidades. O governo não deve deixar de resolver a emergência financeira captando crédito, cortando custos e tentando aumentar o faturamento. Falta apenas dar o passo seguinte e passar a gestão à iniciativa privada.
Reduzir juros com prudência será teste para o
BC
Por Folha de S. Paulo
Pressões eleitoreiras do governo coincidem
com percepção de que se aproxima oportunidade de corte
Tarefa de conter a inflação é prejudicada pela expansão dos gastos da gestão petista, a verdadeira culpada pelo arrocho monetário
Há neste momento uma coincidência temporal
entre pressões do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
pela queda dos juros,
motivadas basicamente pela aproximação das eleições de
2026, e a percepção de que o Banco Central está
perto de promover um corte limitado das taxas, que precisa seguir critérios
técnicos.
Com o objetivo prioritário de conter a inflação e
levá-la à meta de 3% ao ano, a Selic de
sufocantes 15% anuais busca a contenção do crédito e da demanda, de modo a
desencorajar a alta de preços. Essa tarefa é prejudicada pela expansão contínua
das despesas de Brasília —a verdadeira
culpada pelo arrocho monetário.
Se é obviamente desejável um alívio para
empresas e famílias, é imprescindível garantir as condições para que não haja
riscos de um repique inflacionário.
As novas informações desta semana —a ata do
Comitê de Política Monetária (Copom)
do BC e a divulgação do IPCA favorável de outubro— movimentaram o cenário de
juros e as expectativas.
As projeções dos analistas para o início de
corte de juros estavam divididas entre janeiro e março de 2026. O BC alimentou
o otimismo com uma ata de tom mais suave, reconhecendo desaceleração da
atividade econômica e queda das expectativas de inflação, também destacando que
já considera o impacto da redução do Imposto de Renda das pessoas físicas em
seus cálculos.
Como obstáculos, o documento cita o mercado
de trabalho ainda bastante aquecido e a necessidade de harmonizar políticas
fiscal e monetária, uma vez que a primeira afeta a demanda agregada e a
percepção de sustentabilidade da dívida pública.
Ademais, com a divulgação do IPCA de 0,09% em
outubro, bem abaixo da expectativa de mercado e o menor número para o mês desde
1998, as projeções de inflação para este e o próximo ano começaram a ser
reduzidas.
Indicado por Lula, o presidente do BC,
Gabriel Galípolo, tem procurado demonstrar autonomia e responsabilidade
monetária ante o discurso demagógico da administração petista —ao qual não
se furta mais nem o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, que parece mais preocupado com as eleições de 2026 do que
com as atribuições de seu cargo.
Nesta semana, Galípolo tratou de não
comprometer o BC com previsões para o início da queda dos
juros, valorizando a comunicação formal da instituição. Ainda assim, seguirá em
posição desconfortável nos próximos meses.
A política perdulária de Lula e Haddad
manterá pressões sobre os preços, que podem se acentuar com esperáveis medidas
eleitoreiras. Não se imagina que a Selica possa cair abaixo de ainda muito
elevados 12% ao ano.
Um afrouxamento além dos limites da prudência
poderá ter consequências funestas para a reputação da autoridade monetária e a
política de controle da inflação, prejudicando sobretudo os mais pobres. Esse
será um novo desafio do BC autônomo.
'Emenda panetone' é nova fase na desfaçatez
parlamentar
Por Folha de S. Paulo
Congressistas discutem verbas de até R$ 5
milhões a membros de comissão, driblando mecanismo de controle
Governo nega tratativa; parece mais fácil
esperar Papai Noel do que ver parlamentares respeitarem princípios republicanos
no gasto publico
A proximidade do Natal mexeu com os
congressistas. Considerando pouco dinheiro os mais de R$ 50 bilhões reservados
no Orçamento de 2025 para emendas parlamentares, eles passaram a negociar com o
governo de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
um presente de final de ano.
A discussão, conduzida à boca pequena na
Comissão Mista de Orçamento do Legislativo, envolve verbas extras de R$ 3
milhões para cada membro desse colegiado, chegando a R$ 5 milhões no caso dos
relatores setoriais. Nos bastidores, há quem chame
o mimo de "emenda panetone".
