sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Luiz Carlos Azedo - Doria ou Huck, eis a questão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Uma coisa é certa: não há lugar para Doria e Huck na mesma disputa; se ambos forem candidatos, o centro democrático acabará derrotado nas eleições de 2022”

O melhor mesmo seria citar a frase célebre “Ser ou não ser, eis a questão” (em inglês, “To be or not to be, that is the question), de Hamlet, no monólogo do terceiro ato da peça homônima de William Shakespeare. A frase não exige nenhuma erudição. Trata-se simplesmente de viver ou morrer: “Será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e flechas com que a Fortuna, enfurecida, nos alveja, ou nos insurgir contra um mar de provocações e em luta pôr-lhes fim? Morrer.. dormir”, continua o monólogo.

O drama de Hamlet é a dúvida sobre o que fazer diante dos tormentos e sofrimentos, perante os quais o pensamento suicida surge como uma possível opção. Entretanto, a morte também traz indagações. A consciência inibe o suicida, com a interrogação sobre o que pode existir após a morte: inferno ou paraíso? O suicídio é condenado pela maioria das religiões. “Ser ou não ser” eternizou o clássico da dramaturgia universal, porque representa de forma ampla o como agir diante das circunstâncias.

“Ser ou não ser” sintetiza o drama dos dois principais nomes aventados para ocupar o espaço político do centro democrático nas eleições de 2022, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o apresentador de tevê Luciano Huck, sem partido. O primeiro já demonstrou que não é de esquentar nenhuma cadeira por muito tempo, pois largou no meio o mandato de prefeito de São Paulo para disputar o governo do maior do estado do país. Está preparado para enfrentar o presidente Jair Bolsonaro e seu possível adversário à esquerda, o ex-prefeito Fernando Haddad, que é seu freguês de carteirinha, pois derrotou-o quando disputava a reeleição. Haddad também perdeu para Bolsonaro, e não seria capaz de atrair o centro democrático para derrotar o “mito”, se houver outra opção.

Entretanto, o Palácio dos Bandeirantes é a joia da coroa da Federação, sede do governo do estado mais poderoso do país. A proposta orçamentária de São Paulo para 2020 é de R$ 239 bilhões. Para chegar a esse valor, Doria terá que efetivar seu programa de privatizações de rodovias, aeroportos e outros ativos. São Paulo, porém, ganhou de presente a divisão dos recursos do megaleilão de petróleo do pré-sal, marcado para novembro. Saltou de R$ 94 milhões para R$ 632,6 milhões, um aumento de 573% na expectativa de arrecadação, com a lei aprovada na quarta-feira pelo Congresso.

Do ponto de vista econômico e financeiro, São Paulo se basta. É o estado que menos serviços recebe do governo federal e mais paga impostos. Historicamente, colhe os frutos de sua elite agrária ter apostado na industrialização, enquanto as demais permaneceram aferradas ao velho patrimonialismo. Sofre até hoje, porém, as consequências da Revolução Constitucionalista, combatida como um movimento separatista pelos revolucionários de 1930. Vem daí a facilidade com que o estado acaba isolado em certas disputas políticas. O Palácio dos Bandeirantes é o vértice de um poderoso sistema de poder, por isso seu ocupante é um candidato natural à Presidência, porém o último que conseguiu chegar lá foi Jânio Quadros, em 1960.

Dora Kramer - Sem rumo nem prumo

- Revista Veja

Os moderados ainda precisam fazer muita força para seduzir o eleitor de 2022

Dizem por aí que a polarização é um mal que assola o país. Donde o aconchego moderado proporcionado pela união das forças de “centro” deveria ser o objetivo a ser alcançado para o bem de todos e a felicidade geral da nação. Enunciado desse modo, o problema do Brasil soa como resolvido de antemão. Na prática, porém, não é bem assim.

Os moderados realmente precisam unir esforços e se organizar para fazer frente à radicalização que não tem levado a lugar algum. Beleza, não fosse a ausência de plano para a execução da proposta. Seus defensores se apresentam como liberais na economia e progressistas no tocante aos costumes, coisa que atende aos ditames da obviedade mas não produz um passo concreto na direção do avanço.

