José de Souza Martins*
DEU EM O SÃO PAULO
Todos os dias somos bombardeados com estatísticas e números por meio dos quais os que os divulgam tentam nos convencer de que, sejam bons ou sejam ruins, esses números são sinais de que ou as coisas vão muito bem ou não vão tão mal quanto poderiam ir. Portanto, os dados da interpretação manipulativa devem nos deixar tranqüilos e sem medo de ser felizes. O número subinformado é hoje um dos grandes problemas na formação da opinião pública e uma das grandes armadilhas para a liberdade de pensamento. Embora estudos sérios sugiram que a economia brasileira vai crescer à média anual de pouco mais de 3% nos próximos 15 anos (quando deveria crescer 6% ao ano para criar alguma melhora nas condições sociais da população), conforme uma conferência que ouvi nesta semana, na USP, os dados fragmentários que a mídia, os técnicos e o governo nos apresentam no dia a dia nunca nos permitem perceber claramente a situação adversa e sem perspectiva em que nos encontramos.
Nesse cenário, uma das mais incômodas informações estatísticas é relativa ao emprego e ao desemprego. É sempre do tipo "é o menor índice de desemprego dos últimos anos", mas nada nos é dito sobre o fato de que continua alto o desemprego e o subemprego e que milhões de brasileiros estão desempregados ou empregados precariamente. Dados do Dieese mostram que, em 2005, se no total da população com mais de 16 anos de idade a proporção de desempregados nas áreas metropolitanas do país era de 23,8%, na faixa de 16 a 24 anos era de 45,5%. É um número desalentador, se levarmos em conta que para uma pessoa de 50 anos de idade, o impacto do desemprego, ainda que doloroso, é significativamente menor do que num jovem de 24 anos idade. Pois, nessa idade, estará ele pensando em constituir família e em decidir o destino. Chegar a essa idade e não ter ainda conseguido um emprego estável significa anular sonhos e esperanças não só no plano material, mas sobretudo no plano afetivo.
Mesmo em relação aos que estão empregados, nessa faixa de idade, a difusão de otimistas estatísticas de emprego pressupõe que o mero emprego já é um indicador de felicidade. Não temos estatísticas sobre a relação entre emprego e prazer no trabalho. Se as tivéssemos teríamos condições de juntar aos infelizes por desemprego os infelizes por emprego incompatível com a competência e a necessidade de prazer e realização pessoal no trabalho. Porque seu corpo estaria empregado, mas não o seu coração e a sua mente.
*Professor titular de Sociologia na Faculdade de Filosofia da USP. Dentre outros livros é autor de O Sujeito Oculto (Ordem e transgressão na reforma agrária), Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003; Exclusão Social e a Nova Desigualdade, 3a. edição, Paulus, 2007; A Sociedade Vista do Abismo (Novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais), 2ª edição, Vozes, 2003.
DEU EM O SÃO PAULO
Todos os dias somos bombardeados com estatísticas e números por meio dos quais os que os divulgam tentam nos convencer de que, sejam bons ou sejam ruins, esses números são sinais de que ou as coisas vão muito bem ou não vão tão mal quanto poderiam ir. Portanto, os dados da interpretação manipulativa devem nos deixar tranqüilos e sem medo de ser felizes. O número subinformado é hoje um dos grandes problemas na formação da opinião pública e uma das grandes armadilhas para a liberdade de pensamento. Embora estudos sérios sugiram que a economia brasileira vai crescer à média anual de pouco mais de 3% nos próximos 15 anos (quando deveria crescer 6% ao ano para criar alguma melhora nas condições sociais da população), conforme uma conferência que ouvi nesta semana, na USP, os dados fragmentários que a mídia, os técnicos e o governo nos apresentam no dia a dia nunca nos permitem perceber claramente a situação adversa e sem perspectiva em que nos encontramos.
Nesse cenário, uma das mais incômodas informações estatísticas é relativa ao emprego e ao desemprego. É sempre do tipo "é o menor índice de desemprego dos últimos anos", mas nada nos é dito sobre o fato de que continua alto o desemprego e o subemprego e que milhões de brasileiros estão desempregados ou empregados precariamente. Dados do Dieese mostram que, em 2005, se no total da população com mais de 16 anos de idade a proporção de desempregados nas áreas metropolitanas do país era de 23,8%, na faixa de 16 a 24 anos era de 45,5%. É um número desalentador, se levarmos em conta que para uma pessoa de 50 anos de idade, o impacto do desemprego, ainda que doloroso, é significativamente menor do que num jovem de 24 anos idade. Pois, nessa idade, estará ele pensando em constituir família e em decidir o destino. Chegar a essa idade e não ter ainda conseguido um emprego estável significa anular sonhos e esperanças não só no plano material, mas sobretudo no plano afetivo.
Mesmo em relação aos que estão empregados, nessa faixa de idade, a difusão de otimistas estatísticas de emprego pressupõe que o mero emprego já é um indicador de felicidade. Não temos estatísticas sobre a relação entre emprego e prazer no trabalho. Se as tivéssemos teríamos condições de juntar aos infelizes por desemprego os infelizes por emprego incompatível com a competência e a necessidade de prazer e realização pessoal no trabalho. Porque seu corpo estaria empregado, mas não o seu coração e a sua mente.
*Professor titular de Sociologia na Faculdade de Filosofia da USP. Dentre outros livros é autor de O Sujeito Oculto (Ordem e transgressão na reforma agrária), Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003; Exclusão Social e a Nova Desigualdade, 3a. edição, Paulus, 2007; A Sociedade Vista do Abismo (Novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais), 2ª edição, Vozes, 2003.
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