Governo precisa fazer sua parte para juros caírem
Por O Globo
Enquanto Lula continuar a varrer despesas
para fora da meta fiscal, BC terá de manter taxa nas alturas
Não faltam motivos para o Banco Central (BC), por meio do Conselho de Política Monetária (Copom), manter a taxa básica de juros, a Selic, em 15%. Para entender as razões do BC, nem é preciso ler a ata da última reunião do Copom que manteve a Selic inalterada. Basta acompanhar o noticiário do dia a dia. Na semana passada, o governo obteve do Congresso mais um Projeto de Lei excluindo do cálculo da meta fiscal certos gastos temporários com saúde e educação. Tais despesas não precisarão, portanto, ser compensadas com cortes no Orçamento para que a meta de 2026 — superávit primário de 0,25% do PIB — seja considerada cumprida. E essa é a apenas a última de uma série de exceções às regras fiscais que somarão, de acordo com reportagem do GLOBO, R$ 170 bilhões nos quatro anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O resultado dessa contabilidade nebulosa é o crescimento inexorável das despesas, portanto do endividamento.
É por isso que o melhor indicador para
acompanhar a política fiscal do país é a evolução da relação entre dívida
pública e PIB. Ela começou o atual mandato de Lula pouco acima de 70%,
encerrará este ano perto de 80% — e não para de crescer. Mesmo que o governo
retire despesas da contabilidade oficial das contas públicas, o dinheiro sai do
caixa do Tesouro de qualquer jeito. E, como os déficits persistem, ele é
forçado a buscar recursos no mercado, com o lançamento de títulos. Por si só,
isso já faz a dívida subir. Além do mais, como ela é crescente, os papéis têm
de pagar aos credores juros cada vez maiores para que eles aceitem correr o
risco de emprestar o dinheiro a um governo à beira da insolvência e do calote.
Em tese, é aceitável excluir das metas
fiscais despesas de fato extraordinárias, como os gastos federais no socorro às
enchentes no Rio Grande do Sul. Mas o que tem acontecido é diferente. A manobra
contábil tornou-se instrumento frequente para escamotear o aumento de gastos
promovido por um governo de um campo político que dogmaticamente rejeita
políticas voltadas ao equilíbrio fiscal. A flexibilidade que tal governo tem
usado para considerar despesas extraordinárias desafia a lógica. É insensato
enquadrar como excepcionais os R$ 5 bilhões de investimentos de estatais no
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ou os R$ 3,3 bilhões necessários
para cobrir o rombo aberto nas finanças do INSS pelas fraudes cometidas por
associações e entidades de segurados e pensionistas. Ou os R$ 5 bilhões
destinados a modernizar as Forças Armadas. Ou ainda o socorro de R$ 9,5 bilhões
a empresas afetadas pelo tarifaço de Donald Trump. O Orçamento precisa ser
administrado com austeridade justamente para haver margem a tais
excepcionalidades.
A política de expansão escamoteada de gastos tem impacto inevitável na inflação. Por isso o Copom, na reunião de dezembro, manteve a Selic no patamar que garante ao Brasil um lugar no pódio dos juros reais mais altos do mundo. Em novembro, a inflação foi de 4,46%, pouco abaixo do limite superior da meta, 4,5%. Mas o que importa para a autoridade monetária é o centro da meta, 3%. O BC age de maneira correta ao manter o aperto monetário necessário para contrabalançar o desregramento fiscal. Cabe ao governo fazer sua parte para permitir que os juros caiam.
Honorários abusivos explicam explosão dos supersalários na AGU
Por O Globo
Valores pagos acima do teto somam R$ 4,5
bilhões desde 2020 — R$ 3,8 bilhões só neste ano
É sabido que as carreiras jurídicas
concentram boa parte dos supersalários do funcionalismo. Não bastasse a
remuneração consistente de juízes e procuradores acima do teto constitucional —
R$ 630 mil ao ano, o equivalente ao que ganha um ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) —, um estudo do Movimento Pessoas à Frente com a Transparência
Brasil joga luzes sobre uma categoria menos mencionada, mas não menos
beneficiada, quando se trata de pagamentos extrateto: advogados da
Advocacia-Geral da União (AGU).
Entre janeiro de 2020 e junho deste ano,
cerca de R$ 4,5 bilhões além do teto constitucional foram distribuídos entre
11,7 mil advogados da AGU, inclusive aposentados (ao todo, incluindo os
pagamentos dentro do teto, eles receberam R$ 12,7 bilhões). Desse total, R$ 3,8
bilhões foram distribuídos só neste ano. Entre os servidores ativos da AGU, 93%
receberam valores acima do teto em ao menos um mês de 2025. Entre aposentados,
foram 99,7%.
