ENTREVISTA – GILVAN CAVALCANTI MELO
Realizada em 30 de julho de 2003, no Rio de Janeiro (RJ)
Entrevistador: Fabricio Pereira
Entrevistador: Poderíamos começar falando sobre o início de sua trajetória política. Como o senhor teve contato com o PCB? Como tudo começou?
Gilvan Cavalcanti: Em primeiro lugar, nasci em 05/12/1935 na cidade de Limoeiro, conhecida como a princesinha do agreste pernambucano, filho, mais novo de quatro irmãos, de pai industrial e comerciante de sapatos da região e mãe proprietária de terras. Estudei no Ginásio de Limoeiro do conhecido Padre Nicolau. Gostava mesmo era de praticar futebol. Jogava no time infantil do Colombo, quando fui morar no Recife fui levado por um primo para os juvenis do Sport Clube. Tem um fato que me marcou na minha lembrança, até hoje: no fundo do quintal da nossa casa na Rua Santa Cruz, em Limoeiro, tinha uma rua que a garotada jogava futebol e chamava-se Dr. José Cordeiro. Um dia eu perguntei, por curiosidade a meu avô quem era a figura que dava nome à rua? Obtive uma resposta raivosa: “ é o pai de um moleque comunista” . Anos depois vim saber que o “moleque” era Cristiano Cordeiro, fundador do PCB, em Pernambuco.
Bem, em segundo lugar, tudo começou de uma forma até muito estranha. Eu comecei a militar no movimento estudantil em Pernambuco. Antes eu tinha tido contato com alguma literatura, com as idéias de Marx. Através de uma pesquisa que me foi encomendada na época uma revista que tinha na Faculdade de Direito de Recife. Então, deparei-me com textos de um professor italiano, marxista, Antonio Labriola que me conduziu à leitura de Gramsci. Nesse processo comecei a militar no movimento estudantil, no movimento secundarista e entrei em contato com alguns companheiros. Começamos a criar a Juventude Comunista, em 1955 no Recife. Descobrimos que já tinha existido uma Juventude Comunista, naquela época que o partido era clandestino, naquela linha sectária.
Aí começamos a organizar a juventude, fizemos várias reuniões, inclusive tivemos vários encontros na casa de um professor da Faculdade de Direito que era especialista em Marx. Ele começou a dar aula para nós, o nome dele era Gláucio Veiga, que depois se tornou um advogado conhecido em Pernambuco, nessa área das relações tributarias. Deu as primeiras lições de O Capital para nós. Aí juntando o movimento estudantil com as primeiras lições de Marx, começamos a organizar a juventude, encontramos vários companheiros do partido, entramos em contato com a direção do partido. E foi como tudo começou.
E: O senhor entrou no partido num momento de maior abertura, não é?
Gilvan: Era clandestino, 1955. Mas, em 1956 naquela época houve o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética que denunciou os crimes cometidos pelo Stalin, o sistema do culto à personalidade... Naquele momento a gente estava no auge da tentativa de organizar a Juventude Comunista e foi pego no meio dessa crise. Isso tudo ajudou a gente a entrar no próprio processo com uma cabeça mais arejada. Era clandestino mesmo, mas já estava no começo de uma certa abertura, porque já havia tido o suicídio do Getulio Vargas, já estava havendo a crise daquela política sectária do partido, do Manifesto de Agosto, que defendia que se fizessem sindicatos paralelos... Já estava havendo a crise dessa visão, e já apontavam, o movimento estudantil, o movimento sindical, para uma política de alianças, já se colocava a questão democrática, que depois passou a ser o nosso carro-chefe. Isso começou por aí.
E: Mas você é um caso mais raro entre a militância do partido, por ter tido contato com a literatura marxista italiana já naquela época.
Givan: Pois é. Até fico receoso de falar para não parecer pedante... “Naquela época eu já conhecia o Gramsci, e tal”...
E: Não era muito divulgado no Brasil...
Gilvan: Não, não era divulgado, e por coincidência, uma vez num congresso de estudantes aqui, um amigo que morava no Rio me disse: “Gilvan, tem um professor que foi secretário do PCB em Pernambuco que está fazendo uma pesquisa sobre a influência do positivismo no partido, vê pra ele uma relação dos números da revista que tem lá em Pernambuco, da Faculdade de Direito”. Esse cidadão, depois fiquei sabendo, era o Antônio Paim. Tinha sido, lá na clandestinidade, secretário do partido... Ai eu fui lá pesquisar, ver os arquivos, aí é que eu me deparei com um artigo de Antonio Labriola. Ele começou a fazer referência ao marxismo, aí encontrei referências ao intelectual e fundador do PCI, Antonio Gramsci e comecei a me interessar por esse tema. Nesta época encontrei na Livraria Editora Nacional na Rua da Imperatriz, entre livros velhos “Os intelectuais e a Organização da Cultura” de Gramsci, em espanhol, uma edição Argentina. Foi, depois, quando a gente já estava militando organicamente, que entraram na nossa vida os famosos manuais da Academia Soviética, não é? Mas a minha cabeça já estava com uma visão crítica daquilo ali, já estava um pouco vacinado. Isso não quer dizer que a vacina foi total. A gente absorveu muito daqueles manuais, sem dúvida nenhuma.
E: E como era a ligação do PCB naquele momento com a União soviética, com o PCUS?
Gilvan: Era muito forte mesmo, muito forte. Tanto era forte que a maioria dos companheiros nossos como grande parte da direção do partido fez curso de formação de quadros na União Soviética, inclusive eu em 1963. Fiz lá onde parece que hoje é a Fundação Gorbachev, era nada mais nada menos que o Curso de Formação de Quadros do Comitê Central do Partido Comunista de União Soviética. Onde formava quadros dos partidos comunistas do mundo todo. A relação era fortíssima! Mas tem momentos de dúvida. Estávamos falando do XX Congresso, que a delegação brasileira que foi lá (isso eu vim saber depois) passou seis meses sem voltar para o Brasil, sem dar as informações. O negócio foi tão... que entraram em crise. Nisso, enquanto eles não chegavam aqui para dar as informações oficiais... foi uma crise violenta, principalmente aqui no Rio. Lá em Pernambuco a gente já pegou só os rastros, as pistas... Aqui o partido tinha jornal, Imprensa Popular, Voz Operária, aí cada grupo ficou tentando tomar conta de um setor de imprensa desse. Um grupo tomava conta do jornal, era botado para fora pelo outro grupo... A gente lá em Pernambuco, jovem, entrando no movimento, a gente recebia lá os jornais, lia aquelas coisas, a gente não estava muito por dentro das lutas internas no Partido. A gente tomava posição evidentemente da renovação, mas os mais antigos, os velhos, não condenavam a gente mas também não “abriam”. Estava uma briga muito ruim! E a gente fazendo a nossa linha no movimento estudantil, de aliança na prática, até chegar aquele momento em 1958, em que a direção revisou todos aqueles procedimentos e lançou o “Manifesto de Março de 58”, que fez a abertura total do partido. Defendeu o fim da luta armada, a questão da coexistência pacífica, contra a idéia da inevitabilidade da guerra, defendeu que era possível se chegar num mundo de paz com a relação de forças favorável à luta pela paz, a questão da democracia que também era importante para nós, a questão de uma frente única... Montamos todo um arcabouço, que foi aprofundado no V Congresso, em 1960, aqui no Rio de Janeiro. Eu não participei aqui como delegado. No momento em que estava sendo convocada a reunião preparatória do congresso para me eleger delegado eu estava participando no Rio de Janeiro de um congresso da UBES, tinha dado preferência... [risos] Quem terminou sendo eleito delegado da juventude foi Joacir Castro.
E: E nos anos do Governo Goulart?
Gilvan: No Governo Goulart... essa linha de 58, da abertura política do partido, da aliança com os trabalhistas, com o mundo católico, inclusive a aliança com a Juventude Católica, não só a JUC, mas a juventude em geral... ela começou a prevalecer no seio da juventude – na época o Partido Comunista era hegemônico na esquerda, praticamente não tinha outros partidos de esquerda, mesmo na clandestinidade. Mas aí começou o embrião da Juventude Católica. Ela não tinha vida política. Nós mesmos é que fomos até os cobertores desses movimentos setoriais católicos, da entrada nos movimentos de massa, a partir da nossa aliança no movimento estudantil que predominantemente era feita com os católicos. E no movimento sindical com os trabalhistas, o Partido Trabalhista de Vargas. A relação era tão profunda entre nós que a gente chegou até a localizar as nossas atividades em Pernambuco na fundação da Mocidade Trabalhista, para influenciar dentro do Partido Trabalhista. Como o partido era ilegal, a nossa faixa legal era a Mocidade Trabalhista de Pernambuco. Era praticamente a Juventude Comunista organizada na Mocidade Trabalhista. A gente elegia companheiros na legenda do PTB, e em outras legendas, mas a preferência nossa, a gente elegia vários vereadores e deputados nossos pelo PTB. As direções do PTB sabiam, diziam “mas esses são comunistas...”, mas a gente conseguia. Havia uma visão de aliança que rompia com toda aquela visão dos trabalhistas como partido traidor, até 54, quando Vargas se suicidou a gente estava lutando para derrubar ele, quando Vargas estava metendo um tiro na cabeça os comunistas estavam brigando para derrubá-lo. Nesse momento mudou, houve uma comoção nacional e a direita teve que recuar, e foi quando o partido começou a perceber que alguma coisa estava errada.
Então a questão das alianças veio um pouco atrás e se consolidou em 58 e no Congresso de 60. Aí começa um período delicado, interessante. Em 60 já tiveram alguns elementos na resolução do V Congresso que no meu entender já eram um retrocesso em relação à visão que a gente tinha no documento de março de 58. E essa questão foi aprofundada na eleição de 60, a gente trabalhou para eleger o Marechal Lott (General Lott na época) com o Goulart vice, na aliança do PSD com o Partido Trabalhista. Só como exemplo, de como era complicada essa história de aliança: o Lott era um cara honesto, tranquilo, era assim aquele militar “caxias”, e tinha uma formação anti-comunista, teórica. Ele dizia que não fazia nenhuma restrição aos comunistas, mas era contra a legalidade do Partido Comunista. Eu me lembro que (representando o movimento estudantil) no Comitê do Lott em Pernambuco, era eu e o Gregório Bezerra, o David Capistrano, todo aquele pessoal lá de Pernambuco, e no palanque só tinha comunista, praticamente era a gente que segurava, os “carregadores de piano” éramos nós. Aí o Lott chegava lá no palanque junto dos comunistas e dizia que era contra a legalidade do Partido Comunista, que era contra a relação com a União Soviética, era contra Cuba. Isso do lado dos comunistas! E do outro lado o Jânio Quadros dizia o contrário, que ia dar a legalidade para o Partido Comunista. Isso é interessante para entender o nosso ponto de vista, as alianças que a gente fazia.
Aí veio a renúncia do Jânio. No governo do João Goulart, como exemplo de como do ponto de vista da nossa visão política houve um certo retrocesso... Em 62 o partido fez uma Conferência de Organização, da qual saíram dois documentos. Um de organização, que era profundamente na linha de 58, aprofundando mais a questão democrática, das alianças... e o documento político de 62 apontava para o lado contrário, dizia que o governo Jango era de conciliação, e que o certo portanto no nosso caso era o combate à política de conciliação do João Goulart. Então isso do ponto de vista político terminou redundando no Golpe de 1964. Chegou defendendo o João Goulart de um lado, na prática, mas do ponto de vista teórico a gente estava com a convicção de que aquele governo era um governo de conciliação . A gente chegou até ao absurdo de considerar o Plano Trienal, elaborado pelo Celso Furtado na época, um plano conservador. Fruto da política de conciliação que o governo fazia com a grande burguesia. E os teóricos por coincidência dessa visão eram grande parte da Executiva Nacional do partido, que depois, na crise do pós-64, explicitaram suas posições mais à esquerda, que eram o Mário Alves, o Mariguella, o Jacob Gorender e outros. E tinha o grupo minoritário que era o Giocondo Dias, o Armênio Guedes, o chamado “grupo baiano”, dos nordestinos, que eram mais pela abertura. Com essa complicação chegou o momento que o próprio Prestes que era o fiador dessa política nossa, de vez em quando “vinha lá e vinha cá”. Numa hora ele dizia que o governo Goulart era de esquerda, na outra dizia que tinha que dar combate à política de conciliação do Goulart... Isso criava uma certa confusão. E depois nas análises que a gente fez, depois do Golpe de 64...
A gente viu que realmente isso criou uma certa apatia no partido, de não organizarmos, não termos coragem de enfrentar a luta contra a chamada ultra-esquerda naquele momento, que era o pessoal das Ligas Camponesas (que queriam fazer a reforma agrária “na lei ou na marra”). Já começavam a aparecer os setores da Igreja Católica radicalizados, o pessoal da AP começando a radicalizar e a gente sempre contra o Goulart, dizendo que o Goulart era um conservador, e toda a política no sentido de desqualificar o governo Goulart. E nisso aí não só estimulando a direita, mas dando armas à UDN de começar a criar os elementos de conspiração. No nosso momento máximo de apoio ao governo já estava começando a haver divisões, começou a abrir brechas para que o setor conservador começasse a trabalhar nessa direção de tentar a preparação do golpe, que finalizou com 64.
Que na nossa opinião – isso é documento nosso, escrito – no dia do golpe a gente já havia sofrido uma derrota política, o governo já estava praticamente isolado, em relação à esquerda estava totalmente isolado em função dessa fragmentação da esquerda. A esquerda aguçou a questão da conciliação do João Goulart, e partiu para achar que o governo João Goulart era a mesma coisa que qualquer outro governo. Não entendeu o que representava o governo João Goulart. Isso é uma coisa traumática para nós porque... eu sei que o movimento radical de esquerda não criou o golpe, mas ajudou, deu pretexto para que a direita criasse os elementos psicológicos, da chamada guerra psicológica, para isolar o governo Goulart da classe média... o movimento operário ficou isolado, as classes médias começaram a se... a própria igreja, um setor da Igreja Católica mais conservador tomou o controle do movimento, das manifestações de “Pátria e Liberdade”, “Campanha do Ouro”, isso foi feito pela parte conservadora da igreja. Dentro das próprias Forças Armadas também formou-se a dicotomia, entre direita e esquerda nas Forças Armadas. Não se teve o equilíbrio de dizer: “o governo é de centro-esquerda, é um governo democrático”, e garantir as eleições de 65. O Brizola popular também, querendo fazer aquela revolução também, dizendo que o governo João Goulart era um governo de traição, de conciliação, porque ele queria avançar, fazer também a reforma na “lei ou na marra”, “que só Deus impedia”, até repetindo o que nosso atual presidente disse, não é que a história se repita, mas... Espero que não! [risos]
Mas a visão que a gente tinha naquela época era produto da nossa linha política ainda incipiente, a gente não entendia bem a questão democrática, e o movimento social muito menos! As pessoas superestimavam a ascensão... O mais equilibrado era mostrar (fazer até dado estatístico): “olha, o movimento cresceu, as greves aumentaram, a mobilização aumentou, mas em compensação também a participação ainda é pequena, não se tem força suficiente para se mudar a correlação de forças a nosso favor, e tal”... mas não: “temos força suficiente de empurrar o governo João Goulart ‘pra escanteio’, passar por cima dele, sem Congresso, sem nada...” Era a revolução que a gente tanto almejava. Então terminou acontecendo o contrário: houve o golpe militar, e houve uma mudança total do Estado, aí começou outra história. Aí começou a divisão da esquerda.
E: Começou uma divisão tremenda no PCB...
Gilvan: No pós-64 essa mesma concepção dizia que a gente não tinha outra saída a não ser a luta armada. “Tinha se esgotado toda a alternativa de via pacífica, a chamada ‘revolução brasileira’, e então era evidente que a saída tinha que ser a luta armada”. E muitos dentro do partido achavam o contrário: que aquilo mostrava a necessidade da organização da sociedade, a questão da insipiência de organização, um nível de elaboração muito baixo, apesar que de 46 a 64 houve um avanço do movimento de massas, as instituições democráticas se fortaleceram, mas isso era ainda um movimento muito pequeno, muito frágil, que não conseguiu deter o Golpe de 64. A contrapartida àquilo dizia que era inevitável, que a direita nunca ia deixar tomar o poder. Aí começou no pós-64, na clandestinidade... só a partir de 65 que foi possível que o partido se organizasse, juntasse os seus quadros dirigentes, e ali em maio de 65 lançou o primeiro documento, que reafirma as nossas posições de 58 e 60. E foi aí que nós começamos a aprofundar a questão democrática.
