A maior operação anticorrupção da história da República se desenrolou sob a discrição, quase anonimato, do mais longevo diretor-geral da Polícia Federal desde o fim da ditadura, Leandro Daiello. Ele permaneceu no posto enquanto passavam pela pasta da Justiça, a quem deve satisfações administrativas, cinco ministros. Daiello deixou o cargo no dia 20 de novembro e foi substituído por Fernando Segovia, que tem tido comportamento muito distinto do de seu antecessor. Desde sua posse, tem demonstrado uma disposição ativa de relativizar fatos e sugerir procedimentos que poderiam beneficiar membros do governo que estão sendo investigados pelo órgão que comanda, a começar pelo presidente da República.
Com o furação da Lava-Jato em andamento, o diretor-geral da PF deveria estar acima de qualquer suspeita. Sua nomeação, que não foi uma escolha do ministro Torquato Jardim, teria tido o patrocínio de políticos sob investigação, como o senador José Sarney e o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, um dos arrolados no inquérito do "quadrilhão do PMDB" ao lado de Temer, Geddel Vieira, Moreira Franco, Henrique Alves e Eduardo Cunha. Dos citados, os que não estão na cadeia estão na cúpula do governo. Ex-superintendente da PF no Maranhão, feudo histórico dos Sarney, Segovia nega o apadrinhamento.
As declarações de Segovia sugerem um padrão de conduta coerente. A cena escandalosa de Rodrigo Rocha Loures correndo com uma mala contendo R$ 500 mil, algum tempo depois de Temer - em reunião com Joesley Batista- tê-lo indicado como homem de sua confiança, foi tratada com certa frieza por Segovia. Uma "única mala", segundo ele, não dava toda a "materialidade criminosa" necessária, afirmação seguida de críticas à Procuradoria-Geral da República que encaminhou as denúncias contra o presidente.
Pouco mais de um mês no cargo, o novo diretor-geral da PF substituiu o delegado-chefe em Santos, Júlio César Baida Filho. A troca, anunciada perto do Natal, poderia até ser um ato de rotina não fosse Baida o responsável pelo único inquérito em andamento sobre o presidente Temer. Há suspeita de favorecimento da empresa Rodrimar no porto de Santos e no imbróglio também está Rocha Loures, que teria atuado como interlocutor do governo na elaboração do Decreto nº 9.048, de 2017, que ampliou o prazo de concessão dos terminais portuários.
O porto de Santos é área de influência política de Temer e a Rodrimar, que recebeu a concessão antes de 1993, não foi beneficiada pelo decreto. Gravações feitas com autorização judicial trazem diálogos de Loures com Gustavo Rocha, sub-chefe de assuntos jurídicos da Casa Civil. Fica implícito que aceitar as sugestões da Rodrimar traria "uma exposição muito grande do presidente". Rocha foi advogado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, hoje atrás das grades.
Na semana passada, Segovia disse em entrevista à Reuters que o inquérito dos portos não provou a existência de crimes, indicando que o inquérito poderia ser arquivado em breve. Depois, deixou no ar uma ameaça ao delegado encarregado do inquérito, Cleyber Malta Lopes, a de abertura de investigação interna sobre os termos das de 50 perguntas enviadas ao presidente Temer, que teriam sido consideradas pela defesa do presidente ofensivas à sua honra.
Segovia diz que "não há muito mais diligências a serem feitas" no inquérito do decreto dos portos e criticou a Procuradoria por deixar o processo amplo o suficiente com o intuito de "pegar alguma coisa". Para provar a existência de corrupção, seria preciso quebrar os sigilos bancários, fiscal e telefônico do presidente Temer, praxe nessas investigações, que estranhamente não foi seguida até agora.
Segovia encontrou-se nos dias 15 e 29 de janeiro com o presidente Temer, a sós. Disse que fora discutir um plano de segurança com ele, quando o normal seria que tivesse feito isso por intermédio do ministro da Justiça ou na sua presença. Segovia pode ter ferido um código de conduta da PF ao comentar investigações em andamento e intimidar o responsável por elas, como apontou o ministro Luís Roberto Barroso, relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal. Pior que isso, demonstra seguidamente uma parcialidade que é nociva aos trabalhos da corporação que comanda e que não é republicana. Segovia se desqualifica para dirigir a PF.
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