O Estado de S. Paulo
A exasperação das penas não leva a qualquer efetiva intimidação. Mais importante do que a dureza da pena prometida é a certeza de sua aplicação
O publicitário Roberto Medina, criador do
Rock in Rio, foi sequestrado em 6 de junho de 1990, mantido em cativeiro até o
pagamento de resgate.
A relevância social da vítima levou à reação
do Congresso Nacional, editando a Lei dos Crimes Hediondos, Lei 8.072/90, que
qualificava como hediondo o crime de extorsão mediante sequestro, cuja pena
seria cumprida em regime fechado. As extorsões mediante sequestro, todavia,
aumentaram após a edição da lei.
Mas o populismo penal prevalecia. A cada crime impactante, nova lei repressora. O assassinato de Daniela Perez levou a se criar movimento nacional reclamando-se maior rigor na apenação do homicídio, atendido pela Lei 8.930/1994, ao introduzir o homicídio qualificado no rol dos crimes hediondos.
A venda de placebo como anticoncepcional por
conceituada empresa, conduziu a considerar a falsificação de medicamentos como
crime hediondo pela Lei 9.677/1998.
Considerado inconstitucional impor o total
cumprimento de pena em regime fechado, a progressão de regime tornouse,
todavia, mais rigorosa para os crimes hediondos pela Lei n.º 11.343/07. Lei de
2009 alterou a tipificação dos crimes sexuais e impôs grande aumento de pena.
Dada a elevada incidência de homicídio por
questão de gênero, o feminicídio passou em 2015, pela Lei 13.104, a ser
catalogado crime hediondo. Todavia, houve aumento de casos em vista do que,
pela Lei 14.994/24, promoveu-se a exasperação da pena, que passou a ser de 20 a
40 anos de reclusão. Continuam, todavia, a aumentar os casos de feminicídio. O
mesmo com o roubo, que cresce, malgrado qualificado como hediondo, desde 2019.
Agora, surge a Lei Antifacção, criando-se a
figura penal do domínio armado de território, em descrição de situação
englobante de qualquer pessoa relacionada com a entidade criminosa e punida com
pena de 20 anos de reclusão no mínimo.
Percebe-se que a exasperação das penas não
leva a qualquer efetiva intimidação. Mais importante do que a dureza da pena
prometida é a certeza de sua aplicação. Mas a ineficiência das investigações
conduz, por exemplo, a que tão só pequena parcela dos roubos tenha descoberta a
autoria. Aí reside a impunidade, a exigir entrosamento entre as polícias,
cadastro criminal nacional, uso de inteligência nas apurações.
A violência preocupa desde os anos 70. Em 1978, quando presidia a Associação dos Advogados de São Paulo, realizou-se debate multidisciplinar com estudiosos como Francisco Weffort, Lúcio Kowarick, Jorge Wilheim, Jorge Forbes, Marcos Ferraz, Samuel Pfromm, Nadir Kfouri, Tércio Sampaio Ferraz, Alberto Dines, a partir de pesquisa do instituto Gallup sobre a violência em São Paulo.
Esta pesquisa, de quase 50 anos atrás, já
indicava que dois entre dez paulistanos já haviam sido assaltados e um
porcentual de 20% dos paulistanos tinha medo de sair à noite.
A conclusão na maioria das palestras,
publicadas na Revista Ciência Penal de 1980, ano VI, n.º 1, foi no sentido de
estar a violência presente na forma de vida de grande parte da população, sendo
imprescindível criar na periferia ambientes de convivência que minimizassem a
dureza da vida e promovessem a solidariedade e a fruição de bens culturais.
No Diagnóstico do Sistema Criminal de 1999,
realizado por comissão do Ministério da Justiça que presidi na gestão de José
Carlos Dias, acentuou-se ser fundamental a reocupação das áreas abandonadas
pelo poder estatal e a implementação de política criminal de cunho social que
promova solidariedade, bem como confiança na administração pública.
Pretendia, na minha passagem em 2002 pelo
Ministério da Justiça, em projeto abandonado quando de minha saída, colocar, em
conjunto com outros ministérios, nas escolas públicas da periferia fora dos
horários curriculares, áreas de lazer e esporte para a comunidade, reduzindo a
desorganização social e promovendo a socialidade.
A título de ilustração, aponto duas
experiências bem-sucedidas. A primeira no Jardim Ângela, considerado pela ONU o
bairro mais violento do mundo em 1995. Mas, com a instalação dos postos de
policiamento e de centros de esporte e cultura houve acentuada redução dos
índices criminais.
A segunda experiência deu-se no bairro de
Cidade Tiradentes, com o Centro de Integração do Cidadão (CIC), ideia proposta
pelo então desembargador Cezar Peluso no programa de governo do candidato Mário
Covas. Neste local, reúnem-se magistrado, promotor, delegado de polícia,
Polícia Militar, agência do Procon, assistentes sociais e psicólogos.
A comunidade revelou a importância
fundamental da proximidade das autoridades, podendo levar, sem receios, até
elas o conhecimento de desentendimentos. No ano seguinte à instalação do CIC no
bairro, durante o carnaval, não houve um homicídio sequer, enquanto no ano
anterior tinham sucedido 27.
Nenhuma política criminal de cunho social, tal como a orquestra de Heliópolis, foi adotada, pelo poder público. Perdeu-se muito tempo ao só se aumentar penas como um fim em si mesmo, sem perspectiva do dia seguinte. Tudo remanesce igual, pronto para exploração eleitoral do medo.

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