quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

‘Bolsonaro, Lula e Ciro representam ruptura’, diz cientista político

Para Murillo Aragão, da Arko Advice, recuperação econômica deve enfraquecer essas candidaturas e favorecer um nome de centro

Renan Truffi / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Conhecido por orientar banqueiros e empresários sobre os rumos do País, o cientista político Murillo de Aragão, fundador da Arko Advice, diz acreditar que a melhora recente da economia deve enfraquecer as “candidaturas de ruptura”, como ele classifica as investidas eleitorais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e do ex-ministro Ciro Gomes (PDT).

Segundo Aragão, o centro deverá ter um candidato forte. Hoje, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), são apontados como nomes desse campo. “O ambiente econômico teria que estar muito ruim para se apostar num candidato de ruptura. À medida que a economia melhora, a tendência é se buscar um candidato capaz de manter essa situação.”

• As candidaturas de centro têm mostrado dificuldade para despontar nas pesquisas. Por quê?

O eleitorado de centro está acompanhando o andamento da disputa e não se posicionou. É cedo para tomar uma posição. O Lula se beneficia do recall que tem. Bolsonaro foi quem mais aproveitou o desejo de renovação e antissistema político que existe na sociedade no momento. Então, é cedo para dizer que o centro está desidrato ou que não empolga. A hora que ficar mais claro quem é o candidato do centro, é provável que as pesquisas começam a apresentar um outro desempenho.

• O centro tem usado a Previdência e a melhora da economia no discurso político. Isso vai ser um fato que ajudará a impulsionar esse tipo de candidatura?

Não acho que a reforma da Previdência vai ajudar diretamente, mas indiretamente sim. Sendo aprovada, ela causa uma melhoria nas expectativas em relação ao Brasil e isso evidentemente que influencia o ambiente geral. Agora, diretamente não. Se a economia melhora, para o eleitorado é mais confortável uma solução que mantenha o bom ambiente econômico e a boa recuperação econômica. E não apostar em candidatos de ruptura. Hoje Lula, Ciro e Bolsonaro são candidatos de ruptura. O ambiente econômico teria que estar muito ruim para apostar num candidato de ruptura. A medida que a economia melhora, a tendência é se buscar um candidato capaz de manter a melhora. O centro terá um candidato forte em algum momento. Provavelmente é o Alckmin, porque estaria mais bem posicionado, mas é cedo para dizer. As decisões só vão acontecer a partir de abril, quando vamos saber se Meirelles será candidato. Se o Lula realmente não for candidato, ou ainda que não tenha essa decisão, a tendência pode ficar mais evidente. Até lá pode aparecer algum candidato surpresa, um Joaquim Barbosa ou um Luciano Huck. Quem está interessado na eleição agora são os políticos, os jornalistas e os cientistas políticos. A população ainda não está interessada. No fundo, o fenômeno Bolsonaro se beneficiou do clima anti-establishment e do Temer emparedado pelas discussões em relação à denúncia de (Rodrigo) Janot, do Lula por conta da Lava Jato. Ele aparecia como salvador da Pátria. A medida que for prevalecer um ambiente de maior racionalidade, eu não sei se terá folego para seguir. E também não acho que o Lula tenha fôlego para seguir.

• Bolsonaro começa a oscilar negativamente nas pesquisas.

O Bolsonaro é uma expressão do saco cheio e quando o saco cheio começa a não ser tão cheio, as pessoas começam a desestimular. O Bolsonaro é um produto da conjugação da crise de segurança pública, ataque ao governo Temer, Lava Jato, antipolítico, antiestablishment. Ele sintetizou o cara que era contra tudo de ruim que anda por aí. Isso não é suficiente para sustentar uma campanha eleitoral. E depois começam a aparecer as contradições. É uma situação conjuntural que não o beneficia, a medida que o noticiário ficou menos hostil ao governo porque passou a história do Janot. Segundo, a economia está melhorando; terceiro, o debate da reforma da Previdência, por mais que esteja desgastada, mas é um debate interessante, não é acovardado. Esse novo ambiente não favorece o Bolsonaro. Para o Bolsonaro (prosperar), a situação tinha que estar muito confusa, muito degradada, para ele conseguir romper o teto de votos que tem hoje.