Os valores foram pagos pelas partes
derrotadas nos processos movidos pela AGU e são recebidos na forma de
honorários advocatícios, que registraram crescimento explosivo nos últimos
cinco anos (de R$ 950 milhões em 2020 para R$ 5,23 bilhões neste ano). Tal
crescimento merece investigação, que deveria se debruçar sobre o Conselho
Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), entidade privada que administra os
recursos provenientes de causas judiciais envolvendo União, autarquias e
fundações federais. Desde 2020, 7.649 beneficiários receberam mais de R$ 1
milhão em honorários.
Apesar de STF e Tribunal de Contas da União
já terem determinado que eles precisam ser submetidos ao teto, a estratégia da
AGU é semelhante à de Judiciário e Ministério Público (MP): classificá-los como
repasses retroativos ou verbas indenizatórias, a exemplo dos auxílios saúde,
alimentação, moradia e demais “penduricalhos”. “É essencial que o próprio poder
público assuma a gestão e a operacionalização desses valores, com rigor e
transparência”, afirma Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência
Brasil.
Judiciário e MP se blindam contra qualquer
ação contra os “penduricalhos” alegando ter autonomia financeira e
administrativa garantida pela Constituição. Isso, contudo, não torna os
supersalários menos escandalosos ou reprováveis. No caso da AGU, o governo
federal não teria maiores empecilhos para agir, a não ser medidas de contenção
aprovadas pelo Congresso. Mas nem Executivo nem Legislativo atuam para acabar
com o abuso.
Os privilégios da elite do funcionalismo — que integra o topo da pirâmide de distribuição de renda — agravam a desigualdade. Supersalários beneficiam apenas 1% dos funcionários públicos, enquanto metade dos servidores ganha menos de R$ 3.300 mensais, segundo Jessika Moreira, diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente. Todas essas discrepâncias são um motivo eloquente para o Congresso aprovar uma reforma administrativa que ponha ordem na gestão do poder público e acabe com a farra dos supersalários.
Trump aperta o cerco militar e econômico a
Maduro
Por Valor Econômico
Porém, ainda não está claro o que o
presidente dos EUA pretende obter e até onde quer chegar, o que não é fácil
discernir
O presidente Donald Trump reuniu, segundo
suas próprias palavras, “a maior força militar jamais vista na história da
América do Sul”, para promover um bloqueio às exportações de petróleo na
Venezuela. O pretexto inicial para mover uma poderosa frota naval, 15 mil
soldados e aviões de caça foi a luta contra o tráfico de drogas, que teria como
um de seus chefes o presidente Nicolás Maduro, que Trump pretende destituir do
poder. Trump não descarta uma guerra contra o regime venezuelano, mas esse é um
passo arriscado demais para um presidente que sempre criticou a presença
militar americana em outros países em conflito, como o Afeganistão. Tanto a
apreensão de petroleiros, como ocorreu no início do mês, quanto o objetivo
declarado de retirar Maduro do poder são flagrantemente ilegais à luz do
direito internacional. Trump dá uma demonstração de força bruta, depois que sua
estratégia de segurança recolocou a América Latina como “quintal” dos Estados
Unidos.
Trump agora usa pressão militar como um meio
para incentivar uma rebelião interna, sobretudo dos militares, à continuidade
de Maduro, que fraudou as eleições de 2024, vencidas pela oposição. É possível
que fracasse como da primeira vez, quando reconheceu como legítimo presidente
Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional, e ordenou severas sanções ao
comércio de petróleo do país.
Como nas ditaduras, os militares são
subornados, mas também estritamente vigiados, no regime chavista. Uma série de
negócios lhes foi entregue pelo Estado, como a direção da PDVSA, companhia
estatal do petróleo, responsável por 90% das divisas fortes que ingressam no
país, a importação e a venda de alimentos subsidiados, companhia de minérios,
um banco, entre outros. Nessa condição, eles são sócios do regime e têm
interesse em sua sobrevivência.
Mas houve expurgos, porque em um regime
fechado, que aniquilou a possibilidade de transmissão de poder pelas vias
democráticas e eliminou a liberdade de manifestação da oposição, um golpe de
Estado é uma das poucas maneiras de destituir um presidente que se quer
vitalício. Os guarda-costas de Maduro e parte do serviço secreto do Estado são
cubanos. Com tantos aliados entre militares e serviço de segurança de
reconhecida eficácia, é difícil, embora não impossível, que os militares
derrubem Maduro. Essa parece ser a principal esperança de Trump, mas há boas
razões parar crer que ela será frustrada.