Mas tem um elemento aí para mostrar de onde saiu a questão do PC do B. Foi nesse processo, antes de 64, de avançar na conciliação e na questão democrática, que surgiu essa diferença que já vinha se apresentando em 58, 60. Nessa concepção que a gente tinha em 58 a gente pretendia fazer um trabalho voltado para a realidade, o partido tinha se tornado um partido legal. Já foi permitida a divulgação do seu jornal... não falava do Partido Comunista, falava dos comunistas... Então o que aconteceu? A gente tentou forçar a legalização do Partido Comunista. Nossos advogados do partido na época conversaram com a direção do partido que ia ser muito difícil revogar o decreto que colocou o Partido Comunista do Brasil na ilegalidade. Aquele partido que elegeu o Prestes em 46, era o Partido Comunista do Brasil, PCB mas Partido Comunista do Brasil. Aí sugeriram que a gente criasse um novo partido, e pedisse ao TSE o registro de um novo partido, um partido que não tivesse sido cassado. No Congresso de 60 foi mudado o nome do partido para Partido Comunista Brasileiro. Aí a pretexto dessa mudança de nome essas correntes mais à esquerda do partido, o João Amazonas, o Grabois, o Diógenes Arruda, um bocado da elite dirigente do partido, que divergiu publicamente, que não concordava com a linha da União Soviética, com as orientações que a gente tinha dado a partir de 58, achava que isso era traição ao partido. Então quando se começou a dar entrada... na época para organizar um partido era necessário alcançar 50 mil assinaturas, então a gente começou a trabalhar nessa direção... nessa briga aí, em 62 esse grupo não aceitou mais, se autodenominou Partido Comunista do Brasil. Aí começou já em 60, 61, 62 a existência do Partido Comunista do Brasil e o Partido Comunista Brasileiro. Era política... eles aproveitaram esse pretexto para dizer que eles eram o grupo de 22 e não nós, que a gente tinha renegado o marxismo... isso por causa da nossa visão a partir de 58. Então era só para esclarecer isso.
A partir de 64 o PC do B já estava com essas raízes também, começou a aglutinar as forças mais à esquerda que diziam que a luta armada era inevitável, que a burguesia não ia deixar o poder pacificamente, então eles começaram a trabalhar na direção de se contrapor àquela orientação nossa, “revisionista”, “reformista”, e todos os “istas” que o dicionário tinha... “traidor”... Então a partir de 64 esses agrupamentos começaram a se organizar, nas lutas internas do partido... O partido na época tinha convocado um congresso, a partir de 65, aí começou uma luta praticamente fratricida para tomar conta do aparelho do partido. Ao mesmo tempo começou a influência forte dos cubanos, o Partido Comunista cubano começou a interferir muito, a apoiar essas correntes mais à esquerda aqui no Brasil, e resultou nessas divisões muito fortes. Uma parte passou para o PC do B, outra parte criou o PCBR, o Mário Alves, alguns da direção do partido criaram o PCBR, a própria Igreja Católica se dividiu, criou a AP, criou a POLOP, não sei o que, aí começou todo um movimento em direção à organização, à inevitabilidade da luta armada. Isso foi avançando na medida em que a ditadura ia cada vez mais apertando o cerco. Em 66 decretaram o AI-2 (em 64 foi o AI-1, que reformou a Constituição de 46) que extinguiu os partidos políticos existentes. Até aquele momento ainda existiam os partidos, Partido Trabalhista, Partido Socialista, todos os partidos menos o comunista evidentemente... Então foi em 66 que a ditadura eliminou todos os partidos e criou o MDB e a ARENA.
Então essa visão da esquerda começou a ganhar muita força, e o partido convocou um congresso para reafirmar a nossa linha política, em cima de cisões, de quedas, o pessoal saindo para o exílio... Então a gente tentou organizar o congresso que foi realizado em 67 e que referendou toda a nossa política de frente democrática, da questão já da Anistia, da Constituinte, nos documentos de 67 já está explicitada toda essa política de abertura política, de se trabalhar através da sociedade, para “derrotar” politicamente a ditadura, e não para “derrubar” a ditadura (era um conceito diferente). A “derrubada” significa a luta armada, e a “derrota” significava para nós o envolvimento da sociedade, dos movimentos políticos, da população no sentido de isolar a ditadura e dar uma saída até negociada, como na realidade aconteceu.
E: O senhor sempre concordou com essa linha, nunca teve nenhuma dúvida...
Gilvan: Não! Pelo contrário, até te falei isso... já cheguei nessa situação com a cabeça mais arejada de outros tempos, e tive mais facilidade de entender e compreender a profundidade dessas coisas. Apesar [pausa] de que nesse processo teve muitas divergências entre nós mesmos, jovens, a gente brigava dentro do partido já para aprofundar essa discussão. Dentro da própria ditadura mesmo, as discussões do pós-68, do AI-5 (que aprofundou ainda mais o autoritarismo da ditadura) tinham uma audiência cultural muito forte para aquelas tendências marxistas, que misturavam Marx com a psicanálise, esse... da Escola de Frankfurt... era Althusser de um lado e do outro o... Marcuse! Então o Marcuse representou na época inclusive uma tendência de que a chamada classe operária (que historicamente seria o destacamento avançado da sociedade) não tinha mais nenhum valor, que era reformista, só se preocupava com o seu bem-estar, essas coisas... e que a classe revolucionária no momento seria de um lado os estudantes, do outro o chamado “lumpen”, empregados, os que não buscavam se integrar na sociedade. Então se gostava muito do Marcuse aqui no Brasil, e teve também um alemão chamado Günder Frank, que na América Latina espalhou toda essa concepção. Então nesse movimento de 68... entre nós havia diferenças. Quando o partido se consolidou na sua política, às vezes tinha algumas questões em que havia diferenças. Aí começaram os ataques a alguns companheiros, alguns até mais antigos que eu, principalmente aqui do Rio de Janeiro (daqui eram os mais conhecidos, do Rio, São Paulo) começaram a sofrer uma pressão, e eu me incorporei nessa corrente, dos chamados “eurocomunistas”. Todos nós éramos quase embaixadores do Partido Comunista Italiano, que na época era considerado (e os seus defensores aqui no Brasil) anti-soviético.
E: Vocês se viam como um grupo?
Gilvan: Não, não era um grupo não... a gente não tinha essa visão de grupo. A gente trabalhava com essas idéias que considerava as melhores que tinham, porque entre os partidos comunistas o Partido Comunista Italiano era o que tinha uma visão mais aberta de todas as questões que eram colocadas pelo movimento comunista internacional. E aí na chamada Guerra Fria ou se era pró-soviético ou se era contra os soviéticos! Então havia internamente essas brigas... essas dúvidas...
E: Isso era discutido abertamente?
Gilvan: Era discutido abertamente, internamente, dentro do partido...
E: Mesmo na época mais fechada da ditadura...
GC: Nas reuniões que se fazia, nas que aconteciam, sempre essa questão era colocada. Principalmente na fase mais agressiva. E a culminação desse processo foi na chamada Primavera de Praga. Todos nós estávamos vibrando com a Primavera de Praga, o socialismo com humanismo, com democracia, que era o sonho mesmo nosso! Com a nossa cultura política vinda lá de trás aquilo era realmente o que a gente... e não o comunismo soviético, fechado... que eu conheci de perto em 63, na União Soviética, era um negócio complicado...
E: O senhor não gostou do que viu.
Gilvan: Não era questão de não gostar, eu estava lá, estudando lá, e sabia que tinha o negócio da falsificação da história, oficialmente era “fulano” e você sabia que não era “fulano”... Então a afirmação disso foi em 68 exatamente na Primavera de Praga. Aí criou-se um divisor dentro do próprio partido. Houve uma divisão forte do partido, e a direção bateu forte na gente, porque na época a gente defendeu a não-intervenção soviética. Quando aconteceu nós condenamos a intervenção, internamente no partido, e quem na época escrevia, tinha alguma influência, não era ligado à máquina partidária se expressou, assinou documento, como pessoas físicas. Não podia ser condenado porque era a visão que eles tinham, pública, não é? Agora, quem era da máquina como eu, que estava na clandestinidade, a pressão era maior... nas reuniões internas a pressão era maior. Mas em 68 essa chamada “corrente renovadora” do partido foi decisiva na luta interna em relação à questão da ênfase à democracia.
Depois a gente teve que sair para o exterior, exilado, e essa coisa se transformou no exterior num novo procedimento. Tinham as pessoas que iam para Moscou, outras foram para o Chile (o nosso caso)... E na época com os chilenos aconteceu o mesmo procedimento que havia ocorrido no Golpe de 64 no Brasil. A gente ficou apoiando os chilenos, que tinham uma visão aberta, democrática e havia outras forças também, o MIR, defendendo a luta armada, aquelas coisas todas...tinha muita relação entre a cultura de 64 e a cultura que a gente pegou lá no Chile, e isso no exterior se aprofundou muito. Quando houve o regresso...
E: O senhor voltou em 79?
Gilvan: Voltei um pouco antes, voltei antes da Anistia inclusive. A gente percebia que já estava um momento de abertura. Aí quando eu soube no exílio que tinha sido absolvido no Brasil do processo encabeçado por Prestes (do meu último processo), eu disse para os cubanos: “Ah, agora acabou meu exílio, agora sou turista aqui, quero ir me embora!”
E: Aí voltaram?
Gilvan: Em dezembro de 1978. Aí ficamos esperando, já tinham voltado alguns companheiros, a gente já sentia... uns ficavam presos um dia, dois, saía. Aí fizemos o teste, e ficamos, não teve problema nenhum. Desembarcamos presos, sem documentação, não deram passaporte para nós, no exterior. Nós pedimos mas nunca deram passaporte para nós. Os cubanos que fizeram um passaporte. Saímos de Cuba para o Panamá, e do Panamá pegamos um avião brasileiro e desembarcamos aqui com a carteira de identidade. Eles sabiam que a gente vinha, tanto que o próprio embaixador brasileiro viajou com a gente e quando chegou já foi encaminhando para a Polícia Federal... [risos] A gente passou a noite lá, e tal, depois saímos no dia de Natal, nós fomos liberados. Até tiramos um advogado nosso do partido da ceia natalina para acompanhar a gente lá... Até hoje ele me encontra e reclama: “Pô, você me tirou da ceia de Natal de 78!” [risos]
E: Quando você voltou estava se iniciando uma nova fase de luta interna...
Gilvan: Essa fase de luta interna era a continuação do que já estava acontecendo aqui. Os companheiros do partido que estavam aqui no Brasil estavam atuando no MDB, já tinham assimilada muito mais forte a questão democrática. Aí essa briga entre nós e as massas do partido foi muito forte. Lá fora menos porque lá fora era mais disperso, um em cada país, mas a gente sabia que essa coisa estava acontecendo. Aí nesse processo a direção nacional começou a ter também dificuldades, de outro nível. Começou o Prestes a esquerdizar-se muito, e a direção teve que trabalhar nesse sentido, tentar não deixar o partido ir pela linha que o Prestes estava querendo.
E: Por que o senhor acha que aconteceu essa esquerdização do Prestes? Antes ele oscilava, e nesse período ele tomou uma posição clara...
Gilvan: Clara... com a concepção de marxismo que ele tinha, a gente sabia que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde, ia acontecer essa guinada dele. Talvez pelo isolamento dele lá... [na URSS] o símbolo que ele representava como liderança mundial, num país socialista, aquilo começou a ... ele não estava entendendo que naqueles próprios países estava havendo essa mesma relação... Então tinha os comunistas italianos, o Dubcek (exilado), que procuravam dar apoio inclusive aos companheiros que pensavam diferente. Mas chegou um momento em que todos nós tivemos que até cerrar fileiras com a direção do partido contra o Prestes, a favor do isolamento do Prestes porque a gente viu que a questão principal na época era evitar que o partido se “prestizasse”. Mas a gente não desconhecia as diferenças que a gente tinha com a direção partidária.
E: O senhor estava aliado nesse momento com a chamada tendência “renovadora” do partido, o Leandro Konder, o Luiz Werneck Vianna...
Gilvan: A gente tentou até fazer um documento, e a direção do partido não permitia que a chamada “renovação” assumisse posições no partido. Quando a direção tinha voltado do exílio, convocou um congresso, e a direção começou a prorrogar o procedimento do congresso porque eles sabiam que o pessoal nosso aqui tinha mais força, queriam ganhar tempo para eles organizarem melhor o partido, tomarem os contatos dos estados, montarem uma máquina para manter a direção, para que o núcleo dirigente do partido que estava no exterior mantivesse o controle. E foi feito isso. Isolaram a gente na época. Aqui no Rio de Janeiro foi um negócio complicado.
E: O senhor ficou no Rio de Janeiro depois que voltou do exílio até hoje...
Gilvan: Até hoje. Aí na época a gente fez um documento que foi assinado por mim, por Werneck Vianna, o Leandro Konder, o Armênio Guedes, o Moisés Vinhas... Bom, aí esse núcleo começou a buscar outras alternativas... Aí criamos um movimento. Esse movimento resultou na criação da revista Presença. Ela foi duramente atacada porque o pessoal dizia que era uma revista de dissidentes. E não era nada de dissidentes! Era uma revista ampla, que agregava os intelectuais aqui do Rio, também o Fernando Henrique Cardoso, até o Roberto Freire participava também. E teve uma reunião da Executiva para obrigar o Roberto a tirar o nome dele da revista, e o Roberto não tirou o nome. Isso foi em 82, 83...
E: O senhor continuou no partido?
Gilvan: Continuei no partido. Meio marginalizado mas ainda no partido. Desse grupo fui um dos poucos que ficaram no partido. O Leandro saiu, o Carlos Nelson Coutinho saiu, o Werneck saiu. E eu fiquei: eu, Raulino, alguns outros companheiros, ficamos superminoritários. E o tema nosso afinal foi absorvido pelo partido no IX Congresso, de 91 (em 92 foi o congresso que mudou o partido... para PPS). Então foi esse congresso que praticamente assimilou toda a nossa história.
E: O senhor entrou na direção nesse congresso?
Givan: Não, foi no de São Paulo, o de 92 [risos] aí eu consegui. Brincadeira! Mas eu nem estava pensando nisso, aí alguém disse: “não, você não tá não? Você vai ter que entrar”. “Eu não, pô!” “Entra! Você brigou pra esse negócio e agora vai ficar fora! Que história é essa?” “Ah, então tudo bem...”
Mas se você pegar o documento do IX Congresso, vai ter uns negócios ali que foram exigência nossa para participar. Foi exigência nossa de colocarem um processo autocrítico. De dizerem que a nossa posição tinha sido a mais correta.... tinham que constatar teoricamente que a gente enquanto grupo político estava com a razão. Hoje o partido está assimilando essas questões que nós levantávamos. Então foi isso que permitiu que os remanescentes fossem para lá participar do congresso. E terminou saindo uma divisão grande, com o Niemeyer, fizeram uma composição grande que a gente sabia que ia durar muito pouco tempo. O Roberto na época fez uma “concessãozinha” e botou “frente democrática, progressista e de esquerda”, e aí mudou tudo, não é? Servia para os dois lados. Um defendia a democracia e o outro defendia a frente de esquerda. A gente sempre dizia: “a linha tá certa. Agora começa a errar com os ‘poréns’...” Os “poréns” você bota pro outro lado. “Socialismo democrático e tal, porém... ser não der certo...” Esse “porém” que é perigoso!
E: Então o grupo majoritário da direção que isolou vocês no início da década de 80 depois assumiu tardiamente essas posições. Fale um pouco de como isso aconteceu...
