O Estado de S. Paulo
É essencial que as faixas mais altas da
classe média ponham mãos à obra, dando a partida para uma grande reforma de
fora para dentro
Caros leitores e leitoras, penso que o Brasil tem condições de resistir a Lula e ao senador Davi Alcolumbre (União-AP), um de cada vez, mas aos dois juntos, francamente, me parece difícil.
O sr. Alcolumbre, atual presidente do Senado Federal, encarna à perfeição uma das facetas tragicômicas do nosso presidencialismo. Um único membro do Congresso ameaça derrubar ladeira abaixo todo o ajuste fiscal que a duras penas vem sendo feito. Por quê? Ao que me consta, porque ficou melindrado por Lula não lhe ter dado ciência prévia do nome que pretendia indicar, como de fato indicou, para o Supremo Tribunal Federal (STF). No sistema parlamentarista, como todos sabem, o comportamento do senador Alcolumbre seria razão suficiente para o chefe de governo (o primeiro-ministro) solicitar ao chefe de Estado (o presidente da República) a dissolução da vigente legislatura e convocar novas eleições. Tal decisão nem precisaria ser consumada. A simples ameaça levaria no mínimo 400 congressistas a enquadrar o nobre senador pelo Amapá. Digo mesmo que essa hipotética situação nem faria sentido, porque o presidente do Senado, ciente da possibilidade da convocação de eleições antecipadas, não adotaria tal comportamento.
Para alívio geral, apresso-me a esclarecer que
não estou propondo, no momento, a reconsideração da alternativa
parlamentarista. O Congresso conta atualmente com um grande número de
ignorantes, mas ninguém lá é completamente tolo. Se lá chegou, no mínimo, sabe
que tal iniciativa seria contrária a seus interesses. “Sabe” é exagero meu.
Algum dos mais letrados, capaz de distinguir entre presidencialismo e
parlamentarismo, alertaria nosso hipotético tolo, que em dez segundos
compreenderia de que lado deveria ficar.
Passemos, pois, a reformas sabidamente
indispensáveis, que estão a exigir imediato exame. O quilômetro zero da reforma
que não pode esperar é a formação de um grupo de centro, no qual possamos
encontrar um candidato competente e idôneo, capaz de impedir a reeleição de
Lula. Esse é o alfa e o ômega de nossa situação política. A reeleição de Lula
representará (representaria), ipso facto, a continuidade da “apagada e vil
tristeza” em que nossa economia se encontra. O enredo que Lula mais gosta de
encenar, que é posar de estadista, não terá novos capítulos. Exauriu-se no pingue-pongue
diplomático com aquele outro notório aspirante a estadista, o sr. Donald Trump.
Qualquer criança de dez anos sabe que a
simples menção a uma eventual reeleição de Lula afugenta os capitais
estrangeiros de que desesperadamente necessitamos. Esforcemo-nos por visualizar
outra situação hipotética.
Suponhamos que as professorinhas do ciclo
primário do Estado norte-americano de Montana tenham um fundo de pensão, algo
da ordem de US$ 5 ou US$ 10 bilhões. Um dia a professorinha responsável por tal
fundo liga para o gestor do fundo, quero dizer, o jovem que de fato fica o dia
inteiro grudado no computador, acompanhando o que se passa no mundo. A
professorinha lhe diz: “Oi, fulano, tudo bem? Olhe, ouvi dizer que o Brasil
está vivendo um bom momento, pode ser uma boa chance de investimento, não?”.
O jovem lhe responde: “Você disse Brasil?
Esquece”. Assim, o que fazemos? Ficamos parados, de braços cruzados, à espera
do épico embate entre Lula e Alcolumbre que se prenuncia? Vejamos uma matéria
divulgada na página B2 deste jornal na terça-feira, 2 de dezembro: Relatório da
Fazenda indica que 1% mais rico detém 37,3% da renda. Está claro ou precisa
explicar? Permitam-me reproduzir em seguida o primeiro parágrafo da matéria:
“Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População
Brasileira, divulgado nesta segunda-feira, 1.°, pelo Ministério da Fazenda, 1%
dos mais ricos do Brasil detém 37,3% da riqueza aferida pelas declarações de
Imposto de Renda de 2023. Quando os dados são cruzados com a Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contí nua Anual (Pnad Contínua), o estudo aponta
que as mulheres negras têm a pior renda anual média do País”.
Eis aí, em poucas palavras, o retrato de uma
iniquidade incompatível com a imagem de um país, e principalmente de uma classe
média, parada, de braços cruzados, contemplando o horizonte. Reformas sérias
via Congresso, é óbvio que não teremos. O fim do ciclo Lula e o afastamento dos
alcolumbres da vida, não estão garantidos. A única certeza que temos é a de que
permanecemos aprisionados na chamada “armadilha do baixo crescimento”, quando a
urgência urgentíssima é retomar uma trajetória de alto crescimento com justiça,
ou seja, com uma drástica redução das desigualdades de renda e riqueza.
Para tanto, é essencial que as faixas mais
altas da classe média ponham mãos à obra, se mobilizem, se informem melhor (até
sobre seus próprios interesses), dando a partida para uma grande reforma de
fora para dentro. Sim, caros leitores e leitoras, a parcela da sociedade que dispõe
de recursos para melhorar o tenebroso quadro que ainda nos assola é a alta
classe média. Ela é que precisa se mexer.

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