Maduro não tem apoio popular relevante, e o
fim de seu regime não deixaria saudades. O chavismo, e Maduro em especial, será
lembrado por fatos como o maior êxodo de um país que não está em guerra -
estima-se que 7 milhões de venezuelanos deixaram a nação - e a maior debacle
econômica em tempos de paz, com uma queda de 60% do PIB entre 2013 e 2023. A
década está sendo marcada pela hiperinflação, que atingiu recorde em fevereiro
de 2019, quando chegou a 345.000%, segundo a Trading Economics. A fuga pela
sobrevivência levou mais de 3 milhões de venezuelanos a migrarem para a
Colômbia e mais de 700 mil para o Brasil (de 2015 a 2022).
O bloqueio de Trump piorou a situação
econômica, já ruim, da Venezuela. Há de novo escassez de dólares, o bolívar se
desvaloriza rapidamente e a inflação de 12 meses em novembro foi de 556%.
Maduro conta com o apoio político de Cuba, militarmente irrelevante, e da China
e da Rússia, que dificilmente interviriam a seu favor em caso de um conflito
armado com os Estados Unidos.
Dada a desproporção de forças, resta saber o
que Trump pretende obter e até onde quer chegar, o que não é fácil discernir.
Ele prometeu uma insólita recompensa de US$ 50 milhões para quem capturar
Maduro, tido pelos EUA como chefe de uma gangue de narcotraficantes. Em suas
últimas entrevistas, surgiu outro motivo: um suposto roubo cometido por Hugo
Chávez, quando da nacionalização do petróleo, a partir de 2007. O objetivo
seria então a volta das petroleiras americanas ao país, com o fim de Maduro.
Trump já bombardeou 28 navios, matou 100
pessoas, supostamente traficantes, e quer fechar o espaço aéreo venezuelano.
Recentemente, fez um acordo militar com o Paraguai que permite presença de
tropas americanas no país vizinho, sócio do Mercosul, a serem empregadas em
caso de uma “tragédia humanitária” em outros países (O Globo, 18-12). Na
estratégia de segurança nacional, Trump já manifestou a intenção de apoiar
movimentos políticos que defendam interesses dos EUA, como o de Javier Milei na
Argentina e como em Honduras, onde deu força nas eleições a um líder de
direita, Nasry Asfura.
O intervencionismo de Trump coloca problemas espinhosos para o governo brasileiro. O presidente Lula tem corretamente se oposto ao uso da força e tenta intermediar o conflito, conversando com Maduro e Trump. Seu apoio ao chavismo, só interrompido após Maduro fraudar as eleições, possivelmente não o qualifique para tal diante de Trump. Mas o diálogo, e não a força, é o único meio de impedir tanto que a disputa atual saia do controle quanto que as ações ilegais e arbitrárias do governo dos EUA possam prosperar.
Orçamento de 2026 sela retrocesso fiscal sob
Lula 3
Por Folha de S. Paulo
Abandona-se esforço para conter dívida
pública, que deve subir de 71,7% para mais de 80% do PIB
Presidente recusa debate sobre ajustes; ainda titular da Fazenda, Haddad há muito se ocupa mais da reeleição do chefe que da economia
Não há dificuldade de entendimento entre o
governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
e o Congresso quando se trata de aumentar despesas públicas. É assim desde
antes da posse presidencial, quando foi aprovada a PEC da Gastança, e não seria
diferente na aprovação do Orçamento do ano eleitoral de 2026, que consolida uma
quadra de retrocesso fiscal.
Na derradeira votação da lei orçamentária, na
sexta-feira (19), os
parlamentares trataram de seus interesses diretos: criaram uma maneira
de acrescentar algo entre R$ 10 bilhões e R$ 11,5 bilhões às emendas destinadas
a seus redutos políticos, que deverão totalizar mais de R$ 60 bilhões no
próximo ano —montante sem paralelo conhecido no mundo.
Para acomodar a conta extra, foram promovidos
"cortes" como o de R$ 6,2 bilhões em benefícios previdenciários. As
aspas são necessárias porque aposentadorias e pensões são pagamentos
obrigatórios, que não podem ser cortados. Mais provavelmente, o que houve foi
uma reestimativa, sabe-se lá com que critérios.
Antes disso, o Congresso já havia contemplado
as conveniências de Lula. Ao votar as
diretrizes orçamentárias, fixou em lei que o governo está
desobrigado de buscar a meta fixada para o saldo entre receitas e despesas do
Tesouro Nacional —basta atingir o resultado mínimo autorizado.