Gilvan: Assumiu... [pausa] Aí na minha visão pessoal assumiu e (a gente até brinca) assumiu mas não entendeu. Isso dá complicação até hoje. Dando um exemplo: a gente tem uma lista [de discussão na Internet] no partido, duas listas, uma da massa do partido e a outra que é da Direção Nacional. Tem um companheiro que botou na lista um artigo do Giddens sobre a Terceira Via. Aí outro companheiro, o Caetano, deu uma “tacadazinha” nele: “pô, esse cara tá descobrindo o mundo agora?”. Pois é, tem uma “feridinha” aí. Eles esqueceram que lá atrás tinha uma terceira via também. Esqueceram que lá atrás, em 82, o Pietro Ingrao teve um livro publicado aqui intitulado Terceira Via [risos] Então o PCB aceitou mas não assimilou. Quando o companheiro vem com essas discussões eu digo: “pois é, mas inclusive ele que era o ‘cão do mato’ pra perseguir a gente aqui”. Eles baixavam o centralismo em cima da gente, de todo mundo que era favorável a essas coisas! Aí de vez em quando eu cito um negócio e eles: “pô, não quero chorar o leite derramado!” “Mas era bom... só pra lembrar...” Essa coisa assim cria na realidade [pausa] Umas pessoas assumiram essas posições honestamente porque o mundo estava mudando, tinham que entender essas coisas, mas não tinham aquela cultura... na adversidade é que, só passaram a entender quando aquilo estava muito abertamente, escrachadamente visível, que não ia dar certo. Então essa coisa é complicada. Mas no geral o partido tem a nossa visão. Acho que tem uns acertos muito fortes, tanto que a gente tem a possibilidade hoje de ter uma posição em relação ao Lula tranqüila, exatamente porque a cultura do PT não é a nossa cultura. Eles tem dificuldade, inclusive a gente entende essa dificuldade, eles nasceram de costas pro Estado.
E: O PCB perdeu progressivamente para o PT a hegemonia nas esquerdas, nos movimentos sociais, sindicatos e eleitoralmente. Como o senhor explica isso?
Gilvan: A coisa é muito simples. Praticamente no pré-64 as forças predominantes na esquerda eram os comunistas de um lado e os trabalhistas, nos sindicatos. Então o que aconteceu? Com o Golpe de 64 (as pessoas não têm a mínima noção do nível de retração) o movimento sindical foi destruído, totalmente destruído! As intervenções nos sindicatos, nos movimentos sociais, em todos os setores. O sindicato na época era muito subordinado ao Estado, ao Ministério do Trabalho, então se começou a intervir em todos os sindicatos. Onde tinha comunista ou trabalhista eles nomeavam comissões de intervenção nos sindicatos. Nesse momento houve um esvaziamento no movimento sindical, com a falta de democracia, o sindicalismo diminuiu o seu papel, e foi transformado num negócio quase burocrático! Foi aí que começou a surgir a insipiente liderança da Igreja Católica, que estava abertamente no movimento social pré-64... e o próprio Lula. O próprio Lula é produto das intervenções nos sindicatos onde tinha comunista, na época. Tem que deixar bem claro isso! Se pegar lá atrás no sindicalismo de São Paulo, o Lula entra no movimento sindical via intervenção do sindicato. Essa história do novo movimento sindical foi em função do esvaziamento, do espaço deixado em branco pelos comunistas e trabalhistas na época. E com isso eu digo que a visão cultural do PT na época, que como o Werneck Vianna disse “nasceu de costas pro Estado”... Era a cultura política dos fundadores do PSDB também. Se você pegar as teorias do Francisco Welfort, do Fernando Henrique Cardoso, do Otávio Ianni, da Chauí... têm vários teóricos, tanto do PSDB como do PT, o que os unificava? Que todo o período de 1946 a 1964 era o período do populismo, que havia uma conivência do PCB com as elites brasileiras, que havia um acordo, e se tinha que acabar com esse Estado populista! Para eles o que representava isto? Que o Estado brasileiro, pela visão que eles tinham, era um Estado de tipo asiático, que dirigia tudo, e se precisava acabar com este Estado, reestruturar esse Estado. A posição do falecido Raimundo Faoro... é que a gente estava num Estado quase oriental, que o Estado era tudo! E aí abriu espaço para esse liberalismo aí... a visão dos teóricos do PSDB e do PT... Tanto que o Lula, se andar para trás... a falta de compreensão dele na época da transição democrática é uma frase ele dizia que “o AI-5 do trabalhador era a CLT”! É um negócio até antológico! Como disse depois que o Congresso eram “300 picaretas”, não é? Então a cultura que eles tinham do processo é a cultura que eles hoje estão reclamando do PSDB, mas é a mesma cultura deles! Quando eles faziam os “novos” movimentos sindicais, o “novo” sindicalismo no Brasil, toda a história para trás não tinha valor nenhum! Era o “populismo da integração dos comunistas com a ‘pelegada’... o Estado que enganava as massas...” e isso tudo não tinha nenhum valor para eles. Então eles nasceram com essa cultura, “de costas pro Estado”! O Estado para eles era populismo, a democracia era populismo, não tinha valor nenhum... E se você lembrar os movimentos político-sociais, de estudantes, dessa turma toda que gerou as esquerdas que depois foram para o PT... mesmo o próprio movimento de 68 (eu não falei aqui que a gente teve que participar dos bastidores, da organização daquela chamada “Passeata dos 100 Mil”), eles eram contra a participação de políticos nas passeatas! A política era uma coisa, o social era outra... Eles fizeram uma separação, e hoje estão enrolados com essa questão! Então vem da cultura. E agora estão mudando, e não estão dizendo por que estão mudando. E aí está criando essa crítica. Porque a cultura do PT foi em cima disso. Por que eles estão mudando agora, e não estão discutindo nas bases? Está gerando essas crises. Estão assimilando agora uma visão socialdemocrata bem forte, mas não disseram isso para as bases deles. Vão ser cobrados! [risos] Para nós não! Isso já é ultrapassado, essa visão... nós somos reformistas desde criancinha! [risos] Não tem problema nenhum.
Então o PT ocupou o espaço que ficou vazio... Você pega aqui no Rio de Janeiro, tinha aquelas lideranças, como o Riani, o Morena, Massena, então várias lideranças do movimento sindical brasileiro... isso sem falar nas bases, o sindicalismo de base, todos os dirigentes de sindicato do partido, tudo isso foi preso, cassado, destituído do sindicato, desempregado... Foi desestruturado todo o movimento em 64. Então o movimento começou a crescer, a aparecer de novo com alguns elementos... Às vezes a ditadura fazia um negócio aí e não sabia... saía outras coisas também que saíam do controle deles. Então surgiu desse vazio do movimento sindical. A UNE também foi dissolvida, os dirigentes da época foram cassados, e o movimento estudantil foi sendo ocupado por essas correntes que depois geraram o PT. Começou a surgir aqui no Brasil essa cultura de organizações sociais... Lá atrás existia associações de moradores, mas quando começou a abertura aqui no Brasil surgiram associações de moradores por todo o país. Isso foi tudo instrumentalizado pelo PT (o que acabou esvaziando o movimento). No começo eram movimentos amplos de moradores e depois foi esvaziando porque foi sendo instrumento de luta interna das correntes do PT e transformou-se tudo em aparelhos. Tudo em função da repressão que houve em 64. O que existia em 64? Eram os comunistas e os trabalhistas. Acabou isso. Tanto que o slogan do golpe contra o João Goulart era que ele ia implantar uma república sindicalista. Então o ódio, a violência foi em cima também dos trabalhistas brasileiros, os chamados “pelegos”... eram pelos sindicatos, pela democracia, pelo avanço das reformas... Então se você pegar as cartas da Confederação Nacional dos Trabalhadores, aquilo ali era amplamente democrático, de luta pela reforma agrária, pela reforma urbana, foi um elenco de questões que se pleiteava na época que está sendo retomado agora. Então em 64 isso foi trucidado! Foi um retrocesso enorme! A gente está retomando isso agora, teve a eleição de 89, depois 94 Fernando Henrique, 98 Fernando Henrique e agora tem todas as possibilidades ao PT. Nós torcemos para que essa coisa dê certo! Dentro do governo do Lula estamos lutando, sem hegemonia (a gente sabe que a hegemonia está com o PT), mas vamos lutar para as coisas acontecerem. Fizemos um documento agora em Brasília... a nossa bancado foi entregar lá para o Lula no Palácio, dizendo: “olha, nós somos a favor da reforma da previdência, estamos de acordo, mas essa aí não é reforma da previdência, é apenas um ajuste de caixa!” A reforma tributária também é um arremedo! Como é que você vai fazer uma reforma em que você mantém a concentração de renda? Então isso tem que ser dito! Tem que fazer uma reforma que comece a romper com esse ciclo de concentração de renda. Como é que você vai taxar aqui e manter um imposto na produção, você vai manter os recursos para São Paulo, Minas Gerais e estado do Rio. Você tem que fazer uma inversão de valores. No consumo, para fortalecer os estados mais pobres, os estados consumidores. Então não rompe com essa lógica. Dizer que está lutando por reformas e manter o que está aí é complicado. A gente aposta (e luta) que o nosso relacionamento vai na direção de realmente avançar na direção do que foi feito na campanha eleitoral. Vamos mudar! Vamos tentar mudar...
E: Ao longo dos anos 80 o senhor ficou praticamente isolado dentro do partido. Continuou militando nas bases...
Gilvan: Fiquei. Eu morava no Humaitá e militava na base de Botafogo, que era predominantemente do pessoal que tinha vindo do MR-8. Tudo de origem no MR-8. Tinha três vozes lá na base, que era a minha, a do Jaime Jamowicz que é um velho militante do partido, e da mulher do companheiro Percinotto (sindicalista, que hoje é o presidente do partido aqui no Rio de Janeiro), Glória Percinotto. Estávamos na mesma base e eram três vozes altamente... a gente tinha posições diferentes, mas tinha que se juntar contra o que havia de mais nefasto. A gente sempre esteve isolado, porque a máquina... [faz sinal de esmagamento]. Nas conferências municipais a gente não saía nem delegado. Nem sonhava em ser delegado: “não, esse aí é reformista mesmo... o que você quer? Fica fora!”
E: O senhor nunca pensou em largar o partido?
Gilvan: Não... pelo contrário. Interessante é que para mim... Nunca fui delegado. Como eu disse, quando eu saí pela Conferência do Recife para eleger delegados para o V Congresso de 60 aqui, eu simplesmente fui para o congresso da UBES, eu não estava preocupado com isso, em fazer parte da direção. “Pô, saiu delegado e foi pro congresso da UBES!” [risos] Eu entrava na direção do partido em Pernambuco, fazia parte da direção lá do movimento estudantil... do Diretório Municipal do Recife quando eu era jovem... mas só vim a entrar na Direção Nacional do partido quando se transformou de PCB em PPS, em 92 em São Paulo. E entrei sem pedir. Foi o Roberto que falou: “seu nome não tá aí não? Brigou por tudo isso aí e não vai entrar?” E eu: “tudo bem”. Aí vim para cá, me aposentei do serviço público, assumi aqui a secretaria do partido, tentando segurar... tem brigas enormes aqui dentro que a gente tem que segurar. O partido está crescendo, tem outros interesses, a questão do partido como partido eleitoral... o partido que queremos construir... Então está em xeque essa questão. Hoje a gente está vivendo um período eleitoral de eleições municipais, aí tem uma “porrada” de discussões, é um “corre-corre” de candidaturas, de discussões, “filia fulano...”, então é um negócio complicado para nós... A gente não quer voltar para um partido sem voto nenhum, mas também tem que se transformar num partido que tenha consistência, que tenha cultura política...
E: È difícil segurar, não é?
Gilvan: É difícil...
E: Estávamos falando dos anos 80. Nesse período o PCB apoiou até o fim a transição negociada. Apoiou o Tancredo, depois o Sarney até 88... Como a base do partido reagia a essa posição?
Gilvan: Eram movimentos até contraditórios nesse processo. Pela linha que a gente estava falando aqui... a nova linha política ia na direção da luta democrática, da ampliação da democracia, da questão da frente democrática. A previsão que a gente fazia era que deveria haver uma saída política e não a derrubada da ditadura. Era diferente de outros momentos. Então a gente trabalhou com várias alternativas. Uma delas por exemplo, com um foco diferente, era a questão da luta pela eleição direta: forçar a ditadura a convocá-la. Ao mesmo tempo, a gente não tinha nenhuma ilusão de que ia haver essa convocação. Só com uma crise monumental, porque o projeto deles era fazer uma abertura “lenta e gradual”. Então a gente trabalhava com essas duas visões. E esses grupos mais à esquerda trabalhavam com uma visão... O nosso objetivo qual era: era acabar com a ditadura, conquistar a democracia. Se isso fosse pela eleição direta... bom, muito bem, mas se fosse outra solução, dava no mesmo. Mas qual era a visão da esquerda (daí veio a frustração, nas Diretas Já): era a idéia de confronto! Ou é eleição direta ou não é nada! Já a nossa política não (tanto que na Constituinte a gente negociou uma saída, uma Constituição democrática, pluralista, aberta...). Aí chegou no final os setores mais radicais do Congresso, do próprio PMDB queriam radicalizar, fazer o confronto, foram as nossas bancadas espalhadas pelo PMDB, eleitas pelo PMDB (o Roberto Freire, o Marcelo Cerqueira aqui...), que eram do PCB eleitos pelo PMDB que tentaram articular através desse movimento uma saída negociada da ditadura. Então esse grupo expressou isso na Colégio Eleitoral também. O que interessava para nós? Era o fim da ditadura. E isso se deu pela via da negociação. Não tinha ainda as condições para fazer o confronto. De outro lado a ditadura não ia fazer a abertura escancarada. Então tinha que fazer uma saída no sentido de romper com o bloco monolítico da ditadura. Toda a estratégia nossa era no sentido de romper esse bloco. Desse movimento de formou a Aliança Democrática, que rompeu com a base do governo para formar a própria aliança. Veio o Sarney da presidência do PDS para formar a chapa com o Tancredo Neves, que era do movimento popular, do MDB. E isso foi possível porque juntou o movimento de lutas, de massas, da sociedade organizada com a negociação, para fazer uma saída democrática que não fosse tão traumática nem para o regime militar nem que fosse o confronto final, a chegada da democracia que a gente desejava. Infelizmente o Tancredo faleceu, o Sarney cumpriu em parte o compromisso que o Tancredo tinha assumido, mas é evidente que teve um momento lá na frente que a transição tornou-se mais lenta. Com o Tancredo era uma coisa, com o Sarney foi outra. Mas aí continuou a divergência entre o PT e... Todo esse grupo aí dos radicais do PT, não só os radicais mas todos eles diziam que isso aí não era transição, era uma enganação, no máximo uma transição conservadora. O autor dessa concepção é um pernambucano chamado Chico de Oliveira (que agora está dando “porrada” no governo), e outros também, a Marilena Chauí, vários trabalhos de todo esse pessoal do PT, com algumas matizes, tinham a mesma visão de que o governo Sarney era uma transição conservadora. Daí o resultado: no Colégio Eleitoral o próprio PT expulsou três deputados, a Bete Mendes (que veio para o partido e depois filiou-se ao PPS), o Aírton Soares... Era essa cultura que eles tinham do confronto. “Política nada! Negociação nada!” A gente foi negociar, foi fazer frente, isso para eles não era nada, era heresia. Então essa saída negociada foi importante porque formou um bloco, mostrou que a sociedade mudou, a cultura política mudou... mas na época o fundamental foi a formação da Aliança Democrática. O PMDB com o que passou a ser o PFL. Mas era necessária porque rompeu com o bloco militar, e conseguimos o objetivo central nosso que era conquistar a democracia. Você vê que o PCB foi legalizado no governo Sarney! Você vê que a negociação era tão violenta, tão forte na transição da ditadura... a ditadura autorizou o funcionamento dos partidos (revogou o AI-2) e o centro do Golbery qual foi? “Vamos liberar, mas os comunistas não podem voltar”. Legalizaram o PT para evitar a disputa da sociedade pelos comunistas. Então o PT ocupou o espaço porque foi legalizado primeiro. Começou a se estruturar... isso para evitar que os comunistas almejassem a disputar a hegemonia com o PT, na época era até possível que isso acontecesse. E do outro lado, eles tiraram o PTB da mão do Brizola. Entregaram para a Ivete Vargas exatamente para evitar que o trabalhismo tradicional voltasse. Então foi uma transição complicada... Havia uma norma explícita da ditadura para impedir que naquele momento os comunistas voltassem com a sua política ampla, aberta... O PT não era partido operário, ninguém fala isso! Na cabeça deles... Naquela hora o movimento operário era aquele ali. Mas se o PCB fosse legalizado naquela altura vinha com toda a tradição, com todos os companheiros vindos do exílio que estavam espalhados por aí, a intelectualidade que era do partido... Isso tudo foi absorvido pelo PT. O partido estava legal, a gente não era legal. Não tinha espaço na política.
E: Então o senhor acha que o PCB foi legalizado tarde demais?
Gilvan: É, foi tarde demais...