• Um eventual fracasso na reforma da Previdência pode atrapalhar a candidatura de centro?

Não acredito nisso. As únicas pessoas que realmente têm interesse numa aprovação rápida da reforma previdenciária é o governo e o mercado financeiro. E o mercando financeiro é pragmático. Ele sabe que se não aprovar definitivamente este ano, mas avançar um primeiro turno na Câmara e deixar para aprovar no Senado depois das eleições, está de bom tamanho. Não vejo o clima se deteriorando se a reforma não for aprovada. O fato é que se a reforma for aprovada, ela melhoras as expectativas, mas se ela não for aprovada, não necessariamente piora as expectativas. A melhoria da economia trabalha a favor do centro político.

• Nessa disputa pela candidatura de centro, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem se colocado como o grande responsável pela retomada do crescimento econômico. Meirelles pode repetir o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que se elegeu depois de conduzir o Plano Real?

É evidente que ele tenta. Todo mundo é candidato a partir de uma narrativa. Essa narrativa, para ter consistência, tem que encontrar lastro na sociedade. O Meirelles tenta estabelecer uma narrativa onde a melhoria do ambiente econômico decorre da condução segura da economia nas mãos dele. E que ele seria, então, a figura ideal para manter essa recuperação a partir de 2019. Mas até agora não houve uma percepção de que ele seja o pai da economia e, por outro lado, a economia não melhorou o suficiente para gerar uma sensação parecida com aquela do Fernando Henrique. O FHC virou isso por causa do Plano Real e o Plano Real teve um impacto imediato na sociedade, muito forte, foi um negócio extraordinário. A economia brasileira está melhorando, mas é uma melhora incremental, passo a passo. Não é o suficiente para, neste momento, alavancar a candidatura dele. E se fosse muito extraordinário iria alavancar a candidatura do Temer, e não dele.

• As pesquisas também têm demostrado que Temer não tem sido considerado um bom cabo eleitoral. No caso dessa melhora econômica, o presidente conseguiria se tornar candidato?

A base política do governo tem hoje entre 200 e 250 deputados e esse é o número de parlamentares que gostariam que o Temer fosse candidato à reeleição. Eles veem no Temer um presidente que deu um espaço político que poucos deram. Então, eles desejariam que o Temer pudesse se viabilizar como candidato, não que isso vá acontecer. E por que isso? Já ouvi de muitos que nunca tiveram tanto acesso ao Palácio do Planalto, com diálogo tão intenso e que nunca conversaram com um presidente da República como conversam com Temer.

• O pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, tem demonstrado dificuldade de crescer e está sendo pressionado por uma eventual candidatura de Luciano Huck.

Acho muito difícil que o PSDB substitua Alckmin por alguém que não seja do PSDB. Todo mundo deseja que Alckmin decole e, até agora, ele não decolou. O fenômeno Huck depende mais dele mesmo do que do PSDB. Se o Huck decidir ser candidato, parte das forças políticas vai migrar do Alckmin para o Huck, mas o PSDB não abandonaria o governador, ele controla o partido. Provavelmente seria o Doria o substituto de Alckmin.

• Como o senhor vê esse fenômeno de 'outsiders' nesse cenário de disputa entre centro e candidaturas de ruptura?

