A COLÔMBIA APÓS AS FARC
Ricardo Vélez Rodríguez
A recente libertação de 15 reféns das Farc pelo Exército da Colômbia marcou uma etapa definitiva na luta do Estado contra os narcoterroristas. A penetração dos agentes de inteligência militar nos mais altos círculos da organização criminosa sinalizou claramente que golpes cada vez mais fortes serão desferidos contra os marginais. Resta à organização guerrilheira acolher a desmobilização proposta pelo governo colombiano, submetendo-se à lei, ou simplesmente esperar por sua aniquilação, como aconteceu com o Sendero Luminoso, no Peru, na década passada. Em decorrência disso, pode-se falar, neste momento, do que será o panorama político colombiano pós-Farc.
Ricardo Vélez Rodríguez
A recente libertação de 15 reféns das Farc pelo Exército da Colômbia marcou uma etapa definitiva na luta do Estado contra os narcoterroristas. A penetração dos agentes de inteligência militar nos mais altos círculos da organização criminosa sinalizou claramente que golpes cada vez mais fortes serão desferidos contra os marginais. Resta à organização guerrilheira acolher a desmobilização proposta pelo governo colombiano, submetendo-se à lei, ou simplesmente esperar por sua aniquilação, como aconteceu com o Sendero Luminoso, no Peru, na década passada. Em decorrência disso, pode-se falar, neste momento, do que será o panorama político colombiano pós-Farc.
A primeira coisa que devemos levar em consideração é que o combate à narcoguerrilha não foi opção isolada de um governante corajoso como o presidente Álvaro Uribe Vélez. Essa determinação foi, fundamentalmente, uma decisão da sociedade colombiana, cansada já da maré montante da violência que os narcoterroristas impuseram ao país vizinho. A escalada do terror, na Colômbia, tocou fundo. Ou imperava de vez a barbárie, ou a sociedade reagia com heroísmo em prol da sua sobrevivência. Essa reação social começou a se verificar 15 anos atrás, em duas frentes: de um lado, no clamor popular pela modernização das Forças Armadas e, de outro, na revitalização do tecido municipal.
Como se trata de um processo que está revolucionando o panorama político da América Latina, tal o grau de profundidade com que as mudanças estão ocorrendo na Colômbia, vale a pena ilustrar um pouco ambos os pontos.
Modernização das Forças Armadas - Engana-se quem pensa que tudo se iniciou com o atual governo. Nas administrações anteriores, notadamente nas de César Gaviria e Andrés Pastrana, começou a haver uma crescente pressão da sociedade para que se processasse, em primeiro lugar, a modernização da Polícia Nacional. Foram grandes os esforços empenhados para substituir as tradicionalmente corruptas forças policiais, ligadas aos interesses menores dos caciques políticos ou, o que era pior, ao crime organizado. Somente em Bogotá, nos anos 1990, foram postos no olho da rua, em apenas um ano, mais de 2 mil agentes. Desse esforço emergiu uma Polícia Nacional com rosto novo, que deu combate frontal aos cartéis da droga, o de Medellín e o de Cáli. Esse processo ficou registrado no livro Jaque Mate (Xeque-Mate), do general Rosso José Serrano, que comandou a reforma organizacional da polícia colombiana.
O passo seguinte seria a reforma das Forças Armadas. O Plano Colômbia significou o início dessa reforma. O caminho definido foi a profissionalização dos militares, com a organização de uma Fuerza de Despliegue Rápido, a Fudra, de aproximadamente 15 mil homens, que mudou o ritmo e a iniciativa dos combates, com a ajuda tecnológica dos Estados Unidos, que montaram complexo sistema de controle do espaço aéreo, uma espécie de Sivam, a partir da região de Três Esquinas, ao sul do país, justamente o lugar onde as Farc eram mais poderosas. A recente operação de comandos revelou que a modernização das Forças Armadas abarca o terreno da inteligência militar, de forma prioritária.
Revitalização do tecido municipal - Este aspecto das reformas colombianas é menos visível, mas não menos importante. No início da década de 90, várias pequenas cidades que tinham sofrido a chantagem armada dos narcoguerrilheiros decidiram agir por conta própria, estabelecendo "pactos de sobrevivência", uma espécie de Constituição municipal que visava a garantir a segurança dos cidadãos. Assim, foram-se gestando os movimentos cívicos batizados de "Como Vamos", que têm sido fundamentais para o andamento da boa administração municipal em Bogotá, Cáli, Medellín, Cartagena, etc.
Concluindo: Uribe Vélez soube capitalizar ambas as iniciativas. O modo de governar desse jovem presidente consiste em se deslocar semanalmente para vários municípios, onde se reúne com prefeitos, vereadores e pessoas comuns, a fim de fazer um balanço dos principais problemas enfrentados pela comunidade, nas áreas de saneamento, educação, saúde, segurança, habitação e transportes. O presidente, em companhia dos seus ministros, traça linhas de ação para resolver os problemas apresentados pela comunidade, tendo como objetivo básico o restabelecimento da "segurança democrática", mediante a presença permanente da Polícia Nacional em cada município.
É assim que Álvaro Uribe tem construído a sua popularidade, não com ações assistencialistas, mas promovendo o efetivo desenvolvimento. É um modelo de democracia direta e de gestão central dos problemas, ao mesmo tempo. Uribe arrebatou à esquerda a sua bandeira da denominada democracia participativa. E se apropriou do princípio conservador do restabelecimento da ordem. Inicia a fase final do seu segundo mandato com uma popularidade que beira os 92%.
A Colômbia não é mais a mesma. Porque as suas opções fundamentais - modernização das Forças Armadas para preservação da "segurança democrática" e revitalização do tecido municipal - são decisões da sociedade, garantindo um novo tipo dinâmico de democracia participativa. A estabilidade é a marca registrada desse processo, que se traduz em taxas de crescimento econômico, que beiram 7% ao ano.
Ricardo Vélez Rodríguez, coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas ?Paulino Soares de Sousa" da Universidade Federal de Juiz de Fora, é membro da Academia Brasileira de Filosofia (Rio de Janeiro) e do Instituto de Humanidades (Londrina
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