E: Na época em que o PCB foi legalizado, pela leitura da coleção do Voz da Unidade, você percebe que existia um sentimento de euforia, de que se repetiria 45, de que o PCB cresceria estupidamente naquele momento! E a coisa não foi assim... a história “se repetiu como farsa”...
Gilvan: Me lembro que quando eu cheguei trabalhava com um pessoal, com uma cooperativa de cineastas aqui no Rio de Janeiro, o Nélson Pereira... Aí o pessoal da revista Veja foi fazer uma entrevista comigo. A gente defendia a tese da reunião dos partidos. Esse grupo nosso (era uma revista nossa) defendia que era cedo naquela altura para se legalizar os partidos. A gente tinha que fortalecer a frente do MDB. O MDB juntava todo mundo e fazia como se fosse um plebiscito. O repórter perguntou: “mas vocês são contra a legalização dos partidos?” “Não, mas achamos muito cedo ainda, o MDB ainda não está esgotado”. Aí não foi publicada uma linha disso! Deve estar tudo até hoje arquivado lá na Veja... [risos] Isso por que? Porque a ditadura percebeu que se mantivesse o MDB sozinho ele seria o núcleo que juntaria todas as oposições. A manutenção da polarização MDB-ARENA era complicada para eles. Então eles fizeram essa manobra de fazer a divisão. Esvaziaram a posição dos comunistas na época, que entendia a questão democrática, e o PT tinha outra visão na época. A cultura do PT não é a questão democrática. É a questão do social, a discussão para eles não significava absolutamente nada. Não trabalhavam com essa questão da discussão, da democracia, não trabalhavam! Então para a ditadura era mais fácil: “vamos deixar esse pessoal gritar, brigar...”, “os comunistas não! Os comunistas se preocupam com a questão mais geral, da democracia, esses são perigosos!” Do outro lado o Brizola, que ia ser o herdeiro de toda a tradição do PTB, era o símbolo do trabalhismo de 64, a continuidade era o Brizola! Afastaram o fantasma do PTB com a Ivete Vargas! Não era mais aquele PTB. A simbologia para a sociedade do Vargas e tudo mais era o PTB, não o PDT. O PDT é uma coisa nova. Então o Golbery foi maquiavélico no pior sentido da palavra: “vamos fazer assim pra gente poder fazer a abertura”. E aí é claro que o PT constitui um fato. Lá na frente quando o partido foi legalizado, além de outros elementos que compõem esse quadro (como a própria estreiteza interna da compreensão do momento que se estava vivendo por parte das nossas direções), havia essa coisa que era o espaço ocupado. O PT ocupou os espaços sociais com uma expressão legal, organizado, e nós estávamos na clandestinidade. A referência da esquerda era o PT, não éramos mais nós. Tanto que quando o PCB foi legalizado já estava praticamente morto, um partido que nasceu morto. Só foi morrer em 92 mas...
E: Existia uma sensação de crise?
Gilvan: Nesse período de abertura, se você pegar a Voz da Unidade, você vê que tem dois momentos: tem o momento do início da Voz da Unidade...
E: Você participou no início?
Gilvan: Participei, mas lá na frente era o Werneck, o Cordeiro era o diretor do jornal, um militante histórico do partido, e eles (não digo que instrumentalizaram...) assumiram essa função de fazer uma coisa nova para o partido. Era influência nossa no jornal. A gente fazia as coisas, pegava aqui, mandava para lá, era uma equipe grande de pessoas, fazendo copidesque, fazendo tudo... Aí na briga interna do partido começaram a ficar de olho no jornal, viram que o jornal era um elemento em torno do qual a gente se juntava. Os renovadores... ele era a síntese do movimento. Como dizia o velho Lênin: “me dê um jornal que eu lhe dou um partido”. Aí chegou um momento (acho que foi no número 35) que houve a ruptura. Aí o jornal virou quase um boletim...
E: E como se deu o afastamento de vocês. A direção interveio?
Gilvan: Interveio diretamente, nomeou uma comissão para cuidar do jornal, nomeou todo mundo: e acabou! Quem manda sou eu, e a linha é essa aqui agora!” Mas ninguém foi expulso não... Aí o jornal virou apologia.
E: Como era em 85, 86, um boletim do PCB...
Gilvan: Um boletim do PCB com apologia aos países socialistas, aquilo era tudo uma “maravilha”... Tem até um companheiro com o qual eu brinco, hoje,. A gente sacaneia muito ele porque ele foi assistir o último congresso do partido da Romênia, chegou lá no aeroporto e disse para todo mundo: “está tudo bem! Foi um congresso fantástico!” Mas quando ele estava desembarcando aqui o Ceaucescu estava sendo fuzilado! “Tá tudo bem... Que maravilha, hein...”
Era um negócio apologético mesmo, o jornal transformou-se nisso mesmo. Então isso aí permitiu que o partido fosse se transformando cada vez mais, foi transformando-se até chegar à morte que foi o Congresso de 92. Aí ou se renovava mesmo ou acabava! Por sorte houve a generosidade do Malina, que entendeu o processo e conduziu os velhos comunistas a esse processo de mudanças.
E: Até aquele momento ele não aceitava?
Gilvan: Não aceitava. Até o momento em que ele entendeu que ou fazia essa mudança ou acabava o partido.
E: O senhor acha que o fim da União Soviética, a queda do muro, foram mesmo uma influência direta...
Gilvan: Não, não chega... eu acho que foi direta, só que houve vários elementos, vários fatores nesse processo... essa mudança já vinha anterior... Se você pegar a Primavera de Praga, o problema que havia na Polônia, as posições dos vários partidos, a questão da China, todo um processo que no cômputo geral vinha... O próprio avanço da ciência e da tecnologia também, tudo isso aí gerou uma cultura que tinha que mudar! A própria sinalização do Gorbachev mesmo na perestroika foi fundamental! Ele assinalava que havia outros caminhos. Retomava toda aquela concepção da Primavera de Praga, do socialismo aberto, com humanismo, com democracia... Lá atrás mesmo, em 73 no Chile com o Salvador Allende, foi uma experiência fantástica com democracia, com pluralidade. Então esse processo mesmo que houve, de crise do movimento socialista, com as suas vertentes socialdemocrata e comunista (todos defendiam uma visão estatista, tanto um como o outro), houve um momento em que essa crise foi se transformando até chegar na queda do chamado simbolicamente Muro de Berlim. Só porque o Muro de Berlim caiu na União Soviética foi dissolvido aquele sistema? Foi autodissolvido! Estava tão complicado que disseram: “ah, vamos dissolver isso aqui!”
A influência aqui no partido é evidente que se expressou porque a gente tinha a cultura de que tudo que partia da União Soviética era bom! Quando o Gorbachev assumiu nós também... A direção assumiu praticamente essa visão também.
E: E a receptividade nas bases? Certamente foi problemática...
Gilvan: É, foi problemática de um lado e do outro lado auspiciosa. O “oba-oba” era geral! Mudou mas não sabe por que mudou, não é? Do outro lado também os mais resistentes, mais ortodoxos existiram. Dentro do mesmo grupo que aceitava a mudança porque não tinha outro jeito, porque vinha da União Soviética. Mesmo nesse grupo havia resistência, como houve lá atrás, com o Amazonas, o Mário Alves, com a mudança do XX Congresso. Isso sem falar de nós... Muito mais lá atrás a gente apontava para essa direção. Aí tinha gente que dizia: “você tinha razão!” Bom, mas... tem que dizer que sim! Tanto que toda a história que a gente foi fazendo, nossos documentos, a revista Presença, tudo foi em função dessa visão que a gente tinha, para que o desenvolvimento interno do partido fosse em outra direção. Mesmo com a direção tentando mudar, houve crise nessa mudança. Essa crise foi sanada graças à capacidade, à generosidade que teve o Salomão Malina. Com a morte do Giocondo Dias, ele assumiu o comando do partido e entendeu, juntou toda aquela “velha guarda” do partido, “bolchevique”, em torno dessa mudança sem deixar o partido romper. Fez essa transição. Passou na prática o bastão para as forças novas, o Roberto Freire (que era parlamentar, vinha de outra tradição cultural), sem nenhum trauma. Claro que teve trauma: em 92 uma “porrada” de gente foi embora!
E: O senhor poderia fazer um histórico desse processo. Por exemplo: quando surgiu pela primeira vez a idéia de se formar um novo partido, mudar a sigla, quando isso começou a ser discutido oficialmente?
Gilvan: Olha, eu não sei oficialmente como é que foi, mas na preparação do IX Congresso, quando o pessoal colocou que tinha que mudar, já se falava da nova “forma-partido”. A gente não sabia o que diabo era... Era entender que o PCB já não era a forma correta de partido. Esse conceito de nova “forma-partido” saiu em vários momentos, várias discussões... já era o desejo de transformar isso, já não podia existir, o velho PCB não tinha mais suporte. Não estava mais adequado à nova realidade. Evidente que havia outros também que diziam: “não adianta mudar o nome do partido comunista se continuar a mesma coisa, o velho PCB. Era melhor ficar ‘partido comunista’ e mudar realmente, mas com o nome de ‘partido comunista’.” Então havia várias... Nós por exemplo defendíamos no congresso que o novo partido fosse Partido Democrático de Esquerda. Mas não era só pela sigla não: a gente entendia que era aquilo que estava acontecendo, tudo o que representava aquilo. Teve várias propostas, partido disso, partido daquilo... mas no fundo (foi até surpresa nossa) concentrou-se no PPS e no Partido Democrático de Esquerda. Na votação final foram as duas propostas.
E: Quem mais defendia o Partido Democrático de Esquerda?
Gilvan: Um bocado de gente! Até gente que hoje está no PT mesmo. Mas na hora da votação... um companheiro nosso que era da direção, que era (e é) sindicalista, o David Zaia, botou em votação várias vezes e nunca dava para definir. Então teve uma [?] nos bastidores para ter votação com contagem voto a voto. Aí a gente não tinha a máquina, e tal... aí manipularam os votos... fizeram uma armação, uma armação entre aspas, tinham feito um compromisso com o pessoal de São Paulo que estava para vir para o partido, com o compromisso de mudar o nome do partido, o João Hermann, o pessoal do Partido Humanista... fizeram um acordo para votar no nome de PPS, e numa tentativa de isolar a nossa corrente também. Era a consagração da nossa vitória, não é? Aí já era demais...
E: Como o Roberto Freire se posicionou?
Gilvan: O Freire se posicionou ao lado desses caras (partido popular...), tanto ele como o pessoal lá de São Paulo. Aí na hora da votação, voto a voto, deu uma diferença de quarenta e poucos por cento... A diferença foi muito grande para uma platéia que fez três ou quatro votações e não dava para identificar quem ganhava. Tiveram que apelar para o voto de urna... aí com voto de urna dá para fazer a campanha de boca-de-urna... [risos] Mas a concepção que estava ali era para mudar mesmo! Partido Democrático de Esquerda quer dizer: “olha, vamos copiar os italianos, pô!” Era isso que queria simbolizar: não é copiar, mas [?] Partindo desse núcleo democrático. Mas aí a discussão ficou: “não, mas PDS já teve...” Mas tem que assumir essa questão: democrática e de esquerda. Você vê que depois com o movimento do partido, você vê que tem muitas coisas... PPS: partido de esquerda, esquerda democrática... Era a questão de aprofundar mesmo, se é para mudar é para mudar mesmo. Claro que nesse congresso houve uma mudança da sigla do partido, mas a cultura que estava...
Tanto que esse congresso não teve um documento básico. Tinha uma resolução, e essa resolução foi simplesmente jogada para escanteio. Saiu só uma declaração de princípios, as linhas gerais. Lá atrás, no IX Congresso, já estava o embasamento, que era aquela mudança total. Mas mesmo com essa embasamento, com essa mudança do IX Congresso, havia gente que entendia diferente, na radicalização. A gente está organizando agora o XIV Congresso do PPS, pela continuidade da nossa história. Mas tinha gente que defendia que deveria ser o IV Congresso do PPS, por exemplo, que era como se fosse outra coisa. No nosso Estatuto podia estar lá: “nos somos herdeiros do PCB, fundado em 1922, mas nós terminamos em 92...” Mas tem uma cultura, tem uma concepção de que agora é outra coisa, tinha havido uma ruptura. Quando na realidade continua PPS mas com a mesma “forma-partido”, não apareceu, ninguém sabia que diabo era aquilo... Era um negócio simbólico, um negócio milagroso para nós mas a gente não sabia bem o que era aquilo.
Então esse congresso foi dramático também, porque essa parte que tinha se conciliado em 91 (no IX Congresso) quando chegou lá em São Paulo viu que qualquer que fosse a mudança ela tinha quorum. Se fosse votar a questão da mudança do partido... então eles foram embora. Abandonaram o congresso, o Ivan Pinheiro, a Zuleide, e foram criar o atual PCB. Registraram PCB.
E: O senhor teve contato com eles depois disso?
Gilvan: Até tenho... De vez em quando eu até encontro com eles, tenho relações com eles. Companheiros que estiveram no exílio comigo, o Telles, ele me fala: “ô, reformista!” “Ainda tá com isso?” [risos] Tem vários companheiros meus, Moacir, que saíram do partido, são amigos meus, continuam sendo amigos.
Mas quem saiu rompeu com isso aí. Quando viu que era para mudar, eles saíram. O Niemeyer, esse pessoal: “não é mais meu partido, não é esse”. Claro que nem todo mundo foi para o PCB. Depois do momento de ruptura muita gente deixou, foi embora, foi para o PT, o PC do B, o Francisco Milani foi para o PC do B... Mas é isso aí! A crise foi essa, mais ou menos, nas minha mal traçadas linhas... [risos]
E: Nas bases a discussão se deu como?
Gilvan: Nas bases, a mudança... Havia um desejo de mudanças. Mas essa mudança não era “a mudança”... o Comitê Central não permitia. A gente vivia com essa mudança o tempo todo. Mas teve gente que mudou porque foi uma contingência e uma obrigação. Então isso é mais traumático! Na cabeça dos companheiros que mudaram porque tinham que mudar pela contingência e obrigação da vida, não estavam preparados para isso. São pessoas que mudaram e não tem a cultura dessa mudança, então cometem muitas... Às vezes é um sacrifício fazer um avanço aqui, uma aliança ali, eles ficam se autovigiando... Eu me lembro de um companheiro (eu gosto muito dele) do partido, fazia parte do movimento sindical em Pernambuco comigo, depois de 58 (naquela alegria, naquela brincadeira, aí faz um discurso, vai para uma assembléia, que eu fazia parte do movimento sindical também, eu gostava, fazia de tudo) eu falava com ele: “e aí?” E ele: “não fala comigo que eu tô num processo autocrítico!” [risos] Foi tão traumático... [risos]
E: Que ele estava tentando se encontrar... [risos]
Gilvan: Isso em 1958. Imagine agora! Então é difícil nos anos 90, que houve essa mudança, a cabeça das pessoas não alcançou... É por isso que eu falo: teve gente que mudou por contingência, por obrigação e pela mudança da União Soviética. Se fosse a mudança no Partido Comunista Italiano, era “reformismo”! Teve que esperar a “Mãe Pátria”... para ver que alguma coisa ali estava certa. Teve gente que mudou por isso! Então essa não é uma mudança profunda.
Tanto que muita gente preferiu ir para o PT. O próprio Leandro, o Carlos Nelson Coutinho. O Werneck não! O Werneck diz que nunca foi para o PT porque ele não precisava de platéia, que o pessoal ia para lá para ter platéia! “Não, eu sou comunista ‘eu sozinho’!” Sempre ficou na dele. Mas ele encarnava muito com o Carlos Nelson Coutinho: “você foi para lá porque queria platéia!” Mas tem outros que foram para o PT por visão cultural mesmo: “não tem mais o PCB, por que eu vou entrar nesse PPS? Vou para um partido de esquerda!” Agora estão enfrentando outra situação, não é? Você vê que essa revista nossa [Política Democrática, editada pela Fundação Astrojildo Pereira] tem um artigo do Carlos Nelson Coutinho. Até estranhei. Falei: “vocês pediram autorização do Carlos Nelson Coutinho pra botar esse artigo aí?” Porque ele uma vez ligou para mim e me deu o maior “esporro” porque eu botei o nome dele no conselho da revista! Me disse para eu deixar de ser direitista! “Quando é que vai ficar de esquerda?” Agora tem um artigo dele, “No Fio da Navalha”, aí na revista. Até foi bom para tirar a alergia dele da Fundação Astrojildo Pereira. Mas é isso aí!
