CartaCapital
O legado de 2025 é gigantesco. Foi dada uma
lição fundamental às gerações atuais e às vindouras: a de que o País não admite
mais, sob hipótese alguma, ataques à democracia
No esquadrinhamento dos fatos e feitos do ano, é inevitável elencar os julgamentos dos golpistas de 8 de janeiro de 2023 como um dos pontos altos de 2025, lembrando que seus efeitos benéficos devem perdurar por muito tempo. Ao todo, foram mais de cem dias de sessões, que resultaram na condenação de 29 réus, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro. Diante de provas irrefutáveis, não apenas de planos – incluindo os de sequestro e assassinato de autoridades –, mas também de atos efetivamente praticados, o processo representou a vitória do Estado Democrático de Direito que os articuladores do golpe tentaram derrocar, felizmente sem sucesso.
Foi necessário superar, além dos estratagemas
daqueles que maquinaram contra a democracia, interpretações no mínimo
questionáveis a respeito da competência do Supremo Tribunal Federal para
conduzir os referidos julgamentos. Trata-se de um discurso que alimenta a
virulência da extrema-direita, mas que pode ser desconstruído por meio de uma avaliação
ampla, sustentada em argumentos sólidos, sobre as questões levadas à Corte.
Uma das alegações utilizadas para sinalizar
uma hipotética ausência de competência do STF para julgar os réus foi a de que
eles já não ocupavam mais cargos com foro por prerrogativa de função. Ocorre
que o ex-presidente Jair Bolsonaro ainda se encontrava no exercício do mandato
durante a maior parte do percurso criminoso, que não se concentrou apenas nos
acontecimentos de 8 de janeiro de 2023. Nos termos da jurisprudência do
Supremo, a prerrogativa de foro para o julgamento de crimes praticados no cargo
e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do agente público,
ainda que o inquérito ou a ação penal sejam instaurados somente depois de
cessado o exercício do mandato.
Também é imprescindível levar em conta que o
próprio Tribunal foi vítima da trama golpista, em suas dependências, com parte
das provas diretamente ligada ao Supremo. Os crimes perpetrados colocaram em
risco o sistema como um todo, constituindo grave e violenta ameaça ao Estado
Democrático de Direito, às instituições da República e ao patrimônio público.
Diante de uma ameaça dessas proporções, o próprio regimento interno da Corte a
qualificou para reagir em legítima defesa, sendo lícita sua competência para
investigar os crimes e, por consequência lógica, julgá-los.
Assim, quando o ministro Luiz Fux acolheu em seu voto a suposta incompetência do
Supremo Tribunal Federal e, subsidiariamente, da Primeira Turma para julgar a
trama golpista, ele adotou em sua análise a perspectiva dos réus,
desconsiderando o fato de que a Corte também foi vítima dos engendramentos
criminosos.
Evidentemente, toda crítica construtiva é
bem-vinda, inclusive para o escrutínio dos procedimentos e da destinação dos
processos ao Plenário ou às turmas do STF. O processo que apurou a trama
golpista foi encaminhado à Primeira Turma pelo fato de seu relator, Alexandre
de Moraes, integrar esse colegiado. Questionar, para o futuro, eventuais
reformas nas disposições regimentais do Supremo é pertinente – o que não cabe é
a tentativa de deslegitimar medidas imprescindíveis à defesa da democracia
brasileira, plenamente enquadradas no regimento vigente.
Agora, neste período em que o calendário nos
conduz às festas de fim de ano e nos convida tanto ao balanço quanto ao olhar
para o horizonte e à construção de perspectivas, a conclusão é inequívoca: o
legado de 2025 é gigantesco. Foi dada uma lição fundamental às gerações atuais
e às vindouras: a de que o País não admite mais, sob hipótese alguma, atentados
ao pacto civilizatório democrático.
A conquista em favor do Estado Democrático de
Direito, materializada nos julgamentos dos golpistas, constitui um marco à
altura de outros episódios que engrandecem a história do Brasil, como o próprio
encerramento do período da ditadura. São acontecimentos que se destacam não
apenas em uma retrospectiva anual: atuam na configuração de cenários de longo
prazo, reforçando condições e fortalecendo instrumentos para a preservação e a
institucionalização da soberania popular. Brindemos a isso. •
Publicado na edição n° 1393 de CartaCapital,
em 24 de dezembro de 2025.

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