Em nome da sempre desejada transparência, assumo desde logo minha adesão ao chamado centro. Gosto que por ora qualifico como utopia em busca de um rumo e, sobretudo, de um prumo para se transformar numa realidade capaz de seduzir maiorias que se identifiquem com ela a ponto de compreender seus autores e se comprometer com votos dados à pessoa que venha a representar esse campo ainda infértil de liderança, discurso e mobilização. Votei em Geraldo Alckmin no primeiro turno, em ninguém no segundo. Transparência, leitores.

Não se trata aqui de crítica meramente teórica aos meios e modos dos que buscam uma saída para o beco em que nos encontramos. É, antes, um apelo ao pragmatismo, sem o qual tendemos a chegar a 2022 no mesmo patamar de confusão cívica que em 2018 levou à escolha de Sofia entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro por falta de melhor opção.

Ricardo Noblat - Tortura com as digitais do Estado

- Blog do Noblal

E o silêncio conivente de Moro
De Jair Bolsonaro não se espere nenhuma manifestação de horror quanto a torturas de presos. Mais de uma vez ele defendeu e justificou a tortura adotada como política de Estado à época da ditadura militar de 64 que se estendeu por 21 tenebrosos anos.

Mas do ministro Sérgio Moro, da Justiça, seria natural que se esperasse uma manifestação de inconformismo e de horror. Uma condenação sem reticências à prática que contraria os tratados internacionais sobre Direitos Humanos assinados pelo Brasil.

Quando nada porque Moro não é ministro de uma pasta qualquer – mas da que carrega em seu nome a palavra Justiça, agora acrescida das palavras Segurança Pública. E porque até um dia desses, Moro foi juiz respeitado e defensor do Estado de Direito.

Moro, no entanto, preferiu calar-se ou duvidar do relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sobre o que aconteceu em março último no Ceará.

Como se calou mais recentemente sobre uma ação movida pelo Ministério Público Federal no Pará. Em questão, nos dois casos, o modo reprovável, cruel e desumano de operar de agentes de forças-tarefa de intervenção federal em presídios no país a fora.

No Ceará, para escapar de eventuais agressões, os agentes quebravam os dedos de presos considerados perigosos. No Pará, o variado cardápio de torturas foi usado à farta contra detentos – seja para que admitissem crimes, seja para aterrorizá-los.

A intervenção federal em presídios foi autorizada por Moro no rastro de rebeliões ou de ameaças de futuras rebeliões. Era para restabelecer a ordem e coibir crimes. De fato, serviu para a explosão de novos crimes, dessa vez com as digitais do Estado.

A falsa natureza cordial do brasileiro, somada à insegurança pública que faz do país um dos campeões mundiais em número de homicídios, acaba por avalizar o comportamento de forças policiais que empregam a violência para além do limite fixado em leis.

Nos tristes anos 70 do século passado, o advogado Sobral Pinto, que uma vez já invocara a lei de proteção aos animais para proteger presos políticos torturados, investiu contra autoridades e políticos que falavam cinicamente em “democracia à brasileira”.

Para Sobral Pinto, à brasileira só existia peru durante o Natal. Democracia não comportava adjetivo. Ou era democracia ou democracia não era. Assim como virgindade. Meia virgindade era uma fraude. Estado de Direito com tortura é fraude pura.

A barbárie sente-se estimulada quando o presidente da República a chancela, o ministro da Justiça a ignora e a sociedade a tolera.

Trump engabelou Bolsonaro, que se deixou engabelar

Merval Pereira - Amizade interessada

- O Globo

Amizade entre Trump e os Bolsonaro, base da política externa atrelada aos EUA, começa a ser desmistificada

Não há países amigos, mas interesses comuns, a frase atribuída a John Foster Dulles, Secretário de Estado dos EUA, resume bem a situação atual, em que os Estados Unidos frustraram as expectativas brasileiras de entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mais um dos muitos objetivos de política externa brasileira emperrados pelos compromissos internacionais que não nos contemplam.

A propalada amizade entre Trump e a família Bolsonaro, base para a defesa de uma política externa atrelada aos Estados Unidos, começa a ser desmistificada pelos próprios americanos, que ontem aceitaram Argentina e Romênia no chamado “clube dos ricos”, sem abrir brecha para o Brasil, o que fora anunciado como a grande vitória alcançada na visita do presidente Bolsonaro aos Estados Unidos.

