- Valor Econômico
Entre Silvio Santos e Huck, analfabetismo se reduziu em 65%
A candidatura Silvio Santos caiu junto com o muro de Berlim. Em 9 de novembro de 1989 o TSE impugnou a candidatura do apresentador sob a justificativa de que seu partido não realizara convenções no número de Estados e municípios exigidos pela lei. Naquela data, Marcos Coimbra, diretor da Vox Populi, já havia feito três pesquisas, num intervalo de 10 dias, para avaliar o potencial do candidato do Partido Municipalista Brasileiro, cuja sigla mimetizava a do PMDB.
Na primeira, Silvio Santos ultrapassara o líder das pesquisas, Fernando Collor de Mello. Na segunda, caíra e, na terceira, despencara. Na lembrança de Coimbra, o apresentador ficou aliviado com o veto da Justiça Eleitoral. O risco de virar traço era enorme.
Os patrocinadores de Luciano Huck o associam a Emmanuel Macron, ministro das Finanças da França antes de virar presidente da República. Mas a falida candidatura de Silvio Santos é a experiência mais próxima do movimento que teima em se encorpar em torno do apresentador. Ao contrário do homem do baú da felicidade, porém, o comandante do caldeirão das tardes de sábado não estourou as paradas de sucesso ao ter seu nome incluído nas pesquisas. Tem um sétimo das preferências do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, na ausência deste, alcança menos da metade do potencial líder da disputa, o deputado Jair Bolsonaro.
Quando Silvio Santos registrou sua candidatura, na reta final da campanha, os candidatos dos dois principais partidos governistas, Ulysses Guimarães (PMDB) e Aureliano Chaves (PFL) patinavam nas pesquisas. Mais ou menos como Geraldo Alckmin, cuja incapacidade de ultrapassar os 20% das intenções de voto no Estado que comanda pela quarta vez soou o alarme dos partidos que gravitam em torno do governo.
Pela direita, parecia não haver rivais à postulação do governador de Alagoas. Collor agregava mais apoio no empresariado, na imprensa e nos partidos do que Bolsonaro, o atual líder do seu campo político. Por mais antissistema que fosse considerado, tratava-se de um governador. De um golfo, como desejara Graciliano Ramos, mas governador.
O país em que os partidos que representam 80% do Congresso Nacional são incapazes de somar 20% das intenções de voto numa campanha presidencial é o mesmo em que as escolas de samba e os blocos tomaram o lugar das agremiações partidárias na mediação da vontade do eleitor.
Os partidos afundaram mas seus caciques vão bem, obrigado. Fernando Henrique Cardoso de então era o ex-presidente José Sarney. Um foi eleito pela inflação que o outro produziu. Em comum aos dois estrategistas dos planos para entregar o país a um animador de auditório, está a preocupação com os sinais de que o nome a ser indicado por Lula estaria no segundo turno.
Pesquisa não é urna. A campanha é decisiva na definição do eleitor, mas como a deste ano será a mais curta da história, terá menor capacidade de mudar aquilo que está escrito nas pesquisas. Luciano Huck tem a vantagem de ser conhecido numa campanha em que haverá pouco tempo para a apresentação de candidaturas, mas as pesquisas de hoje não indicam um potencial de votos explosivo para o apresentador. As de ontem mostraram que este potencial, quando existe, não custa a derreter sob o escrutínio do eleitor.
Se Silvio Santos teve um comportamento errático nas pesquisas quando o país tinha 20% de analfabetos, não se deve esperar uma avenida desimpedida para sua versão 2018. E a principal razão é que a parcela dos brasileiros acima de 15 anos que não sabem ler ou escrever está reduzida a praticamente um terço do registrado em 1989. Nesse período, os brasileiros deixaram de ter uma expectativa de vida à la Sri Lanka para um padrão húngaro. Viveram para ver o que fizeram de sua esperança na democracia.
Frequentemente comparada à eleição de 1989, pelos candidatos a mais, a disputa de outubro tem abissais diferenças. Mas talvez a mais gritante delas é que ruma para ter eleitores a menos. Única eleição solteira e primeira para presidente da República em 28 anos, 1989 teve um grau de comparecimento e de votos válidos que não seria igualado na redemocratização. Já a de outubro ameaça um alheamento amazônico, para tomar de empréstimo o desempenho dos votos em branco, nulos e da abstenção que venceram a eleição no Amazonas em 2017.
Quando grassa a indiferença, quem resiste e comparece é o eleitor menos suscetível de ser capturado por um animador de auditório. Quem faz questão de votar, Marcos Coimbra não tem dúvidas em cravar, é o eleitor mais ideológico, que toma posição contra ou a favor, de Lula, do impeachment, de Michel Temer, de Sergio Moro, temas insípidos quando misturados num caldeirão.
Luciano Huck não é Silvio Santos e 2018 também não é 1989. Saem o terno e o cabelo engomado. Entram a calça jeans e a informalidade. Sai o "Tudo por dinheiro", entra o "Especial Inspiração". Saem as dançarinas e a humilhação do garoto fã de pagode. Entram histórias de superação premiadas com uma audiência com o papa, a reforma de uma biblioteca comunitária e a recauchutagem de um chevette 88. Sai o dono de uma concessão pública, entra um endividado do BNDES.
Sílvio e Luciano têm, em comum, o currículo de apresentadores de sucesso do país em que a política virou um espetáculo. São, ambos, invencionice de quem quer faturá-lo pela astúcia. O vencedor de 1989 é candidato a nanico este ano. Seu principal adversário, que demoraria mais 13 anos para alcançar a Presidência e dominaria o tablado como ninguém, estará, provavelmente, impedido de disputar.
Sua sucessora tinha pouco talento para faturar a distribuição de casas recorde de seu governo, mas caiu por uma disputa de bilheteria. A turma que abreviou seu tempo mudou as regras para dificultar o acesso ao palco, mas continua sem uma atração para comandar a temporada.
Até porque neste espetáculo quem vai ficar até o fim já viu de tudo. Três décadas depois, a plateia se deu conta de que não há show grátis. Aprendeu mais do que aqueles que ficaram atrás das cortinas e ainda acreditam que é possível faturar o eleitor com um espetáculo de quinta.
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