Embora a reportagem da Folha tenha
confirmado a existência das tratativas com oito parlamentares, a Secretaria de
Relações Institucionais da Presidência da República negou, até com bastante
ênfase, que esteja em curso uma combinação dessa natureza.
Tomara. Mas, no atual arranjo entre os
Poderes, governos com bases frágeis precisam ceder ao Congresso Nacional mais
do que gostariam de admitir. Desde 2015, quando as emendas parlamentares se
tornaram obrigatórias, o Legislativo avança com voracidade sobre os recursos do
contribuinte.
Do ponto de vista teórico, não chega a ser
problemático que deputados e senadores escolham o destino de uma parcela das
verbas orçamentárias. Seus olhos, mais atentos às demandas paroquiais, poderiam
perceber necessidades prementes jamais contempladas no plano federal.
A explosão dessa rubrica a partir de 2020,
contudo, criou uma situação descabida e sem nenhum paralelo no mundo
desenvolvido. As cifras associadas às emendas parlamentares drenam
recursos dos ministérios e provocam variadas distorções.
Dentre elas, as mais graves são a falta de
planejamento, com consequências desastrosas para a qualidade dos gastos, e a
ausência de fiscalização e transparência na execução dos projetos.
Diante dos óbvios abusos, o Supremo Tribunal
Federal (STF) estabeleceu
critérios básicos para o uso das verbas, e a Controladoria-Geral da
União (CGU)
e a Polícia
Federal ampliaram os mecanismos de supervisão das despesas.
Os congressistas, porém, não se dão por
vencidos nem conhecem limites para sua desfaçatez. As "emendas
panetones", nos termos relatados à reportagem, seriam executadas no
Orçamento do governo, configurando um drible nas tentativas de controle.
Parece mais fácil esperar o Papai Noel descer pela lareira do que ver os parlamentares aceitarem, de bom grado, a implementação de princípios republicanos no trato dos recursos públicos.
Haddad, o injustiçado
O Estado de S. Paulo
O ministro reconhece ter entregado ‘tudo’ o
que o presidente Lula lhe pediu, mas ainda assim não vê relação entre a
gastança do governo e o fato de os juros estarem em 15% ao ano
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se
sente injustiçado. Para ele, o esforço fiscal que o governo tem feito não
recebe o devido reconhecimento, não apenas do mercado e da imprensa, mas também
do Banco Central (BC). Esperançoso, o ministro ainda acredita que o empenho da
equipe econômica será atestado. “Estou louco para ver uma ata do Banco Central
dizendo que eu estou fazendo um esforço relevante, como fez o Fundo Monetário
Internacional. Mas vai chegar meu dia”, afirmou, em entrevista ao Estadão.
Ninguém pode dizer que o trabalho do ministro
seja fácil. É realmente desafiador defender o reequilíbrio fiscal com um
presidente como Luiz Inácio Lula da Silva, que não vê problema em aumentar o
gasto público, com um Congresso que se recusa a rever subsídios e a aumentar
impostos para cobrir as renúncias e com um Judiciário que não vê problema algum
em privilégios que garantem supersalários e ignoram o teto remuneratório. Mas
daí a se sentir um injustiçado vai uma distância considerável.
O cargo de ministro da Fazenda requer muitas
habilidades, e talvez a maior delas seja saber dizer “não” quando todos,
especialmente seu chefe, esperam que diga “sim”. Pedidos para aumentar gastos e
reduzir impostos virão de todos os lados diuturnamente – do próprio ministério,
dos colegas de Esplanada, do presidente da República, do Legislativo, do
Judiciário, do mercado financeiro, do setor produtivo.
Resistir a essas pressões é a essência do
cargo, reconhecidamente o pior emprego do Brasil. Quando o ministro da Fazenda
erra, as consequências afetam a vida de toda a sociedade. Quando acerta, não
fez mais do que sua obrigação. É provável que isso explique por que o ministro
diz não ter certeza de que quer continuar na Fazenda caso Lula seja reeleito.
Dito isso, seria de bom tom que o ministro
fizesse um mea culpa sobre
sua atuação nos últimos três anos, mas ele parece bastante satisfeito com o que
fez. Na avaliação de Haddad, o arcabouço fiscal é a legislação mais avançada
que o País já teve – a despeito de a dívida bruta na proporção do Produto
Interno Bruto (PIB) continuar em ascensão. Para ele, a meta fiscal será
cumprida – ainda que em seu limite inferior e excluindo várias despesas da
conta.