Também se aprovaram diversas exceções aos
limites fiscais, como R$ 10 bilhões para os Correios e R$ 5 bilhões para as
Forças Armadas que não serão contabilizados na apuração do cumprimento da meta
oficial.
Se o governo petista engana alguém com tais
manobras, é a si próprio. O Orçamento aprovado prevê um superávit, sem contar
os encargos com juros, de R$ 34,5 bilhões pela contabilidade inventada em
Brasília, enquanto o verdadeiro saldo esperado é um déficit de mais de R$ 70
bilhões.
Lula recusa o debate sobre ajuste fiscal,
como deixou claro, mais uma vez, na reunião ministerial da semana passada. O
ainda titular da Fazenda, Fernando Haddad, há muito se
ocupa mais da reeleição do chefe do que das responsabilidades da pasta.
Foi abandonado o esforço para conter a
escalada da dívida pública iniciada na gestão ruinosa de Dilma
Rousseff (PT). Mesmo aos trancos e barrancos, sob Jair
Bolsonaro (PL) o passivo governamental caiu de 75,3% para 71,7%
do Produto Interno Bruto. Agora já são 78,4%, e esperam-se mais de 80% até o
final deste terceiro mandato de Lula.
O cenário só não é pior que o dos tempos de
Dilma porque hoje o Banco Central tem autonomia e carrega sozinho nas costas a
política econômica —ao menos cumprindo a tarefa de evitar um descontrole
inflacionário. Isso tem custo elevadíssimo, porém, na forma de juros de 15% ao
ano.
A ex-presidente rechaçou ajustes e reformas
até obter um novo mandato. Não se sabe se Lula pretende repetir esse roteiro,
cujo desfecho é conhecido, ou, pior, persistir no negacionismo.
Ministério Público da Bahia flerta com a
censura
Por Folha de S. Paulo
Ação que acusa cantora de discriminação
religiosa é interferência descabida em expressão artística
Preconceito precisa ser combatido nos casos
em que se pode comprovar o dolo. Caso contrário, corre-se o risco de infringir
direitos
No início deste mês, o Ministério
Público da Bahia ajuizou uma ação civil
pública contra a cantora Cláudia Leitte por prática de
discriminação religiosa, na qual pede indenização de R$ 2 milhões por danos
morais coletivos.
A medida é resultado de um inquérito civil
instaurado em fevereiro de 2025, após representação feita pelo Instituto de
Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), para apurar a
alteração da letra de "Caranguejo".
Há cerca de 12 anos, Leitte tornou-se
evangélica e, a partir de 2014, passou a cantar a música trocando
o verso "saudando a rainha Iemanjá", orixá do Candomblé e da Umbanda,
para "eu canto meu rei Yeshua", termo hebraico que corresponde a
Jesus.
Além da multa por dano moral coletivo, o
Ministério Público pede à Justiça que a cantora faça retratação pública e se
abstenha de cometer atos discriminatórios em apresentações, entrevistas e
publicações em redes sociais.
Trata-se de ação que flerta de modo temerário
com a censura, a partir de uma interpretação elástica da legislação e de
hipóteses no mínimo questionáveis.
Ora, a mera substituição de
"Iemanjá" por "Yeshua" não configura nem incita
discriminação religiosa e não impede culto ou manifestação de crenças.
Ademais, a canção é um produto cultural que a
audiência pode se recusar a consumir, caso não esteja de acordo com seu
conteúdo. Não é papel do Estado regular criação ou manifestação artística.
Ressalte-se que a Constituição estabelece que é livre a expressão dessa
atividade no país.
Não à toa, o texto do Ministério Público
recorre à fé professada por Leitte para tentar provar que houve discriminação
religiosa.
Afirma-se que, como a cantora se converteu a
uma denominação "que se assenta na conhecida desqualificação, difamação e
satanização das religiões afro-brasileiras", a mudança do verso não
decorreria de criação artística ou de questão de foro pessoal, "mas sim de
uma motivação discriminatória traduzida em desprezo, repulsa e hostilidade em
relação às religiões afro-brasileiras".
A insensatez da argumentação é patente, dado
que imputa intenção discriminatória a priori a todos os evangélicos. Seria como
presumir que todo católico é homofóbico porque sua religião não permite o
casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A discriminação racial e religiosa é um grave problema social brasileiro que precisa ser combatido nos casos em que se pode comprovar o dolo. Caso contrário, corre-se o risco de infringir direitos fundamentais.
