sábado, 6 de dezembro de 2025

Convocação à classe média, por Bolívar Lamounier

O Estado de S. Paulo

É essencial que as faixas mais altas da classe média ponham mãos à obra, dando a partida para uma grande reforma de fora para dentro

Caros leitores e leitoras, penso que o Brasil tem condições de resistir a Lula e ao senador Davi Alcolumbre (União-AP), um de cada vez, mas aos dois juntos, francamente, me parece difícil.

O sr. Alcolumbre, atual presidente do Senado Federal, encarna à perfeição uma das facetas tragicômicas do nosso presidencialismo. Um único membro do Congresso ameaça derrubar ladeira abaixo todo o ajuste fiscal que a duras penas vem sendo feito. Por quê? Ao que me consta, porque ficou melindrado por Lula não lhe ter dado ciência prévia do nome que pretendia indicar, como de fato indicou, para o Supremo Tribunal Federal (STF). No sistema parlamentarista, como todos sabem, o comportamento do senador Alcolumbre seria razão suficiente para o chefe de governo (o primeiro-ministro) solicitar ao chefe de Estado (o presidente da República) a dissolução da vigente legislatura e convocar novas eleições. Tal decisão nem precisaria ser consumada. A simples ameaça levaria no mínimo 400 congressistas a enquadrar o nobre senador pelo Amapá. Digo mesmo que essa hipotética situação nem faria sentido, porque o presidente do Senado, ciente da possibilidade da convocação de eleições antecipadas, não adotaria tal comportamento.

Para alívio geral, apresso-me a esclarecer que não estou propondo, no momento, a reconsideração da alternativa parlamentarista. O Congresso conta atualmente com um grande número de ignorantes, mas ninguém lá é completamente tolo. Se lá chegou, no mínimo, sabe que tal iniciativa seria contrária a seus interesses. “Sabe” é exagero meu. Algum dos mais letrados, capaz de distinguir entre presidencialismo e parlamentarismo, alertaria nosso hipotético tolo, que em dez segundos compreenderia de que lado deveria ficar.

Passemos, pois, a reformas sabidamente indispensáveis, que estão a exigir imediato exame. O quilômetro zero da reforma que não pode esperar é a formação de um grupo de centro, no qual possamos encontrar um candidato competente e idôneo, capaz de impedir a reeleição de Lula. Esse é o alfa e o ômega de nossa situação política. A reeleição de Lula representará (representaria), ipso facto, a continuidade da “apagada e vil tristeza” em que nossa economia se encontra. O enredo que Lula mais gosta de encenar, que é posar de estadista, não terá novos capítulos. Exauriu-se no pingue-pongue diplomático com aquele outro notório aspirante a estadista, o sr. Donald Trump.

Qualquer criança de dez anos sabe que a simples menção a uma eventual reeleição de Lula afugenta os capitais estrangeiros de que desesperadamente necessitamos. Esforcemo-nos por visualizar outra situação hipotética.

Suponhamos que as professorinhas do ciclo primário do Estado norte-americano de Montana tenham um fundo de pensão, algo da ordem de US$ 5 ou US$ 10 bilhões. Um dia a professorinha responsável por tal fundo liga para o gestor do fundo, quero dizer, o jovem que de fato fica o dia inteiro grudado no computador, acompanhando o que se passa no mundo. A professorinha lhe diz: “Oi, fulano, tudo bem? Olhe, ouvi dizer que o Brasil está vivendo um bom momento, pode ser uma boa chance de investimento, não?”.

O jovem lhe responde: “Você disse Brasil? Esquece”. Assim, o que fazemos? Ficamos parados, de braços cruzados, à espera do épico embate entre Lula e Alcolumbre que se prenuncia? Vejamos uma matéria divulgada na página B2 deste jornal na terça-feira, 2 de dezembro: Relatório da Fazenda indica que 1% mais rico detém 37,3% da renda. Está claro ou precisa explicar? Permitam-me reproduzir em seguida o primeiro parágrafo da matéria: “Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira, divulgado nesta segunda-feira, 1.°, pelo Ministério da Fazenda, 1% dos mais ricos do Brasil detém 37,3% da riqueza aferida pelas declarações de Imposto de Renda de 2023. Quando os dados são cruzados com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contí nua Anual (Pnad Contínua), o estudo aponta que as mulheres negras têm a pior renda anual média do País”.

Eis aí, em poucas palavras, o retrato de uma iniquidade incompatível com a imagem de um país, e principalmente de uma classe média, parada, de braços cruzados, contemplando o horizonte. Reformas sérias via Congresso, é óbvio que não teremos. O fim do ciclo Lula e o afastamento dos alcolumbres da vida, não estão garantidos. A única certeza que temos é a de que permanecemos aprisionados na chamada “armadilha do baixo crescimento”, quando a urgência urgentíssima é retomar uma trajetória de alto crescimento com justiça, ou seja, com uma drástica redução das desigualdades de renda e riqueza.

Para tanto, é essencial que as faixas mais altas da classe média ponham mãos à obra, se mobilizem, se informem melhor (até sobre seus próprios interesses), dando a partida para uma grande reforma de fora para dentro. Sim, caros leitores e leitoras, a parcela da sociedade que dispõe de recursos para melhorar o tenebroso quadro que ainda nos assola é a alta classe média. Ela é que precisa se mexer.

 

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