É difícil compreender a lógica do ministro.
Gestada para ser uma bandeira eleitoral, a isenção do Imposto de Renda para
quem ganha até R$ 5 mil mensais, na avaliação de Haddad, foi feita de forma
equilibrada e inteligente, muito embora técnicos do Senado não concordem com os
cálculos da Fazenda.
Até a descabida tarifa zero para o transporte
público, que em outros tempos seria descartada de imediato por qualquer
ministro da Fazenda, por sua absoluta inviabilidade, está em estudo. “O
trabalho que eu estou fazendo, se terminar a tempo, vai ser publicizado, e cada
candidato que se vire para assimilar ou não”, afirmou Haddad.
O saldo negativo entre receitas e despesas,
que ocorre de maneira sistemática desde 2014, é uma das principais razões pelas
quais a taxa básica de juros está em 15% ao ano. Para Haddad, no entanto, tudo
vai bem. É revelador que o ministro tenha dito que a inflação aumentaria
“apenas” 0,2 ponto porcentual se os juros estivessem em 12% ao ano.
Mais de 30 anos após o Plano Real, Haddad
ainda acredita na balela de que é possível tolerar um pouco mais de inflação
para estimular o crescimento. Ora, a meta de inflação é de 3% e foi ele mesmo
quem a definiu, juntamente com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o
então presidente do BC, Roberto Campos Neto.
E, se a inflação ainda não chegou à meta
mesmo com a Selic a 15%, foi sobretudo porque o governo fez de tudo para
impedir que isso acontecesse, ao apostar numa política fiscal expansionista, ao
não apoiar reformas que cortem gastos de maneira estrutural, ao ampliar o
crédito direcionado e ao alimentar incertezas quanto à estabilização da dívida
pública, como descreveu o BC na ata da mais recente reunião do Copom.
Nada disso é obra do acaso. “Eu já falei que
entreguei tudo aquilo que ele (Lula)
encomendou. O que ele encomendou eu entreguei”, afirmou Haddad. Nisso, de fato,
o ministro tem toda razão.
A guerra está voltando a Gaza
Por O Estado de S. Paulo
O cessar-fogo trouxe alívio, mas não paz.
Gaza divide-se entre a ocupação e o terror, enquanto o Hamas se recompõe e o
mundo adia decisões que poderiam evitar o retorno da guerra
Um mês após o início do cessar-fogo, Gaza
parece suspensa entre o escombro e a espera. As bombas cessaram, mas não a
violência que corrói o território. Nas ruas ainda cobertas de destroços, nas
escolas transformadas em abrigos, nas listas de mortos sem fim, a sensação de
alívio se mistura a um silêncio de exaustão. O que muitos celebram como o
início da reconstrução assume cada vez mais as feições de um intervalo tático –
um compasso de espera entre guerras.
A trégua produziu uma estranha geografia:
metade de Gaza sob controle israelense, metade entregue de volta ao poder que a
arruinou. Nesse vácuo político, nenhuma autoridade legítima se impôs. A “força
internacional de estabilização” prometida pelos EUA continua apenas no papel.
Israel se recusa a se retirar completamente. Os países árabes evitam qualquer
compromisso militar. E a Autoridade Palestina segue desacreditada. O resultado
é um território dividido, sem governo reconhecido nem forças capazes de
garantir a segurança ou a reconstrução.
Enquanto diplomatas discutem mandatos e
resoluções, o Hamas preenche o vazio. Sob o pretexto de restaurar a ordem, os
terroristas reinstalaram postos de controle, impuseram taxas sobre bens básicos
e retomaram a patrulha de bairros devastados. Seus agentes substituem
governadores mortos, intimidam clãs rivais e executam dissidentes. Nos túneis
ainda intactos, combatentes reorganizam arsenais. Gaza vive hoje sob uma
ocupação dupla: a israelense, militar e parcial; e a islamista, pervasiva e
subterrânea. A cada dia, o Hamas avança um pouco mais em direção ao mesmo
domínio absoluto que levou o enclave à ruína.