O Brasil tem tido frustradas suas ambições internacionais historicamente pelos Estados Unidos. Na Conferência Internacional de Haia, de 1899, e assim também na Segunda, de 1907, onde as potências européias organizavam os países por influência no processo decisório, fomos obrigados a sair do jogo devido às propostas endossadas pelos EUA, consideradas “humilhantes” quando se discutiu a composição do Tribunal de Presas e a do Tribunal Arbitral.

O mesmo aconteceu em 1945, como consequência da Segunda Guerra Mundial, na criação da Organização das Nações Unidas (ONU), quando o Brasil quase fez parte do seu Conselho de Segurança, meta que tentamos alcançar até hoje.

Míriam Leitão - Um dia com altos e baixos

- Globo

Rodada de petróleo foi um sucesso, falta de propostas em Abrolhos foi um alerta, e não indicação para OCDE foi uma decepção

O governo brasileiro teve ontem uma vitória, um aviso e uma decepção. A 16ª Rodada de Licitação de petróleo arrecadou um volume alto de recursos, R$ 8,9 bilhões, e constatou mais uma vez o interesse das empresas estrangeiras na exploração de petróleo no Brasil. Isso é importante porque há dois outros leilões marcados para este ano. O aviso foi o fato de não aparecerem propostas para os blocos perto de Abrolhos, que o governo teimou em colocar na rodada, apesar dos alertas dos técnicos do Ibama. A decepção foi que os Estados Unidos indicaram a Argentina — e não o Brasil — para ser membro da OCDE.

O recado que ficou do leilão de petróleo confirma duas informações: primeiro, que o Brasil é visto como uma frente promissora de investimento na produção de óleo e gás, segundo, que as empresas não querem correr riscos desmedidos na área ambiental. Se quiser passar por cima do que dizem os cientistas ou os órgãos de controle, como o Ibama, o Brasil vai ficar falando sozinho, porque as empresas hoje têm satisfação a dar aos stakeholders, aos acionistas, consumidores e todos os que estão vinculados aos negócios da empresa.

Bernardo Mello Franco - Ciro, Serra, Temer e Dilma no diário de FH

- O Globo

Em diários inéditos, FH define Ciro como “descabeçado” e “destrambelhado”. Garotinho aparece como um “moleque” mal-educado, que entrava no palácio assobiando

Desbocado, destrambelhado, descabeçado. Fernando Henrique Cardoso usou esses e outros adjetivos para se referir a Ciro Gomes nas eleições de 2002. No último volume dos “Diários da Presidência”, o tucano deixa claro que detestaria passar a faixa ao ex-aliado.

“O Ciro é nada, é um oportunista que vive da imprensa”, criticou, em março de 2001. “Eu não confio no Ciro. Me chamou de ameba, isso é inaceitável. Ele não tem responsabilidade”, reclamou, em agosto de 2002. “O Ciro é um desastre”, resumiu, dias depois.

O presidente comparava o desafeto a Fernando Collor. “É um oportunista, um rapaz perigoso”, criticou, a cinco meses da eleição. Quando Ciro subiu nas pesquisas, ele apelou aos céus: “Meu Deus, livre-nos dele!”.

O diário também registra o desapreço de FH por Anthony Garotinho. “Deixou o Estado do Rio em petição de miséria”, criticou, em setembro de 2002. Em outra passagem, ele chama o ex-governador de “moleque”.

Nelson Motta - Em busca da cidade perdida

- O Globo

A economia está melhorando lentamente em todo o Brasil. Menos no Rio de Janeiro. O desemprego diminui em quase todos os estados. Mas aumenta no Rio. O crime está caindo no Brasil, mas no Rio está caindo menos. Todos sabem as razões da tragédia carioca: a corrupção, a incompetência e a ignorância de nossos governantes, a completa desmoralização da Alerj e da Câmara Municipal, do TCE e do TCM, e de um dos Judiciários mais corruptos do país. Não podia mesmo dar certo, até que a conta chegou.

Quem ainda acreditava na eficiência do “rouba, mas faz” entendeu a relação do apodrecimento e do aviltamento das instituições com o ambiente para desastres administrativos e a instituição de um espírito de cinismo, descrença e descompromisso entre seus agentes. A história da decadência do Rio de Janeiro é a prova.

As “melhores” administrações se revelaram as mais corruptas, e as mais incompetentes deram tanto prejuízo quanto. Não há ideologia nem boas intenções que sobrevivam ao pântano moral carioca, a uma cultura permissiva, promíscua e quadrilheira que perpassa as administrações.

