segunda-feira, 7 de julho de 2008

DEU NO JORNAL DO BRASIL

NASCE EM MINAS A ALIANÇA BRANCA
Wilson Figueiredo

Com espírito pragmático e senso de oportunidade, o presidente Lula fez crítica de raspão aos dirigentes nacionais do PT numa solenidade em Itajubá (MG) e, a contrapelo do que se passou nos bastidores, providenciou o elogio rasgado da aliança branca entre o PT e o PSDB no caso do candidato comum a prefeito municipal de Belo Horizonte. Não perdeu oportunidade de fazer política como se fosse história viva.

O presidente perfilhou, soberano, o candidato emprestado pelo PSB sob a dupla custódia do governador Aécio Neves (PSDB) e do prefeito Fernando Pimentel (PT), e abençoou a escolha de Márcio Lacerda (PSDB), um socialista capaz de unir as duas variantes de uma esquerda mais nostálgica do que ideológica. E ainda comunicou que vai subir no palanque do candidato antes de pingar o ponto final. Quem não gostou pode se queixar ao bispo, como já foi de praxe.

"Vou participar pouco das eleições", ressalvou Lula aos matizes social-democrata e petista envolvidos na questão mineira, para deixar clara sua presença no episódio: "até porque é importante a continuidade do projeto". É aí o endereço do mistério. A equação que reúne o petismo e o social-democratismo praticados nas montanhas continua a ter uma única incógnita que vale por duas. Que produto substituirá, finalmente, o café-com-leite que sustentou a Primeira República interrompida em 1930 pelo advento do chimarrão?

Na avaliação presidencial, a aliança PT-PSDB em Minas "é plenamente aceitável, viável e importante". A frase teve a intenção de abrandar o sectarismo que trava o exercício da democracia no dia a dia. Quer dizer que Lula não pretende mais do que patrocinar o bom uso da oportunidade? Não arriscou fazer profecia, mas quis dar o toque de tolerância que falta à normalidade política brasileira. Avaliou que "o PAC está dando certo" como programa de obras para manter a coesão num governo de coalizão, embora com mais partidos do que o necessário para servir a uma democracia refém de contradições. E ainda mostrou disposição de ir a comícios da campanha porque – no caso de Belo Horizonte – a boa relação entre o governo municipal e o estadual tem sido benéfica até para ele, e a aliança em torno de um tertius não prejudica ninguém. Ao contrário, multiplica a credibilidade dos partidos.

Por motivo da inversão de rumo que as coisas iam tomando, as palavras de Lula não ganharam fora de Minas a repercussão que mereciam. Tiveram apenas sentido reparador das tensões de natureza ética na vida brasileira, seguida de acomodação política a práticas menos nobres, sempre em nome da democracia e a pretextos menores. "As divergências políticas têm de ser encaradas com certa naturalidade, porque é assim mesmo", explica o presidente bonachão, sem enrolar a língua com teoria política ou pretensas razões científicas. Política entre nós ainda não é isto que Lula se dispõe a patrocinar junto aos dois partidos de impreciso teor de esquerda.

O marco zero do novo estilo de Lula foi a contundente repulsa ao terceiro mandato que lhe quiseram impingir, embora insuficiente para dissolver a suspeita acumulada. A declaração oral de Itajubá inaugurou o novo percurso presidencial, mas há muito chão a ser percorrido depois da eleição dos prefeitos e antes da sucessão da República. Ele já percebeu, mais à frente, o esboço de alguma dificuldade suficiente para reativar divergências e instalar o impasse. Dificuldades decorrentes da eleição deste ano e expectativa econômica sombria, no encaminhamento da sucessão, poderiam levar o presidente a advertir que não contem com ele para qualquer solução que não seja estritamente constitucional.

No momento em que superou o risco da deposição, da qual já chegam pormenores à opinião pública, Lula se reconheceu nos fatos e encantou-se com o perfil de homem de Estado em que se sentiu nos momentos difíceis. As pesquisas fizeram a balança pender para o lado dele. O presidente situou-se acima da identidade petista e das deficiências políticas brasileiras, no que respeita à democracia, e repeliu a hipótese sem fundamento legal. É só, por enquanto.

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