Realizada em 30 de julho de 2003, no Rio de Janeiro (RJ)
Entrevistador: Fabricio Pereira
Entrevistador: Poderíamos começar falando sobre o início de sua trajetória política. Como o senhor teve contato com o PCB? Como tudo começou?
Gilvan Cavalcanti: Em primeiro lugar, nasci em 05/12/1935 na cidade de Limoeiro, conhecida como a princesinha do agreste pernambucano, filho, mais novo de quatro irmãos, de pai industrial e comerciante de sapatos da região e mãe proprietária de terras. Estudei no Ginásio de Limoeiro do conhecido Padre Nicolau. Gostava mesmo era de praticar futebol. Jogava no time infantil do Colombo, quando fui morar no Recife fui levado por um primo para os juvenis do Sport Clube. Tem um fato que me marcou na minha lembrança, até hoje: no fundo do quintal da nossa casa na Rua Santa Cruz, em Limoeiro, tinha uma rua que a garotada jogava futebol e chamava-se Dr. José Cordeiro. Um dia eu perguntei, por curiosidade a meu avô quem era a figura que dava nome à rua? Obtive uma resposta raivosa: “ é o pai de um moleque comunista” . Anos depois vim saber que o “moleque” era Cristiano Cordeiro, fundador do PCB, em Pernambuco.
Bem, em segundo lugar, tudo começou de uma forma até muito estranha. Eu comecei a militar no movimento estudantil em Pernambuco. Antes eu tinha tido contato com alguma literatura, com as idéias de Marx. Através de uma pesquisa que me foi encomendada na época uma revista que tinha na Faculdade de Direito de Recife. Então, deparei-me com textos de um professor italiano, marxista, Antonio Labriola que me conduziu à leitura de Gramsci. Nesse processo comecei a militar no movimento estudantil, no movimento secundarista e entrei em contato com alguns companheiros. Começamos a criar a Juventude Comunista, em 1955 no Recife. Descobrimos que já tinha existido uma Juventude Comunista, naquela época que o partido era clandestino, naquela linha sectária.
Aí começamos a organizar a juventude, fizemos várias reuniões, inclusive tivemos vários encontros na casa de um professor da Faculdade de Direito que era especialista em Marx. Ele começou a dar aula para nós, o nome dele era Gláucio Veiga, que depois se tornou um advogado conhecido em Pernambuco, nessa área das relações tributarias. Deu as primeiras lições de O Capital para nós. Aí juntando o movimento estudantil com as primeiras lições de Marx, começamos a organizar a juventude, encontramos vários companheiros do partido, entramos em contato com a direção do partido. E foi como tudo começou.
E: O senhor entrou no partido num momento de maior abertura, não é?
Gilvan: Era clandestino, 1955. Mas, em 1956 naquela época houve o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética que denunciou os crimes cometidos pelo Stalin, o sistema do culto à personalidade... Naquele momento a gente estava no auge da tentativa de organizar a Juventude Comunista e foi pego no meio dessa crise. Isso tudo ajudou a gente a entrar no próprio processo com uma cabeça mais arejada. Era clandestino mesmo, mas já estava no começo de uma certa abertura, porque já havia tido o suicídio do Getulio Vargas, já estava havendo a crise daquela política sectária do partido, do Manifesto de Agosto, que defendia que se fizessem sindicatos paralelos... Já estava havendo a crise dessa visão, e já apontavam, o movimento estudantil, o movimento sindical, para uma política de alianças, já se colocava a questão democrática, que depois passou a ser o nosso carro-chefe. Isso começou por aí.
E: Mas você é um caso mais raro entre a militância do partido, por ter tido contato com a literatura marxista italiana já naquela época.
Givan: Pois é. Até fico receoso de falar para não parecer pedante... “Naquela época eu já conhecia o Gramsci, e tal”...
E: Não era muito divulgado no Brasil...
Gilvan: Não, não era divulgado, e por coincidência, uma vez num congresso de estudantes aqui, um amigo que morava no Rio me disse: “Gilvan, tem um professor que foi secretário do PCB em Pernambuco que está fazendo uma pesquisa sobre a influência do positivismo no partido, vê pra ele uma relação dos números da revista que tem lá em Pernambuco, da Faculdade de Direito”. Esse cidadão, depois fiquei sabendo, era o Antônio Paim. Tinha sido, lá na clandestinidade, secretário do partido... Ai eu fui lá pesquisar, ver os arquivos, aí é que eu me deparei com um artigo de Antonio Labriola. Ele começou a fazer referência ao marxismo, aí encontrei referências ao intelectual e fundador do PCI, Antonio Gramsci e comecei a me interessar por esse tema. Nesta época encontrei na Livraria Editora Nacional na Rua da Imperatriz, entre livros velhos “Os intelectuais e a Organização da Cultura” de Gramsci, em espanhol, uma edição Argentina. Foi, depois, quando a gente já estava militando organicamente, que entraram na nossa vida os famosos manuais da Academia Soviética, não é? Mas a minha cabeça já estava com uma visão crítica daquilo ali, já estava um pouco vacinado. Isso não quer dizer que a vacina foi total. A gente absorveu muito daqueles manuais, sem dúvida nenhuma.
E: E como era a ligação do PCB naquele momento com a União soviética, com o PCUS?
Gilvan: Era muito forte mesmo, muito forte. Tanto era forte que a maioria dos companheiros nossos como grande parte da direção do partido fez curso de formação de quadros na União Soviética, inclusive eu em 1963. Fiz lá onde parece que hoje é a Fundação Gorbachev, era nada mais nada menos que o Curso de Formação de Quadros do Comitê Central do Partido Comunista de União Soviética. Onde formava quadros dos partidos comunistas do mundo todo. A relação era fortíssima! Mas tem momentos de dúvida. Estávamos falando do XX Congresso, que a delegação brasileira que foi lá (isso eu vim saber depois) passou seis meses sem voltar para o Brasil, sem dar as informações. O negócio foi tão... que entraram em crise. Nisso, enquanto eles não chegavam aqui para dar as informações oficiais... foi uma crise violenta, principalmente aqui no Rio. Lá em Pernambuco a gente já pegou só os rastros, as pistas... Aqui o partido tinha jornal, Imprensa Popular, Voz Operária, aí cada grupo ficou tentando tomar conta de um setor de imprensa desse. Um grupo tomava conta do jornal, era botado para fora pelo outro grupo... A gente lá em Pernambuco, jovem, entrando no movimento, a gente recebia lá os jornais, lia aquelas coisas, a gente não estava muito por dentro das lutas internas no Partido. A gente tomava posição evidentemente da renovação, mas os mais antigos, os velhos, não condenavam a gente mas também não “abriam”. Estava uma briga muito ruim! E a gente fazendo a nossa linha no movimento estudantil, de aliança na prática, até chegar aquele momento em 1958, em que a direção revisou todos aqueles procedimentos e lançou o “Manifesto de Março de 58”, que fez a abertura total do partido. Defendeu o fim da luta armada, a questão da coexistência pacífica, contra a idéia da inevitabilidade da guerra, defendeu que era possível se chegar num mundo de paz com a relação de forças favorável à luta pela paz, a questão da democracia que também era importante para nós, a questão de uma frente única... Montamos todo um arcabouço, que foi aprofundado no V Congresso, em 1960, aqui no Rio de Janeiro. Eu não participei aqui como delegado. No momento em que estava sendo convocada a reunião preparatória do congresso para me eleger delegado eu estava participando no Rio de Janeiro de um congresso da UBES, tinha dado preferência... [risos] Quem terminou sendo eleito delegado da juventude foi Joacir Castro.
E: E nos anos do Governo Goulart?
Gilvan: No Governo Goulart... essa linha de 58, da abertura política do partido, da aliança com os trabalhistas, com o mundo católico, inclusive a aliança com a Juventude Católica, não só a JUC, mas a juventude em geral... ela começou a prevalecer no seio da juventude – na época o Partido Comunista era hegemônico na esquerda, praticamente não tinha outros partidos de esquerda, mesmo na clandestinidade. Mas aí começou o embrião da Juventude Católica. Ela não tinha vida política. Nós mesmos é que fomos até os cobertores desses movimentos setoriais católicos, da entrada nos movimentos de massa, a partir da nossa aliança no movimento estudantil que predominantemente era feita com os católicos. E no movimento sindical com os trabalhistas, o Partido Trabalhista de Vargas. A relação era tão profunda entre nós que a gente chegou até a localizar as nossas atividades em Pernambuco na fundação da Mocidade Trabalhista, para influenciar dentro do Partido Trabalhista. Como o partido era ilegal, a nossa faixa legal era a Mocidade Trabalhista de Pernambuco. Era praticamente a Juventude Comunista organizada na Mocidade Trabalhista. A gente elegia companheiros na legenda do PTB, e em outras legendas, mas a preferência nossa, a gente elegia vários vereadores e deputados nossos pelo PTB. As direções do PTB sabiam, diziam “mas esses são comunistas...”, mas a gente conseguia. Havia uma visão de aliança que rompia com toda aquela visão dos trabalhistas como partido traidor, até 54, quando Vargas se suicidou a gente estava lutando para derrubar ele, quando Vargas estava metendo um tiro na cabeça os comunistas estavam brigando para derrubá-lo. Nesse momento mudou, houve uma comoção nacional e a direita teve que recuar, e foi quando o partido começou a perceber que alguma coisa estava errada.
Então a questão das alianças veio um pouco atrás e se consolidou em 58 e no Congresso de 60. Aí começa um período delicado, interessante. Em 60 já tiveram alguns elementos na resolução do V Congresso que no meu entender já eram um retrocesso em relação à visão que a gente tinha no documento de março de 58. E essa questão foi aprofundada na eleição de 60, a gente trabalhou para eleger o Marechal Lott (General Lott na época) com o Goulart vice, na aliança do PSD com o Partido Trabalhista. Só como exemplo, de como era complicada essa história de aliança: o Lott era um cara honesto, tranquilo, era assim aquele militar “caxias”, e tinha uma formação anti-comunista, teórica. Ele dizia que não fazia nenhuma restrição aos comunistas, mas era contra a legalidade do Partido Comunista. Eu me lembro que (representando o movimento estudantil) no Comitê do Lott em Pernambuco, era eu e o Gregório Bezerra, o David Capistrano, todo aquele pessoal lá de Pernambuco, e no palanque só tinha comunista, praticamente era a gente que segurava, os “carregadores de piano” éramos nós. Aí o Lott chegava lá no palanque junto dos comunistas e dizia que era contra a legalidade do Partido Comunista, que era contra a relação com a União Soviética, era contra Cuba. Isso do lado dos comunistas! E do outro lado o Jânio Quadros dizia o contrário, que ia dar a legalidade para o Partido Comunista. Isso é interessante para entender o nosso ponto de vista, as alianças que a gente fazia.
Aí veio a renúncia do Jânio. No governo do João Goulart, como exemplo de como do ponto de vista da nossa visão política houve um certo retrocesso... Em 62 o partido fez uma Conferência de Organização, da qual saíram dois documentos. Um de organização, que era profundamente na linha de 58, aprofundando mais a questão democrática, das alianças... e o documento político de 62 apontava para o lado contrário, dizia que o governo Jango era de conciliação, e que o certo portanto no nosso caso era o combate à política de conciliação do João Goulart. Então isso do ponto de vista político terminou redundando no Golpe de 1964. Chegou defendendo o João Goulart de um lado, na prática, mas do ponto de vista teórico a gente estava com a convicção de que aquele governo era um governo de conciliação . A gente chegou até ao absurdo de considerar o Plano Trienal, elaborado pelo Celso Furtado na época, um plano conservador. Fruto da política de conciliação que o governo fazia com a grande burguesia. E os teóricos por coincidência dessa visão eram grande parte da Executiva Nacional do partido, que depois, na crise do pós-64, explicitaram suas posições mais à esquerda, que eram o Mário Alves, o Mariguella, o Jacob Gorender e outros. E tinha o grupo minoritário que era o Giocondo Dias, o Armênio Guedes, o chamado “grupo baiano”, dos nordestinos, que eram mais pela abertura. Com essa complicação chegou o momento que o próprio Prestes que era o fiador dessa política nossa, de vez em quando “vinha lá e vinha cá”. Numa hora ele dizia que o governo Goulart era de esquerda, na outra dizia que tinha que dar combate à política de conciliação do Goulart... Isso criava uma certa confusão. E depois nas análises que a gente fez, depois do Golpe de 64...
A gente viu que realmente isso criou uma certa apatia no partido, de não organizarmos, não termos coragem de enfrentar a luta contra a chamada ultra-esquerda naquele momento, que era o pessoal das Ligas Camponesas (que queriam fazer a reforma agrária “na lei ou na marra”). Já começavam a aparecer os setores da Igreja Católica radicalizados, o pessoal da AP começando a radicalizar e a gente sempre contra o Goulart, dizendo que o Goulart era um conservador, e toda a política no sentido de desqualificar o governo Goulart. E nisso aí não só estimulando a direita, mas dando armas à UDN de começar a criar os elementos de conspiração. No nosso momento máximo de apoio ao governo já estava começando a haver divisões, começou a abrir brechas para que o setor conservador começasse a trabalhar nessa direção de tentar a preparação do golpe, que finalizou com 64.
Que na nossa opinião – isso é documento nosso, escrito – no dia do golpe a gente já havia sofrido uma derrota política, o governo já estava praticamente isolado, em relação à esquerda estava totalmente isolado em função dessa fragmentação da esquerda. A esquerda aguçou a questão da conciliação do João Goulart, e partiu para achar que o governo João Goulart era a mesma coisa que qualquer outro governo. Não entendeu o que representava o governo João Goulart. Isso é uma coisa traumática para nós porque... eu sei que o movimento radical de esquerda não criou o golpe, mas ajudou, deu pretexto para que a direita criasse os elementos psicológicos, da chamada guerra psicológica, para isolar o governo Goulart da classe média... o movimento operário ficou isolado, as classes médias começaram a se... a própria igreja, um setor da Igreja Católica mais conservador tomou o controle do movimento, das manifestações de “Pátria e Liberdade”, “Campanha do Ouro”, isso foi feito pela parte conservadora da igreja. Dentro das próprias Forças Armadas também formou-se a dicotomia, entre direita e esquerda nas Forças Armadas. Não se teve o equilíbrio de dizer: “o governo é de centro-esquerda, é um governo democrático”, e garantir as eleições de 65. O Brizola popular também, querendo fazer aquela revolução também, dizendo que o governo João Goulart era um governo de traição, de conciliação, porque ele queria avançar, fazer também a reforma na “lei ou na marra”, “que só Deus impedia”, até repetindo o que nosso atual presidente disse, não é que a história se repita, mas... Espero que não! [risos]
Mas a visão que a gente tinha naquela época era produto da nossa linha política ainda incipiente, a gente não entendia bem a questão democrática, e o movimento social muito menos! As pessoas superestimavam a ascensão... O mais equilibrado era mostrar (fazer até dado estatístico): “olha, o movimento cresceu, as greves aumentaram, a mobilização aumentou, mas em compensação também a participação ainda é pequena, não se tem força suficiente para se mudar a correlação de forças a nosso favor, e tal”... mas não: “temos força suficiente de empurrar o governo João Goulart ‘pra escanteio’, passar por cima dele, sem Congresso, sem nada...” Era a revolução que a gente tanto almejava. Então terminou acontecendo o contrário: houve o golpe militar, e houve uma mudança total do Estado, aí começou outra história. Aí começou a divisão da esquerda.
E: Começou uma divisão tremenda no PCB...
Gilvan: No pós-64 essa mesma concepção dizia que a gente não tinha outra saída a não ser a luta armada. “Tinha se esgotado toda a alternativa de via pacífica, a chamada ‘revolução brasileira’, e então era evidente que a saída tinha que ser a luta armada”. E muitos dentro do partido achavam o contrário: que aquilo mostrava a necessidade da organização da sociedade, a questão da insipiência de organização, um nível de elaboração muito baixo, apesar que de 46 a 64 houve um avanço do movimento de massas, as instituições democráticas se fortaleceram, mas isso era ainda um movimento muito pequeno, muito frágil, que não conseguiu deter o Golpe de 64. A contrapartida àquilo dizia que era inevitável, que a direita nunca ia deixar tomar o poder. Aí começou no pós-64, na clandestinidade... só a partir de 65 que foi possível que o partido se organizasse, juntasse os seus quadros dirigentes, e ali em maio de 65 lançou o primeiro documento, que reafirma as nossas posições de 58 e 60. E foi aí que nós começamos a aprofundar a questão democrática.