Pagou, levou
Por O Estado de S. Paulo
O mesmo Congresso que passou o ano todo
recusando propostas do governo para aumentar impostos aprovou as mesmas medidas
em menos de 24 horas para garantir R$ 61 bilhões às suas emendas
Não há período mais produtivo no Congresso
Nacional que a última semana útil de dezembro. Tradicionalmente, às vésperas
das festas de fim de ano, deputados e senadores aprovam tudo que deixaram para
a última hora sem muita discussão. Mas, em alguns anos, eles realmente se
superam, e o ano de 2025 foi um deles.
Afinal, o mesmo Congresso que passou o ano
todo recusando propostas do governo para reforçar a arrecadação, sob o
argumento de que a sociedade não aguentava mais medidas para aumentar impostos,
deu aval sem qualquer drama ao projeto de lei que aumenta a tributação sobre
bets, fintechs e Juros sobre Capital Próprio (JCP).
Parte dessas propostas estava, inclusive, em
uma medida provisória que foi rejeitada pela Câmara no início de outubro. A
articulação contou com a crucial participação do governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas, e impôs uma estrondosa derrota ao governo de Luiz Inácio
Lula da Silva, que seria obrigado a ajustar o Orçamento do ano que vem em nada
menos que R$ 35 bilhões.
A solução encontrada para resolver esse
dilema bilionário foi resgatar o projeto de lei de autoria do deputado Mauro
Benevides (PDT-CE), que previa o corte de benefícios tributários, creditícios e
financeiros. Ademais, como o texto já tinha um requerimento de urgência
aprovado, ele poderia ser submetido ao plenário sem passar pelas comissões.
Parecia improvável que, a esta altura do ano,
o Congresso estivesse disposto a reduzir subsídios para importantes setores
econômicos que circulam muito bem nos corredores de Brasília, mas nada como o
tempo – e as emendas parlamentares – para azeitar a relação entre os Poderes.
O texto do projeto de Benevides foi
completamente modificado por meio de emendas e usado como veículo para retomar
não apenas as iniciativas que a Câmara havia rejeitado em outubro, como também
a ideia do governo para redução linear de benefícios tributários em 10%. Ao
todo, o pacote vai render R$ 22,45 bilhões para os cofres públicos em 2026.
O mais importante é que, com a arrecadação
projetada nessa e em outras iniciativas previstas para o ano que vem, como o
aumento do Imposto de Importação sobre aço, produtos químicos e carros
elétricos, o governo conseguiu as receitas necessárias para aumentar, também,
as despesas previstas para o ano que vem, em que teremos eleições.
Foi algo realmente impressionante. O pacote
que gerou tanta controvérsia ao longo do ano foi aprovado pelas duas Casas no
mesmo dia – nas primeiras horas da madrugada, na Câmara, e, à noite, no Senado.
Tanta boa vontade com o Executivo, por óbvio, deve-se apenas a acordos
políticos envolvendo – como sempre – emendas parlamentares.
O governo já havia aceitado pagar dois terços
das emendas individuais e de bancada estadual, de execução obrigatória, antes
do início do segundo semestre, mas ainda não havia encontrado uma solução para
as emendas de comissão, que têm caráter discricionário e dependem do Palácio do
Planalto para serem pagas.
As negociações em torno do projeto
viabilizaram o que parecia impossível – e o Congresso, mais uma vez, conseguiu
elevar o valor reservado para as emendas no Orçamento a um nível recorde. Serão
R$ 61 bilhões no ano que vem – R$ 26,6 bilhões para as individuais, R$ 11,2
bilhões para as de bancada e R$ 12,1 bilhões para as de comissão.
Outros R$ 11,1 bilhões ficarão para despesas
discricionárias e projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a
serem indicados pelos ministérios e “adotados” por parlamentares.
Depois de tanta engenhosidade, não surpreende
que o Orçamento tenha sido aprovado sem qualquer dificuldade na sexta-feira
passada. Pouco importa que o apoio a essas medidas contrarie tudo que os
parlamentares disseram e fizeram ao longo deste ano. Para o presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), o projeto que antes era inaceitável fez
“justiça tributária”. A isso o governo dá o nome de articulação política.
Inflação da demagogia
Por O Estado de S. Paulo
A inflação dos alimentos recua menos do que o
conjunto dos preços, castigando particularmente os mais pobres. Mas Lula
acredita que tudo se resolve dando ‘dinheiro na mão do povo’
Depois de ultrapassar o teto da meta mês a
mês de janeiro a outubro, a inflação acumulada em 12 meses teve em novembro seu
primeiro resultado do ano levemente abaixo do limite máximo permitido para o
IPCA, de 4,5%. Com seis meses consecutivos de queda, os preços dos alimentos
tiveram papel importante na redução lenta, mas contínua, da taxa até atingir
4,46% em novembro. É possível que a inflação termine o ano dentro do intervalo
de tolerância da meta, o que até pouco tempo parecia improvável, mas ainda está
longe do centro da meta e mais distante ainda de ser percebida com alívio pelos
consumidores.