Virou um “estilo carioca”, no mau sentido. O que era irreverência virou desrespeito, a graça virou grossura, a simpatia virou antagonismo, a malandragem virou crime. E o humor é de Crivella.

José de Souza Martins* – A ignorância moderna

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Estamos em face de uma crise do senso comum, que expressa mudanças profundas na sociedade. No caso brasileiro, representadas por perdas de um subcapitalismo que tolhe nosso desenvolvimento

A sociedade brasileira carece de uma atenção crítica quanto às mudanças no conhecimento de senso comum que mediatiza condutas e deforma a compreensão social da realidade. O senso comum é a necessária, ainda que precária, certeza numa sociedade de incertezas cada vez maiores. Sua compreensão científica esclarece a função que tem na contínua regeneração dos mecanismos de reprodução das relações sociais contra a possibilidade de transformações e inovações.

Há um empobrecimento cultural mais intenso em países subdesenvolvidos, como o Brasil, do que nos países de tradicional valorização do conhecimento na formação das pessoas desde a infância, o que se reflete no senso comum. Com os recursos modernos de difusão da cultura, como o celular e a internet, entre os desprovidos do discernimento apropriado, o senso comum já é outro. Mais informadas estão as pessoas e menos conhecedoras são da diversidade cultural que é própria da sociedade atual.

O fenômeno sugere aos especialistas a inovação de uma sociologia do desconhecimento, um campo aberto à indagação científica. Tanto no que é o conhecimento insuficiente, quanto em suas variantes, como a mentira e a mistificação nos modos sociais de conhecer, desconhecendo, a realidade profunda. O desconhecimento como meio de preservação popular da ordem. Como o é o conhecimento distorcido do mundo por um modo de vida aquém do que é direito e necessário.

Estamos em face de uma crise do senso comum, que expressa mudanças profundas na organização da sociedade. No caso brasileiro, representadas por perdas próprias de um subcapitalismo que tolhe nosso desenvolvimento econômico e social.

Rosângela Bittar - Em resumo

- Valor Econômico

Duas décadas de observação da cena política nacional

No momento em que me despeço dos leitores desta coluna, espaço que ocupei por duas décadas de observação da cena política, vejo o retrato de um período em que, indispensável à democracia, essa atividade ficou estagnada, enquanto a tecnologia, a economia, a cultura, os costumes e a vida, enfim, sobretudo a sociedade, avançaram com firmeza.

O Brasil de hoje é muito diferente daquele de maio de 2000, quando, junto com a fundação do Valor, assumi este posto de observação. Já a política não repetiu, nos últimos 20 anos, os avanços que foram uma constante nas décadas anteriores, com ênfase à lembrança da redemocratização e da Constituinte.

Há dois exemplos da incompetência da política para dar respostas aos grandes desafios do país. Um, maior de todos, é o desemprego; o outro, a força de determinados grupos e corporações, de que se pode destacar os caminhoneiros, com sua constante ameaça de desabastecimento e paralisação do Brasil. Problemas que permanecem intocados.

A política foi incapaz de acompanhar o ritmo da evolução de uma economia mais aberta; de uma tecnologia desenvolvida; da massificação das informações; da modernização dos costumes e sua proteção às diferenças. Olhando para os governos que se sucederam no período, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), vê-se a direção da política em linha comum de concepção a todos eles, a da busca da governabilidade pela aliança da esquerda com a direita. Sem compromissos de ordem ideológica ou programática. Tentou-se juntar o liberalismo e a social democracia para levar adiante projetos de governo que se diferenciavam apenas por prioridades.

Fernando Henrique inaugurou o modelo, com a união de forças do PSDB e do antigo PFL, em torno dos dois orbitando os demais partidos do centro e da direita. A aliança levou o Congresso a aprovar reformas, oportunidade em que o governo desatou o forte nó do monopólio do petróleo. FH vinha do plano Real, que apontava o caminho para a economia, e de um impeachment do antecessor que apontava outro para a política. A reforma da Previdência foi tímida, mas o governo conseguiu dar um mínimo de equilíbrio às contas públicas.