Mas tem um elemento aí para mostrar de onde saiu a questão do PC do B. Foi nesse processo, antes de 64, de avançar na conciliação e na questão democrática, que surgiu essa diferença que já vinha se apresentando em 58, 60. Nessa concepção que a gente tinha em 58 a gente pretendia fazer um trabalho voltado para a realidade, o partido tinha se tornado um partido legal. Já foi permitida a divulgação do seu jornal... não falava do Partido Comunista, falava dos comunistas... Então o que aconteceu? A gente tentou forçar a legalização do Partido Comunista. Nossos advogados do partido na época conversaram com a direção do partido que ia ser muito difícil revogar o decreto que colocou o Partido Comunista do Brasil na ilegalidade. Aquele partido que elegeu o Prestes em 46, era o Partido Comunista do Brasil, PCB mas Partido Comunista do Brasil. Aí sugeriram que a gente criasse um novo partido, e pedisse ao TSE o registro de um novo partido, um partido que não tivesse sido cassado. No Congresso de 60 foi mudado o nome do partido para Partido Comunista Brasileiro. Aí a pretexto dessa mudança de nome essas correntes mais à esquerda do partido, o João Amazonas, o Grabois, o Diógenes Arruda, um bocado da elite dirigente do partido, que divergiu publicamente, que não concordava com a linha da União Soviética, com as orientações que a gente tinha dado a partir de 58, achava que isso era traição ao partido. Então quando se começou a dar entrada... na época para organizar um partido era necessário alcançar 50 mil assinaturas, então a gente começou a trabalhar nessa direção... nessa briga aí, em 62 esse grupo não aceitou mais, se autodenominou Partido Comunista do Brasil. Aí começou já em 60, 61, 62 a existência do Partido Comunista do Brasil e o Partido Comunista Brasileiro. Era política... eles aproveitaram esse pretexto para dizer que eles eram o grupo de 22 e não nós, que a gente tinha renegado o marxismo... isso por causa da nossa visão a partir de 58. Então era só para esclarecer isso.
A partir de 64 o PC do B já estava com essas raízes também, começou a aglutinar as forças mais à esquerda que diziam que a luta armada era inevitável, que a burguesia não ia deixar o poder pacificamente, então eles começaram a trabalhar na direção de se contrapor àquela orientação nossa, “revisionista”, “reformista”, e todos os “istas” que o dicionário tinha... “traidor”... Então a partir de 64 esses agrupamentos começaram a se organizar, nas lutas internas do partido... O partido na época tinha convocado um congresso, a partir de 65, aí começou uma luta praticamente fratricida para tomar conta do aparelho do partido. Ao mesmo tempo começou a influência forte dos cubanos, o Partido Comunista cubano começou a interferir muito, a apoiar essas correntes mais à esquerda aqui no Brasil, e resultou nessas divisões muito fortes. Uma parte passou para o PC do B, outra parte criou o PCBR, o Mário Alves, alguns da direção do partido criaram o PCBR, a própria Igreja Católica se dividiu, criou a AP, criou a POLOP, não sei o que, aí começou todo um movimento em direção à organização, à inevitabilidade da luta armada. Isso foi avançando na medida em que a ditadura ia cada vez mais apertando o cerco. Em 66 decretaram o AI-2 (em 64 foi o AI-1, que reformou a Constituição de 46) que extinguiu os partidos políticos existentes. Até aquele momento ainda existiam os partidos, Partido Trabalhista, Partido Socialista, todos os partidos menos o comunista evidentemente... Então foi em 66 que a ditadura eliminou todos os partidos e criou o MDB e a ARENA.
Então essa visão da esquerda começou a ganhar muita força, e o partido convocou um congresso para reafirmar a nossa linha política, em cima de cisões, de quedas, o pessoal saindo para o exílio... Então a gente tentou organizar o congresso que foi realizado em 67 e que referendou toda a nossa política de frente democrática, da questão já da Anistia, da Constituinte, nos documentos de 67 já está explicitada toda essa política de abertura política, de se trabalhar através da sociedade, para “derrotar” politicamente a ditadura, e não para “derrubar” a ditadura (era um conceito diferente). A “derrubada” significa a luta armada, e a “derrota” significava para nós o envolvimento da sociedade, dos movimentos políticos, da população no sentido de isolar a ditadura e dar uma saída até negociada, como na realidade aconteceu.
E: O senhor sempre concordou com essa linha, nunca teve nenhuma dúvida...
Gilvan: Não! Pelo contrário, até te falei isso... já cheguei nessa situação com a cabeça mais arejada de outros tempos, e tive mais facilidade de entender e compreender a profundidade dessas coisas. Apesar [pausa] de que nesse processo teve muitas divergências entre nós mesmos, jovens, a gente brigava dentro do partido já para aprofundar essa discussão. Dentro da própria ditadura mesmo, as discussões do pós-68, do AI-5 (que aprofundou ainda mais o autoritarismo da ditadura) tinham uma audiência cultural muito forte para aquelas tendências marxistas, que misturavam Marx com a psicanálise, esse... da Escola de Frankfurt... era Althusser de um lado e do outro o... Marcuse! Então o Marcuse representou na época inclusive uma tendência de que a chamada classe operária (que historicamente seria o destacamento avançado da sociedade) não tinha mais nenhum valor, que era reformista, só se preocupava com o seu bem-estar, essas coisas... e que a classe revolucionária no momento seria de um lado os estudantes, do outro o chamado “lumpen”, empregados, os que não buscavam se integrar na sociedade. Então se gostava muito do Marcuse aqui no Brasil, e teve também um alemão chamado Günder Frank, que na América Latina espalhou toda essa concepção. Então nesse movimento de 68... entre nós havia diferenças. Quando o partido se consolidou na sua política, às vezes tinha algumas questões em que havia diferenças. Aí começaram os ataques a alguns companheiros, alguns até mais antigos que eu, principalmente aqui do Rio de Janeiro (daqui eram os mais conhecidos, do Rio, São Paulo) começaram a sofrer uma pressão, e eu me incorporei nessa corrente, dos chamados “eurocomunistas”. Todos nós éramos quase embaixadores do Partido Comunista Italiano, que na época era considerado (e os seus defensores aqui no Brasil) anti-soviético.
E: Vocês se viam como um grupo?
Gilvan: Não, não era um grupo não... a gente não tinha essa visão de grupo. A gente trabalhava com essas idéias que considerava as melhores que tinham, porque entre os partidos comunistas o Partido Comunista Italiano era o que tinha uma visão mais aberta de todas as questões que eram colocadas pelo movimento comunista internacional. E aí na chamada Guerra Fria ou se era pró-soviético ou se era contra os soviéticos! Então havia internamente essas brigas... essas dúvidas...
E: Isso era discutido abertamente?
Gilvan: Era discutido abertamente, internamente, dentro do partido...
E: Mesmo na época mais fechada da ditadura...
GC: Nas reuniões que se fazia, nas que aconteciam, sempre essa questão era colocada. Principalmente na fase mais agressiva. E a culminação desse processo foi na chamada Primavera de Praga. Todos nós estávamos vibrando com a Primavera de Praga, o socialismo com humanismo, com democracia, que era o sonho mesmo nosso! Com a nossa cultura política vinda lá de trás aquilo era realmente o que a gente... e não o comunismo soviético, fechado... que eu conheci de perto em 63, na União Soviética, era um negócio complicado...
E: O senhor não gostou do que viu.
Gilvan: Não era questão de não gostar, eu estava lá, estudando lá, e sabia que tinha o negócio da falsificação da história, oficialmente era “fulano” e você sabia que não era “fulano”... Então a afirmação disso foi em 68 exatamente na Primavera de Praga. Aí criou-se um divisor dentro do próprio partido. Houve uma divisão forte do partido, e a direção bateu forte na gente, porque na época a gente defendeu a não-intervenção soviética. Quando aconteceu nós condenamos a intervenção, internamente no partido, e quem na época escrevia, tinha alguma influência, não era ligado à máquina partidária se expressou, assinou documento, como pessoas físicas. Não podia ser condenado porque era a visão que eles tinham, pública, não é? Agora, quem era da máquina como eu, que estava na clandestinidade, a pressão era maior... nas reuniões internas a pressão era maior. Mas em 68 essa chamada “corrente renovadora” do partido foi decisiva na luta interna em relação à questão da ênfase à democracia.
Depois a gente teve que sair para o exterior, exilado, e essa coisa se transformou no exterior num novo procedimento. Tinham as pessoas que iam para Moscou, outras foram para o Chile (o nosso caso)... E na época com os chilenos aconteceu o mesmo procedimento que havia ocorrido no Golpe de 64 no Brasil. A gente ficou apoiando os chilenos, que tinham uma visão aberta, democrática e havia outras forças também, o MIR, defendendo a luta armada, aquelas coisas todas...tinha muita relação entre a cultura de 64 e a cultura que a gente pegou lá no Chile, e isso no exterior se aprofundou muito. Quando houve o regresso...
E: O senhor voltou em 79?
Gilvan: Voltei um pouco antes, voltei antes da Anistia inclusive. A gente percebia que já estava um momento de abertura. Aí quando eu soube no exílio que tinha sido absolvido no Brasil do processo encabeçado por Prestes (do meu último processo), eu disse para os cubanos: “Ah, agora acabou meu exílio, agora sou turista aqui, quero ir me embora!”
E: Aí voltaram?
Gilvan: Em dezembro de 1978. Aí ficamos esperando, já tinham voltado alguns companheiros, a gente já sentia... uns ficavam presos um dia, dois, saía. Aí fizemos o teste, e ficamos, não teve problema nenhum. Desembarcamos presos, sem documentação, não deram passaporte para nós, no exterior. Nós pedimos mas nunca deram passaporte para nós. Os cubanos que fizeram um passaporte. Saímos de Cuba para o Panamá, e do Panamá pegamos um avião brasileiro e desembarcamos aqui com a carteira de identidade. Eles sabiam que a gente vinha, tanto que o próprio embaixador brasileiro viajou com a gente e quando chegou já foi encaminhando para a Polícia Federal... [risos] A gente passou a noite lá, e tal, depois saímos no dia de Natal, nós fomos liberados. Até tiramos um advogado nosso do partido da ceia natalina para acompanhar a gente lá... Até hoje ele me encontra e reclama: “Pô, você me tirou da ceia de Natal de 78!” [risos]
E: Quando você voltou estava se iniciando uma nova fase de luta interna...
Gilvan: Essa fase de luta interna era a continuação do que já estava acontecendo aqui. Os companheiros do partido que estavam aqui no Brasil estavam atuando no MDB, já tinham assimilada muito mais forte a questão democrática. Aí essa briga entre nós e as massas do partido foi muito forte. Lá fora menos porque lá fora era mais disperso, um em cada país, mas a gente sabia que essa coisa estava acontecendo. Aí nesse processo a direção nacional começou a ter também dificuldades, de outro nível. Começou o Prestes a esquerdizar-se muito, e a direção teve que trabalhar nesse sentido, tentar não deixar o partido ir pela linha que o Prestes estava querendo.
E: Por que o senhor acha que aconteceu essa esquerdização do Prestes? Antes ele oscilava, e nesse período ele tomou uma posição clara...
Gilvan: Clara... com a concepção de marxismo que ele tinha, a gente sabia que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde, ia acontecer essa guinada dele. Talvez pelo isolamento dele lá... [na URSS] o símbolo que ele representava como liderança mundial, num país socialista, aquilo começou a ... ele não estava entendendo que naqueles próprios países estava havendo essa mesma relação... Então tinha os comunistas italianos, o Dubcek (exilado), que procuravam dar apoio inclusive aos companheiros que pensavam diferente. Mas chegou um momento em que todos nós tivemos que até cerrar fileiras com a direção do partido contra o Prestes, a favor do isolamento do Prestes porque a gente viu que a questão principal na época era evitar que o partido se “prestizasse”. Mas a gente não desconhecia as diferenças que a gente tinha com a direção partidária.
E: O senhor estava aliado nesse momento com a chamada tendência “renovadora” do partido, o Leandro Konder, o Luiz Werneck Vianna...
Gilvan: A gente tentou até fazer um documento, e a direção do partido não permitia que a chamada “renovação” assumisse posições no partido. Quando a direção tinha voltado do exílio, convocou um congresso, e a direção começou a prorrogar o procedimento do congresso porque eles sabiam que o pessoal nosso aqui tinha mais força, queriam ganhar tempo para eles organizarem melhor o partido, tomarem os contatos dos estados, montarem uma máquina para manter a direção, para que o núcleo dirigente do partido que estava no exterior mantivesse o controle. E foi feito isso. Isolaram a gente na época. Aqui no Rio de Janeiro foi um negócio complicado.
E: O senhor ficou no Rio de Janeiro depois que voltou do exílio até hoje...
Gilvan: Até hoje. Aí na época a gente fez um documento que foi assinado por mim, por Werneck Vianna, o Leandro Konder, o Armênio Guedes, o Moisés Vinhas... Bom, aí esse núcleo começou a buscar outras alternativas... Aí criamos um movimento. Esse movimento resultou na criação da revista Presença. Ela foi duramente atacada porque o pessoal dizia que era uma revista de dissidentes. E não era nada de dissidentes! Era uma revista ampla, que agregava os intelectuais aqui do Rio, também o Fernando Henrique Cardoso, até o Roberto Freire participava também. E teve uma reunião da Executiva para obrigar o Roberto a tirar o nome dele da revista, e o Roberto não tirou o nome. Isso foi em 82, 83...
E: O senhor continuou no partido?
Gilvan: Continuei no partido. Meio marginalizado mas ainda no partido. Desse grupo fui um dos poucos que ficaram no partido. O Leandro saiu, o Carlos Nelson Coutinho saiu, o Werneck saiu. E eu fiquei: eu, Raulino, alguns outros companheiros, ficamos superminoritários. E o tema nosso afinal foi absorvido pelo partido no IX Congresso, de 91 (em 92 foi o congresso que mudou o partido... para PPS). Então foi esse congresso que praticamente assimilou toda a nossa história.
E: O senhor entrou na direção nesse congresso?
Givan: Não, foi no de São Paulo, o de 92 [risos] aí eu consegui. Brincadeira! Mas eu nem estava pensando nisso, aí alguém disse: “não, você não tá não? Você vai ter que entrar”. “Eu não, pô!” “Entra! Você brigou pra esse negócio e agora vai ficar fora! Que história é essa?” “Ah, então tudo bem...”
Mas se você pegar o documento do IX Congresso, vai ter uns negócios ali que foram exigência nossa para participar. Foi exigência nossa de colocarem um processo autocrítico. De dizerem que a nossa posição tinha sido a mais correta.... tinham que constatar teoricamente que a gente enquanto grupo político estava com a razão. Hoje o partido está assimilando essas questões que nós levantávamos. Então foi isso que permitiu que os remanescentes fossem para lá participar do congresso. E terminou saindo uma divisão grande, com o Niemeyer, fizeram uma composição grande que a gente sabia que ia durar muito pouco tempo. O Roberto na época fez uma “concessãozinha” e botou “frente democrática, progressista e de esquerda”, e aí mudou tudo, não é? Servia para os dois lados. Um defendia a democracia e o outro defendia a frente de esquerda. A gente sempre dizia: “a linha tá certa. Agora começa a errar com os ‘poréns’...” Os “poréns” você bota pro outro lado. “Socialismo democrático e tal, porém... ser não der certo...” Esse “porém” que é perigoso!
E: Então o grupo majoritário da direção que isolou vocês no início da década de 80 depois assumiu tardiamente essas posições. Fale um pouco de como isso aconteceu...