Estudo recente dos economistas André Braz e
Matheus Dias, da Fundação Getulio Vargas (FGV), comprova que o recuo no preço
dos alimentos (2,69% entre junho e novembro) ainda é muito discreto diante do
forte aumento acumulado nos últimos anos. Entre janeiro de 2020 e novembro de
2025, esses preços subiram 57%, enquanto o IPCA avançou 38%. No levantamento,
os especialistas explicam que a grande diferença, de quase 20 pontos
porcentuais, indica que os alimentos passaram a consumir um espaço maior no
orçamento das famílias.
É uma situação que contribui para a
desigualdade, já que, quanto menor a renda, maior o efeito da inflação dos
alimentos. Para muitas famílias, manter a despesa com alimentação significa
reduzir gastos com outros bens e serviços ou encarar o endividamento. A conta
do supermercado passou a pesar mais no custo de vida e a empurrar com mais
força a inflação média. Para o recuo recente dos alimentos começar a ser, de
fato, percebido, precisa se estender por mais tempo e de forma mais intensa.
A julgar pelas declarações do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva na mais recente reunião ministerial, contudo, o governo
parece convicto de que tudo vai bem e que, “se tiver dinheiro na mão do povo,
está resolvido o problema da industrialização, do consumo, da agricultura, da
inflação”.
A simplicidade do raciocínio do presidente é
comovente, mas não se sustenta nos fatos. A inflação corrói o poder de compra
do dinheiro, sobretudo dos mais pobres, que não conseguem proteger seus
recursos aplicando no mercado financeiro para aproveitar os juros nas alturas.
E haverá mais pressão inflacionária sempre que o governo gastar mais, a título
de dar “dinheiro na mão do povo”, o que obriga a autoridade monetária a elevar
os juros. Ganha quem está no topo da pirâmide, perde quem está embaixo –
justamente a clientela que Lula diz cultivar.
Como mostra o estudo da FGV, a recente queda
nos preços dos alimentos se deve, principalmente, ao câmbio, com valorização do
real, e à boa safra produzida pelo setor do agro, que tem puxado a
macroeconomia brasileira. Como o grupo alimentação responde por cerca de 20%
das despesas familiares, a desaceleração também contribuiu para moderar a
inflação média.
Do governo deve-se cobrar o mínimo: ajudar a
autoridade monetária a cumprir o centro da meta inflacionária, de 3% ao ano.
Até aqui, o Banco Central tem trabalhado sozinho nessa empreitada, em meio às
pressões de Lula, incapaz de entender que a exorbitante taxa de juros de 15% ao
ano, em vigor desde junho – e que não deve cair em janeiro –, é resultado
direto da gastança desenfreada de recursos públicos da política de incentivo ao
consumo.
A política monetária tenta refrear o estrago do
expansionismo desmedido do lulopetismo. Consegue efeito razoável em relação ao
crédito, inibido pelos juros mais altos, mas seu alcance em relação ao preço
dos alimentos é limitado.
André Braz e Matheus Dias ponderam que a
inflação dos alimentos só retrocederá de maneira mais consistente quando a
oferta e a produtividade aumentar. Se a produção não avançar, os preços
tenderão a se estabilizar em patamares elevados ou mesmo voltar a subir. Os
pesquisadores sugerem ações de longo prazo, como melhoria da infraestrutura
logística, investimentos em transporte por cabotagem, investimentos para
desenvolver sementes mais resistentes às variações climáticas, entre outras
medidas que poderiam fazer parte da lista de um governo interessado em
governar, e não apenas dar “dinheiro na mão do povo”.
Rombo é rombo
Por O Estado de S. Paulo
Manobra da Eletronuclear para maquiar saldo
negativo traduz espírito da gestão petista
Bola da vez entre estatais federais deficitárias,
a Eletronuclear decidiu recorrer a todos os expedientes possíveis para fechar o
ano no azul, mesmo que à custa de uma certa maquiagem. As providências da
empresa, responsável pelas usinas de Angra 1, 2 e 3, baseiam-se em acordos de
postergação do pagamento de empréstimos e outras dívidas para 2026. São medidas
que, segundo reconhece a própria estatal, são paliativas, voltadas ao
“curtíssimo prazo”. O que significa, em bom português, que apenas empurrarão o
problema para o ano que vem.