Claudia Safatle - Autonomia do BC será votada em breve

- Valor Econômico

Na quarta-feira relator vai definir data com Campos e Maia

Nunca o Congresso esteve tão perto de aprovar o projeto de autonomia do Banco Central. O momento não poderia ser mais favorável. Os juros básicos (Selic) estão no patamar mais baixo da história e a inflação em setembro foi negativa. Houve uma ligeira deflação, de 0,04%, e o risco, agora, é de o IPCA, índice oficial do regime de metas, ficar bem abaixo da meta de 4,25% neste ano. O nível de atividade continua em banho-maria e amplia-se o espaço para uma redução adicional da taxa de juros, para a casa dos 4,5% ao ano.

O ex-presidente do BC Ilan Goldfajn deixou bem pavimentado o caminho para a votação do projeto de lei complementar (PLP) que confere autonomia ao BC junto às lideranças dos partidos. Foram inúmeras as conversas com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em um processo de negociação que continuou com o novo presidente, Roberto Campos Neto. Na semana passada, por pouco a proposta de autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do Banco Central não foi colocada em votação na Câmara.

O deputado Celso Maldaner (MDB-SC), relator do PLP, informou que entre terça e quarta-feira da próxima semana terá uma reunião com Maia e Campos para definir a data que o assunto será levado ao plenário da Câmara.

Quando votado e aprovado, encerra-se um longo período de três décadas para esse assunto amadurecer. As primeiras iniciativas de atribuir autonomia legal para o BC datam de 1989 e precederam a própria estabilização da economia, a partir do Plano Real, de 1994. O objetivo dos projetos era, então, de garantir à autoridade monetária autonomia para controlar a quantidade de moeda na economia.

Agora, o objetivo fundamental do BC será o de assegurar a estabilidade de preços e zelar pela estabilidade financeira. O projeto de lei complementar que o Executivo enviou ao Congresso em abril deste ano foi apensado ao projeto 200/1989.

Hélio Schwartsman - A hipótese da estultice

- Folha de S. Paulo

Permanece a questão de saber se Bolsonaro é um sujeito inteligente ou só um valentão

Permanece em aberto a questão de saber se Jair Bolsonaro é um sujeito inteligente, isto é, alguém que se vale de estratégias elaboradas para alcançar seus objetivos, ou apenas um valentão que teve duas ou três intuições corretas e uma enorme dose de sorte.

Os defensores da hipótese de vida inteligente sempre poderão afirmar que ele venceu a eleição mais disputada do país e que vem presidindo um processo de recuperação econômica, ainda que timidíssimo.

Não faltam, porém, argumentos àqueles que sustentam que Bolsonaro não passa de um despreparado que as ruínas da administração petista aliadas às forças do acaso galgaram à Presidência. A prova mais eloquente disso estaria no fato de o primeiro mandatário levantar incessantemente polêmicas nas quais tem muito mais a perder do que a ganhar.

Bruno Boghossian – Diplomacia e pastéis de vento

- Folha de S. Paulo

Apesar de declarar apoio, EUA não apresentam data e etapas para entrada na OCDE

A diplomacia brasileira vai ter trabalho para provar que não anda comprando pastéis de vento na banca de Donald Trump. O governo americano faz declarações públicas e inequívocas de apoio à entrada do Brasil na OCDE, mas agora dá sinais claros de que o país precisa esperar para conseguir o que quer.

Em março, Jair Bolsonaro deixou a Casa Branca com uma iguaria crocante e dourada nas mãos. O endosso público de Trump à candidatura brasileira à organização foi comemorado pela equipe econômica e pelo Itamaraty. O recheio ficou por lá.

O governo se apressou em recompensar os EUA. No ato, os brasileiros abriram mão do tratamento especial que é dado a países emergentes na Organização Mundial do Comércio, uma demanda de Trump. Lançaram, também, cotas generosas de importação de trigo e etanol, beneficiando os produtores americanos.

Reinaldo Azevedo - Real people X fake news em 2022

- Folha de S. Paulo

O encanto do discurso da direita disruptiva já se quebrou

Todos os meus amigos, sem exceção, estão convictos de que o pêndulo de opinião se deslocou para a direita por um bom tempo e de que a esquerda, desde já, deve ser descartada como opção eleitoral possível —se viável, aí o debate é outro— para 2022. Eu não estou. E olhem que isso nada tem a ver com “Lula livre” ou “Lula preso”.

Ouso sugerir que se coloquem os pobres na equação. No país que teve deflação em setembro —e duvido que Paulo Guedes tenha tido tempo de explicar para Jair Bolsonaro que isso não é bom—, o presidente decidiu fazer um esparramo em seu próprio quintal ideológico ao detonar o PSL. Que importa que isso crie dificuldades adicionais para alguns objetivos que deveriam ser estratégicos para o governo, como as reformas?