Existe um desejo grande da sociedade em relação à renovação política, mas isso é o início, não o fim. A renovação política pode ter uma boa entrada com esses nomes aí, mas eles teriam que se consolidar ao longo da campanha ou até mesmo na campanha. Se fala de Joaquim Barbosa, é um nome bom e representa renovação, mas o que ele vai falar? Às vezes, o candidato perde pelo que ele fala. A Marina Silva perdeu a campanha em 2014 porque ficou defendendo a independência do Banco Central. Ela não foi descontruída por um problema moral ou ético, foi pela sua posição em relação a temas. Ainda mais candidatos como o próprio Joaquim Barbosa, o Ciro Gomes e o Jair Bolsonaro que falam muito, são muito fortes nas suas posturas, isso pode causar dano numa campanha que tende a ser muito patrulhada. Então, não basta ser um candidato novo, tem que ser um discurso que agregue. Os partidos maiores terão mais dinheiro, mais tempo de televisão. Isso ajuda o establishment político e trabalha contra os novos candidatos.

• Qual perspectiva de Marina Silva e Ciro Gomes serem beneficiados com eventual saída de Lula da disputa?

É natural, mas não acho que eles sejam beneficiados na integralidade. Tem gente que vota no Lula não por afinidade ideológica ou programática, mas sim por afinidade carismática. Eles vão atrás de outros candidatos, não necessariamente Ciro ou Marina. Acho que há uma afinidade, sim, ideológica por parte do eleitorado, mas não é na integralidade.

• Lula terá mais dificuldade em transferir votos por causa da condenação?

Não só isso, mas também pelo fracasso do governo Dilma Rousseff, e por todos os escândalos de corrupção, por um monte de gente do PT ter sido preso. Isso tudo vai vir à tona. Se isso já causou certo desgaste na campanha de 2014, imagina agora.

• A eleição de um plano B do PT pode fracassar?

Surpresas podem acontecer, mas o que eu vejo é que o PT demorou a criar alternativas. Só apostou na candidatura do Lula. Sem uma substituição natural, a situação fica mais difícil. Vai ser uma substituição de bolso do colete. Seria melhor se o PT tivesse preparado um candidato. O PT é muito conservador na sua forma de atuar. Até mesmo a insistência na candidatura personalista do Lula demonstra que é um partido conservador. O PT perdeu a oportunidade, nestes dois anos, de criar uma alternativa. Agora o partido depende do Lula e aí tem que partir para o confronto. Tenho que lembrar que a população é majoritariamente a favor da Lava Jato. Então partir frontalmente contra a Lava Jato é quase um 'grenal', um 'fla-flu'.

• O PT apostou nessa narrativa do enfrentamento. Qual o futuro do Lulismo após essa condenação?

O enfrentamento gera um tipo de solidariedade, mas não acredito que isso seja suficiente para transformar numa força política relevante. O PT cresceu quando foi abrangente. Ao apostar na narrativa da vitimização, do golpismo, ele está sendo excludente. E aí ele volta a ser o que era: um força minoritária de esquerda e desapegada de outros setores que não são de esquerda. O lulismo pode até sobreviver porque o Lula é um mito, sempre manterá um carismo e relevância, mas não sei se isso é suficiente para manter uma narrativa. O pós-eleições trará uma reflexão profunda para as esquerdas e sem considerar o Lula nesse projeto. É a única salvação que a esquerda tem.

• As últimas eleições registraram um aumento de votos brancos e nulos e as pesquisas indicam o mesmo caminho. Qual a sua avaliação?

O eleitorado desinteressado gostaria de mudança. A mudança não é o Lula. Isso favorece candidaturas novas como Joaquim Barbosa, Luciano Huck e até Marina Silva e, em parte, o próprio Bolsonaro. Esse eleitorado é desinteressado. Então, para ir votar, tem que estar estimulado. E não sei se esses caras estimulariam. Aí volto a falar da situação térmica. O País tem que estar muito ruim, a economia tem que estar muito ruim, para que este eleitor decida votar. Então, este eleitor é um eleitor que vai tomar posição muito próximo da eleição e dependendo da situação térmica, o que não significa renovação. Foram 21% de brancos e nulos na última eleição e esse número vai continuar alto.

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