Gilvan: Assumiu... [pausa] Aí na minha visão pessoal assumiu e (a gente até brinca) assumiu mas não entendeu. Isso dá complicação até hoje. Dando um exemplo: a gente tem uma lista [de discussão na Internet] no partido, duas listas, uma da massa do partido e a outra que é da Direção Nacional. Tem um companheiro que botou na lista um artigo do Giddens sobre a Terceira Via. Aí outro companheiro, o Caetano, deu uma “tacadazinha” nele: “pô, esse cara tá descobrindo o mundo agora?”. Pois é, tem uma “feridinha” aí. Eles esqueceram que lá atrás tinha uma terceira via também. Esqueceram que lá atrás, em 82, o Pietro Ingrao teve um livro publicado aqui intitulado Terceira Via [risos] Então o PCB aceitou mas não assimilou. Quando o companheiro vem com essas discussões eu digo: “pois é, mas inclusive ele que era o ‘cão do mato’ pra perseguir a gente aqui”. Eles baixavam o centralismo em cima da gente, de todo mundo que era favorável a essas coisas! Aí de vez em quando eu cito um negócio e eles: “pô, não quero chorar o leite derramado!” “Mas era bom... só pra lembrar...” Essa coisa assim cria na realidade [pausa] Umas pessoas assumiram essas posições honestamente porque o mundo estava mudando, tinham que entender essas coisas, mas não tinham aquela cultura... na adversidade é que, só passaram a entender quando aquilo estava muito abertamente, escrachadamente visível, que não ia dar certo. Então essa coisa é complicada. Mas no geral o partido tem a nossa visão. Acho que tem uns acertos muito fortes, tanto que a gente tem a possibilidade hoje de ter uma posição em relação ao Lula tranqüila, exatamente porque a cultura do PT não é a nossa cultura. Eles tem dificuldade, inclusive a gente entende essa dificuldade, eles nasceram de costas pro Estado.
E: O PCB perdeu progressivamente para o PT a hegemonia nas esquerdas, nos movimentos sociais, sindicatos e eleitoralmente. Como o senhor explica isso?
Gilvan: A coisa é muito simples. Praticamente no pré-64 as forças predominantes na esquerda eram os comunistas de um lado e os trabalhistas, nos sindicatos. Então o que aconteceu? Com o Golpe de 64 (as pessoas não têm a mínima noção do nível de retração) o movimento sindical foi destruído, totalmente destruído! As intervenções nos sindicatos, nos movimentos sociais, em todos os setores. O sindicato na época era muito subordinado ao Estado, ao Ministério do Trabalho, então se começou a intervir em todos os sindicatos. Onde tinha comunista ou trabalhista eles nomeavam comissões de intervenção nos sindicatos. Nesse momento houve um esvaziamento no movimento sindical, com a falta de democracia, o sindicalismo diminuiu o seu papel, e foi transformado num negócio quase burocrático! Foi aí que começou a surgir a insipiente liderança da Igreja Católica, que estava abertamente no movimento social pré-64... e o próprio Lula. O próprio Lula é produto das intervenções nos sindicatos onde tinha comunista, na época. Tem que deixar bem claro isso! Se pegar lá atrás no sindicalismo de São Paulo, o Lula entra no movimento sindical via intervenção do sindicato. Essa história do novo movimento sindical foi em função do esvaziamento, do espaço deixado em branco pelos comunistas e trabalhistas na época. E com isso eu digo que a visão cultural do PT na época, que como o Werneck Vianna disse “nasceu de costas pro Estado”... Era a cultura política dos fundadores do PSDB também. Se você pegar as teorias do Francisco Welfort, do Fernando Henrique Cardoso, do Otávio Ianni, da Chauí... têm vários teóricos, tanto do PSDB como do PT, o que os unificava? Que todo o período de 1946 a 1964 era o período do populismo, que havia uma conivência do PCB com as elites brasileiras, que havia um acordo, e se tinha que acabar com esse Estado populista! Para eles o que representava isto? Que o Estado brasileiro, pela visão que eles tinham, era um Estado de tipo asiático, que dirigia tudo, e se precisava acabar com este Estado, reestruturar esse Estado. A posição do falecido Raimundo Faoro... é que a gente estava num Estado quase oriental, que o Estado era tudo! E aí abriu espaço para esse liberalismo aí... a visão dos teóricos do PSDB e do PT... Tanto que o Lula, se andar para trás... a falta de compreensão dele na época da transição democrática é uma frase ele dizia que “o AI-5 do trabalhador era a CLT”! É um negócio até antológico! Como disse depois que o Congresso eram “300 picaretas”, não é? Então a cultura que eles tinham do processo é a cultura que eles hoje estão reclamando do PSDB, mas é a mesma cultura deles! Quando eles faziam os “novos” movimentos sindicais, o “novo” sindicalismo no Brasil, toda a história para trás não tinha valor nenhum! Era o “populismo da integração dos comunistas com a ‘pelegada’... o Estado que enganava as massas...” e isso tudo não tinha nenhum valor para eles. Então eles nasceram com essa cultura, “de costas pro Estado”! O Estado para eles era populismo, a democracia era populismo, não tinha valor nenhum... E se você lembrar os movimentos político-sociais, de estudantes, dessa turma toda que gerou as esquerdas que depois foram para o PT... mesmo o próprio movimento de 68 (eu não falei aqui que a gente teve que participar dos bastidores, da organização daquela chamada “Passeata dos 100 Mil”), eles eram contra a participação de políticos nas passeatas! A política era uma coisa, o social era outra... Eles fizeram uma separação, e hoje estão enrolados com essa questão! Então vem da cultura. E agora estão mudando, e não estão dizendo por que estão mudando. E aí está criando essa crítica. Porque a cultura do PT foi em cima disso. Por que eles estão mudando agora, e não estão discutindo nas bases? Está gerando essas crises. Estão assimilando agora uma visão socialdemocrata bem forte, mas não disseram isso para as bases deles. Vão ser cobrados! [risos] Para nós não! Isso já é ultrapassado, essa visão... nós somos reformistas desde criancinha! [risos] Não tem problema nenhum.
Então o PT ocupou o espaço que ficou vazio... Você pega aqui no Rio de Janeiro, tinha aquelas lideranças, como o Riani, o Morena, Massena, então várias lideranças do movimento sindical brasileiro... isso sem falar nas bases, o sindicalismo de base, todos os dirigentes de sindicato do partido, tudo isso foi preso, cassado, destituído do sindicato, desempregado... Foi desestruturado todo o movimento em 64. Então o movimento começou a crescer, a aparecer de novo com alguns elementos... Às vezes a ditadura fazia um negócio aí e não sabia... saía outras coisas também que saíam do controle deles. Então surgiu desse vazio do movimento sindical. A UNE também foi dissolvida, os dirigentes da época foram cassados, e o movimento estudantil foi sendo ocupado por essas correntes que depois geraram o PT. Começou a surgir aqui no Brasil essa cultura de organizações sociais... Lá atrás existia associações de moradores, mas quando começou a abertura aqui no Brasil surgiram associações de moradores por todo o país. Isso foi tudo instrumentalizado pelo PT (o que acabou esvaziando o movimento). No começo eram movimentos amplos de moradores e depois foi esvaziando porque foi sendo instrumento de luta interna das correntes do PT e transformou-se tudo em aparelhos. Tudo em função da repressão que houve em 64. O que existia em 64? Eram os comunistas e os trabalhistas. Acabou isso. Tanto que o slogan do golpe contra o João Goulart era que ele ia implantar uma república sindicalista. Então o ódio, a violência foi em cima também dos trabalhistas brasileiros, os chamados “pelegos”... eram pelos sindicatos, pela democracia, pelo avanço das reformas... Então se você pegar as cartas da Confederação Nacional dos Trabalhadores, aquilo ali era amplamente democrático, de luta pela reforma agrária, pela reforma urbana, foi um elenco de questões que se pleiteava na época que está sendo retomado agora. Então em 64 isso foi trucidado! Foi um retrocesso enorme! A gente está retomando isso agora, teve a eleição de 89, depois 94 Fernando Henrique, 98 Fernando Henrique e agora tem todas as possibilidades ao PT. Nós torcemos para que essa coisa dê certo! Dentro do governo do Lula estamos lutando, sem hegemonia (a gente sabe que a hegemonia está com o PT), mas vamos lutar para as coisas acontecerem. Fizemos um documento agora em Brasília... a nossa bancado foi entregar lá para o Lula no Palácio, dizendo: “olha, nós somos a favor da reforma da previdência, estamos de acordo, mas essa aí não é reforma da previdência, é apenas um ajuste de caixa!” A reforma tributária também é um arremedo! Como é que você vai fazer uma reforma em que você mantém a concentração de renda? Então isso tem que ser dito! Tem que fazer uma reforma que comece a romper com esse ciclo de concentração de renda. Como é que você vai taxar aqui e manter um imposto na produção, você vai manter os recursos para São Paulo, Minas Gerais e estado do Rio. Você tem que fazer uma inversão de valores. No consumo, para fortalecer os estados mais pobres, os estados consumidores. Então não rompe com essa lógica. Dizer que está lutando por reformas e manter o que está aí é complicado. A gente aposta (e luta) que o nosso relacionamento vai na direção de realmente avançar na direção do que foi feito na campanha eleitoral. Vamos mudar! Vamos tentar mudar...
E: Ao longo dos anos 80 o senhor ficou praticamente isolado dentro do partido. Continuou militando nas bases...
Gilvan: Fiquei. Eu morava no Humaitá e militava na base de Botafogo, que era predominantemente do pessoal que tinha vindo do MR-8. Tudo de origem no MR-8. Tinha três vozes lá na base, que era a minha, a do Jaime Jamowicz que é um velho militante do partido, e da mulher do companheiro Percinotto (sindicalista, que hoje é o presidente do partido aqui no Rio de Janeiro), Glória Percinotto. Estávamos na mesma base e eram três vozes altamente... a gente tinha posições diferentes, mas tinha que se juntar contra o que havia de mais nefasto. A gente sempre esteve isolado, porque a máquina... [faz sinal de esmagamento]. Nas conferências municipais a gente não saía nem delegado. Nem sonhava em ser delegado: “não, esse aí é reformista mesmo... o que você quer? Fica fora!”
E: O senhor nunca pensou em largar o partido?
Gilvan: Não... pelo contrário. Interessante é que para mim... Nunca fui delegado. Como eu disse, quando eu saí pela Conferência do Recife para eleger delegados para o V Congresso de 60 aqui, eu simplesmente fui para o congresso da UBES, eu não estava preocupado com isso, em fazer parte da direção. “Pô, saiu delegado e foi pro congresso da UBES!” [risos] Eu entrava na direção do partido em Pernambuco, fazia parte da direção lá do movimento estudantil... do Diretório Municipal do Recife quando eu era jovem... mas só vim a entrar na Direção Nacional do partido quando se transformou de PCB em PPS, em 92 em São Paulo. E entrei sem pedir. Foi o Roberto que falou: “seu nome não tá aí não? Brigou por tudo isso aí e não vai entrar?” E eu: “tudo bem”. Aí vim para cá, me aposentei do serviço público, assumi aqui a secretaria do partido, tentando segurar... tem brigas enormes aqui dentro que a gente tem que segurar. O partido está crescendo, tem outros interesses, a questão do partido como partido eleitoral... o partido que queremos construir... Então está em xeque essa questão. Hoje a gente está vivendo um período eleitoral de eleições municipais, aí tem uma “porrada” de discussões, é um “corre-corre” de candidaturas, de discussões, “filia fulano...”, então é um negócio complicado para nós... A gente não quer voltar para um partido sem voto nenhum, mas também tem que se transformar num partido que tenha consistência, que tenha cultura política...
E: È difícil segurar, não é?
Gilvan: É difícil...
E: Estávamos falando dos anos 80. Nesse período o PCB apoiou até o fim a transição negociada. Apoiou o Tancredo, depois o Sarney até 88... Como a base do partido reagia a essa posição?
Gilvan: Eram movimentos até contraditórios nesse processo. Pela linha que a gente estava falando aqui... a nova linha política ia na direção da luta democrática, da ampliação da democracia, da questão da frente democrática. A previsão que a gente fazia era que deveria haver uma saída política e não a derrubada da ditadura. Era diferente de outros momentos. Então a gente trabalhou com várias alternativas. Uma delas por exemplo, com um foco diferente, era a questão da luta pela eleição direta: forçar a ditadura a convocá-la. Ao mesmo tempo, a gente não tinha nenhuma ilusão de que ia haver essa convocação. Só com uma crise monumental, porque o projeto deles era fazer uma abertura “lenta e gradual”. Então a gente trabalhava com essas duas visões. E esses grupos mais à esquerda trabalhavam com uma visão... O nosso objetivo qual era: era acabar com a ditadura, conquistar a democracia. Se isso fosse pela eleição direta... bom, muito bem, mas se fosse outra solução, dava no mesmo. Mas qual era a visão da esquerda (daí veio a frustração, nas Diretas Já): era a idéia de confronto! Ou é eleição direta ou não é nada! Já a nossa política não (tanto que na Constituinte a gente negociou uma saída, uma Constituição democrática, pluralista, aberta...). Aí chegou no final os setores mais radicais do Congresso, do próprio PMDB queriam radicalizar, fazer o confronto, foram as nossas bancadas espalhadas pelo PMDB, eleitas pelo PMDB (o Roberto Freire, o Marcelo Cerqueira aqui...), que eram do PCB eleitos pelo PMDB que tentaram articular através desse movimento uma saída negociada da ditadura. Então esse grupo expressou isso na Colégio Eleitoral também. O que interessava para nós? Era o fim da ditadura. E isso se deu pela via da negociação. Não tinha ainda as condições para fazer o confronto. De outro lado a ditadura não ia fazer a abertura escancarada. Então tinha que fazer uma saída no sentido de romper com o bloco monolítico da ditadura. Toda a estratégia nossa era no sentido de romper esse bloco. Desse movimento de formou a Aliança Democrática, que rompeu com a base do governo para formar a própria aliança. Veio o Sarney da presidência do PDS para formar a chapa com o Tancredo Neves, que era do movimento popular, do MDB. E isso foi possível porque juntou o movimento de lutas, de massas, da sociedade organizada com a negociação, para fazer uma saída democrática que não fosse tão traumática nem para o regime militar nem que fosse o confronto final, a chegada da democracia que a gente desejava. Infelizmente o Tancredo faleceu, o Sarney cumpriu em parte o compromisso que o Tancredo tinha assumido, mas é evidente que teve um momento lá na frente que a transição tornou-se mais lenta. Com o Tancredo era uma coisa, com o Sarney foi outra. Mas aí continuou a divergência entre o PT e... Todo esse grupo aí dos radicais do PT, não só os radicais mas todos eles diziam que isso aí não era transição, era uma enganação, no máximo uma transição conservadora. O autor dessa concepção é um pernambucano chamado Chico de Oliveira (que agora está dando “porrada” no governo), e outros também, a Marilena Chauí, vários trabalhos de todo esse pessoal do PT, com algumas matizes, tinham a mesma visão de que o governo Sarney era uma transição conservadora. Daí o resultado: no Colégio Eleitoral o próprio PT expulsou três deputados, a Bete Mendes (que veio para o partido e depois filiou-se ao PPS), o Aírton Soares... Era essa cultura que eles tinham do confronto. “Política nada! Negociação nada!” A gente foi negociar, foi fazer frente, isso para eles não era nada, era heresia. Então essa saída negociada foi importante porque formou um bloco, mostrou que a sociedade mudou, a cultura política mudou... mas na época o fundamental foi a formação da Aliança Democrática. O PMDB com o que passou a ser o PFL. Mas era necessária porque rompeu com o bloco militar, e conseguimos o objetivo central nosso que era conquistar a democracia. Você vê que o PCB foi legalizado no governo Sarney! Você vê que a negociação era tão violenta, tão forte na transição da ditadura... a ditadura autorizou o funcionamento dos partidos (revogou o AI-2) e o centro do Golbery qual foi? “Vamos liberar, mas os comunistas não podem voltar”. Legalizaram o PT para evitar a disputa da sociedade pelos comunistas. Então o PT ocupou o espaço porque foi legalizado primeiro. Começou a se estruturar... isso para evitar que os comunistas almejassem a disputar a hegemonia com o PT, na época era até possível que isso acontecesse. E do outro lado, eles tiraram o PTB da mão do Brizola. Entregaram para a Ivete Vargas exatamente para evitar que o trabalhismo tradicional voltasse. Então foi uma transição complicada... Havia uma norma explícita da ditadura para impedir que naquele momento os comunistas voltassem com a sua política ampla, aberta... O PT não era partido operário, ninguém fala isso! Na cabeça deles... Naquela hora o movimento operário era aquele ali. Mas se o PCB fosse legalizado naquela altura vinha com toda a tradição, com todos os companheiros vindos do exílio que estavam espalhados por aí, a intelectualidade que era do partido... Isso tudo foi absorvido pelo PT. O partido estava legal, a gente não era legal. Não tinha espaço na política.
E: Então o senhor acha que o PCB foi legalizado tarde demais?
Gilvan: É, foi tarde demais...