Nesta quinta (10), li cheio de interesse uma fala de Guedes a investidores brasileiros e estrangeiros. O trecho que mais me encantou foi este: “Estamos com o crescimento subindo, a inflação descendo e retomando provavelmente agora um longo ciclo de crescimento. Num momento em que o mundo sincronizadamente desacelera, entrando em uma clínica de reabilitação após um período de excessos, o Brasil está saindo da clínica de reabilitação”.

O discurso do ministro sempre pareceu complexo demais para o meu curto entendimento. Como quando prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações ou zerar o déficit ainda em 2019. Com o mundo na clínica de reabilitação, e o Brasil iniciando seu longo ciclo de crescimento, suponho que a sustentação de que trata estará ancorada no mercado interno.

Ruy Castro* - A casa do pai

- Folha de S. Paulo

É natural que tantos brasileiros queiram morar em Portugal. Temo ficar aqui sozinho

Um anúncio nos nossos jornais proclama o sucesso de um leilão de imóveis em Portugal. Ou seja, para um brasileiro já não é preciso tomar um avião para comprar um apartamento, casa ou sala comercial em Lisboa. Pode fazê-lo daqui mesmo, pelo celular, e só embarcar para tomar posse da aquisição. Se, nos últimos anos, já fui à despedida de inúmeros amigos que enfrentaram duras formalidades para emigrar para a terrinha, imagino como não será agora, com todas as facilidades. Temo ser deixado aqui sozinho, encarregado de apagar a luz.

Morei em Lisboa, a trabalho, como editor-executivo de uma revista internacional, de janeiro de 1973 a setembro de 1975. Era outra Lisboa, outro Portugal. Quando cheguei, o país vivia sob uma ditadura de décadas. Havia uma guerra colonial em curso, já perdida, e os jornais sofriam uma censura ainda pior do que a nossa. No Brasil, filmes como “Último Tango em Paris” e “Laranja Mecânica” estavam proibidos, mas nada impedia que uma revista como a Manchete abrisse dez páginas em cores sobre eles. Em Portugal, a imprensa não podia sequer insinuar que eles existiam.

Eliane Cantanhêde - Brasil first?

- O Estado de S.Paulo

Lula com Sarkozy, contra os EUA, e Bolsonaro com Trump, contra a França. E o Brasil?

Donald Trump está para Jair Bolsonaro assim como Nicolás Sarkozy esteve para Lula e essas duas situações comprovam a máxima da política externa: amigos, amigos, negócios à parte. Na hora de prometer mundos e fundos, é fácil. Na hora de cumprir o prometido, a história é bem outra. O que vale para Trump é “America first”, assim como o que valia para Sarkozy era “La France avant tout”.

Lula se encantou com Sarkozy, caiu na lábia dele e por pouco não atrelou todo o arsenal brasileiro a uma única fonte: a França. Depois de fechar com os franceses o ambicioso Prosub, programa de submarinos da Marinha, inclusive o submarino de propulsão nuclear, Lula atuou o tempo todo para renovar a frota da FAB com jatos supersônicos do país.

Havia três concorrentes, o Rafale da francesa Dassault, o F-18 da norte-americana Boeing e o Gripen NG da sueca Saab. Depois de se encontrar três vezes com Sarkozy num único ano, coisa rara em relações bilaterais, Lula chegou a criar uma saia-justa ao anunciar a vitória do Rafale antes do fim do relatório técnico da FAB. O então ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez um malabarismo para desmentir o presidente.

Concluído o relatório, com milhares de páginas, o Rafale ficou no terceiro e último lugar, atrás do F-18 e do Gripen, que acabou sendo finalmente escolhido – mas só no governo seguinte, de Dilma Rousseff, quando o namoro de Lula com Sarkozy já tinha terminado melancolicamente.