O plano de paz do presidente dos EUA, Donald
Trump, que parecia oferecer um caminho de saída, enfrenta agora sua prova mais
difícil. Sua fase dois – retirada israelense, desarmamento do Hamas e
implantação de uma força multinacional – está emparedada entre debates sem
cronograma. A incerteza é o seu novo estado natural. Nenhum país quer enfrentar
o Hamas em campo; poucos aceitam o risco político de patrulhar Gaza; e Israel
rejeita devolver o território à Autoridade Palestina. A precariedade dessa
arquitetura diplomática revela um paradoxo: quanto mais o mundo sonha com a
“reconstrução”, mais o tempo consolida a divisão de fato entre uma “nova Gaza”
sob tutela israelense e uma “velha Gaza” nas garras do terror. O otimismo
inicial se dilui em fadiga e resignação. Na prática, já não se discute como
construir a paz, mas como administrar o impasse.
Diante do bloqueio, surgem soluções cada vez
mais ousadas – e controversas. Especialistas sugerem recorrer a empresas
militares privadas para executar as tarefas que nenhum exército quer assumir:
limpar túneis, desarmar milícias, proteger comboios de ajuda. A proposta tem
méritos práticos, mas também riscos morais e políticos: transformar a
reconstrução de Gaza num negócio de segurança terceirizada é um sintoma da
exaustão internacional. Ainda assim, diante de um mundo que deseja a paz, mas
reluta em garanti-la, essa talvez seja uma solução viável.
Longe dali, nas universidades, praças e redes
sociais do Ocidente, parte da militância que se diz “pró-Palestina” celebra o
cessar-fogo como vitória da “resistência”, ignorando que a mesma resistência
que exaltam tiraniza o próprio povo palestino. O Hamas tortura dissidentes,
rouba ajuda humanitária, extorque concidadãos e converte hospitais em prisões.
Ainda assim, intelectuais e ativistas, sob o manto do “anticolonialismo”,
oferecem ao grupo terrorista a absolvição moral que negam a Israel. É um
humanismo pervertido, que subverte a solidariedade com os palestinos em
cumplicidade com seus verdadeiros algozes.
Nada em Gaza hoje é estável. A trégua repousa
sobre um terreno que afunda. A cada dia, os túneis se multiplicam, as armas
reaparecem e a rede administrativa do Hamas se recompõe. A reconstrução não
começou e o desarmamento não passou do discurso. O tempo trabalha contra a paz
– e a favor do retorno da guerra. O mundo pode iludir-se com o silêncio das
armas, mas esse silêncio não é paz: é, cada dia mais, o intervalo antes do
próximo estrondo.
Rinha ideológica
Por O Estado de S. Paulo
Políticos e militantes se digladiam sobre
aborto, enquanto o direito de meninas estupradas é desrespeitado
A Câmara dos Deputados aprovou, por 317 votos
a 111, um decreto legislativo para sustar os efeitos de uma resolução do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que
pretendia facilitar o aborto legal para meninas menores de 14 anos vítimas de
violência sexual. A votação é o mais recente capítulo de uma triste novela
protagonizada por militantes, de esquerda e de direita, que colocam seus
interesses políticos e ideológicos acima do bem-estar dessas crianças e do que
diz a lei.
No final do ano passado, o Conanda editou a
Resolução 258, destinada a garantir, “da forma mais célere possível e sem a
imposição de barreiras sem previsão legal”, o aborto nos casos estabelecidos em
lei, isto é, estupro e estupro de vulnerável (relação sexual com menores de 14
anos), risco de vida da gestante e anencefalia do feto. No entanto, o Conanda
achou por bem definir que o aborto deve ser realizado mesmo sem a autorização
dos pais da menina, caso a presença deles cause “danos físicos, mentais ou
sociais à criança ou adolescente”. Para isso, basta que o profissional de saúde
ateste que a grávida tem “capacidade de tomada de decisão”.
Trata-se de uma resolução absurda. Em
primeiro lugar, o Conanda invadiu as competências do Congresso ao legislar
sobre o assunto. Além disso, a resolução destitui o poder familiar, previsto no
Código Civil, ao atribuir à criança a decisão sobre o aborto. Por tudo isso, os
integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no Conanda votaram contra,
mas foram vencidos pela militância de esquerda, majoritária no conselho.