O ofício desprovido de subterfúgios que o
presidente da ENBPar, controladora da Eletronuclear, Marlos Costa de Andrade,
enviou ao alto escalão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva deixa claro que
a manobra salvará apenas o resultado de 2025. Aos ministros da Fazenda,
Fernando Haddad, de Minas e Energia, Alexandre Silveira, do Planejamento,
Simone Tebet, e da Gestão e da Inovação, Esther Dweck, o executivo foi bem
direto ao comentar que nem mesmo os R$ 2,4 bilhões do acordo entre a União e a
Axia (antiga Eletrobras) serão suficientes para resolver a situação de maneira
definitiva.
Vale relembrar que a ministra Esther Dweck
mostrou-se contrariada com o tratamento crítico dado pela imprensa ao resultado
negativo das estatais em 2024, de cerca de R$ 8 bilhões, e declarou que déficit
“não é rombo”. Compreende-se, nesse contexto, o esforço da direção da
Eletronuclear em registrar um resultado positivo para 2025 que não existe.
O balanço da empresa indica que até 30 de
setembro o prejuízo acumulado ao longo do tempo é de R$ 3,53 bilhões. Os
resultados operacionais e financeiros deste ano estão ali detalhados, como o
prejuízo de R$ 66,4 milhões de janeiro a setembro, por exemplo, incomparável ao
lucro de R$ 874 milhões registrado no mesmo período de 2024. Custa a entender o
sentido de mascarar o resultado do ano. Uma explicação plausível, mas não
aceitável, é o desgaste de imagem num momento em que a crise avassaladora dos
Correios deixa patente a ineficiência estatal.
É curiosa, para não dizer danosa, a forma do
governo Lula de lidar com problemas concretos como esses, que exigem soluções
estruturais, e não remendos. Ao negociar com a União, a Axia deu três assentos
de seu Conselho de Administração e, em troca, saiu da Eletronuclear. Livrou-se
de um grande problema e concedeu a Lula as vagas de conselheiros que ele
buscava, mas, na prática, a União não terá o poder de comando que pleiteava na
ex-estatal.
A Eletronuclear pede uma definição para a obra de Angra 3, paralisada há uma década, e deixa claro que sem essa decisão a situação da estatal fica “cada vez mais irreversível”. Concluir ou enterrar de vez a obra, mostram estudos, terá o mesmo custo, em torno de R$ 20 bilhões. Mas, até agora, o único aceno do governo aponta para o caminho de empurrar a crise com a barriga.
Tempos de festas e de desigualdades
Por Correio Braziliense
O período de festas de fim de ano, que
desperta a solidariedade, também expõe de maneira contundente os contrastes do
país
O Natal é uma celebração associada à partilha
e esperança, quando, tradicionalmente, famílias e amigos se unem para festejar.
Porém, no Brasil, a data também coloca em evidência uma realidade incômoda: a
desigualdade social. Enquanto parte da população se junta ao redor de mesas
fartas e troca presentes, milhões de pessoas enfrentam a fome, o desemprego e a
insegurança.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), 48,9 milhões de brasileiros (cerca de 23,1% da
população) viviam abaixo da linha da pobreza e 7,6 milhões (aproximadamente de
3,5%) estavam em situação de extrema pobreza ou miséria em 2024. Os números,
baseados em critérios do Banco Mundial, representam os menores níveis da série
histórica iniciada em 2012, mostrando avanços significativos.
As estatísticas, porém, continuam elevadas e
extremamente preocupantes, não podendo ser ignoradas. Estudo global divulgado,
neste mês, por um grupo de 200 economistas, alerta que a desigualdade
brasileira "permanece entre as mais altas do mundo", com os 10% mais
ricos acumulando 59% dos rendimentos nacionais, e os 50% mais pobres, 9%.
O período de festas de fim de ano, que
desperta a solidariedade, também expõe de maneira contundente os contrastes e,
principalmente, mostra o tamanho do desafio que o país precisa enfrentar para
alcançar uma sociedade mais justa. O espírito natalino, nesse contexto, deixa
de ser simbólico e passa a exigir respostas concretas.
As campanhas, as doações e as diversas ações
voluntárias são importantes, só que não bastam diante do problema estrutural e
histórico. A questão é que, passado o mês de dezembro, a dura realidade das
diferenças sociais e da exclusão permanece assombrando quem não tem acesso a
uma vida digna. O chamado coletivo à responsabilidade social precisa ser
permanente, já que as disparidades não se resolvem com gestos periódicos.
Cabe aos governos assumirem seu papel nessa
luta, fortalecendo políticas públicas de combate à pobreza, à fome e à
desigualdade. Programas de transferência de renda, acesso a serviços básicos e
oportunidades de trabalho não podem depender de compaixão. A ajuda efetiva exige
continuidade, planejamento e compromisso das mais diversas instituições.