Simon Schwartzman* - A âncora da educação

- O Estado de S.Paulo


O foco devem ser as competências, e não os diplomas que possam aparecer nos currículos


No México, o novo governo de López Obrador cancelou a reforma da educação do governo anterior, acusado de ter instituído um sistema punitivo de avaliação de mérito dos professores, e decidiu universalizar a educação superior, prometendo a criação de mais cem universidades. Ao mesmo tempo, corta os recursos e cria dificuldades para o funcionamento dos centros de pesquisa mais avançados. A educação pública mexicana é tão ruim quanto a brasileira e o poder dos sindicatos era tal que os professores das escolas públicas eram donos de seus cargos, podendo passá-los para os filhos. A Universidad Nacional Autónoma de México, com mais de 300 mil estudantes, sempre teve uma política de acesso livre e gratuito, gerando graves ineficiências, que os governos anteriores tentaram mitigar.

É um exemplo extremo de políticas populistas que dão prioridade absoluta às demandas da população por credenciais ou títulos universitários e aos interesses corporativos dos professores, deixando de lado as preocupações com qualidade e relevância. A consequência é a inflação dos diplomas, tornando necessários títulos cada vez mais altos para fazer as mesmas coisas, a um custo crescente para a sociedade.

O Brasil nunca chegou a esse extremo, mas o que aconteceu com a educação teve muito dessa filosofia. E não é muito diferente do ocorrido em áreas como saúde e previdência: um grande esforço para recuperar séculos de atraso e compensar as desigualdades expandindo de qualquer maneira a educação, resultando num sistema inchado, custoso, de má qualidade e extremamente difícil de reformar. Hoje, 50 milhões de brasileiros estão matriculados em algum tipo de escola, 60% da população até 30 anos, atendidos por um exército de mais de 6 milhões de pessoas, entre professores, dirigentes escolares, funcionários e outros profissionais. A estimativa mais recente de é que o Brasil gasta perto de 8% do PIB em educação, incluindo os gastos privados, proporcionalmente mais do que todos os demais países da América Latina e muitos países desenvolvidos.

Elena Landau* - Cabeça, corpo e alma

- O Estado de S.Paulo

Estudar e pensar é vital para uma mulher romper um quadro de dependência

A todo tempo são noticiados números assustadores de feminicídio no País, que tem a desonrosa quinta colocação no ranking mundial.

O assassinato é o último elo de uma cadeia de violência. Abuso verbal, agressões, estupro vão sendo cometidos ao longo de anos até que se chegue à letalidade.

Recentemente, o bispo Edir Macedo gravou um vídeo falando do lugar das mulheres na sociedade. Usou como exemplo a educação que deu às filhas. Com a religião como escudo, revelou toda sua misoginia. As filhas só teriam a missão de servir a Deus. Um curso superior as desviaria do caminho. Se estudassem, correriam o risco de ficar solteiras ou, se casadas, serem justificadamente traídas por seus maridos e disse mais: “Quero que minhas filhas se casem com um macho”.

É um retrocesso nos, ainda lentos, avanços em busca do tratamento igualitário entre gêneros. Sua fala nos remete ao tempo em que mulheres não podiam votar ou dependiam de autorização do marido para trabalhar. Hoje, lutam para aumentar sua representação no Parlamento, sem serem usadas como laranjas pelos seus partidos. Lutam por salários iguais aos dos homens nas mesmas funções, por participação na alta administração e nos conselhos. Buscam igualdade de oportunidades, procurando mudar regras que, criadas com boas intenções, as discriminam, como aposentadorias precoces e licenças maternidades. Perderam a oportunidade de igualar a idade entre gêneros nesta reforma da Previdência. A licença parental é ainda uma discussão incipiente, mas muito relevante. Vamos caminhando, devagarinho.

Murillo de Aragão* - Bolsonaro e o PSL, convicção e conveniência

- O Estado de S.Paulo

Sem Bolsonaro, o PSL será um partido rico, mas com uma narrativa empobrecida.

A crise entre o PSL e o presidente Jair Bolsonaro faz parte de um roteiro que envolve conveniência e convicção. Considerando tais aspectos, é natural que a relação entre ambos nunca tenha sido das melhores.

Em 2018, o então deputado federal Jair Bolsonaro precisava de um partido para disputar a Presidência e escolheu o PSL, que, por sua vez, acolheu Bolsonaro como uma aposta que poderia dar certo. Ao filiar-se ao partido, em março de 2018, ele já tinha entre 15% e 20% das intenções de voto.

A união de ambos foi conveniente sob o ponto de vista eleitoral. Porém, sob o ponto de vista de futuro, pode não funcionar caso não haja uma redistribuição de poder interno no partido.

