segunda-feira, 10 de julho de 2017

Mudanças corretas no Fies tentam corrigir ônus fiscal – Editorial | Valor Econômico

Há boas ideias que, a depender de sua execução, acabam se transformando em grandes problemas. O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) é uma delas. Criado para permitir que estudantes carentes tenham acesso ao crédito e, dessa forma, possam realizar o sonho de ingressar em uma universidade, o Fies transformou-se em um ônus fiscal gigantesco aos cofres públicos.

Estudo do Ministério da Fazenda mostra que o custo do programa para a União foi de R$ 1,9 bilhão em 2011. Em 2016, já tinha subido para R$ 32,3 bilhões. No ano passado, o Fies custou mais que o Bolsa Família, que demandou R$ 28,6 bilhões do Tesouro.

A trajetória explosiva do ônus fiscal indica que o programa estava em trajetória insustentável. Quando Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda, o governo não sabia sequer quanto o programa custava ao Tesouro. Foi Levy que começou a chamar a atenção para a gravidade da situação e a tomar as primeiras medidas de controle.

Os dados relativos aos novos contratos do Fies levam à conclusão de que o programa foi utilizado politicamente pelo governo passado com objetivos eleitorais. Em 2014, ano de eleições gerais, foram assinados 733 mil novos contratos. Em 2011, tinham sido 154 mil. Chegou-se a aceitar alunos no Fies que tinham tirado zero na prova de redação do Enem.

Embora tenha sido criado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, com o nome de Programa de Crédito Educativo, o Fies sofreu alterações a partir de 2009 que ampliaram as vantagens aos estudantes, o que permitiu seu rápido crescimento. Os benefícios concedidos incorporaram ao programa alunos que, até então, tinham acesso a outras fontes de financiamento. E quando o governo percebeu o Fies já era, mais do que um programa de financiamento aos estudantes, uma linha de crédito para grandes conglomerados educacionais, que livraram-se da alta inadimplência com a garantia do pagamento das mensalidades com os recursos públicos.

As regras não davam clareza ao estudante financiado pelo Fies sobre a natureza do crédito que estava recebendo. Ou seja, não era evidente para ele que se tratava de um financiamento e não de uma bolsa ou de um empréstimo a fundo perdido. Ao mesmo tempo, o aluno não ficava sabendo qual seria sua dívida ao final do curso nem como evoluiria o seu saldo devedor.

Os empréstimos dos Fies são garantidos pelo Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC). Da forma como o programa foi estruturado, o risco do crédito estava concentrado na União, pois era baixa a contribuição das instituições de ensino - menos de 10% para garantir um "seguro integral" do empréstimo Fies.

O explosivo crescimento das contratações do Fies, e consequentemente do ônus para o Tesouro, só foi possível porque ele impactava apenas marginalmente a meta fiscal, que utiliza o conceito de resultado primário. Toda a expansão do programa foi realizada com a emissão de títulos públicos, ou seja, com a elevação da dívida pública.

Como não havia despesa primária significativa, dava-se a impressão para a sociedade que o Fies não tinha custo relevante. Não se falava e nem mesmo era mencionado o endividamento que estava sendo feito para sustentar o programa. O mais impressionante é que não havia sequer referência ao ônus do Fies no anexo de riscos fiscais que o governo é obrigado a fazer e que integra a Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Na semana passada, o governo anunciou mudanças significativas na direção de dar sustentabilidade fiscal de médio e longo prazo ao programa. O propósito é financiar 310 mil vagas no ensino superior, sendo que 100 mil vagas serão destinadas a estudantes com renda familiar per capita mensal de até três salários. Estes financiamentos terão juro zero, com os valores sendo corrigidos apenas pela inflação. O aluno saberá qual será o montante de sua dívida e poderá acompanhar a evolução.

Para reduzir a elevada inadimplência, a MP assinada pelo presidente Michel Temer prevê que as mensalidades não poderão ultrapassar 10% da renda do estudante mais carente quando ele entrar no mercado de trabalho e que as prestações serão descontadas em folha. Além disso, as instituições de ensino terão de contribuir mais para o Fundo Garantidor e serão descredenciadas se a inadimplência de seus alunos ultrapassar um nível crítico, ainda não explicitado. Alguns pontos da MP ficarão mais claros na regulamentação, mas as mudanças estão na direção certa.

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