A reação do campo conservador não tardou, e
se materializou afinal no decreto legislativo aprovado agora. Nem havia
necessidade do tal decreto, porque a resolução do Conanda, a rigor, não tinha
força vinculante, isto é, nenhum órgão estatal, na prática, era obrigado a
cumpri-la. Mesmo assim, a oposição aproveitou o ensejo para reafirmar sua
posição contrária ao aborto – nesta ou em qualquer outra circunstância.
Ocorre que o Código Penal é claro ao
tipificar o sexo com meninas com menos de 14 anos de idade como crime de
estupro de vulnerável. E, desde 1940, esse mesmo código autoriza o aborto em
caso de estupro e de risco de morte da gestante. Entrou nesse rol a gestação de
anencéfalos, por decisão do Supremo Tribunal Federal. Portanto, o procedimento
é legal há décadas.
Infelizmente, contudo, multiplicam-se casos
de meninas que enfrentam entraves para conseguir realizar o procedimento, numa
flagrante violação não só da lei, mas também da Constituição, que prevê a
proteção ao menor como uma “absoluta prioridade”.
Ao poder público cabe apenas o cumprimento dos dispositivos legais que nunca foram alterados nem revogados. Ou seja, sempre que requisitado por uma vítima, o Estado tem o dever de promover a realização do aborto legal de forma segura. E, se esse direito ainda não se efetivou plenamente, é porque as autoridades do Congresso e do Executivo e a militância ideológica não conseguem colocar os interesses das crianças estupradas acima dos seus.
Fraude no INSS não pode virar pizza
Por Correio Braziliense
A corrupção no INSS não é acidente
administrativo: é modelo de negócio, explorado há anos por grupos que se
aproveitam de brechas legais, fragilidade tecnológica e falta de controle
interno
O avanço da Operação Sem Desconto desmonta
qualquer tentativa de minimizar a maior fraude da história recente contra
aposentados e pensionistas. A prisão preventiva de Alessandro Stefanutto, que
presidiu o INSS entre julho de 2023 e abril deste ano, expõe uma teia de
corrupção entranhada na autarquia responsável por proteger os mais vulneráveis
e revela que o esquema tinha comando, método e grande ambição.
Stefanutto foi exonerado após as primeiras
fases da operação revelarem fragilidades graves no sistema de autorizações de
descontos e indícios de relações irregulares entre o INSS e entidades,
especialmente a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e
Empreendedores Familiares Rurais (Conafer). Agora, as investigações mostram que
ele não era apenas um gestor omisso: segundo a PF, era beneficiário direto do
esquema. Documentos e quebras de sigilo apontam que recebia até R$ 250 mil mensais
em propina, utilizando empresas de fachada para lavar o dinheiro: uma
imobiliária, um escritório de advocacia e, parece até piada pronta, uma
pizzaria.
Nos apontamentos do esquema, era tratado pelo
codinome "Italiano"; a maior parte dos pagamentos teria ocorrido
entre junho de 2023 e setembro de 2024. "Ficou claro que, em troca de sua
influência, Stefanutto recebia propinas recorrentes. O valor mensal aumentou
significativamente para R$ 250 mil após assumir a presidência do INSS. Seus
pagamentos provinham diretamente do escoamento da fraude em massa da
Conafer", revela a Polícia Federal (PF). Impressionante como interesses
privados corroeram um órgão público com relevante impacto social.
Politicamente, o caso tem peso explosivo. O
governo tentará argumentar que foi diligente ao permitir que a PF e a
Controladoria-Geral da União (CGU) avançassem. Mas paira a dúvida incômoda:
como alguém acusado de participação tão ativa em um esquema bilionário assumiu
a presidência do INSS? A oposição, previsivelmente, usará o episódio para
reavivar a mancha da corrupção. Mas tampouco está imune: o caso também alcançou
o ex-ministro e ex-presidente do INSS no governo Bolsonaro, José Carlos
Oliveira, agora obrigado a usar tornozeleira eletrônica.
A verdade é que o Estado brasileiro se tornou
vulnerável a redes criminosas que se moldam aos governos, mesmo que não
pertençam a nenhum deles. A fraude nos descontos, que arrancava dinheiro
diretamente dos benefícios de idosos, viúvas e trabalhadores aposentados, é
sintoma de um sistema capturado por terceiros. É por isso que esse escândalo
não pode virar pizza. Não pode se perder na disputa narrativa entre governo e
oposição, nem ser reduzido a um "caso de polícia".