Disputa-se, é claro, o comando do partido na escolha de candidatos e o controle dos fundos eleitoral e partidário. Na eleição do próximo ano, a legenda terá R$ 359 milhões, juntando os fundos partidário e eleitoral.

Na disputa por poder interno, aliados do presidente divulgaram ontem carta cobrando “novas práticas” do comando nacional do PSL.

No limite, a disputa interna poderá resultar em racha. Mas o cenário predominante é o de negociação. O que, pelo menos por enquanto, impediria uma ruptura total que pode levar o PSL a encolher de forma relevante.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Duelo de oligarcas – Editorial | Folha de S. Paulo

Relação de Jair Bolsonaro com o PSL é reiteração de velhos hábitos da política

Todas as manifestações de motivos para o ensaio de debandada do presidente Jair Bolsonaro do PSL não passam no teste da autenticidade, apreciada por seus seguidores. Trata-se simplesmente de disputa para saber quem controlará o pote de ouro, financiado pelos contribuintes, em que de repente se converteu a legenda outrora irrelevante.

Na esteira da onda neoconservadora que varreu o Brasil em outubro de 2018, o Partido Social Liberal elegeu 52 deputados (são 53 hoje), o que lhe rendeu a segunda maior bancada na Câmara. Isso significa, de acordo com as regras do financiamento público de partidos e campanhas, o aporte de R$ 110 milhões ao PSL neste ano de 2019.

No ano que vem, em razão das eleições municipais, a quantia a ser despejada pelo erário na sigla presidida pelo notório Luciano Bivar poderá atingir até R$ 500 milhões —se os congressistas conseguirem aumentar a dotação do fundo eleitoral para o volume que almejam.

Enfrentando a resistência do velho oligarca pelo controle dessa montanha de recursos, os emissários do pretendente a oligarca cogitam abandonar o partido. Mas não gostariam de sair sem a certeza de que vão manter os cargos eletivos.

No intuito de estimular a fidelidade partidária, a jurisprudência das cortes superiores e a legislação punem o abandono da sigla com a perda do mandato. Além disso, mantêm na sigla de origem a prerrogativa de acessar as verbas públicas para campanhas eleitorais e custeio das agremiações.

Cláudio de Oliveira* – Sem reformar o sistema político-partidário, a Lava Jato continuará a enxugar gelo

O caso de uso de laranjas pelo PSL estourou não só em Minas Gerais, onde o partido é presidido pelo atual ministro do Turismo, Álvaro Antônio. Pelo que se sabe, houve também esquema semelhante em Pernambuco, terra do presidente nacional do partido, Luciano Bivar.

Os desvios do fundo eleitoral aconteceu na eleição de 2018, em pleno auge das investigações da Operação Lava Jato, depois da prisão de vários políticos e do repúdio da sociedade brasileira contra a corrupção.

Indignação que vem desde o julgamento do Mensalão em 2012, quando o ministro do STF Joaquim Barbosa condenou a cúpula de vários partidos à prisão.

Nas manifestações de junho de 2013, a frase mais ouvida era o “eles não nos representam”.

Entre o julgamento do Mensalão e o escândalo do Petrolão, em pleno período das manifestações que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff, enquanto se desenrolava o processo do Tríplex que levou Lula à prisão e da entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa para a eleição de 2016, eis que mais um esquema se realizava.

De janeiro de 2016 a janeiro de 2017, Fabrício José Carlos Queiroz, policial militar e então assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro, filho do Presidente Jair Bolsonaro, realizava movimentações suspeitas no valor de R$1.236.838,00, conforme revelou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). (1)

E agora o presidente e seus filhos pretendem criar um novo partido, depois da disputa do grupo pelo controle dos fundos partidário e eleitoral do PSL, como muito bem lembrou o cientista político Marco Aurélio Nogueira. (2) É mais um partido para aumentar a fragmentação partidária e a desmoralização do sistema político-partidário.

Poesia | Fernando Pessoa - A ciência

A ciência, a ciência, a ciência...
ah, como tudo é nulo e vão!
A pobreza da inteligência
ante a riqueza da emoção!

Aquela mulher que trabalha
como uma santa em sacrifício,
com tanto esforço dado a ralha!
Contra o pensar, que é o meu vício!

A ciência! Como é pobre e nada!
Rico é o que alma dá e tem.

Música | Getúlio Cavalcanti - Obrigado Mangueira