E: Na época em que o PCB foi legalizado, pela leitura da coleção do Voz da Unidade, você percebe que existia um sentimento de euforia, de que se repetiria 45, de que o PCB cresceria estupidamente naquele momento! E a coisa não foi assim... a história “se repetiu como farsa”...
Gilvan: Me lembro que quando eu cheguei trabalhava com um pessoal, com uma cooperativa de cineastas aqui no Rio de Janeiro, o Nélson Pereira... Aí o pessoal da revista Veja foi fazer uma entrevista comigo. A gente defendia a tese da reunião dos partidos. Esse grupo nosso (era uma revista nossa) defendia que era cedo naquela altura para se legalizar os partidos. A gente tinha que fortalecer a frente do MDB. O MDB juntava todo mundo e fazia como se fosse um plebiscito. O repórter perguntou: “mas vocês são contra a legalização dos partidos?” “Não, mas achamos muito cedo ainda, o MDB ainda não está esgotado”. Aí não foi publicada uma linha disso! Deve estar tudo até hoje arquivado lá na Veja... [risos] Isso por que? Porque a ditadura percebeu que se mantivesse o MDB sozinho ele seria o núcleo que juntaria todas as oposições. A manutenção da polarização MDB-ARENA era complicada para eles. Então eles fizeram essa manobra de fazer a divisão. Esvaziaram a posição dos comunistas na época, que entendia a questão democrática, e o PT tinha outra visão na época. A cultura do PT não é a questão democrática. É a questão do social, a discussão para eles não significava absolutamente nada. Não trabalhavam com essa questão da discussão, da democracia, não trabalhavam! Então para a ditadura era mais fácil: “vamos deixar esse pessoal gritar, brigar...”, “os comunistas não! Os comunistas se preocupam com a questão mais geral, da democracia, esses são perigosos!” Do outro lado o Brizola, que ia ser o herdeiro de toda a tradição do PTB, era o símbolo do trabalhismo de 64, a continuidade era o Brizola! Afastaram o fantasma do PTB com a Ivete Vargas! Não era mais aquele PTB. A simbologia para a sociedade do Vargas e tudo mais era o PTB, não o PDT. O PDT é uma coisa nova. Então o Golbery foi maquiavélico no pior sentido da palavra: “vamos fazer assim pra gente poder fazer a abertura”. E aí é claro que o PT constitui um fato. Lá na frente quando o partido foi legalizado, além de outros elementos que compõem esse quadro (como a própria estreiteza interna da compreensão do momento que se estava vivendo por parte das nossas direções), havia essa coisa que era o espaço ocupado. O PT ocupou os espaços sociais com uma expressão legal, organizado, e nós estávamos na clandestinidade. A referência da esquerda era o PT, não éramos mais nós. Tanto que quando o PCB foi legalizado já estava praticamente morto, um partido que nasceu morto. Só foi morrer em 92 mas...
E: Existia uma sensação de crise?
Gilvan: Nesse período de abertura, se você pegar a Voz da Unidade, você vê que tem dois momentos: tem o momento do início da Voz da Unidade...
E: Você participou no início?
Gilvan: Participei, mas lá na frente era o Werneck, o Cordeiro era o diretor do jornal, um militante histórico do partido, e eles (não digo que instrumentalizaram...) assumiram essa função de fazer uma coisa nova para o partido. Era influência nossa no jornal. A gente fazia as coisas, pegava aqui, mandava para lá, era uma equipe grande de pessoas, fazendo copidesque, fazendo tudo... Aí na briga interna do partido começaram a ficar de olho no jornal, viram que o jornal era um elemento em torno do qual a gente se juntava. Os renovadores... ele era a síntese do movimento. Como dizia o velho Lênin: “me dê um jornal que eu lhe dou um partido”. Aí chegou um momento (acho que foi no número 35) que houve a ruptura. Aí o jornal virou quase um boletim...
E: E como se deu o afastamento de vocês. A direção interveio?
Gilvan: Interveio diretamente, nomeou uma comissão para cuidar do jornal, nomeou todo mundo: e acabou! Quem manda sou eu, e a linha é essa aqui agora!” Mas ninguém foi expulso não... Aí o jornal virou apologia.
E: Como era em 85, 86, um boletim do PCB...
Gilvan: Um boletim do PCB com apologia aos países socialistas, aquilo era tudo uma “maravilha”... Tem até um companheiro com o qual eu brinco, hoje,. A gente sacaneia muito ele porque ele foi assistir o último congresso do partido da Romênia, chegou lá no aeroporto e disse para todo mundo: “está tudo bem! Foi um congresso fantástico!” Mas quando ele estava desembarcando aqui o Ceaucescu estava sendo fuzilado! “Tá tudo bem... Que maravilha, hein...”
Era um negócio apologético mesmo, o jornal transformou-se nisso mesmo. Então isso aí permitiu que o partido fosse se transformando cada vez mais, foi transformando-se até chegar à morte que foi o Congresso de 92. Aí ou se renovava mesmo ou acabava! Por sorte houve a generosidade do Malina, que entendeu o processo e conduziu os velhos comunistas a esse processo de mudanças.
E: Até aquele momento ele não aceitava?
Gilvan: Não aceitava. Até o momento em que ele entendeu que ou fazia essa mudança ou acabava o partido.
E: O senhor acha que o fim da União Soviética, a queda do muro, foram mesmo uma influência direta...
Gilvan: Não, não chega... eu acho que foi direta, só que houve vários elementos, vários fatores nesse processo... essa mudança já vinha anterior... Se você pegar a Primavera de Praga, o problema que havia na Polônia, as posições dos vários partidos, a questão da China, todo um processo que no cômputo geral vinha... O próprio avanço da ciência e da tecnologia também, tudo isso aí gerou uma cultura que tinha que mudar! A própria sinalização do Gorbachev mesmo na perestroika foi fundamental! Ele assinalava que havia outros caminhos. Retomava toda aquela concepção da Primavera de Praga, do socialismo aberto, com humanismo, com democracia... Lá atrás mesmo, em 73 no Chile com o Salvador Allende, foi uma experiência fantástica com democracia, com pluralidade. Então esse processo mesmo que houve, de crise do movimento socialista, com as suas vertentes socialdemocrata e comunista (todos defendiam uma visão estatista, tanto um como o outro), houve um momento em que essa crise foi se transformando até chegar na queda do chamado simbolicamente Muro de Berlim. Só porque o Muro de Berlim caiu na União Soviética foi dissolvido aquele sistema? Foi autodissolvido! Estava tão complicado que disseram: “ah, vamos dissolver isso aqui!”
A influência aqui no partido é evidente que se expressou porque a gente tinha a cultura de que tudo que partia da União Soviética era bom! Quando o Gorbachev assumiu nós também... A direção assumiu praticamente essa visão também.
E: E a receptividade nas bases? Certamente foi problemática...
Gilvan: É, foi problemática de um lado e do outro lado auspiciosa. O “oba-oba” era geral! Mudou mas não sabe por que mudou, não é? Do outro lado também os mais resistentes, mais ortodoxos existiram. Dentro do mesmo grupo que aceitava a mudança porque não tinha outro jeito, porque vinha da União Soviética. Mesmo nesse grupo havia resistência, como houve lá atrás, com o Amazonas, o Mário Alves, com a mudança do XX Congresso. Isso sem falar de nós... Muito mais lá atrás a gente apontava para essa direção. Aí tinha gente que dizia: “você tinha razão!” Bom, mas... tem que dizer que sim! Tanto que toda a história que a gente foi fazendo, nossos documentos, a revista Presença, tudo foi em função dessa visão que a gente tinha, para que o desenvolvimento interno do partido fosse em outra direção. Mesmo com a direção tentando mudar, houve crise nessa mudança. Essa crise foi sanada graças à capacidade, à generosidade que teve o Salomão Malina. Com a morte do Giocondo Dias, ele assumiu o comando do partido e entendeu, juntou toda aquela “velha guarda” do partido, “bolchevique”, em torno dessa mudança sem deixar o partido romper. Fez essa transição. Passou na prática o bastão para as forças novas, o Roberto Freire (que era parlamentar, vinha de outra tradição cultural), sem nenhum trauma. Claro que teve trauma: em 92 uma “porrada” de gente foi embora!
E: O senhor poderia fazer um histórico desse processo. Por exemplo: quando surgiu pela primeira vez a idéia de se formar um novo partido, mudar a sigla, quando isso começou a ser discutido oficialmente?
Gilvan: Olha, eu não sei oficialmente como é que foi, mas na preparação do IX Congresso, quando o pessoal colocou que tinha que mudar, já se falava da nova “forma-partido”. A gente não sabia o que diabo era... Era entender que o PCB já não era a forma correta de partido. Esse conceito de nova “forma-partido” saiu em vários momentos, várias discussões... já era o desejo de transformar isso, já não podia existir, o velho PCB não tinha mais suporte. Não estava mais adequado à nova realidade. Evidente que havia outros também que diziam: “não adianta mudar o nome do partido comunista se continuar a mesma coisa, o velho PCB. Era melhor ficar ‘partido comunista’ e mudar realmente, mas com o nome de ‘partido comunista’.” Então havia várias... Nós por exemplo defendíamos no congresso que o novo partido fosse Partido Democrático de Esquerda. Mas não era só pela sigla não: a gente entendia que era aquilo que estava acontecendo, tudo o que representava aquilo. Teve várias propostas, partido disso, partido daquilo... mas no fundo (foi até surpresa nossa) concentrou-se no PPS e no Partido Democrático de Esquerda. Na votação final foram as duas propostas.
E: Quem mais defendia o Partido Democrático de Esquerda?
Gilvan: Um bocado de gente! Até gente que hoje está no PT mesmo. Mas na hora da votação... um companheiro nosso que era da direção, que era (e é) sindicalista, o David Zaia, botou em votação várias vezes e nunca dava para definir. Então teve uma [?] nos bastidores para ter votação com contagem voto a voto. Aí a gente não tinha a máquina, e tal... aí manipularam os votos... fizeram uma armação, uma armação entre aspas, tinham feito um compromisso com o pessoal de São Paulo que estava para vir para o partido, com o compromisso de mudar o nome do partido, o João Hermann, o pessoal do Partido Humanista... fizeram um acordo para votar no nome de PPS, e numa tentativa de isolar a nossa corrente também. Era a consagração da nossa vitória, não é? Aí já era demais...
E: Como o Roberto Freire se posicionou?
Gilvan: O Freire se posicionou ao lado desses caras (partido popular...), tanto ele como o pessoal lá de São Paulo. Aí na hora da votação, voto a voto, deu uma diferença de quarenta e poucos por cento... A diferença foi muito grande para uma platéia que fez três ou quatro votações e não dava para identificar quem ganhava. Tiveram que apelar para o voto de urna... aí com voto de urna dá para fazer a campanha de boca-de-urna... [risos] Mas a concepção que estava ali era para mudar mesmo! Partido Democrático de Esquerda quer dizer: “olha, vamos copiar os italianos, pô!” Era isso que queria simbolizar: não é copiar, mas [?] Partindo desse núcleo democrático. Mas aí a discussão ficou: “não, mas PDS já teve...” Mas tem que assumir essa questão: democrática e de esquerda. Você vê que depois com o movimento do partido, você vê que tem muitas coisas... PPS: partido de esquerda, esquerda democrática... Era a questão de aprofundar mesmo, se é para mudar é para mudar mesmo. Claro que nesse congresso houve uma mudança da sigla do partido, mas a cultura que estava...
Tanto que esse congresso não teve um documento básico. Tinha uma resolução, e essa resolução foi simplesmente jogada para escanteio. Saiu só uma declaração de princípios, as linhas gerais. Lá atrás, no IX Congresso, já estava o embasamento, que era aquela mudança total. Mas mesmo com essa embasamento, com essa mudança do IX Congresso, havia gente que entendia diferente, na radicalização. A gente está organizando agora o XIV Congresso do PPS, pela continuidade da nossa história. Mas tinha gente que defendia que deveria ser o IV Congresso do PPS, por exemplo, que era como se fosse outra coisa. No nosso Estatuto podia estar lá: “nos somos herdeiros do PCB, fundado em 1922, mas nós terminamos em 92...” Mas tem uma cultura, tem uma concepção de que agora é outra coisa, tinha havido uma ruptura. Quando na realidade continua PPS mas com a mesma “forma-partido”, não apareceu, ninguém sabia que diabo era aquilo... Era um negócio simbólico, um negócio milagroso para nós mas a gente não sabia bem o que era aquilo.
Então esse congresso foi dramático também, porque essa parte que tinha se conciliado em 91 (no IX Congresso) quando chegou lá em São Paulo viu que qualquer que fosse a mudança ela tinha quorum. Se fosse votar a questão da mudança do partido... então eles foram embora. Abandonaram o congresso, o Ivan Pinheiro, a Zuleide, e foram criar o atual PCB. Registraram PCB.
E: O senhor teve contato com eles depois disso?
Gilvan: Até tenho... De vez em quando eu até encontro com eles, tenho relações com eles. Companheiros que estiveram no exílio comigo, o Telles, ele me fala: “ô, reformista!” “Ainda tá com isso?” [risos] Tem vários companheiros meus, Moacir, que saíram do partido, são amigos meus, continuam sendo amigos.
Mas quem saiu rompeu com isso aí. Quando viu que era para mudar, eles saíram. O Niemeyer, esse pessoal: “não é mais meu partido, não é esse”. Claro que nem todo mundo foi para o PCB. Depois do momento de ruptura muita gente deixou, foi embora, foi para o PT, o PC do B, o Francisco Milani foi para o PC do B... Mas é isso aí! A crise foi essa, mais ou menos, nas minha mal traçadas linhas... [risos]
E: Nas bases a discussão se deu como?
Gilvan: Nas bases, a mudança... Havia um desejo de mudanças. Mas essa mudança não era “a mudança”... o Comitê Central não permitia. A gente vivia com essa mudança o tempo todo. Mas teve gente que mudou porque foi uma contingência e uma obrigação. Então isso é mais traumático! Na cabeça dos companheiros que mudaram porque tinham que mudar pela contingência e obrigação da vida, não estavam preparados para isso. São pessoas que mudaram e não tem a cultura dessa mudança, então cometem muitas... Às vezes é um sacrifício fazer um avanço aqui, uma aliança ali, eles ficam se autovigiando... Eu me lembro de um companheiro (eu gosto muito dele) do partido, fazia parte do movimento sindical em Pernambuco comigo, depois de 58 (naquela alegria, naquela brincadeira, aí faz um discurso, vai para uma assembléia, que eu fazia parte do movimento sindical também, eu gostava, fazia de tudo) eu falava com ele: “e aí?” E ele: “não fala comigo que eu tô num processo autocrítico!” [risos] Foi tão traumático... [risos]
E: Que ele estava tentando se encontrar... [risos]
Gilvan: Isso em 1958. Imagine agora! Então é difícil nos anos 90, que houve essa mudança, a cabeça das pessoas não alcançou... É por isso que eu falo: teve gente que mudou por contingência, por obrigação e pela mudança da União Soviética. Se fosse a mudança no Partido Comunista Italiano, era “reformismo”! Teve que esperar a “Mãe Pátria”... para ver que alguma coisa ali estava certa. Teve gente que mudou por isso! Então essa não é uma mudança profunda.
Tanto que muita gente preferiu ir para o PT. O próprio Leandro, o Carlos Nelson Coutinho. O Werneck não! O Werneck diz que nunca foi para o PT porque ele não precisava de platéia, que o pessoal ia para lá para ter platéia! “Não, eu sou comunista ‘eu sozinho’!” Sempre ficou na dele. Mas ele encarnava muito com o Carlos Nelson Coutinho: “você foi para lá porque queria platéia!” Mas tem outros que foram para o PT por visão cultural mesmo: “não tem mais o PCB, por que eu vou entrar nesse PPS? Vou para um partido de esquerda!” Agora estão enfrentando outra situação, não é? Você vê que essa revista nossa [Política Democrática, editada pela Fundação Astrojildo Pereira] tem um artigo do Carlos Nelson Coutinho. Até estranhei. Falei: “vocês pediram autorização do Carlos Nelson Coutinho pra botar esse artigo aí?” Porque ele uma vez ligou para mim e me deu o maior “esporro” porque eu botei o nome dele no conselho da revista! Me disse para eu deixar de ser direitista! “Quando é que vai ficar de esquerda?” Agora tem um artigo dele, “No Fio da Navalha”, aí na revista. Até foi bom para tirar a alergia dele da Fundação Astrojildo Pereira. Mas é isso aí!
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