É preciso responsabilização severa, reforma
profunda dos mecanismos de autorização de descontos e revisão das parcerias com
entidades privadas. O eleitorado — especialmente os milhões de brasileiros que
dependem do INSS — está atento. E a democracia não aguenta mais ver a máquina
pública tratada como balcão de negócios. O país exige respostas — e justiça.
A corrupção no INSS não é acidente
administrativo: é modelo de negócio, explorado há anos por grupos que se
aproveitam de brechas legais, fragilidade tecnológica e falta de controle
interno. A captura do Estado — subterrânea, difusa, persistente — só será
interrompida com reforma estrutural, transparência radical e responsabilização
real.
A apuração deve alcançar todos os envolvidos, independentemente de filiação partidária ou posição hierárquica. Milhões de brasileiros que contribuíram a vida inteira para ter uma renda digna no fim da vida merecem algo mais do que indignação seletiva. O país exige que a justiça seja feita — sem atalhos, sem desculpas, sem pizza.
A força da solidariedade
Por O Povo (CE)
O que esses heróis anônimos fizeram agora
para salvar mulheres e crianças, do incêndio no hospital César Cals, honra a
memória de João Nogueira Jucá, e é um apelo à compreensão entre os seres
humanos
O incêndio acontecido na quinta-feira em uma
subestação de energia no Hospital César Cals (HGCC), que felizmente não deixou
vítimas, teve o poder de trazer à tona o melhor das pessoas. Em uma realidade
"polarizada" em que tudo se torna motivo para polêmicas, divergências
e agressões, dezenas de pessoas comuns se uniram em uma corrente solidária para
socorrer quem estava em perigo e salvar vidas.
Foi um esforço coletivo, quando cada um se
preocupava em encontrar o melhor meio de prestar socorro, ninguém perguntou
sobre o time ou partido de preferência de quem estava ao seu lado para ajudar,
ou a ideologia de quem se encontrava em perigo: o objetivo comum era proteger
um semelhante na hora do desespero.
Quando a subestação explodiu, deixando o
hospital sem eletricidade, desligando aparelhos e respiradouros, com risco de o
incêndio se espalhar por todo o prédio, 117 bebês e 153 mulheres, gestantes e
puérperas estavam internadas, e precisavam ser removidos. Recém-nascidos que
estavam na UTI neonatal foram retirados dentro das incubadoras, recebendo os
primeiros socorros no Beco da Poeira, um centro de comércio popular no centro
de Fortaleza.
O repórter do O POVO, Kleber Carvalho, anotou
que "umas das cenas mais marcantes" que ele presenciou foi a
mobilização dos comerciantes e vendedores que "correram para ajudar".
Houve movimentação em busca de tomadas para ligar provisoriamente as
incubadoras e aparelhos de oxigênio para manter os bebês respirando e, ainda,
preocupação em oferecer algum tipo de conforto às grávidas, como arranjar
lugares para que pudesses ficar sentadas.
Louve-se também o trabalho do Corpo de
Bombeiros — que extinguiu o incêndio em 15 minutos —, dos servidores e
profissionais de saúde do HGCC e do Samu, que agiram com rapidez para resgatar
e acomodar os pacientes em outros hospitais.
O incidente fez lembrar uma tragédia ocorrida
no ano de 1959 no mesmo hospital, quando um incêndio provocou a morte de 25
pessoas. Haveria ainda mais vítimas não fosse a iniciativa corajosa de um então
jovem estudante de 17 anos, João Nogueira Jucá. Ele enfrentou as chamas,
salvando diversos pacientes do incêndio. Mas seu ato de heroísmo custou-lhe a
vida. Atingindo gravemente pelo fogo, ele não resistiu aos ferimentos, morrendo
no dia 11 de agosto de 1959. Em homenagem a Jucá, a data de sua morte foi
instituída como o Dia do Estudante no Ceará, e o Corpo de Bombeiros criou uma
medalha com o nome dele, a maior honraria da instituição, que reconhece
"atos de bravura, abnegação e heroísmo".
O que esses heróis anônimos, gente simples,
fizeram agora para salvar mulheres e crianças, honra a memória de João Nogueira
Jucá, e é um apelo à solidariedade entre os seres humanos.

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