O setor privado, por sua vez, não pode se
limitar a atitudes esporádicas. As empresas devem assumir o papel de participar
da promoção de práticas justas, por meio de empregos dignos e apoio consistente
a iniciativas sociais transformadoras. Fato é que a desigualdade exige ações
consistentes e duradouras para garantir uma redução sustentável.
A concentração de renda afeta diretamente o
desenvolvimento econômico e humano, causando um persistente atraso no
crescimento. Nos tempos atuais, então, os desafios no combate às diferenças
ganham novos contornos. A era digital globalizada apresenta ferramentas e
oportunidades com potencial de contribuição relevante na construção de uma
sociedade brasileira com maior igualdade. No entanto, se as possibilidades não
forem verdadeiramente universalizadas, os benefícios se transformam em
obstáculos e tendem a agravar a situação.
Superar a desigualdade social exige um programa nacional integrado e de longo prazo. Sem esse enfrentamento, o país seguirá limitado em seu potencial de desenvolvimento. Com esse cenário que salta aos olhos diariamente, o Natal deve ser um momento de reflexão também sobre o coletivo, motivando políticas públicas, inspirando a sociedade e alertando sobre a urgência de proporcionar condições dignas para todos os brasileiros.
A cabeça do Santo e o potencial religioso do
Ceará
Por O Povo (CE)
Quase quatro décadas depois, moradores da
cidade de Caridade, a 95 km de Fortaleza, e devotos de Santo Antônio, terão um
monumento para visitar, pedir, agradecer e rezar. Expectativa de mais
demonstrações de fé e também de impulsionamento da economia local. Parte do
crescimento do turismo religioso que o Ceará exibe.
São manifestações culturais e religiosas que
concentram milhares de pessoas em um mesmo espaço, o que demanda uma logística
operacional que se torna potencial para gerar emprego e renda em municípios
grandes, como Juazeiro do Norte, com mais de 200 mil habitantes, e pequenos,
como em Caridade, com 16 mil.
A Rota das romarias, dos grandes templos, das
estátuas e dos eventos promove desenvolvimento e incentiva a criação de
políticas públicas que trabalhem a economia e a preservação da identidade
cultural das comunidades.
Em Caridade, ter a cabeça de Santo Antônio
colocada, além de todo o seu clamor religioso e logístico, é sinônimo também de
esperança de uma vida melhor para a população. Hotéis, restaurantes, comércio
de artigos religiosos e transporte são alguns dos setores mais impactados.
No Brasil, o turismo religioso movimenta R$
15 milhões por ano e os municípios pequenos e médios são os mais beneficiados.
No Ceará, o Cariri desponta no segmento, apesar de o turismo religioso já ser
realidade em diferentes regiões do Estado.
Neste ano, no Crato, o Santuário de Nossa
Senhora foi reconhecido oficialmente como Santuário Diocesano e construiu a
maior estátua de Nossa Senhora de Fátima do mundo, com 54 metros de altura.
É também no Cariri que a devoção a Padre
Cícero leva milhões de pessoas por ano a Juazeiro do Norte, onde acontecem
ainda as Romarias de Nossa Senhora das Dores e Nossa Senhora das Candeias. De
acordo com a Prefeitura, a região é considerada o segundo maior destino
religioso do País.
Em Barbalha, a festa do Pau da Bandeira virou
atração turística nacional, com hotéis cheios e visitantes de diferentes
locais. Em Santana do Cariri, a construção do Santuário da Menina Benigna já
provocou crescimento econômico com a abertura de hospedagens, restaurantes e
comércios.
Em Canindé, é São Francisco quem chama
milhões de romeiros a pé, de ônibus, carro ou moto. A Rota do turismo voltado
para a religião inclui ainda o Santuário Mariano de Nossa Senhora Imaculada
Rainha do Sertão, em Quixadá; o Alto de Santa Rita e a Igreja Matriz da
Imaculada Conceição, em Redenção; o Mosteiro dos Jesuítas, em Baturité; bem
como Santuário de Fátima, o Seminário da Prainha e a Catedral da Sé, na
Capital.
O investimento no segmento religioso se concretiza no Ceará e demanda mais políticas que incentivem os potenciais dos municípios, ricos em cultura e fé. Logística, estradas, segurança e apoio de diferentes setores da sociedade, públicos e privados. As manifestações religiosas cearenses são bonitas, fortes e históricas, e nunca tiveram tanto potencial para serem ainda mais.

Nenhum comentário:
Postar um comentário