segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

Brasil, o campeão mundial de gastos com juros. Por Sergio Lamucci

Valor Econômico

Reverter esse cenário requer uma mudança estrutural na condução das contas públicas, que passa pelo controle do ritmo de expansão das despesas obrigatórias

O Brasil é o campeão mundial de pagamento de juros. Com uma dívida pública elevada e uma taxa básica nas alturas, o resultado é um volume altíssimo de despesas financeiras, que deverão superar R$ 1 trilhão neste ano. De uma lista de 153 países, o Brasil teve os maiores gastos com juros pagos sobre a dívida pública em 2024, atingindo 8,28% do PIB, segundo números mais recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI), compilados na Base de Dados das Finanças Públicas na História Moderna, atualizada neste mês.

Atrás do Brasil aparecem Sri Lanka, com 7,81% do PIB, Paquistão, com 7,76% do PIB, e Bahrein, com 6,54% do PIB. Entre países emergentes de maior peso com despesas financeiras elevadas, a lista tem o México, com 6,48% do PIB, a África do Sul, com 5,26% do PIB, e a Índia, com 5,11% do PIB.

O nível altíssimo dos gastos com juros do Brasil é obviamente preocupante. Reverter esse cenário, porém, requer uma mudança estrutural na condução das contas públicas. Isso passa por medidas para conter a expansão dos gastos obrigatórios e pela redução dos subsídios tributários, que estão em torno de 7% do PIB, contando renúncias fiscais da União e dos Estados.

Nos 12 meses até outubro, as despesas líquidas com juros, que mostram a diferença entre os valores financeiros pagos e recebidos pelo setor público, ficaram em R$ 987,2 bilhões, ou 7,88% do PIB. Para o ano fechado, a expectativa é que o número supere R$ 1 trilhão, atingindo 8% do PIB.

Esses gastos altíssimos com juros explicam quase todo o déficit do resultado nominal das contas públicas, que define a dinâmica da dívida pública. Nas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI), o rombo nominal deve ficar em 8,5% do PIB, composto por despesas financeiras de 8% do PIB e um déficit primário (que não inclui gastos com juros) de 0,5% do PIB. A dívida bruta, que terminou 2022 em 71,7% do PIB, deve encerrar 2025 em 77,6% do PIB e 2026 em 82,4% do PIB, estima a IFI.

A tentação, nesse cenário, é advogar uma queda abrupta e significativa da Selic, hoje em 15% ao ano, ou na casa de 10% em termos reais, quando se desconta a inflação projetada para os próximos 12 meses. Não há dúvida que a taxa é elevadíssima e que a redução é desejável e necessária, mas baixar os juros na marra é uma receita condenada a dar errado, como a tentativa feita na gestão de Alexandre Tombini no Banco Central (BC), no primeiro governo de Dilma Rousseff. A inflação subiu e a credibilidade do BC foi abalada. Para recuperá-la, a autoridade monetária teve que aumentar os juros depois e mantê-los nas alturas por muito tempo.

Com a desaceleração da economia, a inflação corrente mais comportada e o recuo das expectativas para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o BC está prestes a começar um ciclo de queda da Selic. A dúvida é se o primeiro corte vai ocorrer em janeiro ou em março. A inflação ainda está razoavelmente acima da meta de 3%, mas os analistas veem espaço para os juros recuarem ao longo de 2026, terminando o ano na casa de 12% ou um pouco mais, um nível ainda elevado para a Selic.

Essa queda da taxa não deverá implicar em redução significativa dos gastos com juros. Para a IFI, o setor público terá despesas financeiras de 7,9% do PIB no ano que vem, e o déficit nominal deve ficar em 8,6% do PIB. São números que devem garantir ao Brasil a liderança das despesas com juros por mais tempo.

A magnitude desses gastos mostra a urgência de mudanças na política fiscal. Destinar um volume tão elevado de recursos públicos para o pagamento de juros é um sinal claro de que o país está no caminho errado.

O arcabouço fiscal aprovado em 2023 falhou como regra para as contas públicas. O novo regime prevê aumentos de gastos de 0,6% a 2,5% ao ano acima da inflação, o que exige aumentos contínuos e insustentáveis das receitas. O arcabouço não estabiliza a dívida pública como proporção do PIB num horizonte razoável e só é cumprido com um número cada vez maior de exceções. Não serve para ancorar as expectativas em relação às contas públicas, o que explica o nível dos juros de longo prazo - as taxas dos títulos corrigidos pela inflação com vencimento em 2045 e 2050 continuam acima de 7%.

A redução da meta de inflação para 3%, sem uma política fiscal crível, parece ter sido precipitada, e contribui para os níveis altos dos juros. Esse não é, contudo, o principal motivo para as taxas de juros serem tão elevadas no Brasil - o ritmo de crescimento dos gastos obrigatórios é o grande problema, e precisa ser enfrentado o quanto antes. Uma discussão para aumentar a meta de inflação sem uma mudança estrutural na política fiscal tenderia piorar as coisas, levando a uma deterioração das expectativas para o IPCA.

Ser o país do mundo que mais gasta com juros como proporção do PIB é incômodo. Mudar esse quadro passa por uma estratégia conhecida e que requer persistência, com a adoção de medidas impopulares, como a desvinculação de benefícios previdenciários e assistenciais do salário mínimo e cortes de subsídios fiscais. Iniciativas como essas, porém, deverão ficar para 2027, após as eleições presidenciais do ano que vem.

Esse receituário tende a abrir espaço para o setor público gerar superávits primários de modo sustentado, permitindo a redução estrutural dos juros e uma queda da dívida como proporção do PIB e, com isso, a diminuição dos gastos financeiros do setor público. Há evidentemente dificuldades políticas para implementar essas mudanças, mas, sem elas, o Brasil continuará a gastar fortunas com juros.

 

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